«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Brasil injusto ! ! !

Imposto da renda poupa super-ricos e prejudica
salários médios e baixos

Bruno Fonseca
Agência Pública

Forma como Imposto de Renda é calculado isenta maior parte dos rendimentos de quem recebe acima de 320 salários mínimos e onera
a maioria dos contribuintes

A Receita utiliza cinco alíquotas diferentes: 0%, 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%. Na prática, contudo, os brasileiros não pagam essas alíquotas sobre o total que receberam porque parte desse rendimento é isenta ou já foi tributada na fonte.

A alíquota real mais alta, de acordo com a declaração de 2017, foi de 21,50% dos rendimentos tributáveis para quem recebeu entre 160 a 240 salários mínimos. O grupo mais rico, que tem rendimentos de mais de 320 salários, acaba pagando proporcionalmente menos, 20,87% do total de rendimentos tributáveis.

No entanto, quando se considera o Imposto de Renda devido em relação a todos os rendimentos que uma pessoa teve, independentemente de serem isentos ou não, os mais ricos acabam por ter uma porcentagem menor da renda comprometida com o imposto em relação a quem está no meio da pirâmide.

Aqueles que ganharam entre 20 a 30 salários mínimos na última declaração foram os que mais pagaram imposto proporcionalmente a tudo que receberam: 10,37%.

Novamente, o motivo para a mordida do leão comprometer menos a renda de quem está no topo é a maior quantidade de rendimentos isentos para quem ganha mais.
JOÃO ELOI OLENIKE

Para o presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, as alíquotas do IR são de fato progressivas, mas limitadas. “Ela faz uma injustiça com pessoas que ganham bem mais e acabam pagando uma alíquota igual a quem não ganha tão bem assim. Elas oneram mais a classe média, sendo que as pessoas mais ricas acabam pagando menos imposto. Além disso, há uma defasagem de mais de 80% na correção da tabela. Muitas pessoas têm o imposto descontado na fonte, sendo que, se a tabela fosse corrigida, isso não aconteceria. Há pessoas que ganham pouco e poderiam estar isentas. A atualização da tabela não é uma benesse do governo; é uma obrigação para cumprir os direitos dos contribuintes”, critica.

Para Fábio Gallo, professor de finanças da PUC-SP, é preciso corrigir o cálculo das alíquotas para atender à distribuição de renda do brasileiro. “Se a gente pensar que ganham acima de dez salários mínimos mais ou menos uns 4% da população brasileira, obviamente você coloca na última faixa de [cobrança do imposto] uma gama enorme de pessoas, que pega praticamente desde a classe C+ à A. O governo, pela necessidade de arrecadação, acaba não reajustando a tabela. É um tiro no pé da arrecadação, pois você força pessoas a pagar tributos, deixando de consumir. Elas poderiam fazer girar a economia e gerar os tributos a partir do consumo”, comenta.
FÁBIO GALLO

Deduções em saúde e educação refletem desigualdade de renda da população

Antes de fechar a declaração do Imposto de Renda, todo brasileiro pode incluir descontos que abatem o valor final pago ao fisco ou podem dar direito à restituição. Entram nessa classe gastos médicos, com educação, dependentes, pensões alimentícias, contribuições previdenciárias e pagamentos feitos como autônomos ou profissionais liberais. Contudo, conforme apurou a Pública, exceto pelo desconto padrão oferecido pela Receita, quem ganha até dois salários mínimos abate proporcionalmente menos nas suas deduções em relação a grupos com maiores rendimentos.

Em média, quem ganha entre um e dois salários mínimos informou R$ 48 em descontos com educação por pessoa. Isso equivale a um abatimento de 0,30% da média de rendimentos totais para cada pessoa nessa faixa.

Já quem recebe entre cinco e sete salários mínimos deduziu mais do imposto. Em média, cada pessoa nessa faixa abateu 1,57% do total de rendimentos com gastos em educação. A média de gastos nesse grupo foi de R$ 974 por pessoa com instrução.

No topo, quem teve rendimentos acima de 320 salários declarou em média R$ 1,2 mil em gastos do tipo por pessoa. O limite de abatimentos com educação é de R$ 3,5 mil.

Os descontos em saúde são ainda mais contrastantes, pois não há limite nessa categoria. A média de abatimentos de quem ganha entre um e dois salários mínimos foi de R$ 175, que representa uma dedução de 1,09% do total de rendimentos.

Quem ganha de sete a dez salários, por sua vez, pode deduzir bem mais. Nesse grupo, que gastou cerca de R$ 3,3 mil por pessoa com saúde, foi possível abater em média 3,84% do rendimento total com gastos médicos.

Novamente no topo, quem teve rendimentos acima de 320 salários declarou gastos com saúde de cerca de R$ 18,1 mil por pessoa.
TATHIANE PISCITELLI

Na avaliação de Tathiane Piscitelli (professora de direito tributário e finanças públicas da FGV-SP), isso é um problema. “Essa dedução das despesas médicas só beneficia as camadas mais ricas da sociedade. O modelo de dedução que temos hoje favorece uma desigualdade maléfica. Ao invés de você ter uma alíquota progressiva, você tem momentos em que ela é regressiva”, critica.

Há ainda a categoria de dedução de livro-caixa, que inclui gastos de autônomos ou profissionais liberais, por exemplo, para manter escritórios ou comprar material de trabalho. Nesse conjunto, pessoas que ganham de um a dois salários mínimos deduziram apenas R$ 4,41, em média. Já no grupo dos que tiveram rendimentos de mais de 320 salários, foi possível abater, em média, mais de R$ 180 mil por pessoa.

Esse grupo de milionários é justamente o mais privilegiado pelos abatimentos de livro-caixa. Em média, eles conseguiram deduzir cerca de 1,62% do total de rendimentos com esses gastos.

