«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 19 de março de 2016

Foi legal ou ilegal ? ? ?

Comentários e análises a respeito da quebra de 
sigilo de conversas telefônicas de Lula...

... mas antes, ouça a íntegra das conversas de Lula reveladas na Lava Jato
Clique aqui
L E G A L

"Lula ministro, para quê?"

Ives Gandra da Silva Martins e Hamilton Dias de Souza* 
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Jurista e ex-Professor de Direito

Há dias circulavam rumores de que o alto escalão do governo federal e a cúpula do PT estudavam a nomeação do ex-presidente Lula, acusado de envolvimento em casos de corrupção, para o cargo de ministro. Tais boatos se concretizaram na última quarta (16 de março).

O objetivo da manobra, ao que tudo indica, é garantir ao ex-presidente a prerrogativa de "foro privilegiado". Como consequência, as denúncias contra ele dirigidas deixariam de ser examinadas pela Justiça Federal comum, evitando que o caso chegue às mãos do juiz Sergio Moro. O STF (Supremo Tribunal Federal) é que decidiria a questão.

A Constituição confere à presidente o poder de escolher seus ministros. Trata-se, porém, de uma faculdade apenas aparente, pois sujeita a limitações rígidas, decorrentes, primordialmente, do fato de que a atuação da administração deve ser pautada por fins e interesses públicos, nunca particulares.

De fato, os poderes constitucionalmente conferidos ao governante são garantidos a ele na qualidade de integrante do Estado. Existem apenas para que possa cumprir seu dever de atender aos interesses da coletividade.

São estes, nunca é demais recordar, que justificam a existência do próprio aparelho estatal e da posição ocupada.

Justamente por isso é que o artigo 37 da Constituição determina que as autoridades conduzam seus atos com impessoalidade e moralidade. Simpatias pessoais e/ou interesses de facções e grupos ligados ao governante não podem interferir na gestão da coisa pública.
HAMILTON DIAS DE SOUZA
Jurista e Advogado

Diante desse quadro, não há dúvidas de que a nomeação do ex-presidente esbarra nas limitações referidas. Isso porque realizada com objetivo preponderante de protegê-lo ou de amenizar a sua complicada situação, na qualidade de pessoa próxima à presidente. Como tal, é completamente inválida.

O STF é firme em reconhecer que o tratamento privilegiado que não decorra de "causa razoavelmente justificada" implica inadmissível "quebra de moralidade".

A Corte Suprema, a propósito, já analisou questão idêntica, decidindo que: "A nomeação para o cargo de assessor... é ato formalmente lícito. Contudo, no momento em que é apurada a finalidade contrária ao interesse público, qual seja, uma troca de favores..., o ato deve ser invalidado, por violação ao princípio da moralidade administrativa e por estar caracterizada a sua ilegalidade, por desvio de finalidade".

A propósito, não se diga que a presença do ex-presidente no corpo ministerial pode contribuir para amenizar a grave crise de legitimidade do governo. Nem que pode, de alguma forma, auxiliar na reversão da cambaleante situação econômica do país.

Afinal, se assim fosse, a nomeação teria ocorrido muito antes, já que esse quadro se arrasta há meses.

A situação foi agravada pela divulgação do diálogo entre os dois protagonistas, no qual, nitidamente, fica evidenciado que o intuito da nomeação foi proteger Lula do pedido de prisão preventiva que seria examinado pelo juiz Sergio Moro.

Tal gravação comprova que foram feridos quatro princípios fundamentais da administração pública, elencados pela Constituição Federal.

São eles: o princípio da moralidade (nomeação para ministro de Estado de um investigado por corrupção), da impessoalidade (nomeação no interesse pessoal do amigo, e não no interesse público), da eficiência (nomeação exclusivamente para blindá-lo, não em virtude dos atributos para o exercício do cargo) e da legalidade (desvio de finalidade na nomeação).

O juiz Moro, por sua vez, atendeu ao princípio da publicidade ao retirar o sigilo da gravação, já que o interesse público justifica a divulgação da conversa.

A nomeação de Lula ao cargo de ministro, portanto, com evidente desvio de finalidade, conduz a uma questão da mais alta relevância: não constitui, ela própria, ato de improbidade administrativa capaz de motivar o impeachment de Dilma?

* IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 81 anos, advogado, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, considerado um dos maiores tributaristas do Brasil. 
HAMILTON DIAS DE SOUZA, 72 anos, é jurista e mestre em direito pela USP.

Fonte: Folha de S. Paulo – Opinião – Sexta-feira, 18 de março de 2016 – Pág. A3 – Internet: clique aqui.

Juristas comentam quebra de sigilo de
conversas telefônicas de Lula

Juiz apresentou os motivos para liberar as gravações.
SÉRGIO FERNANDO MORO (44 ANOS)
Juiz Federal da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal em Curitiba (PR)

A decisão do juiz Sergio Moro de quebrar o sigilo das conversas telefônicas do ex-presidente Lula, nas investigações da Lava Jato, dividiu opiniões entre especialistas do mundo jurídico. Na quarta-feira (16 de março), o juiz apresentou os motivos para liberar as gravações.

Em um despacho de quatro páginas, o juiz Sérgio Moro decidiu pela quebra do sigilo das interceptações. Afirmou que, “rigorosamente, pelo teor dos diálogos gravados, constata-se que o ex-presidente já sabia, ou pelo menos desconfiava, de que estaria sendo interceptado pela Polícia Federal, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos diálogos. Da mesma forma, alguns diálogos sugerem que tinha conhecimento antecipado das buscas efetivadas no dia 4 de março”.

Sérgio Moro também observou que, “apesar de existirem diálogos do ex-presidente com autoridades com foro privilegiado [presidente Dilma], somente o terminal utilizado pelo ex-presidente foi interceptado e jamais os das autoridades com foro privilegiado, colhidos fortuitamente”.

Explicou que “manteve nos autos os diálogos interceptados de Roberto Teixeira pois, apesar deste ser advogado, não identificou com clareza relação cliente/advogado a ser preservada entre o ex-presidente e a referida pessoa. E há indícios do envolvimento direto de Roberto Teixeira na aquisição do sítio em Atibaia do ex-presidente, com aparente utilização de pessoas interpostas”. E completou: “então, ele é investigado e não propriamente advogado. Se o próprio advogado se envolve em práticas ilícitas, o que é objeto da investigação, não há imunidade à investigação ou à interceptação”.

O juiz Sérgio Moro também afirma que, “em alguns diálogos, fala-se aparentemente em tentar influenciar ou obter auxílio de autoridades do Ministério Público ou da magistratura em favor do ex-presidente. E que há, aparentemente, referência à obtenção de alguma influência de caráter desconhecido junto à excelentíssima ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal, provavelmente para obtenção de decisão favorável ao ex-presidente na ação 2822. Mas a eminente magistrada, além de conhecida por sua extrema honradez e retidão, denegou os pleitos da defesa do ex-presidente. De igual forma, há diálogo que sugere tentativa de se obter alguma intervenção do excelentíssimo ministro Ricardo Lewandowski contra imaginária prisão do ex-presidente”.

O juiz Moro explicou que decidiu quebrar o sigilo das conversas porque “a democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.

Moro finalizou dizendo que, “diante da notícia divulgada na presente data, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria aceito o convite para ocupar o cargo de ministro chefe da Casa Civil deve o feito com os conexos ser remetido após a posse aparentemente marcada para a próxima terça-feira, dia 22, quando efetivamente adquire o foro privilegiado ao egrégio Supremo Tribunal Federal”.

A data a que se referiu Moro é a mesma divulgada, na quarta-feira (16), numa rede social, pelo presidente do PT, Rui Falcão.

A decisão de suspender o sigilo dos grampos e o próprio fato de algumas conversas terem sido gravadas depois que o juiz Moro mandar parar as interceptações, dividiram opiniões entre juristas e advogados. O jurista Ives Gandra diz que, se Moro não divulgasse o teor dos grampos, estaria, na verdade, prevaricando.

