«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 31 de março de 2018

Vigília Pascal – Sábado Santo – Ano B – Homilia

Evangelho: Marcos 16,1-7

1 Quando passou o sábado, Maria Madalena e Maria, a mãe de Tiago, e Salomé,
compraram perfumes para ungir o corpo de Jesus.
2 E bem cedo, no primeiro dia da semana, ao nascer do sol, elas foram ao túmulo.
3 E diziam entre si: «Quem rolará para nós a pedra da entrada do túmulo?».
4 Era uma pedra muito grande. Mas, quando olharam, viram que a pedra já tinha sido retirada.
5 Entraram, então, no túmulo e viram um jovem, sentado do lado direito, vestido de branco. E ficaram muito assustadas.
6 Mas o jovem lhes disse: «Não vos assusteis! Vós procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou. Não está aqui. Vede o lugar onde o puseram.
7 Ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele irá à vossa frente, na Galileia. Lá vós o vereis, como ele mesmo tinha dito».

JOSÉ ANTONIO PAGOLA 

IDE À GALILEIA, ALI O VEREIS

O relato evangélico que se lê na noite pascal é de uma importância excepcional. Não somente se anuncia a grande notícia de que o crucificado foi ressuscitado por Deus. Indica-se, além disso, o caminho que temos de percorrer para vê-lo e nos encontrarmos com ele.

Marcos fala de três mulheres admiráveis que não conseguem esquecer Jesus. São Maria de Magdala, Maria mãe de Tiago e Salomé. Em seus corações despertou-se um projeto absurdo que somente pode nascer de seu amor apaixonado: «comprar aromas para ir ao sepulcro e embalsamar seu cadáver».

O surpreendente é que, ao chegar ao sepulcro, observam que está aberto. Quando se aproximam mais, veem um «jovem vestido de branco» que as tranquiliza de seu sobressalto e lhes anuncia algo que jamais teriam suspeitado.

«Vós procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado?». É um erro buscá-lo no mundo dos mortos. «Não está aqui». Jesus não é mais um defunto. Não é o momento de chorá-lo e render-lhe homenagens. «Ressuscitou». Está vivo para sempre. Jamais poderá ser encontrado no mundo dos mortos, do extinto, do acabado.

Porém, se não está no sepulcro, onde se pode vê-lo? Onde podemos encontrar-nos com ele? O jovem recorda às mulheres algo que Jesus já lhes havia dito: «ele irá à vossa frente, na Galileia. Lá vós o vereis». Para «ver» o ressuscitado deve-se voltar à Galileia. Por quê? Para quê?

Ao ressuscitado não se pode «ver» sem fazer seu próprio percurso. Para experimentá-lo cheio de vida no meio de nós, há que se voltar ao ponto de partida e fazer a experiência do que foi essa vida que levou Jesus à crucifixão e ressurreição. Se não é assim, a «Ressurreição» será para nós uma doutrina sublime, um dogma sagrado, porém não experimentaremos Jesus vivo em nós.

A Galileia foi o cenário principal de sua atuação. Ali se viu seus discípulos curarem, perdoarem, libertar, acolher, despertar em todos uma esperança nova. Agora, nós, seus seguidores, temos de fazer o mesmo. Não estamos sozinhos. Ele ressuscitou e vai adiante de nós. Iremos vendo-o se caminharmos atrás de seus passos.

O mais importante e decisivo para EXPERIMENTAR O «RESSUSCITADO» não é o estudo da Teologia nem a celebração litúrgica, mas o SEGUIMENTO FIEL de Jesus.

O NOVO ROSTO DE DEUS

Não voltaremos mais a ser os mesmos!
O encontro com Jesus, cheio de vida depois de sua execução, transformou totalmente os seus discípulos. Começaram a ver tudo de maneira nova. Deus era o ressuscitador de Jesus. Imediatamente, tiraram as consequências.

1ª) DEUS É AMIGO DA VIDA. Não havia, agora, nenhuma dúvida. O que havia dito Jesus era verdade: «Deus não é um Deus de mortos, mas de vivos» [Mt 22,32; Lc 20,38]. Os homens poderão destruir a vida de mil maneiras, porém se Deus ressuscitou Jesus, isto significa que ele somente quer a vida para seus filhos. Não estamos sozinhos nem perdidos diante da morte. Podemos contar com um Pai que, acima de tudo, inclusive, acima da morte, quer ver-nos cheios de vida. Daqui em diante, só há uma maneira cristã de viver, a qual se resume assim: pôr vida onde outros põem morte.

2ª) DEUS É DOS POBRES. Jesus já o havia dito de muitas maneiras, porém não era fácil crer nisso. Agora é diferente. Se Deus ressuscitou Jesus, quer dizer que é verdade: «felizes os pobres porque eles têm Deus». A última palavra não a tem Tibério nem Pilatos, a última decisão não é de Caifás nem de Anás. Deus é o último defensor dos que não interessam a ninguém. Somente há uma maneira de parecer-se com ele: defender os pequenos e indefesos.