Na avaliação de Fábio Gallo, as deduções são corretas, pois refletem um comprometimento de renda do cidadão. “Como seria justo você pagar imposto sobre renda, mas não poder declarar que você fez uma cirurgia, por exemplo? Na verdade, o que é injusto, é que certos gastos não são permitidos e deveriam ser mais fáceis de lançar, como livros, materiais para estudo”, avalia.

Contudo, Gallo pondera que, entre os mais ricos, há irregularidades na utilização da estrutura de empresas para fins pessoais. “Os super-ricos utilizam serviços que saem em nome da empresa e não em seus nomes. Infelizmente sei de casos como este: o mordomo da casa está registrado na empresa. É um problema trabalhista, além do fiscal”, critica.

Ao todo, incluindo todos os tipos de deduções, a faixa que mais consegue abater proporcionalmente aos rendimentos tributáveis é a de quem ganha entre três e cinco salários. Esse grupo, justamente o mais numeroso entre os declarantes de IR – mais de 7,6 milhões de pessoas –, deduz pouco mais de um quinto de todos os rendimentos com os abatimentos.

Entre as pessoas que ganham até dois salários, a porcentagem da dedução é menor, de 16,85% do rendimento total.

Os mais ricos deduzem ainda menos proporcionalmente, apenas 2,12%. O valor bruto, contudo, é o maior de todos: em média, quem recebeu mais de 320 salários abateu de R$ 236 mil por pessoa, a maior parte com despesas de livro-caixa.

Declaração de bens escancara concentração de renda brasileira

Item obrigatório da declaração de IR, os bens e direitos refletem a desigualdade econômica na população brasileira. Os pouco mais de 25 mil brasileiros que recebem mais de 320 salários concentram riqueza similar aos mais de 14,8 milhões que estão na base, incluindo aí quem é isento de pagamento de Imposto de Renda.

Os mais ricos têm, em média, 180 vezes mais em bens que a média de toda a população brasileira que declarou bens à Receita.

O peso de heranças e doações também é significativo entre os mais ricos. Cada pessoa nesse grupo recebeu em média R$ 1,4 milhão em doações e heranças. Entre quem ganha de um a dois salários, o valor médio foi de apenas R$ 29 por pessoa.

O valor médio de heranças e doações entre quem ganha mais de 320 salários é maior que a média de todas as outras faixas somadas. Heranças e doações são isentas do IR, mas pagam Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que varia conforme o estado. O máximo atual é de 8%.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 30 de abril de 2018 – Internet: clique aqui.

domingo, 29 de abril de 2018

A VIDA ATRIBULADA DE ADÃO E EVA

Antonio Gonçalves Filho

Stephen Greenblatt está publicando no Brasil seu livro
«Ascensão e Queda de Adão e Eva»
 
STEPHEN GREENBLATT
No prólogo de seu livro Ascensão e Queda de Adão e Eva, o teórico e crítico literário norte-americano Stephen Greenblatt pergunta por que uma história que ocupa pouco mais de uma página e meia da Bíblia “se impõe com tanta eficiência e tanta facilidade”. Ele mesmo responde: “Porque nós a ouvimos quando crianças e nunca mais a esquecemos”. Greenblatt não só não a esqueceu como decidiu escrever um livro sobre nossos parentes mais distantes, concluindo que o primeiro casal da humanidade “é o epítome do nosso poder de contar histórias”.

Greenblatt conversou por telefone com a reportagem do Aliás, esclarecendo que seu ensaio sobre Adão e Eva não pretende ser um manifesto anticlerical ou um resumo de como essa história foi absorvida pela cultura judaica, muçulmana e cristã. Antes, é um estudo sobre como ela foi interpretada por homens religiosos como o bispo africano Santo Agostinho, que deu à história um peso ligado ao sexo e ao pecado, ou por escritores como Milton, autor de O Paraíso Perdido, que fez do texto bíblico um pretexto para discutir valores humanos. Ou ainda por artistas como o pintor alemão Albrecht Dürer (1471-1528), o mais popular entre os renascentistas nórdicos, que revolucionou a arte europeia ao criar, em 1507, um Adão inspirado no Apolo Belvedere e uma Eva cercada por quatro bichos que representam a ideia medieval dos quatro temperamentos humanos.

Assim como Dürer deixou o espírito científico de lado para definir esses temperamentos por figuras de animais que cercam Eva no jardim do Éden (um gato colérico, um coelho sanguíneo, um melancólico alce e um fleumático boi), Greenblatt argumenta que a literatura parece ter melhores ferramentas para explorar a história bíblica que a ciência.
"Adão e Eva" de Albrecht Dürer (1471-1528)

As fontes literárias analisadas por Greenblatt são inúmeras. “Para mim, essa história de Adão e Eva se parece com um conto de Kafka”, diz ele, definindo a narrativa bíblica como paradoxal. Em seu livro, ele começa com mitos sumérios que remetem à história do paraíso perdido, como o épico Gilgamesh, que trata igualmente de iniciação sexual e da aceitação da mortalidade, e termina com uma pesquisa sobre chimpanzés em Uganda.

“Mas, no lugar de mitos mesopotâmicos, o que nós herdamos foi o Gênesis”, observa o crítico, que se ocupa demoradamente no estudo de Agostinho sobre o primeiro livro da Bíblia. Foi por meio dele, argumenta Greenblatt, que a história de Adão e Eva “deixou de ser alegoria pura para se transformar em verdade literal”. Com Agostinho, conclui o autor, a queda do casal se torna a fonte do pecado original, projetando a própria luta do santo para manter a castidade e resgatar o estado de inocência do jardim do Éden.

Greenblatt não despreza o viés psicanalítico ao falar também de John Milton. Após descrever a rebelião dos anjos liderados por Lúcifer, que por isso perdeu o paraíso, Milton entra na vida dos pais da humanidade e, segundo Greenblatt, projeta uma visão do Éden que nem passou pela cabeça de Agostinho – o crítico vê no poema sinais de um erotismo incontrolado. “Parece claro que Milton imaginava o paraíso como um lugar em que Adão e Eva praticavam sexo desenfreadamente”. O que era um casal idílico, que só teria descoberto o sexo depois da queda, vira um casal de uma carnalidade extremamente real.