Ele obteve uma informação relevantíssima de desvio de finalidade e tornou público, porque o princípio de publicidade é um dos cinco princípios fundamentais da constituição no artigo 37 sobre administração pública. Eu creio que quando nós temos o conhecimento de um fato gravíssimo, esse fato, qualquer cidadão, tem obrigação de tornar público”, destaca Ives Gandra Martins, jurista.
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“Certamente é um delay [atraso], não é o juiz que desliga o aparelho, por isso, pode ocorrer. Agora o fundamental, eu acho que, nesse momento... Isso deve ser questionado para eventual fim de prova ilícita. Mas eu acho que a discussão política constitucional relevante é o que se verifica ali, é uma trama, é uma articulação para obter um dado. Isso que nós precisamos refletir, a proposito disso que nós devemos discutir”, comenta Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal.
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Fonte: Portal G1 – Jornal Nacional – Edição do dia 17 de março de 2016 – 21h55 (última atualização) – Internet: clique aqui.

Para Janot, gravação de conversa entre
Lula e Dilma é legal

Jamil Chade e Andrei Netto

Procurador-geral da República considera legal captação e divulgação do diálogo no qual Dilma avisa Lula que enviara o termo de posse na Casa Civil para ser usado “só em caso de necessidade”
RODRIGO JANOT
Procurador-geral da República (Brasília)

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse nesta sexta-feira, 18, em Paris, que a gravação de conversa telefônica entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff não afronta as garantias constitucionais da Presidência da República, pois o alvo da interceptação era o petista. Naquele momento, Lula ainda não havia sido empossado como ministro-chefe da Casa Civil e, por esse motivo, o inquérito que apura se ele obteve vantagens indevidas de empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato ainda estava sob jurisdição do juiz federal Sérgio Moro, que autorizou e depois divulgou o conteúdo dos grampos.

A informação de que a Procuradoria-Geral da República tende a considerar as gravações legais e não vê afronta às garantias constitucionais da presidente, como alegado por Dilma, foi antecipada pelo jornal O Estado de S. Paulo. Na sexta-feira, Janot explicou que a validade da gravação da conversa entre Dilma e Lula, ocorrida às 13h32 de quarta-feira, está condicionada pelo horário em que a operadora de telefonia responsável pela interceptação teve ciência da notificação. Segundo o procurador, é o momento da notificação – e não o momento da interrupção de fato – que conta para um processo judicial.

No diálogo com Lula, Dilma dá a entender que o envio do termo de posse de Lula na chefia da Casa Civil de forma antecipada seria uma forma de protegê-lo de uma eventual ordem de prisão. A presidente nega essa intenção e tem criticado a divulgação da conversa, medida tomada por Moro horas depois de Lula ter sido confirmado no ministério.

"Eu não conheço o detalhe do fato. Se há uma decisão judicial que interrompe uma interceptação telefônica, tem de haver uma intimação à empresa telefônica para que ela cesse a interceptação", explicou o procurador, em entrevista na capital francesa. "Até a empresa ser intimida, a interceptação telefônica tem validade. Dali para a frente, não." De acordo com o procurador-geral, é essa informação que precisa ser apurada em detalhes. "Daí ter de olhar o horário correto. O fato de o juiz determinar a suspensão… a empresa telefônica não vai adivinhar", completou.

Segundo o sistema da Justiça Federal do Paraná, o ofício em que Moro ordena à operadora Claro que interrompa as interceptações foi emitido às 12h18 de quarta-feira. O diálogo em que Dilma diz a Lula que está enviando o termo de posse, que lhe garantiria o cargo de ministro-chefe da Casa Civil e, consequentemente, a mudança de foro jurisdicional, aconteceu às 13h32. Conforme a Polícia Federal, a Claro só acatou a ordem de Moro, suspendendo as interceptações, às 23h33. Resta saber em que momento a Claro recebeu a ordem de interrupção das gravações, o que de acordo com a avaliação de Janot marcaria o momento em que os registros seriam inválidos aos olhos da Procuradoria-Geral da República.

O procurador-geral, Rodrigo Janot, termina neste sábado, 19 de março, sua turnê de uma semana pela Europa e a partir de segunda-feira vai avaliar diretamente o caso e um eventual pedido de inquérito contra Lula e Dilma. Para a Lava Jato, a conversa entre os dois petistas configuraria uma tentativa de obstrução da Justiça - a presidente afirma que o conteúdo do diálogo é "totalmente republicano".

