«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Faltou profetismo, sobrou prudência!

Duas mensagens da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil: para quê?

Pedro A. Ribeiro de Oliveira
Doutor em sociologia,
ex-professor nos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Federal de Juiz de Fora e da PUC-Minas,
membro de Iser-Assessoria e da Coordenação do Movimento Nacional Fé e Política

Ao terminar sua assembleia geral deste ano, a CNBB difundiu duas mensagens: uma, ao Povo de Deus, convidando-o a associar-se à reflexão sobre sua missão e outra ao Povo Brasileiro, diante das eleições de 2018
PEDRO RIBEIRO DE OLIVEIRA

Provocado por um programa radiofônico para emitir minha opinião sobre esses pronunciamentos, fiz uma análise do seu conteúdo para descobrir o que os bispos católicos do Brasil têm a dizer sobre a posição da Igreja Católica face à realidade política brasileira. Neste breve texto procuro desvendar os subentendidos presentes nessas mensagens [1], porque à primeira leitura elas parecem nada dizer.

Primeiramente, uma análise da Mensagem ao Povo de Deus [leia-a na íntegra clicando aqui].

Ela abre-se declarando, sem falsa modéstia, ser a “CNBB dom de Deus para a Igreja e para a sociedade brasileira”. Há uma referência a “polêmicas (difundidas) pelas redes sociais (que) atingem a CNBB”, mas nada é dito sobre elas.

Seguem-se três parágrafos autolaudatórios. Os bispos identificam-se, é claro, com a Igreja fundada por Cristo e afirmam que ela “é, na história, o povo de Deus, o corpo de Cristo, e o templo do Espírito Santo”. Em seguida, afirmam que “nós, Bispos da Igreja Católica, sucessores dos Apóstolos, estamos unidos entre nós”. E terminam louvando “a CNBB (que) vem servindo à sociedade brasileira”, e que “não se identifica com nenhuma ideologia ou partido político (...)” evitando assim os erros de “transformar o cristianismo numa espécie de ONG, sem levar em conta a graça e a união interior com Cristo” e de “viver entregue ao intimismo”.

Depois dos louvores a uma Igreja autoreferenciada, os bispos chegam enfim ao momento atual: “Não podemos nos calar quando a vida é ameaçada, os direitos desrespeitados, a justiça corrompida e a violência instaurada.” Aqui eles poderiam dar alguns exemplos da realidade atual, como:
* o desmonte do SUS,
* a violação dos direitos dos Povos Originários,
* a nova legislação trabalhista que legaliza a injustiça social,
* a impunidade de assassinatos de defensores e defensoras dos Direitos Humanos.
Mas preferiram evitar esses fatos desagradáveis.

Seguem-se duas advertências. A primeira a algum bispo que se manifeste de modo diferente: “A Conferência Episcopal, como instituição colegiada, não pode ser responsabilizada por palavras ou ações isoladas”. A outra, aos fiéis que são chamados a construir “uma sociedade impregnada dos valores do Reino de Deus”, mas “devem ser pautados pela verdade, fortaleza, prudência, reverência e amor para com aqueles que, em razão do seu cargo, representam a pessoa de Cristo”. Nada mais nada menos do que a pessoa de Cristo [!].

Em suma, trata-se de um sermão que reforça a autoridade divina dos bispos. Não é surpreendente que tenha despertado tão pouco interesse.
Mesa com a presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB

Vejamos, então, como a CNBB se refere à situação político-eleitoral [leia esta mensagem na íntegra, clicando aqui].

Seu ponto de partida é que os bispos “preocupados com a defesa integral da vida e da dignidade da pessoa humana, especialmente dos pobres e excluídos” chamam “todos os cristãos, incluindo os Pastores (...) a preocupar-se com a construção de um mundo melhor”. Ao aplicar esse princípio à realidade de hoje, os bispos dizem que o “Brasil vive um momento complexo, alimentado por uma aguda crise que abala fortemente suas estruturas democráticas e compromete a construção do bem comum.” Esse diagnóstico genérico especifica-se no parágrafo seguinte, que aponta “um cenário desolador, no qual a corrupção ganha destaque.” Ninguém discordaria, mas caberia explicitar o tipo de corrupção ao qual se referem, porque a grande mídia associou corrupção e governos do PT, e seria ótimo lembrar outras formas de corrupção – muito mais danosas ao Brasil – como:
* a transferência de dinheiro para paraísos fiscais,
* o perdão das dívidas do agronegócio e
* a sonegação da contribuição ao INSS por grandes empresas e bancos.