3ª) DEUS RESSUSCITA OS CRUCIFICADOS. Deus reagiu diante da injustiça criminosa daqueles que crucificaram Jesus. Se o ressuscitou é porque deseja introduzir justiça por cima de tanto abuso e crueldade como se comete no mundo. Deus não está do lado dos que crucificam, está com os crucificados. Somente há uma maneira de imitá-lo: estar sempre junto aos que sofrem, lutar sempre contra os que fazem sofrer.

4ª) DEUS ENXUGARÁ NOSSAS LÁGRIMAS. Deus ressuscitou Jesus. O rejeitado por todos foi acolhido por Deus. O depreciado foi glorificado. O morto está mais vivo que nunca. Agora, sabemos como é Deus. Um dia ele «enxugará todas as nossas lágrimas, e não haverá mais morte, não haverá gritos nem fatigas. Tudo isso terá passado» [cf. Ap 21,4].

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Sopelako San Pedro Apostol Parrokia – Sopelana – Bizkaia (Espanha) – J. A. Pagola – Ciclo B – Internet: clique aqui.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Missa da Ceia do Senhor – Quinta-Feira Santa

Evangelho: João 13,1-15


1 Era antes da festa da Páscoa. Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.
2 Estavam tomando a ceia. O diabo já tinha posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, o propósito de entregar Jesus.
3 Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em suas mãos e que de Deus tinha saído e para Deus voltava,
4 levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura.
5 Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido.
6 Chegou a vez de Simão Pedro. Pedro disse: «Senhor, tu me lavas os pés?»
7 Respondeu Jesus: «Agora, não entendes o que estou fazendo; mais tarde compreenderás».
8 Disse-lhe Pedro: «Tu nunca me lavarás os pés!» Mas Jesus respondeu: «Se eu não te lavar, não terás parte comigo».
9 Simão Pedro disse: «Senhor, então lava não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça».
10 Jesus respondeu: «Quem já se banhou não precisa lavar senão os pés, porque já está todo limpo. Também vós estais limpos, mas não todos».
11 Jesus sabia quem o ia entregar; por isso disse: «Nem todos estais limpos».
12 Depois de ter lavado os pés dos discípulos, Jesus vestiu o manto e sentou-se de novo. E disse aos discípulos: «Compreendeis o que acabo de fazer?
13 Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou.
14 Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros.
15 Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz.»

JOSÉ MARÍA CASTILLO
Teólogo espanhol

SER GRANDE É SER SERVIÇAL

O relato do lava-pés não é somente um exemplo de humildade e serviçalismo que nos deixou Jesus. Além disso, e muito mais que isso, é a lição mais eloquente e mais contundente que há nos evangelhos no que se refere ao modo como deve ser gerida a Igreja, a comunidade cristã, inclusive, a convivência na sociedade.

Para compreender o que isso representa, deve-se ter em conta que este Evangelho [de João] foi o último que se redigiu. E foi lá pelo final do século primeiro. Por esta época, as «Igrejas» que Paulo havia organizado estavam há cinquenta anos funcionando. Eram «Igrejas» nas quais havia escravos (Cl 3,22-4,1; Fm; cf. 1Pd 2,18-20; 3,9.14-17; 4,16). E se sabe que um dos deveres mais frequentes dos escravos era lavar os pés de seus amos e senhores. Consciente que o escravo era alguém «sem capacidade de dizer “não”» (Sêneca, De benef. 3,19; J.D.G. Dunn).

Sendo assim, é importante fixar-se que todo o relato começa com a grandiosidade da missão que Jesus havia recebido de Deus. E o mesmo relato termina dizendo que o ser humano mais grandioso, que Deus enviou a este mundo, esse ser humano veio para dar exemplo aos humanos, não de poder, mas de ESCRAVIDÃO. Isto é, veio dar exemplo «de alguém que pertence a outro, não a si mesmo» (Aristóteles, Política I, 125a). Precisamente por isso, aquilo que Jesus fez aquela noite não era fácil de compreender. E, por isso, também Pedro resistiu com firmeza a que Jesus fizesse com ele o ofício de escravo.

Na primeira carta de Pedro, é dito aos responsáveis (ou dirigentes) da Igreja que «cuidem do rebanho», «não para retirar dinheiro», em todo caso, jamais «tiranizando» aos que lhes foram confiados (5,1-3). Sem dúvida, já havia comunidades em que não mais se cumpria a severa advertência de Jesus aos Doze de não querer jamais os primeiros lugares, nem governar como os chefes das nações e tiranos deste mundo (Mc 10,42-45; Mt 20,25-28; Lc 22,24-27).

A Quinta-Feira Santa, «Dia do amor fraterno», é, sobretudo, o dia em que a Igreja recorda que este mundo e esta Igreja devem ser governados a partir da posição daquele que se situa na vida como servidor e escravo dos demais. Quem crê em Jesus, está convencido de que tem de viver como viveu Jesus. E isso significa que a pessoa de fé está convencida de que não pode estar jamais por cima de ninguém.