Inconformidade

Durante a viagem pela Europa, o chefe do Ministério Público não escondeu de pessoas próximas o fato de estar "inconformado" com a atitude de Lula de dizer que colocaria "medo" nos procuradores da Lava Jato. Numa das conversas gravadas, Lula se queixa de "ingratidão" de Janot que, apesar de ter sido nomeado em 2013 e 2015 pelo governo Dilma Rousseff, não teria dado a mesma atenção a suspeitas contra o senador tucano Aécio Neves (MG) como as dadas pelo Ministério Público a integrantes do PT. "Essa é a gratidão. Essa é a gratidão dele por ele ser procurador", ironizou Lula ao advogado e ex-deputado pelo PT do Distrito Federal Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, no dia 7 de março.

Janot teria dito a pessoas próximas a ele que se sentiu "traído" pela forma como Lula agiu ao ironizar sua "gratidão" e ao sugerir que os procuradores devem ser "amedrontados". O procurador-geral tem elogiado o fato de que Dilma tenha respeitado a lista de nomes apresentados para a escolha do chefe da procuradoria-geral da República - os governos do PT indicam ao cargo o mais votado pelos procuradores.

A insatisfação com as falas de Lula captadas pelos grampos da Lava Jato já havia motivado uma declaração pública de Janot em resposta à "gratidão" devida pelo cargo. Na quinta-feira, o procurador-geral disse a jornalistas que "cargo público não é presente" e que só tem gratidão à sua família.

Foro

Na entrevista em Paris, nesta sexta-feira, Janot rebateu as afirmações de aliados do governo, e da própria Dilma, de que as escutas teriam ferido as garantias constitucionais da Presidência da República. "Uma coisa é ter um alvo que não tem prerrogativa de foro. As pessoas que ligam para este alvo não são objeto de escuta, (porque) o objeto de escuta é o alvo", afirmou o procurador-geral. "Se as pessoas ligam para este alvo, a escuta que está em curso vai captar essa gravação. É assim que funciona."

Para o procurador-geral, Moro tinha jurisdição sobre a gravação das conversas porque o alvo da investigação é Lula e, naquele momento, ele não detinha foro privilegiado no Supremo. "Incorreta seria se tivesse sido determinada pelo juiz de primeiro grau, e não pelo Supremo Tribunal Federal, em linhas de telefone de uso da presidente da República. Isso é incorreto. Só o Supremo poderia fazê-lo", ponderou. "Agora, se há uma pessoa investigada, sem prerrogativa de foro, e seu sigilo é quebrado por uma decisão judicial… O ex-presidente da República não tem foro."

Sobre a decisão de divulgar o conteúdo do áudio, tomada por Moro, Janot afirmou que essa determinação depende do fim da necessidade de sigilo na diligência. "Eu não sei como foi feita a diligência em si. Mas se você tem uma diligência em curso que necessita de sigilo para que possa ser realizada, ela é feita em sigilo. Após realizada essa diligência, se não existe mais necessidade de sigilo para preservar a diligência, essa diligência pode ser tornada pública", explicou o procurador-geral. "É isso que eu preciso saber. Eu ainda não conheço essa diligência."

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Sábado, 19 de março de 2016 – Pág. A4 – Internet: clique aqui.

I L E G A L


O suicídio da Lava Jato

Vladimir Safatle
Professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP

“Trata-se de recusar naturalizar práticas espúrias, que não seriam aceitas em nenhum Estado minimamente democrático”
VLADIMIR SAFATLE
Professor de Filosofia na USP

O juiz Sérgio Moro conseguiu o inacreditável: tornar-se tão indefensável quanto aqueles que ele procura julgar. Contrariamente ao que muitos defenderam nos últimos dias, suas últimas ações são simplesmente uma afronta a qualquer ideia mínima de Estado democrático. Não se luta contra bandidos utilizando atos de banditismo.

A divulgação das conversas de Lula com seu advogado constitui uma quebra de sigilo e um crime grave em qualquer parte do mundo. Não há absolutamente nada que justifique o desrespeito à inviolabilidade da comunicação entre cliente e advogado, independente de quem seja o cliente. Ainda mais absurdo é a divulgação de um grampo envolvendo a presidente da República por um juiz de primeira instância tendo em vista simplesmente o acirramento de uma crise política.