No cerne da história bíblica, continua Greenblatt, está “a escolha de comer o fruto proibido”, uma rebelião contra um poder que ele não hesita em chamar de “tirânico” – “que espécie de Deus proibiria suas criaturas de conhecer a diferença entre o bem e o mal?”, pergunta o crítico no prólogo, transferindo a responsabilidade da incômoda questão para os céticos que a Igreja perseguiu por tal ousadia. O Iluminismo, conclui Greenblatt, amplificou as vozes dissonantes desses céticos, entre os quais ele inclui Darwin e o escritor norte-americano Mark Twain. Em 1906, Twain, num sarcástico exercício de imaginação literária, publicou Os Diários de Eva, em que a primeira mulher conta como foi criada, explorou o Éden com Adão e dele foi expulsa com o companheiro. Na época do seu lançamento, o livro de Twain, que trazia 55 ilustrações do casal como veio ao mundo, foi considerado “pornográfico” por uma biblioteca americana.

Greenblatt cita ainda o livro de Saramago, Caim, como um dos seus preferidos sobre o Gênesis. E não esquece Spinoza, que, ao contrário de Agostinho, não acreditava ser a natureza humana corrompida a ponto de impedir a reconquista do paraíso. Eva foi frequentemente acusada de ludibriar o primeiro homem – em um livro recentemente lançado, O Martelo das Feiticeiras, dois frades dominicanos do século 15 acusam a mulher, e não o diabo, de ter enganado o homem e provocado a ruína humana, lembra Greenblatt. A história bíblica, enfim, antecipou temas contemporâneos como transgressão, diferença sexual e exílio. Há autores, entre eles uma freira do século 17, Arcangela Tarabotti, que condenou a difamação de Eva como um exemplo de “tirania patriarcal”?

O crítico americano não chega a tanto. Diz que Eva, antes de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, “não entendia que estava sendo dominada por Adão, o que só veio a compreender depois de transgredir”. Greenblatt foi observar a vida dos chimpanzés num parque em Uganda e topou com inocentes vivendo no jardim do Éden. “Os chimpanzés têm algo de Adão e Eva antes da Queda”, afirma. “Embora não saibam a diferença entre o bem e o mal, em contrapartida são livres e sem culpa”, conclui.

Greenblatt lança lá fora, no próximo dia 8, mais um livro sobre Shakespeare, sobre quem escreveu o antológico Como Shakespeare se Tornou Shakespeare. Em Tyrant, o autor analisa os personagens mais doentios do bardo, de Coriolano a Ricardo III, passando por Macbeth, para entender a obsessão tirânica pelo poder na Inglaterra.

L I V R O

Título: Ascensão e Queda de Adão e Eva
Autor: Stephen Greenblatt
Tradutor: Donaldson M. Garschagen
Editora: Companhia das Letras (São Paulo)
Páginas: 392
Preço de capa: R$ 69,90

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 29 de abril de 2018 – Pág. E3 – Internet: clique aqui.

5º Domingo de Páscoa – Ano B – Homilia

Evangelho: João 15,1-8

Naquele tempo, Jesus disse a seus discípulos:
1 «Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor.
2 Todo ramo que em mim não dá fruto ele o corta; e todo ramo que dá fruto, ele o limpa, para que dê mais fruto ainda.
3 Vós já estais limpos por causa da palavra que eu vos falei.
4 Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim.
5 Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permaneceu em mim, e eu nele, esse produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.
6 Quem não permanecer em mim, será lançado fora como um ramo e secará. Tais ramos são recolhidos, lançados no fogo e queimados.
7 Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vós será dado.
8 Nisto meu Pai é glorificado: que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos.

JOSÉ ANTONIO PAGOLA

NÃO FICARMOS SEM SEIVA

A imagem é de uma força extraordinária. Jesus é a «videira», aqueles que nele creem são os «ramos». Toda a vitalidade dos cristãos nasce dele. Se a seiva de Jesus ressuscitado corre pela nossa vida, nos traz alegria, luz, criatividade, coragem para viver como vivia ele. Se, pelo contrário, não flui em nós, somos ramos secos.

Este é o verdadeiro problema da uma Igreja que celebra Jesus ressuscitado como «videira» cheia de vida, porém está formada, em boa parte, por ramos mortos. Para que seguir distraindo-nos com tantas coisas, se a vida de Jesus não corre por nossas comunidades e nossos corações?

Nossa primeira tarefa hoje e sempre é «permanecer» na videira, não viver desconectados de Jesus, não ficarmos sem seiva, não secarmos mais. Como se faz isto? O Evangelho nos diz com clareza: temos de nos esforçar para que suas «palavras» permaneçam em nós.

A vida cristã não brota espontaneamente entre nós. O Evangelho, nem sempre, pode ser deduzido racionalmente. É necessário meditar longas horas as palavras de Jesus. Somente a familiaridade e afinidade com os evangelhos nos faz ir aprendendo, pouco a pouco, a viver como ele.

Esta aproximação frequente às páginas do Evangelho nos põe em sintonia com Jesus, nos contagia seu amor ao mundo, nos apaixona pelo seu projeto, infunde em nós seu Espírito. Quase sem nos darmos conta, vamo-nos fazendo cristãos.

Esta meditação pessoal das palavras de Jesus muda-nos mais que todas as explicações, discursos e exortações que nos chegam do exterior. As pessoas mudam a partir de dentro. Talvez, este seja um dos problemas mais graves de nossa religião: não mudamos, porque somente o que passa pelo nosso coração muda a nossa vida; e, com frequência, por nosso coração não passa a seiva de Jesus.

A vida da Igreja se transformaria se os fiéis, os casais cristãos, os padres, as religiosas (freiras), os bispos, os educadores tivessem como livro de cabeceira os evangelhos de Jesus.