LUIS ALEMÁN MUR
Teólogo espanhol

O QUE COMUNGAMOS?

Comungar é «o desejo de deixar Jesus no centro de seu coração»
Comungar «significa pensar como Ele, amar como Ele, ver como Ele, caminhar como Ele»
(Papa Francisco)

Claro que não comemos ossos, veias e carne de Jesus. Uma das acusações dos romanos dos primeiros tempos contra os cristãos era de serem antropófagos (= que se alimenta de carne humana). Chegaram à conclusão de que «comiam» a seu fundador. E a culpa da acusação era dos próprios cristãos por não saberem explicar o que faziam quando comungavam. E esta ignorância prolongou-se durante muitos séculos. Ainda hoje, a explicação catequética às crianças de sete anos para a sua primeira comunhão segue sendo antropofágica. E com esse enfoque incrível se continua na maioria de setores católicos.

O «mistério» encobre tudo, digere tudo. Quando algo incompreensível nos ataca, um absurdo, acudimos ao mistério. É um mistério. O mistério é o recurso da ignorância ou da preguiça.

Aqui não negamos o mistério. Claro que existe e inclusive nos invade o mistério! Porém, o recurso gratuito ao misterioso nos translada a tempos primitivos.

«Isto é meu Corpo»: Esta é minha forma de atuar; esta é minha forma de ser humano; esta é minha forma de pensar e de amar; esta é minha vida.

«Este é o sangue da minha nova aliança»: Com ela firmo meu compromisso com os homens. E assim fica firmada a nova forma de ser filho do Pai e irmão dos homens.

Não é que quando você comunga, se converte em um sacrário ou em um cálice. É que quando você comunga, se compreendeu o que está fazendo, ao sair do templo sai mais capacitado para olhar os outros de outra forma, o dinheiro terá outro valor, a morte terá um sentido. Inclusive, pode ser que lhe atraia o enfermo, pode ser que não lhe importem tanto os que mandam, pode ser que não treme diante do amanhã, pode ser que olhe o mundo e sua história com esperança.

E hoje, domingo, apesar de quão mal a Ceia do Senhor foi preparada, apesar da chatice que foi a homilia, apesar dos ritos intermináveis realizados com monotonia e sem sentido, apesar das roupas pretensiosas que usavam os que presidiam a Ceia chamados, de forma pagã, sacerdotes; apesar de tantos pesares, você se colocou em uma fila e comeu uma hóstia, redonda e muito bem feita, em memória do pão distribuído pelo Mestre. Você comungou seu amor, seu amor, seu olhar, sua adesão ao Pai.

Com frequência, a história mistura tudo. Tudo menos a sua fé simples como a daqueles personagens do Evangelho.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fontes: José María Castillo, La religión de Jesús: comentario al Evangelio diario – Ciclo B (2017-2018), Bilbao: Desclée De Brouwer, 2017, páginas 147-148; Fe Cansada – Mi Teología – Evangelio – Internet: clique aqui.

As sete palavras de Jesus na Cruz


Adroaldo Palaoro
Padre jesuíta

São sete expressões ditas por Jesus na Cruz e recolhidas pelos evangelistas;
elas condensam a vida do Crucificado. Nestas expressões revela-se
a identidade de Jesus: quem Ele é e sua missão

Vamos contemplar o significado das “palavras pronunciadas por Jesus na Cruz”, deixando-nos impactar e iluminar por elas. São palavras densas, carregadas de vida; palavras “ex-cêntricas”, onde Jesus sai de si e se dirige aos outros.

1. PERDÃO: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lc 23,34)

Jesus, na sua vida pública, sempre revelou o perdão do Pai; no encontro com os pecadores deixou transparecer a misericórdia reconstrutora de Deus. O perdão foi a marca de sua vida e deve ser também a marca dos seus seguidores.

É difícil perdoar: a dor, o orgulho, a própria dignidade, quando é violentada, grita pedindo “justiça”, buscando “reparação”, exigindo “vingança”... Mas, perdão?

Surpreende-nos que Jesus na Cruz seja capaz de continuar vendo humanidade em seus carrascos; Ele é capaz de continuar crendo que há esperança para aqueles que cravam seus semelhantes na Cruz.

Porque, esta palavra de perdão, dita a partir do madeiro, é sobretudo uma declaração eterna: o ser humano, todo homem e toda mulher, conserva sua capacidade de amar nas circunstâncias mais adversas. E todo ser humano, até aquele que é capaz das ações mais atrozes, continua tendo um germe de humanidade em seu interior e que permite que haja esperança para ele. Perdoar é atrever-se a ver o que há de verdadeiro, de beleza em cada um.

O perdão é capaz de ver dignidade e faísca de humanidade escondida no coração do carrasco. O perdão abre futuro, destrava a vida e não se deixa determinar pelos erros do passado; ele quebra distâncias, nos faz descer em direção à fragilidade do outro, ao mesmo tempo que revela nossa fragilidade. É enquanto pecadores que somos chamados a perdoar e não enquanto justos. Por isso, no perdão é onde mais nos assemelhamos a Deus, pois só Ele podia inventar o perdão.