É apontada também “a carência de políticas públicas consistentes, (que) está na raiz de graves questões sociais, como o aumento do desemprego e da violência que, no campo e na cidade, vitima milhares de pessoas, sobretudo, mulheres, pobres, jovens, negros e indígenas.” Não há dúvidas sobre a realidade dessas questões sociais. Minha dúvida está em sua “raiz”. Políticas públicas podem amenizar esses graves problemas sociais, como mostram os resultados do aumento real do salário-mínimo e sua manutenção como piso dos benefícios do INSS, bem com o programa bolsa-família, mas sua “raiz” é outra: a desigualdade estrutural da sociedade brasileira. A impressionante concentração de riqueza e renda nas mãos de menos de cem mil famílias muito ricas, sim, está na “raiz” do desemprego, da violência e da miséria.
Mas isso fica sob obsequioso silêncio na Mensagem da CNBB.

Sem referir-se – nem mesmo indiretamente – ao governo resultante do impedimento da Presidente Dilma, os bispos denunciam que “a perda de direitos e de conquistas sociais, resultado de uma economia que submete a política aos interesses do mercado, tem aumentado o número dos pobres e dos que vivem em situação de vulnerabilidade. Inúmeras situações exigem soluções urgentes, como a dos presidiários.” A denúncia, porém, não dá lugar a alguma proposta de sua superação como a convocação de referendos revogatórios dessas políticas.
56ª Assembleia Geral Ordinária da CNBB - 11 a 20 de abril de 2018
A foto mostra o interior da Basílica Nacional de Aparecida no momento de uma Eucaristia com a presença dos bispos

Chega então o momento de se falar das eleições de 2018, que “devem garantir o fortalecimento da democracia e o exercício da cidadania da população brasileira, (...) passo importante para que o Brasil reafirme a normalidade democrática, supere a crise institucional vigente, garanta a independência e a autonomia dos três poderes constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário – e evite o risco de judicialização da política e de politização da Justiça.” É fantástico o otimismo dos bispos! Tudo se passa como se até hoje o País vivesse a “normalidade democrática”, e a “judicialização da política” e a “politização da Justiça” não fossem mais do que um “risco”!

De todo modo, a CNBB afirma ser “imperativo assegurar que as eleições sejam realizadas dentro dos princípios democráticos e éticos”. Para isso, o processo eleitoral deve seguir “as leis que o regem, particularmente, a Lei 9840/1999 de combate à corrupção eleitoral mediante a compra de votos e o uso da máquina administrativa, e a Lei 135/2010, conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, que torna inelegível quem tenha sido condenado em decisão proferida por órgão judicial colegiado.” Invocar a “Lei da Ficha Limpa” hoje significa dizer que Lula não pode se candidatar a nenhum cargo político. O recado está dado.

Pena que não dessem outros recados, como, por exemplo: a importância da sigla partidária nas eleições legislativas. Os bispos só falam da importância de “conhecer e avaliar as propostas e a vida dos candidatos, procurando identificar com clareza os interesses subjacentes a cada candidatura.” Parece não lembrarem das votações televisadas em que os deputados e senadores condenaram Dilma e absolveram Temer alegando seguir as decisões tomadas pelas respectivas direções partidárias. As raras exceções só fizeram confirmar a regra de que no Congresso o partido conta mais do que o indivíduo.

E o documento conclui com uma piedosa exortação para que abandonemos “os caminhos da intolerância, do desânimo e do desencanto.” Alertando contra os fake news, incentivam “as comunidades eclesiais a assumirem, à luz do Evangelho, a dimensão política da fé, a serviço do Reino de Deus.” Outro sermão. Não mais do que isso.

* * * * * * * * *

Esses documentos me fizeram pensar na mensagem da CNBB logo após o golpe de 1964. É um documento de louvor a Deus que, por meio das Forças Armadas, livrou o País do risco do comunismo. O episcopado brasileiro daquela época viu no golpe militar a resposta divina ao pedido das senhoras católicas marchando pelas ruas com o terço nas mãos [veja foto acima].

Surpreendentemente, porém, o mesmo documento tinha em sua página final uma crítica sutil mas contundente ao regime militar que então se instaurava. Ficava claro para qualquer leitor atento que aquela posição do episcopado não era unânime. Um resto profético liderado por Dom Helder Câmara recusava aquele alinhamento político porque não condizia com os rumos que João XXIII traçava para a Igreja católica. E foi esse resto profético que identificou mais tarde a CNBB com a defesa dos Direitos Humanos.

Hoje os bispos optaram por um pronunciamento que apoia envergonhadamente o regime resultante do golpe de 2016, sem que os bispos-profetas – que existem! – se manifestassem publicamente. É hora de vê-los se manifestando, porque isso é que reforça a Esperança dos leigos e leigas que estão nas lutas por um Mundo justo, pacífico, e cuidador da Casa Comum. Que sigam o exemplo do bispo de Roma, nosso Papa Francisco, que não se envergonha de clamar por Terra, Teto e Trabalho para os pobres deste mundo.

Nota:

[1] Os trechos entre aspas são dos bispos. As palavras entre parênteses são minhas, para restaurar o sentido dos trechos que resumi.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 26 de abril de 2018 – Internet: clique aqui.

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