CRER

A fé não é uma impressão ou emoção do coração. Sem dúvida, o crente sente sua fé, a experimenta e a desfruta, porém seria um erro reduzi-la ao "sentimentalismo". A fé não é algo que dependa dos sentimentos: "já não sinto nada... devo estar perdendo a fé". Ser crentes é uma atitude responsável e pensada.

A fé não é, tão pouco, uma opinião pessoal. O crente se compromete pessoalmente a crer em Deus, porém a fé não pode ser reduzida ao "subjetivismo": "eu tenho minhas ideias e creio naquilo que me parece". A realidade de Deus não depende de mim, nem o cristianismo é fabricação de cada um.
A fé não é, muito menos, um costume ou tradição recebida dos pais. É bom nascer numa família crente e receber, desde criança, uma orientação cristã da vida, porém seria muito pobre reduzir a fé a um "costume religioso": "na minha família sempre fomos muito da Igreja". A fé é uma decisão pessoal de cada um.

A fé não é, tão pouco, uma receita moral. Crer em Deus tem suas exigências, porém seria um equívoco reduzir tudo ao "moralismo": "eu respeito a todos e não faço mal a ninguém". A fé é, também, amor a Deus, compromisso por um mundo mais humano, esperança de vida eterna, ação de graças, celebração.

A fé não é, também, um "tranquilizante". Crer em Deus é, sem dúvida, fonte de paz, consolo e serenidade, porém a fé não é somente um "salva-vidas" para os momentos críticos: "eu quando estou em apuros apelo à Virgem Maria". Crer é o melhor estímulo para lutar, trabalhar e viver de maneira digna e responsável.

A fé começa a desfigurar-se quando se esquece que, antes de tudo, ela é um encontro pessoal com Cristo. O cristão é uma pessoa que se encontra com Cristo e nele vai descobrindo a um Deus Amor que cada dia o convence e atrai mais. João o disse muito bem: "Nós conhecemos o amor que Deus tem por nós e cremos nele. Deus é Amor" (1Jo 4,16).

Esta fé só dá frutos quando vivemos dia a dia unidos a Cristo, isto é, motivados e sustentados por seu Espírito e sua Palavra: "Aquele que permanece em mim, e eu nele, esse produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer" [Jo 15,5].

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Sopelako San Pedro Apostol Parrokia – Sopelana – Bizkaia (Espanha) – J. A. Pagola – Ciclo B – Internet: clique aqui.

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Olha o PP aí, gente ! ! !

PP, o partido mais investigado na Lava Jato,
só vê seu poder crescer no Brasil.
Por quê?

Afonso Benites

Legenda se beneficia dos holofotes voltados ao PT, PSDB e MDB
e aumenta bancada da Câmara.
É cortejada por presidenciáveis de esquerda e direita que cobiçam
seus recursos para campanha
CIRO NOGUEIRA FILHO
Senador pelo Estado do Piauí - Presidente do Partido Progressista (PP)

O desdobramento da operação Lava Jato desta terça-feira [24 de abril] atingiu a cúpula do Partido Progressista em um momento que a legenda está em franca ascensão e se tornava uma das queridinhas dos pré-candidatos à presidência. Enquanto os holofotes da política estão sobre o PT de Lula e o PSDB de Aécio e Alckmin, o PP vê sua influência crescer nos bastidores, tornando-se um poderoso e imprescindível aliado para quem quer governar o Brasil com apoio do Congresso. Entre a eleição de 2014 – quando elegeu 38 deputados federais – e a última janela partidária (quando os políticos podem mudar de legenda), que se encerrou no início de abril, o partido conseguiu filiar 12 parlamentares novos e se tornou a terceira maior bancada da Câmara. Desbancou o PSDB e tem apenas um deputado a menos que o MDB, tornando-se a terceira da Casa, com 50 parlamentares.

A moeda de troca que o presidente do PP, o senador Ciro Nogueira Filho, usou para convencer seus novos correligionários era exatamente dinheiro. Prometia ceder até 2,5 milhões de reais do fundo eleitoral (ou seja, recursos públicos) para cada um dos deputados financiar sua campanha à reeleição.

Um dos que foi convencido a ingressar no Partido Progressista foi o deputado federal Osmar Serraglio. Eleito pelo MDB, é da bancada ruralista, foi ministro da Justiça de Michel Temer, mas acabou defenestrado do cargo após ser acusado por correligionários por não segurar as investigações da Polícia Federal. Hoje, além dos 50 deputados (quase 10% da Câmara), o PP tem seis dos 81 senadores.

Esse apoio congressual e um fundo de 130 milhões para investir nas eleições, transformaram os progressistas em um dos partidos mais procurados para futuras coligações. Tanto legendas de esquerda, quanto de direita tentam se aproximar do partido em seus Estados. Nas últimas eleições, apenas uma governadora da legenda se elegeu, Suely Campos, de Roraima. O PP, contudo emplacou cinco vice-governadores, sendo três de Estados chaves para a eleição presidencial: Rio de Janeiro, Bahia e Paraná.
SUELY CAMPOS
Governadora de Roraima pelo PP

Sem a intenção de lançar um candidato presidencial, o PP está mais inclinado a apoiar, ainda que informalmente, o Democratas, do pré-candidato Rodrigo Maia, de quem Nogueira é amigo. Porém, também discute apoio ao PSDB, do presidenciável Geraldo Alckmin. Enfim, é um partido que fará parte de qualquer administração, apesar de ter se originado da Arena, o partido que deu sustentação à ditadura militar brasileira (1964-1985). Uma espécie de novo MDB, que esteve ao lado de todos os presidentes desde a redemocratização do país, na década de 1980.

Figurar nas páginas policiais é algo comum entre os progressistas. Dos 56 parlamentares federais da legenda, ao menos 31 têm processos criminais tramitando no Supremo Tribunal Federal, entre eles:
* Ciro Nogueira,
* Dudu da Fonte (outro alvo da operação desta terça-feira),
* Paulo Maluf (que está preso por desvios de recursos em São Paulo),
* Benedito de Lira,
* Arthur Lira e
* Aguinaldo Ribeiro.