Deus também continua me perdoando hoje, pelas atitudes pecaminosas em minha vida que destroem, rompem, ferem os outros e o meu mundo.

Deixar ressoar esta expressão de Jesus:
Fiz experiência de perdão? Sou capaz de perdoar e acolher o perdão?

2. CONTIGO: “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43)
Jesus sempre viveu “em más companhias” e agora morre entre dois ladrões. Mais uma vez, não assume o papel de juiz sobre dos outros, mas oferece uma nova chance de salvação. O moribundo que dá vida: presença solidária, que, mesmo em meio ao pior sofrimento, oferece companhia a outros sofredores.

Um dos ladrões, impactado pela serenidade e testemunho de Jesus “rouba o paraíso”.

Jesus revela uma promessa que muitas pessoas precisam ouvir hoje, sobretudo aqueles que carregam cruzes injustas e pesadas, que vivem realidades atravessadas pela dor, pela solidão, dúvida, incompreensão ou pranto... Como soarão estas palavras no interior de cada um de nós: “Hoje estarás comigo no Paraíso”?

Hoje: porque as mudanças, a nova criação, a humanidade reconciliada, não tem que esperar mais; hoje, agora, já...; talvez esse “hoje” não chega é por causa de tantas pessoas que não decidem, não optam, esperam sentadas...

Comigo: promessa de viver em sua companhia e desperta ecos de uma plenitude que não conseguimos entender.

No paraíso: que não é um mítico Éden, mas lugar de plenitude de vida, onde não haverá mais pranto, nem dor; realidade já presente onde habitará a justiça e a paz.

Deixar ressoar esta expressão de Jesus para construir, hoje, o Paraíso em nosso cotidiano:
Como viver hoje no paraíso? Neste momento, a quem podemos despertar a esperança?

3. APOIO: “Mulher, eis o teu filho; filho, eis a tua mãe” (Jo 19,26)
Maria, mulher do “sim”; “sim” que se prolonga até à Cruz, onde, de pé, revela sua presença
materna e consoladora junto a seu Filho Jesus.

A presença de Maria na vida de Jesus não é acidental: foi aquela que mais amou, conheceu e seguiu Jesus. Ela agora é nossa referência fiel no seguimento do seu Filho.

Despojado de tudo, Jesus tem um tesouro a nos dar: entrega sua própria mãe para que ela seja presença cuidadora e de ternura junto aos seus filhos sofredores.
 
Jesus não nos deixa órfãos; sempre precisamos dos cuidados e do consolo de uma mãe; alguém para nos acompanhar nas horas mais obscuras e difíceis; alguém que nos sustenta nos momentos trágicos; alguém que compartilha nossas perdas... e que também está presente nas horas boas, que chegarão.

É como se Jesus nos dissesse: “Para viver o meu seguimento, inspire-se nela, tenha-a como referência”.

Não estamos sozinhos: muitas presenças marianas em nossas vidas – amigos, pais, filhos... São tantas pessoas junto ao pé da cruz, inumeráveis homens e mulheres de Igreja que foram e são companheiros de caminho, de esforço, de apoio, de buscas e de amor.

João, também de pé junto à Cruz, representa todo seguidor fiel de Jesus, mesmo nos momentos de crise.

Deixar ressoar estas palavras de Jesus:
Ser presença materna e cuidadora junto aos sofredores; prolongar o modo solidário de Maria junto aos crucificados.

4. SOLIDÃO: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” (Mt 27,46)
O grito de Jesus na Cruz condensa o grito da humanidade sofredora; é o próprio Deus que grita seu abandono.

Esse grito de Jesus revela uma presença no próprio abandono, embora, de imediato não se sinta esta presença. Grito que não fica no vazio, mas aponta para a Vida.

Todos perguntamos: “Onde está Deus no sofrimento, na violência, na morte...?” E Deus responde, perguntando: “Onde está você no meu sofrimento, na violência que sofro, na morte... de meus filhos/as?”

O sofrimento da humanidade é o sofrimento de Deus; Deus não é insensível e distante da dor dos seus filhos.

Quem não passa por momentos de noite escura, de insegurança, de absoluta incerteza...?

Quem não viveu experiências de abandono, de falta de sentido na vida, de solidão, de rejeição...?

Quem não tem momentos de ceticismo, de amargura, de medo, de dúvida...?

Quem não se pergunta, talvez por um instante fugaz mas pungente, onde está Deus agora?

Nesses momentos temos a impressão de que todas as nossas opções foram equivocadas, que cada decisão nos levou por um caminho sem saída... Nesses tempos nos remorde o fracasso, a miséria, própria e alheia.

É do meio desta situação que brota um grito desesperador, como o de Jesus... No entanto, nos atrevemos a seguir adiante, com nossos projetos, compromissos e esforços em seu nome.

O desafio está em não ceder, em não crer que tudo tem sido uma mentira. O desafio é não abandonar, não render-se, não capitular nesses momentos.