Alguns acham que os fins justificam os meios. No entanto, há de se lembrar que quem se serve de meios espúrios destrói a correção dos fins.

Pois deveríamos começar por nos perguntar que país será este no qual um juiz de primeira instância acredita ter o direito de divulgar à imprensa nacional a gravação de uma conversa da presidente da República na qual, é sempre bom lembrar, não há nada que possa ser considerado ilegal ou criminoso.

Afinal, o argumento de obstrução de Justiça não para em pé. Dilma tem o direito de nomear quem quiser e Lula não é réu em processo algum. Se as provas contra ele se mostrarem substanciais, Lula será julgado pelo mesmo tribunal que colocou vários membros de seu partido, de maneira merecida, na cadeia, como foi no caso do mensalão.

Lembremos que "obstrução de Justiça" é uma situação na qual o indivíduo, de má-fé e intencionalmente, coloca obstáculos à ação da Justiça para inibir o cumprimento de uma ordem judicial ou diligência policial. Nomear alguém ministro, levando-o a ser julgado pelo STF, só pode ser "obstrução" se entendermos que o Supremo Tribunal não faz parte da "Justiça".

A fragilidade do argumento é patente, assim como é frágil a intenção de usar um grampo ilegal cuja interpretação fornecida pelo sr. Moro é, no mínimo, passível de questionamento.

Na verdade, há muitas pessoas no país que temem que o sr. Moro tenha deixado sua função de juiz responsável pela condução de processo sobre as relações incestuosas entre a classe política e as mega construtoras para se tornar um mero incitador da derrubada de um governo.

A Operação Lava Jato já tinha sido criticada não por aqueles que temiam sua extensão, mas por aqueles que queriam vê-la ir mais longe. Há tempos, ela mais parece uma operação mãos limpas maneta.

Mesmo com denúncias se avolumando, uma parte da classe política até agora sempre passa ilesa. Não há "vazamentos" contra a oposição, embora todos soubessem de nomes e esquemas ligados ao governo Fernando Henrique Cardoso e a seu partido. Só agora eles começaram a aparecer, como Aécio Neves e Pedro Malan.

Reitero o que escrevi nesta mesma coluna, na semana passada: não devemos ter solidariedade alguma com um governo envolvido até o pescoço em casos de corrupção. Mas não se trata aqui de solidariedade a governos. Trata-se de recusar naturalizar práticas espúrias, que não seriam aceitas em nenhum Estado minimamente democrático.

Não quero viver em um país que permite a um juiz se sentir autorizado a desrespeitar os direitos elementares de seus cidadãos por ter sido incitado por um circo midiático composto de revistas e jornais que apoiaram, até o fim, ditaduras e por canais de televisão que pagaram salários fictícios para ex-amantes de presidentes da República a fim de protegê-los de escândalos.

O Ministério Público ganhou independência em relação ao poder executivo e legislativo, mas parece que ganhou também uma dependência viciosa em relação aos humores peculiares e à moralidade seletiva de setores hegemônicos da imprensa.

Passam-se os dias e fica cada dia mais claro que a comoção criada pela Lava Jato tem como alvo único o governo federal.

Por isso, é muito provável que, derrubado o governo e posto Lula na cadeia, a Lava Jato sumirá paulatinamente do noticiário, a imprensa será só sorrisos para os dias vindouros, o dólar cairá, a bolsa subirá e voltarão ao comando os mesmos corruptos de sempre, já que eles foram poupados de maneira sistemática durante toda a fase quente da operação.

O que poderia ter sido a exposição de como a democracia brasileira só funcionou até agora sob corrupção, precisando ser radicalmente mudada, terá sido apenas uma farsa grotesca.

Fonte: Folha de S. Paulo – Colunistas – Sexta-feira, 18 de março de 2016 – Pág. A2 – Internet: clique aqui.