Eminência parda magnata

No Congresso Nacional, o presidente do PP é uma espécie de eminência parda. Pouco dá entrevistas, quase não faz discursos na tribuna, mas os principais acordos no Legislativo passam pelo seu gabinete. Há dois anos, durante o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff (PT), por exemplo, ele demorou a definir qual lado apoiaria. Mas avisou tanto aos peessedebistas, que articulavam a deposição, quanto aos petistas, que tentavam evitá-la, que o PP estaria do lado dos vencedores. E, de fato, esteve. Apesar de ocupar um ministério e dezenas de cargos de segundo escalão, decidiu-se por apoiar o impeachment.

Na matemática congressual, saiu ganhando. Com Temer, o PP administra atualmente três das mais importantes pastas na esplanada:
* Saúde,
* Cidades e
* Agricultura.
* Além do banco público Caixa.
Ou seja, administra o Sistema Único de Saúde (SUS) e programas como o Minha Casa Minha Vida. Orçamentos que ultrapassam a casa dos 30 bilhões de reais. Essa vitrine política é sempre lembrada pelos políticos do PP que tentam buscar algum novo cargo. E os chefes desses ministérios usam de sua influência para beneficiar suas bases eleitorais e seus aliados, como costuma ocorrer no Brasil.
IRACEMA PORTELLA
esposa do senador Ciro Nogueira e Deputada Federal pelo PP do Piauí

Fora do Legislativo, Nogueira e sua família vivem uma vida de magnatas. Faz diversas viagens internacionais com a família, várias delas registradas nos perfis das redes sociais de suas três filhas. No dia em que a PF adentrou em seu gabinete e em seus imóveis em Brasília e Teresina, o senador estava em Portugal, justamente com familiares. Filho de um ex-deputado federal, Nogueira é casado com outra herdeira política, a deputada federal Iracema Portella (PP-PI). Ela é filha de Lucídio Portela, ex-governador do Piauí, e sobrinha de Petrônio Portella, ex-ministro da Justiça, ex-senador e ex-governador do mesmo Estado. Uma reportagem publicada pela revista Época levantou parte de seu patrimônio:
* um helicóptero,
* um jatinho,
* uma ilha no Delta do rio Parnaíba,
* um grupo de concessionária de veículos,
* além de diversos imóveis de luxo.
Um contraste no Piauí, um dos Estados mais pobres do Brasil.

O novo desafio do deputado será o de convencer seus eleitores que, mesmo respondendo a pelo menos 17 processos criminais, ainda merece a confiança. Um desses processos envolve o senador e outros 11 parlamentares progressistas, suspeitos de desviarem 380 milhões de reais em recursos públicos. Nogueira, que antes de se eleger senador foi deputado federal por quatro mandatos (16 anos), deve se candidatar à reeleição nas eleições de outubro.
Eduardo Henrique da Fonte de Albuquerque Silva, vulgo:
DUDU DA FONTE
Deputado Federal pelo PP de Pernambuco

Outro lado

Sobre a operação dessa terça-feira, da qual é suspeito de obstruir a operação Lava Jato ao ameaçar um colaborador da Justiça, o advogado de Nogueira, Antonio Carlos de Almeida Castro afirmou que o senador a classificou como “completamente fora da realidade” e disse que o parlamentar está à disposição para qualquer esclarecimento. “Sequer en passant o senador praticou qualquer ato que pudesse ser interpretado como tentativa de embaraço”.

Além do gabinete e da casa de Nogueira, os policiais federais estiveram por quase seis horas no gabinete de outro investigado, o deputado federal Dudu da Fonte. De lá, levaram cópias de arquivos de computadores e de vários documentos que podem comprovar os crimes. Procurado, Fonte limitou-se a informar por meio de uma nota que está à disposição dos investigadores. “Estou à disposição da Justiça sempre. Confiamos nela e em Deus”. O outro alvo da apuração, o ex-deputado federal Márcio Junqueira, foi preso. Seus advogados não foram localizados pela reportagem.

Fonte: El País / Brasil – Operação Lava Jato – Quinta-feira, 26 de abril de 2018 – 01h30 (Horário Centro Europeu de Verão) – Internet: clique aqui.

Faltou profetismo, sobrou prudência!

Duas mensagens da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil: para quê?

Pedro A. Ribeiro de Oliveira
Doutor em sociologia,
ex-professor nos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Federal de Juiz de Fora e da PUC-Minas,
membro de Iser-Assessoria e da Coordenação do Movimento Nacional Fé e Política

Ao terminar sua assembleia geral deste ano, a CNBB difundiu duas mensagens: uma, ao Povo de Deus, convidando-o a associar-se à reflexão sobre sua missão e outra ao Povo Brasileiro, diante das eleições de 2018
PEDRO RIBEIRO DE OLIVEIRA

Provocado por um programa radiofônico para emitir minha opinião sobre esses pronunciamentos, fiz uma análise do seu conteúdo para descobrir o que os bispos católicos do Brasil têm a dizer sobre a posição da Igreja Católica face à realidade política brasileira. Neste breve texto procuro desvendar os subentendidos presentes nessas mensagens [1], porque à primeira leitura elas parecem nada dizer.

Primeiramente, uma análise da Mensagem ao Povo de Deus [leia-a na íntegra clicando aqui].

Ela abre-se declarando, sem falsa modéstia, ser a “CNBB dom de Deus para a Igreja e para a sociedade brasileira”. Há uma referência a “polêmicas (difundidas) pelas redes sociais (que) atingem a CNBB”, mas nada é dito sobre elas.