Entende-se, assim, o grande “grito” que brotou das profundezas da dor de Jesus na Cruz e que continua ecoando como clamor angustiado. Não são poucos os gritos dos mais pobres e excluídos. É um clamor forte pela intensidade de suas carências. Um clamor surdo porque não consegue impactar de modo a conseguir respostas prontas e imediatas aos graves problemas que os afligem.

O grito dos sofredores é sempre forte. Forte pela violência das necessidades e das urgências para a garantia de uma vida mais digna. Em Cristo se condensam todos os gritos da humanidade sofredora.
Sua força, no entanto, não consegue incomodar a todos os que precisam ser interpelados pela exigência deste clamor. Um grito, pois, é a expressão do mais forte sentimento que está no centro do próprio coração; é, também, a expressão mais concreta do que aflige o coração.

Um grito é, na verdade, um convite a um compromisso solidário.

O grande grito de Jesus é a certeza de tudo o que sustenta o seu coração; ao ecoar junto aos crucificados, provocará grandes novidades. Um grito que não fica no vazio mas aponta para a vida.

Deixar ressoar este grito de Jesus:
Quais são os gritos surdos que brotam da realidade hoje?

5. SEDE: “Tenho sede...” (Jn 19,28)
Jesus sempre foi um homem “sedento”: fazer a vontade do Pai, realizar o Reino,
compromisso com a vida, presença solidária junto aos sofredores, fazer conhecido a Deus como Pai/Mãe...

Agora grita sua derradeira sede: um mundo sem dor, sem exclusão, sem violência.

Grita o homem com a garganta ressequida: sede na garganta e sede no coração. Sede expansiva, sede que descentra.

Grito que se multiplica em milhares de gargantas espalhadas pelo mundo:
* quero “justiça”, clamam os injustiçados deste mundo;
* quero “pão”, pede a criança com a barriga inchada de ar e de fome;
* quero “paz”, exclama a testemunha de atrocidades sem fim;
* quero “amor”, pede o jovem solitário por ser estranho;
* quero “moradia”, sonha o morador de rua que dorme em um banco da praça;
* quero “trabalho”, suspira uma jovem que se sente fracassar;
* quero liberdade, escreve o presidiário em seus poemas;
* quero saúde, recita o enfermo em seu leito...
Vozes de compaixão, vozes de pranto, vozes que refletem as dores do mundo.

Há alaridos, e também sussurros, todos carregados de sensibilidade dolorida.

A sede de Jesus desperta em nós outras “sedes”: de que tenho sede? Sede de sonhos, de mundo novo... Sede mobilizadora que ativa as melhores energias dentro de nós, que desperta nossa criatividade... Sede que purifica nossa capacidade de escutar os gritos, de perto e de longe. O que fazer?

“Quem tem sede venha a mim e beba”. Quem não tem sede não busca, não cria.

Deixar ressoar essa súplica de Jesus:
A quem precisamos nos atrever a escutar?

6. COMPROMISSO: “Tudo está consumado” (Jo 19,30)
Parece contradição alguém dependurado na Cruz afirmar que tudo está consumado; tem-se a impressão de fracasso total. Mas na Cruz Jesus leva até às últimas consequências sua Encarnação: mergulha e se faz solidário com todos os crucificados da história. “Desce” até às profundezas do sofrimento humano e ali revela a presença do Deus compassivo.

No alto da Cruz, Jesus tem consciência que não viveu em vão; sua presença fez a diferença; viveu para os outros. Jesus morre com as mãos cheias de vida; gastou a vida a serviço da vida; deixou pegadas nos corações de quem encontrou pela vida. “Jesus morreu de tanto viver”. Morreu de bondade, de compaixão, de justiça.
Jesus teve um “caso de amor” com a vida; viveu intensamente.

Uma vida consumada faz fecunda a morte. Uma história consumada de Amor. Vida consumada quando se consome no serviço aos outros. Jesus desencadeou um movimento de vida.

Deixar ressoar esta afirmação de Jesus:
Quão plenificante é poder dizer a cada dia: tudo está consumado. É poder dizer como Pablo Neruda: “Confesso que vivi”.

7. SENTIDO: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lc 23,46)
Só quem viveu intensamente uma vida expansiva pode acolher a própria morte com paz,
confiança, serenidade e abandono nos braços do Pai. Jesus morre como tinha vivido: ancorado na confiança do Pai.

Jesus, que sempre prolongou as mãos do Pai, agora entrega-se confiadamente nos braços do mesmo Pai.

Jesus sempre viveu em profunda sintonia com o Pai; agora Ele dá um “salto vital” nos braços do Pai.

Ao “entregar seu espírito” Jesus é “aspirado” para dentro de Deus.

A morte nos inspira medo; mas na morte, somos todos iguais, sozinhos diante de Deus.

A morte é a última ponte que nos conduz ao Pai. Seremos abraçados do outro lado da ponte. Nosso destino é o coração de Deus.