O fim da picada

Mauro Santayana

“Iludem-se aqueles que acham que a Operação Lava-Jato
vai livrar o país da corrupção”
MAURO SANTAYANA
Jornalista

Se não falham os estudiosos, a expressão “o fim da picada”, deriva da situação em que se encontra, de repente, o sujeito que vinha seguindo uma trilha, no meio da floresta, e, subitamente, se vê perdido, quando essa trilha, ou “picada”, aberta à medida que se corta, ou se “pica” o mato à frente, termina abruptamente, obrigando o viajante a seguir às cegas, ou a voltar para um distante, e muitas vezes, inalcançável, ponto de partida.

O grampo contra a Presidente da República, com sua imediata divulgação, para uma empresa de comunicação escolhida para escancarar seu conteúdo ao país, operado por um juiz de primeira instância, depois da desnecessária e arbitrária condução coercitiva e do pedido de prisão de um ex-presidente da República, devido a uma acusação de falsidade ideológica – em um país em que bandidos com dezenas de milhões de dólares em contas na Suíça, procurados pela Interpol e condenados à prisão em outros países circulam, soltos, tranquilamente - representa isso.

O fim da picada de uma Nação em que as instituições se recusam a funcionar, e estão, virtualmente, sob o sequestro de meia dúzia de malucos concursados - apoiados corporativamente por toda uma geração de funcionários de carreira de Estado comprometidos ideologicamente, com a razoável exceção de organizações como a associação de Juízes para a Democracia - que atuam como ponta de lança de uma plutocracia estatal [exercício do poder ou do governo pelas classes mais abastadas da sociedade], que, embalada por uma imprensa parcial e irresponsável, pretende tutelar a República, colocando-se acima dos poderes constituídos.

Perguntado o que achava do pedido de prisão do Ministério Público de São Paulo, há poucos dias, o líder do PSDB na Câmara Alta, o senador Cássio Cunha Lima, disse que não via motivos para tanto e recomendou cautela neste momento.

Agradece-se a sua coragem e bom-senso – Cássio Cunha Lima foi violentamente atacado por isso pela malta radical fascista nos portais e redes sociais – mas agora é tarde.

A oposição deveria ter pensado nisso quando ainda não ocupava – tão hipócrita e injustamente quanto outros acusados - as manchetes da coluna de delações “premiadas”, e abandonou o calendário político normal para fazer política nos tribunais, por meio da criminalização da atividade, entregando o país a um grupo de procuradores e a um juiz de primeira instância que age - como se viu  pelo vazamento imediato do grampo do Palácio do Planalto - como um fio desencapado, não se importando – assim como os procuradores que o cercam ou nele se inspiram - em incendiar o país para dizer que é ele quem está no comando, independente da atitude da Presidente da Republica de trocar o Ministro da Justiça, ou nomear para a Casa Civil um ex-presidente da República, ou da preocupação de alguns ministros e ministras do STF – pelo menos aqueles que parecem ter conservado um mínimo de dignidade e de razão neste momento.

Iludem-se aqueles que acham que a Operação Lava-Jato vai livrar o país da corrupção.

Os resultados políticos da Operação Mani Pulliti [sic] – a operação Mãos Limpas, à qual o Juiz Sérgio Moro se refere a todo instante como seu farol e fonte de “inspiração”, foram a condução de Berlusconi, um bufão pseudo fascista ao poder na Itália, por 12 anos eivados de escândalos, seguida da entrega do submundo do Estado a uma máfia comandada por ex-terroristas de extrema-direita, responsáveis por mega-escândalos como o da Máfia Capitale, que envolve desvios e comissões em obras públicas em Roma, da ordem de bilhões de euros, cujo julgamento começou no último mês de novembro.
ANTONIO DI PIETRO
Juntamente com Gherardo Colombo e Piercamillo Davigo, foi um dos magistrados
que se destacou na famosa Operação "Mani Pulite" na Itália

Da mesma forma, iludem-se, também, aqueles que acham que, com a queda do governo, por meio de impeachment, ou de manobra no TSE ou no TCU, ou de uma Guerra Civil, que se desenha como cada vez mais provável, o Brasil irá voltar à normalidade.