Seguem-se três parágrafos autolaudatórios. Os bispos identificam-se, é claro, com a Igreja fundada por Cristo e afirmam que ela “é, na história, o povo de Deus, o corpo de Cristo, e o templo do Espírito Santo”. Em seguida, afirmam que “nós, Bispos da Igreja Católica, sucessores dos Apóstolos, estamos unidos entre nós”. E terminam louvando “a CNBB (que) vem servindo à sociedade brasileira”, e que “não se identifica com nenhuma ideologia ou partido político (...)” evitando assim os erros de “transformar o cristianismo numa espécie de ONG, sem levar em conta a graça e a união interior com Cristo” e de “viver entregue ao intimismo”.

Depois dos louvores a uma Igreja autoreferenciada, os bispos chegam enfim ao momento atual: “Não podemos nos calar quando a vida é ameaçada, os direitos desrespeitados, a justiça corrompida e a violência instaurada.” Aqui eles poderiam dar alguns exemplos da realidade atual, como:
* o desmonte do SUS,
* a violação dos direitos dos Povos Originários,
* a nova legislação trabalhista que legaliza a injustiça social,
* a impunidade de assassinatos de defensores e defensoras dos Direitos Humanos.
Mas preferiram evitar esses fatos desagradáveis.

Seguem-se duas advertências. A primeira a algum bispo que se manifeste de modo diferente: “A Conferência Episcopal, como instituição colegiada, não pode ser responsabilizada por palavras ou ações isoladas”. A outra, aos fiéis que são chamados a construir “uma sociedade impregnada dos valores do Reino de Deus”, mas “devem ser pautados pela verdade, fortaleza, prudência, reverência e amor para com aqueles que, em razão do seu cargo, representam a pessoa de Cristo”. Nada mais nada menos do que a pessoa de Cristo [!].

Em suma, trata-se de um sermão que reforça a autoridade divina dos bispos. Não é surpreendente que tenha despertado tão pouco interesse.
Mesa com a presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB

Vejamos, então, como a CNBB se refere à situação político-eleitoral [leia esta mensagem na íntegra, clicando aqui].

Seu ponto de partida é que os bispos “preocupados com a defesa integral da vida e da dignidade da pessoa humana, especialmente dos pobres e excluídos” chamam “todos os cristãos, incluindo os Pastores (...) a preocupar-se com a construção de um mundo melhor”. Ao aplicar esse princípio à realidade de hoje, os bispos dizem que o “Brasil vive um momento complexo, alimentado por uma aguda crise que abala fortemente suas estruturas democráticas e compromete a construção do bem comum.” Esse diagnóstico genérico especifica-se no parágrafo seguinte, que aponta “um cenário desolador, no qual a corrupção ganha destaque.” Ninguém discordaria, mas caberia explicitar o tipo de corrupção ao qual se referem, porque a grande mídia associou corrupção e governos do PT, e seria ótimo lembrar outras formas de corrupção – muito mais danosas ao Brasil – como:
* a transferência de dinheiro para paraísos fiscais,
* o perdão das dívidas do agronegócio e
* a sonegação da contribuição ao INSS por grandes empresas e bancos.

É apontada também “a carência de políticas públicas consistentes, (que) está na raiz de graves questões sociais, como o aumento do desemprego e da violência que, no campo e na cidade, vitima milhares de pessoas, sobretudo, mulheres, pobres, jovens, negros e indígenas.” Não há dúvidas sobre a realidade dessas questões sociais. Minha dúvida está em sua “raiz”. Políticas públicas podem amenizar esses graves problemas sociais, como mostram os resultados do aumento real do salário-mínimo e sua manutenção como piso dos benefícios do INSS, bem com o programa bolsa-família, mas sua “raiz” é outra: a desigualdade estrutural da sociedade brasileira. A impressionante concentração de riqueza e renda nas mãos de menos de cem mil famílias muito ricas, sim, está na “raiz” do desemprego, da violência e da miséria.
Mas isso fica sob obsequioso silêncio na Mensagem da CNBB.

Sem referir-se – nem mesmo indiretamente – ao governo resultante do impedimento da Presidente Dilma, os bispos denunciam que “a perda de direitos e de conquistas sociais, resultado de uma economia que submete a política aos interesses do mercado, tem aumentado o número dos pobres e dos que vivem em situação de vulnerabilidade. Inúmeras situações exigem soluções urgentes, como a dos presidiários.” A denúncia, porém, não dá lugar a alguma proposta de sua superação como a convocação de referendos revogatórios dessas políticas.
56ª Assembleia Geral Ordinária da CNBB - 11 a 20 de abril de 2018
A foto mostra o interior da Basílica Nacional de Aparecida no momento de uma Eucaristia com a presença dos bispos

Chega então o momento de se falar das eleições de 2018, que “devem garantir o fortalecimento da democracia e o exercício da cidadania da população brasileira, (...) passo importante para que o Brasil reafirme a normalidade democrática, supere a crise institucional vigente, garanta a independência e a autonomia dos três poderes constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário – e evite o risco de judicialização da política e de politização da Justiça.” É fantástico o otimismo dos bispos! Tudo se passa como se até hoje o País vivesse a “normalidade democrática”, e a “judicialização da política” e a “politização da Justiça” não fossem mais do que um “risco”!

De todo modo, a CNBB afirma ser “imperativo assegurar que as eleições sejam realizadas dentro dos princípios democráticos e éticos”. Para isso, o processo eleitoral deve seguir “as leis que o regem, particularmente, a Lei 9840/1999 de combate à corrupção eleitoral mediante a compra de votos e o uso da máquina administrativa, e a Lei 135/2010, conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, que torna inelegível quem tenha sido condenado em decisão proferida por órgão judicial colegiado.” Invocar a “Lei da Ficha Limpa” hoje significa dizer que Lula não pode se candidatar a nenhum cargo político. O recado está dado.

Pena que não dessem outros recados, como, por exemplo: a importância da sigla partidária nas eleições legislativas. Os bispos só falam da importância de “conhecer e avaliar as propostas e a vida dos candidatos, procurando identificar com clareza os interesses subjacentes a cada candidatura.” Parece não lembrarem das votações televisadas em que os deputados e senadores condenaram Dilma e absolveram Temer alegando seguir as decisões tomadas pelas respectivas direções partidárias. As raras exceções só fizeram confirmar a regra de que no Congresso o partido conta mais do que o indivíduo.