Não só na hora da morte, mas a cada dia somos chamados a “entregar o espírito”; num mundo em que todos buscam seguranças, que em tudo querem ter “salva-vidas”, num mundo que nos convida a ter as costas cobertas... queremos arriscar, apostar pelo Reino; queremos nos sentir confiados, atravessar tormentas ou espaços serenos, sentindo-nos protegidos pelas mãos do Pai. Mãos que curam, acariciam, sustentam...

Deixar ressoar em nosso interior as palavras de entrega de Jesus:
Vivemos amparados pelas mãos providentes e cuidadosas do Pai; sentir-nos movidos a prolongar as mãos do Pai.

Estas [sete] palavras, proferidas por Jesus no alto da Cruz, causam um profundo impacto em nosso coração.

Tal impacto nos faz ter os olhos fixos no Crucificado; a partir do Crucificado ativar um olhar comprometido com os crucificados da história.

Só podemos crer no Crucificado se estivermos dispostos a tirar da Cruz aqueles que estão dependurados nela (Jon Sobrino).

Após a oração universal faremos a chamada “adoração da Cruz”; não se pode contemplar a Cruz isolada daquilo que nela aconteceu. A Cruz nela mesma não tem sentido.

O que vemos ao contemplar o Crucificado?

A Cruz é expressão da máxima compaixão e comunhão, com Jesus e com os sofredores. Ela aponta para Aquele que foi fiel ao Pai e ao Reino. Por isso, a Cruz não é um “peso morto”.

A partir da Cruz de Jesus, iluminamos e damos sentido às nossas cruzes.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 28 de março de 2018 – Internet: clique aqui.

segunda-feira, 26 de março de 2018

A Justiça e as ruas

Por que Gilmar Mendes e o Supremo temem
o clamor das ruas?

Juan Arias

A sociedade aumenta a cada dia o divórcio entre ela e aqueles
que deveriam oferecer-lhe a garantia de uma Justiça
sem dois pesos e duas medidas
GILMAR MENDES
Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) durante o julgamento do Habeas Corpus de Lula
Quinta-feira, 22 de março de 2018

Às vezes é o povo, a sociedade, que intui melhor que os próprios legisladores o espírito que subjaz à letra fria da lei. Um exemplo: a discussão neste momento no Supremo [Tribunal Federal – STF] sobre a prisão depois da condenação em segunda instância. Os magistrados legalistas, que são a favor de que todos os recursos sejam esgotados, dizem zelar pela lei da presunção de inocência. É verdade que mesmo o maior criminoso deve ter garantido o direito à defesa. Nada mais trágico para a dignidade humana do que a condenação de um inocente.

Ao mesmo tempo, o espírito da lei é pisoteado muitas vezes. E é a quebra desse espírito que as ruas advertem quando se defende para os poderosos a possibilidade de recursos infinitos a todas as instâncias para evitar a prisão. Algo que pode levar anos e acabar favorecendo aqueles que têm a possibilidade de pagar advogados que mantenham o condenado em liberdade. E os outros? Os pobres que não têm esses recursos? Para eles é impossível eternizar o processo até a prescrição da sentença. Somos realmente todos iguais perante a lei?

É mais fácil que seja a sociedade e não os legisladores quem indique essa dissonância que leva a distinguir os criminosos poderosos dos simples mortais. Estamos, portanto, diante de dois direitos conflitantes:
1º) o da presunção de inocência e
2º) o da Justiça que deve ser igual para todos.
São dois conceitos igualmente importantes que devem valer para todos ou acabam prejudicando os menos favorecidos.

Dado que com aqueles que não são poderosos os escrúpulos pela presunção de inocência acabam sendo esquecidos e eles são, portanto, arrastados para a prisão sem mais, seria mais próximo da Justiça igualitária que todos, pobres e ricos, começassem a cumprir a pena ao mesmo tempo. Com presos sem nome há menos escrúpulos do que com os famosos e eles são presos tantas vezes antes mesmo de serem julgados. Quantos milhares desses presos anônimos apodrecem nas prisões nessa situação? No Brasil aparentemente eles são mais de duzentos mil.

Mesmo com prisão depois da condenação em segunda instância, os presos privilegiados continuarão levando a melhor, pois permanecerão menos tempo atrás das grades por disporem de advogados que fornecem habeas corpus, que na maioria dos casos lhes permitem cumprir a pena em liberdade. Pergunte-se a Gilmar Mendes, tão cheio de compaixão pelos presos de luxo. Os outros, aqueles sem advogados presunçosos, continuarão presos enquanto Deus quiser, abandonados à própria sorte.
Carlo Alberto Pisani Dossi (1849-1910) - autor desta frase - foi um escritor italiano

Daí que, diante de dois direitos legítimos, o da presunção de inocência e o de que todos devem ser iguais perante a lei, a sociedade acabe vendo o primeiro como um biombo para evitar a prisão dos privilegiados e se sinta mais sensível ao outro direito não menos sagrado de que a lei é a mesma para todos. São as ruas que entenderam, por exemplo, que Carmen Lúcia e Barroso – mais do que Gilmar Mendes – estão mais próximos do espírito da lei do que de sua letra fria. Ou será que alguém acredita que, se, por exemplo, Lula foi preso, permanecerá na cadeia o mesmo tempo de um condenado comum e anônimo, réu pelos mesmos crimes que ele, mas sem advogados ilustres e magistrados amigos? Quando os membros do Supremo reclamam que não podem ser pressionados pelo clamor das ruas, esquecem que muitas vezes a sensibilidade e o senso comum da sociedade são os melhores intérpretes do espírito da lei.