A verdadeira batalha, neste momento e a perder de vista – e há uma grande proporção de parvos [tolos] que ainda não entenderam isso – não é entre o governo e a oposição, mas entre o poder político, alcançado por meio do voto soberano da população, e a burocracia estatal, principalmente aquela que tem a possibilidade – pela natureza de seu cargo - de pressionar, coagir, chantagear, a seu bel-prazer, a Presidência da República, o Congresso e o grande empresariado.

Em palestra recente, para empresários – quando, com suas multas e sanções, ele está arrebentando com metade do capitalismo brasileiro – o Juiz Sérgio Moro afirmou que a operação Lava-Jato não tem consequências econômicas.

Sua Excelência poderia explicar isso ao BTG, cujas ações diminuíram pela metade seu valor, quebrando milhares de acionistas, ou que perdeu quase 20 de reais [sic] em ativos desde a prisão de André Esteves.

Ou à Mendes Júnior que teve de demitir metade dos seus funcionários e está entrando em recuperação judicial esta semana.

Ou, ainda, aos 128.000 trabalhadores terceirizados da Petrobras que perderam o emprego no ano passado.

Ou às famílias dos 60.000 trabalhadores da Odebrecht, que também foram demitidos, ou aos funcionários restantes que aguardam o efeito da multa de 7 bilhões de reais – mais de 15 vezes o lucro do Grupo em 2014 – que se pretende impor “civilmente” à companhia.

Ou aos funcionários da Odebrecht que estão envolvidos com projetos de extrema importância para a defesa nacional, como a construção de nossos submarinos convencionais e atômicos e nosso míssil ar-ar A-Darter, concebido para armar nossos futuros caças Gripen NG-BR, que terão de ser interrompidos caso essa multa venha a ser cobrada.    

Ou, ainda, aos “analistas” entre os quais é consenso que a Operação Lava Jato foi responsável por 2%, ou mais de 50%, da queda do PIB - de 3,8% - no ultimo ano.

Na mesma ocasião, o Sr. Sérgio Moro - como se fôssemos ingênuos de acreditar que juízes não têm suas próprias opiniões, ideologia e idiossincrasias políticas – afirmou não ter “partido”.

Ora, ele tem, sim, o seu partido.

E ele se chama PSM, o Partido do Sérgio Moro.   

Um “partido” em que não cabem os interesses do país, nem os do governo, nem os da oposição, a não ser que eles se coloquem sob a sua tutela.

Assim como não dá para acreditar, com sua relativamente longa experiência, depois dos episódios de Maringá e do Banestado, que ele esteja agindo como age por ter sido picado pelo messianismo que distrai e embala a alma de outros “salvadores da pátria” da Operação Lava-Jato.

O que - seguindo a lógica do raciocínio - só pode nos levar a pensar que ele está fazendo o que faz porque talvez pretenda meter-se a comandar o país diretamente – achando, quem sabe, que as Forças Armadas vão permitir que venha a adentrar o Palácio do Planalto carregado por manifestantes convocados pelo Whats UP [sic], em uma alegre noite de buzinaço,  como um moderno Salazar ou Mussolini – ou quando eventualmente se cansar, lá pela milésima-primeira fase da Operação Lava-Jato - de exercitar seu ego e – até agora - seu incontestável poder de manter o país em suspense, paralisado política e economicamente, independentemente do ocupante de turno – quem grampeia um presidente grampeia qualquer presidente - que estiver sentado na principal poltrona do Palácio do Planalto.

A alternativa a essa República da “Destrói a Jato”, de um país mergulhado permanentemente na chantagem, na manipulação, no caos e na paralisia, é alguém ter coragem, nos órgãos de controle e fiscalização, de enfrentar o falso “clamor”, pretensamente “popular”, de um senso comum ditado pela ignorância e a mediocridade, e pendurar o guizo no pescoço do gato – ou desse tigre (de papel) – impondo ao mito construído em torno dessa operação, e aos seus “filhotes”, o império da Lei e o respeito ao Estado de Direito e à Constituição Federal.

Mas para isso falta peito e consciência de História a quem pode fazê-lo.

E sobra – talvez pelo medo das tampas de panela dos vizinhos – hesitação e covardia.

Fonte: Jornal do Brasil – País - Sociedade Aberta – Quinta-feira, 17 de março de 2016 – 10h59 (última atualização) – Internet: clique aqui.

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