E o documento conclui com uma piedosa exortação para que abandonemos “os caminhos da intolerância, do desânimo e do desencanto.” Alertando contra os fake news, incentivam “as comunidades eclesiais a assumirem, à luz do Evangelho, a dimensão política da fé, a serviço do Reino de Deus.” Outro sermão. Não mais do que isso.

* * * * * * * * *

Esses documentos me fizeram pensar na mensagem da CNBB logo após o golpe de 1964. É um documento de louvor a Deus que, por meio das Forças Armadas, livrou o País do risco do comunismo. O episcopado brasileiro daquela época viu no golpe militar a resposta divina ao pedido das senhoras católicas marchando pelas ruas com o terço nas mãos [veja foto acima].

Surpreendentemente, porém, o mesmo documento tinha em sua página final uma crítica sutil mas contundente ao regime militar que então se instaurava. Ficava claro para qualquer leitor atento que aquela posição do episcopado não era unânime. Um resto profético liderado por Dom Helder Câmara recusava aquele alinhamento político porque não condizia com os rumos que João XXIII traçava para a Igreja católica. E foi esse resto profético que identificou mais tarde a CNBB com a defesa dos Direitos Humanos.

Hoje os bispos optaram por um pronunciamento que apoia envergonhadamente o regime resultante do golpe de 2016, sem que os bispos-profetas – que existem! – se manifestassem publicamente. É hora de vê-los se manifestando, porque isso é que reforça a Esperança dos leigos e leigas que estão nas lutas por um Mundo justo, pacífico, e cuidador da Casa Comum. Que sigam o exemplo do bispo de Roma, nosso Papa Francisco, que não se envergonha de clamar por Terra, Teto e Trabalho para os pobres deste mundo.

Nota:

[1] Os trechos entre aspas são dos bispos. As palavras entre parênteses são minhas, para restaurar o sentido dos trechos que resumi.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 26 de abril de 2018 – Internet: clique aqui.

sábado, 21 de abril de 2018

4º Domingo de Páscoa – Ano B – Homilia

Evangelho: João 10,11-18

Naquele tempo, disse Jesus:
11 «Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas.
12 O mercenário, que não é pastor e não é dono das ovelhas, vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as ataca e dispersa.
13 Pois ele é apenas um mercenário e não se importa com as ovelhas.
14 Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem,
15 assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas.
16 Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: também a elas devo conduzir; escutarão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor.
17 É por isso que o Pai me ama, porque dou a minha vida, para depois recebê-la novamente.
18 Ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo; tenho poder de entregá-la e tenho poder de recebê-la novamente; esta é a ordem que recebi do meu Pai».

ENZO BIANCHI
Monge, teólogo e biblista italiano
Fundador da Comunidade de Bose – Itália

JESUS, O PASTOR SANTO, BELO E BOM

Nos trechos do Evangelho que a Igreja (depois daqueles sobre as manifestações do Ressuscitado) nos propõe para o Tempo Pascal, sempre tirados do quarto Evangelho, é o Jesus Cristo ressuscitado que fala à sua comunidade, revelando sua identidade mais profunda, identidade que vem de Deus, seu Pai.

O Senhor vivo para sempre está mais do que nunca autorizado a se apresentar com o Nome próprio de Deus: “Eu sou” (Egó eimi – em grego). Quando Moisés pedira a Deus que lhe falava da sarça ardente para lhe revelar seu Nome, Deus respondera: “Eu sou” (Ex 3,14), Nome inefável, nome indizível inscrito no tetragrama YHWH.

O Cristo vivo se revela, portanto, como “Eu sou” e especifica: “Eu sou o pão da vida” (Jo 6,35); “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8, 12); “Eu sou a porta das ovelhas” (Jo 10,7); “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25); “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6); “Eu sou a videira” (Jo 15, 5).

No nosso trecho, depois de ter se apresentado como a porta do redil, Jesus declara por duas vezes: “Eu sou o pastor bom e belo” (kalós – grego), resumindo em si a imagem de todos os pastores dados por Deus ao seu povo (Moisés, Davi, os profetas), mas também a imagem de Deus mesmo, invocado e louvado como “Pastor de Israel” (Sl 80,2), dos crentes nele.

Jesus tinha evocado várias vezes a imagem do pastor e do rebanho por ele apascentado (cf. Mt 9,36; 10,6; 15,24 etc.), mas agora, com essa revelação, ele fala de si mesmo, proclama-se Messias e Enviado por Deus para conduzir a humanidade à vida plena, tendo vindo “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

O bom pastor versus o pastor assalariado/funcionário

O bom pastor é o oposto do pastor assalariado, que faz esse ofício apenas por ser pago, que olha para a recompensa pelo trabalho, mas que, na verdade, não ama as ovelhas: estas não lhe pertencem, não são destinatárias do seu amor e não importam nada para ele. Prova disso é o fato de que, quando o lobo chega, ele abandona as ovelhas e foge: quer salvar a si mesmo, não as ovelhas que lhe são confiadas!

Quem é o pastor mercenário ou assalariado? É um funcionário, é aquele que cumpre a tarefa pelo salário que recebe ou simplesmente porque ser pastor é considerado uma honra que lhe provoca reconhecimento e também lhe dá glória. Mas é preciso dizer: o pastor assalariado é facilmente reconhecível no cotidiano, porque está longe das ovelhas e não as ama. Basta-lhe governá-las!

Pelo contrário, o amor do bom pastor pelas suas ovelhas provoca até que ele se exponha, deponha sua vida pela salvação delas. Ele não só gasta a sua vida estando no meio das ovelhas, guiando o rebanho, conduzindo-o a pastos onde ele possa se saciar; mas também pode acontecer que a ameaça à vida do rebanho se torne ameaça à própria vida do pastor. Este é o momento em que o bom pastor se revela.