Em sua última coluna para este jornal, o escritor espanhol Juan José Millás usou uma metáfora entre a letra das palavras e seu significado, usando para isso a imagem da gaiola e do pássaro. A gaiola, com seu engradado, é apenas a palavra escrita ou o seu som; o pássaro é o significado. O perigo dos legalistas, como a maioria dos magistrados do Supremo parece ser, é confundir o envoltório das palavras da lei com a alma do que palpita dentro dela.

A sociedade –que possui um radar especial para detectar as manobras em favor dos poderosos– aumenta a cada dia o divórcio entre ela e aqueles que deveriam oferecer-lhe a garantia de uma Justiça sem dois pesos e duas medidas. É um esgarçamento da credibilidade que aumenta a cada dia entre o povo e seus representantes. Até onde pode levar essa perda de fé na autoridade e como ela pode prejudicar a já frágil democracia brasileira?

Fonte: El País – Opinião – Sábado, 24 de março de 2018 – 22h18 (Horário Centro Europeu) –Internet: clique aqui.

Jovens dizem como querem a Igreja

“Queremos uma Igreja menos moralista e que
admita seus erros”

Salvatore Cernuzio
Vatican Insider
24-03-2018

O Papa Francisco pediu aos jovens que falassem com sinceridade,
dando-lhes carta branca para enfrentar os temas que quisessem
e enfrentá-los da maneira que quisessem
Jovens de vários países do mundo se reúnem em Roma, Itália, a fim de
oferecerem suas ideias e opiniões ao próximo Sínodo dos Bispos que
abordará, justamente, a questão da JUVENTUDE e das VOCAÇÕES

E os 300 jovens de todo o mundo que vieram a Roma para participar do encontro pré-sinodal (como parte dos preparativos para o grande momento de outubro), além de outros 15 mil contemporâneos que participaram através de grupos no Facebook, não se fizeram de rogado.

Nas 15 páginas do documento final redigido no final do encontro que começou no dia 19 de março, os jovens não hesitaram em expressar suas preocupações e desejos, suas expectativas e necessidades e também suas críticas a uma Igreja que “parece muito severa” e “frequentemente associada a um moralismo excessivo”, da qual esperam não receber “respostas diluídas ou pré-fabricadas”. [Merecíamos, de fato, ouvir esta crítica!!!]

O texto, que neste domingo [25 de março] foi entregue ao Papa por dois jovens do Panamá (onde acontecerá a próxima Jornada Mundial da Juventude, em janeiro de 2019), foi concebido como um resumo de todas as contribuições dos participantes, com base no trabalho dos 20 grupos linguísticos e outros seis grupos formados nas redes sociais. O texto “foi compartilhado e redigido com um método completamente sinodal que é uma das fontes que contribuirão para a elaboração do Instrumentum laboris para o Sínodo” de outubro, explicou o cardeal Lorenzo Baldisseri, secretário geral do Sínodo dos Bispos, em uma entrevista coletiva.

No texto, os jovens abordaram questões como:
a) as novas tecnologias e seus perigos: do cyberbullying à pornografia;
b) discutiram temas “quentes”, como a homossexualidade, a teoria de gênero, a convivência e a contracepção;
c) questionaram-se sobre a “vocação”, concebida como “chamado universal à santidade” e não apenas para a vida religiosa.
d) Os jovens também criticaram a instituição eclesial, porque “deveria ser rápida e sincera em admitir seus próprios erros do passado e do presente”, como os abusos ou a má gestão financeira, e porque
e) deveria apresentar-se e reconhecer-se como uma instituição “formada por pessoas que podem se equivocar” e cair em “mal-entendidos”.

Os signatários do documento esperam que “a Igreja e as outras instituições possam aprender com o processo deste encontro pré-sinodal e ouvir as vozes dos jovens”, que, por exemplo, admitem a “grande discordância” que há entre eles, “tanto na Igreja como no mundo, em relação aos ensinamentos” que estão no centro dos debates contemporâneos. Entre eles estão: “a contracepção, o aborto, a homossexualidade, a convivência, o matrimônio e também a percepção do sacerdócio nas diferentes realidades da Igreja”.