Essa solidariedade, esse amor, porém, só são possíveis se o pastor não é apenas um assalariado, mas também se conhece as suas ovelhas com um conhecimento particular que o leva a discernir e a reconhecer a identidade de cada uma delas: um conhecimento penetrante que é gerado pela proximidade, pela assídua custódia do rebanho.

O bom pastor ser faz próximo

Sim, a primeira qualidade do pastor autêntico é a proximidade às ovelhas: ele está com elas noite e dia, nos desertos e nos prados, debaixo do sol e debaixo da chuva. O Papa Francisco falou de “proximidade da cozinha”, isto é, de estar lá onde “se cozinham” as coisas decisivas, aquelas que importam para cada ovelha, para cada rebanho; ele falou de um pastor que deve ter “o cheiro das ovelhas” sobre ele. Imagens fortes, que indicam a urgência de que os pastores não estejam acima nem às margens, mas “no meio”, em plena solidariedade com as ovelhas.

O bom pastor conhece e se deixa conhecer

Jesus tenta explicar essa comunhão recíproca evocando até mesmo o conhecimento entre ele e o Pai, que o enviou e do qual tenta realizar a vontade dia após dia: “Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai”.

Há, nessas palavras de Jesus, a essência do cuidado pastoral: um conhecimento penetrante recíproco entre pastor e ovelha. O pastor não só conhece as ovelhas uma a uma, em uma relação pessoal e em um vínculo de amor, mas também as ovelhas conhecem o pastor, sua vida, seu comportamento, seus sentimentos, suas ansiedades e suas alegrias.

Porque o pastor é seu vizinho, seu próximo. As ovelhas não conhecem apenas a voz do pastor que ouvem quando ele as chama, mas também conhecem sua presença, às vezes silenciosa, mas que sempre lhes dá segurança e paz.

Tal conhecimento-comunhão certamente é o mesmo vivido por Jesus nos seus dias terrenos, dentro de sua comunidade, com seus discípulos e suas discípulas; mas também é uma comunhão que transcende os tempos, pois será vivida na história entre o Ressuscitado e aqueles que ele atrair para si, chamando-os de outros redis.

Tendo vindo para todos, não só para Israel, e querendo levar a todos à plenitude da vida, Jesus é consumido pelo desejo de que haja um único rebanho sob um pastor e que todos os filhos de Deus dispersos sejam reunidos (cf. Jo 11,52). Precisamente no evento da cruz, se manifestará a glória de Jesus como glória de quem amou até a morte e, então, elevado da terra, ele atrairá todos para si (cf. Jo 12,32) e dará início à reunião dos povos ao seu redor, até o cumprimento escatológico [= do fim dos tempos], quando “o Cordeiro será seu pastor” (Ap 7,17).

Jesus não é um pastor como os pastores de Israel, mas, precisamente por ser “a luz do mundo” (Jo 8,12) e “o Salvador do mundo” (Jo 4,12) – tendo Deus amado o mundo (cf. Jo 3,16) –, ele também é o pastor de toda a humanidade, como Deus foi confessado e testemunhado.

Depois dessa autorrevelação, eis outras palavras com que Jesus expressa sua intimidade, sua comunhão com Deus: “É por isso que o Pai me ama, porque dou a minha vida, para depois recebê-la novamente”.

Por que o Pai ama Jesus? Porque Jesus realiza sua vontade, aquela vontade que é amor até o dom da vida. Em Jesus, há esse amor “até o extremo” (em grego: eis télos: Jo 13,1), até o dom da vida, justamente, e há a fé de poder recebê-la novamente do Pai.

Preste-se atenção aqui à tradução, que pode comprometer o sentido das palavras de Jesus. Jesus não diz: “O Pai me ama, porque dou a minha vida, para depois retomá-la novamente”, mas sim “para recebê-la novamente” (o verbo lambáno, no quarto Evangelho, sempre significa “receber”, não “retomar”). A oferta da vida por parte de Jesus está no espaço da fé, não da asseguração antecipada!

O mandamento do Pai é que ele gaste, ofereça a vida; e a promessa do Pai é de que, assim, ele poderá recebê-la, porque “quem perder sua vida a encontrará novamente, mas quem quiser salvá-la, a perderá” (cf. Mc 8,35 e par.; Jo 12,25). Ninguém tira a vida de Jesus, ninguém a rouba, e sua morte não é nem um destino (uma necessidade) nem um acaso (deu tudo errado...): não, trata-se de um dom feito na liberdade e por amor, um dom do qual ele foi consciente ao longo de toda a sua vida, dizendo todos os dias o seu “sim” ao amor.

Nas palavras de Jesus, o Pai aparece como a origem e o fim de toda a sua atividade: dele vem o mandamento, que nada mais é do que o mandamento de amar, vivido por Jesus na sua descendência como Palavra feita carne (cf. Jo 1,14) e na sua vida humana no mundo. E a morte de Jesus não é apenas o termo do êxodo deste mundo, mas é um ato consumado (“Está consumado!”: Jo 19,30), o termo último do fato de ele viver o amor ao extremo.

Jesus dá a sua vida até a morte, mas não com o desejo de recuperar a vida como prêmio, de retomá-la como um tesouro que lhe cabe ou como um mérito pela oferta de si mesmo, mas sim na consciência de que o Pai lhe dá e que ele a acolherá porque “o amor basta ao amor” (Bernardo de Claraval). Jesus não deu a vida por razões religiosas, sagradas, mistéricas, mas porque, quando amamos, somos capazes de dar aos amados a nós mesmos, tudo o que somos.

No túmulo de um cristão do fim do século II, um certo Abércio, lemos a seguinte inscrição: “Sou o discípulo de um pastor santo que tem olhos grandes; seu olhar alcança a todos”. Sim, Jesus é o pastor santo, bom e belo, com olhos grandes, que alcançam a todos, até a nós, hoje. E, por esses olhos, nos sentimos protegidos e guiados.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 20 de abril de 2018 – Internet: clique aqui.