Há, portanto, “um debate aberto” sobre essas questões, “independentemente do nível de compreensão dos ensinamentos da Igreja”. Há, por um lado, aqueles que de qualquer jeito desejam fazer “parte da Igreja”, mas gostariam que “mudasse seus ensinamentos ou, pelo menos, oferecesse uma maior explicação e formação sobre essas questões”. Por outro lado, há muitos jovens católicos que “aceitam esses ensinamentos e encontram neles uma fonte de alegria”, razão pela qual “desejam que a Igreja não apenas se mantenha firme em seus ensinamentos, apesar de serem impopulares, mas que os proclame também com maior profundidade”.

Essas “facções”, apesar de se enfrentarem em relação aos ensinamentos da Igreja, encontram um ponto de união no “estilo” da Igreja que desejam: “Os jovens de hoje anseiam por uma Igreja autêntica”, diz o documento.
PAPA FRANCISCO
motivou uma participação livre e sincera dos jovens

“Com isso queremos externar, particularmente à hierarquia eclesiástica, o nosso pedido de uma comunidade:
* transparente,
* acolhedora,
* honesta,
* comunicativa,
* acessível,
* alegre e
* interativa.
Uma Igreja credível é precisamente aquela que não tem medo de mostrar que é vulnerável. Por isso, a Igreja deve ser rápida e sincera em admitir seus próprios erros do passado e do presente, apresentando-se como sendo formada por pessoas capazes de cometer erros e mal-entendidos”.

Entre esses erros, os jovens pré-sinodais mencionaram “os diferentes casos de abusos sexuais e a má gestão das riquezas e do poder”. “A Igreja – diz o texto – deveria continuar reforçando sua política de tolerância zero dentro das próprias instituições e, assim, reconhecendo-se humilde e humana, poderá aumentar sua própria credibilidade e a capacidade de entrar em empatia com todos os jovens do mundo”. De acordo com os jovens, “tal atitude” distinguiria a Igreja de todas as “instituições e autoridades em relação às quais os jovens de hoje alimentam, na maioria dos casos, alguma confiança”.

“Os jovens – continua o documento – têm muitas perguntas, mas nem por isso pedem respostas diluídas ou pré-fabricadas. Nós, jovens da Igreja, pedimos aos nossos guias que falem com uma terminologia específica sobre argumentos desconfortáveis, como a homossexualidade e o debate sobre a teoria de gênero, sobre os quais os jovens discutem livremente sem inibições. Alguns a percebem como “não científica”, dado que o diálogo com a comunidade científica também é importante, já que a ciência é capaz de iluminar a beleza da Criação”. Nesse sentido, “a Igreja também deveria tratar das questões ambientais, particularmente do problema da poluição”, e ser “solidária e próxima daqueles que lutam nas periferias, daqueles que são perseguidos e pobres”.

Porque, e o primeiro a afirmar isso é o próprio Papa, “uma Igreja atraente deve ser necessariamente relacional”.

E, uma vez que grande parte das relações de hoje se desenvolve nas redes sociais e na internet, os jovens advertiram que “as relações on-line podem tornar-se desumanas. Os espaços digitais podem nos tornar cegos à fragilidade do outro e impedir a nossa introspecção. Problemas como a pornografia pervertem a percepção que os jovens têm da própria sexualidade. A tecnologia, neste contexto, cria uma realidade paralela enganosa e que ignora a dignidade humana”.

Portanto, os jovens fazem um apelo à Igreja para que preste “maior atenção a esta praga, incluindo os abusos na internet contra menores, o cyberbullying e a salgada fatura que representam para a nossa humanidade”.

Claro, não se pode colocar em dúvida que “a internet oferece à Igreja uma oportunidade nunca antes vista na evangelização, especialmente através das redes sociais e dos conteúdos multimídia on-line. Sendo jovens, somos nativos digitais capazes de seguir por esse caminho. É também um lugar onde é possível relacionar-se com aqueles que vêm de uma tradição religiosa diferente ou mesmo não a têm. A série de vídeos do Papa Francisco é um bom exemplo de como a internet pode expressar um potencial de evangelização”.

No seu documento, os e as jovens do pré-Sínodo reivindicam também uma maior inclusão nos “processos de decisão” da Igreja, que deve “oferecer-lhes papéis de liderança”, que podem ser identificados nas “paróquias, dioceses, em nível nacional ou internacional, e mesmo ao nível das comissões do Vaticano”. “Estamos firmemente convencidos de estar prontos para ser guias, capazes de amadurecer e aprender com membros mais experientes da Igreja, religiosos ou leigos”, afirmam.

Neste âmbito, não poderia faltar a denúncia da “ausência de figuras femininas dentro da Igreja”, uma realidade percebida com tristeza pelas jovens mulheres que gostariam de “oferecer seus talentos intelectuais e profissionais”. Ao mesmo tempo, os jovens consideram que “os seminaristas e os religiosos, com maior razão, deveriam ser muito mais numerosos”.
Jovens de várias partes do mundo ofereceram suas opiniões para o Instrumento de Trabalho que servirá
de documento-base para a
XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos em outubro de 2018, cujo tema é:
"Os jovens, a fé e o discernimento vocacional"

Os jovens também se declaram “interessados nas atividades políticas, civis e humanitárias”. Como católicos, afirmam querer ser “mais ativos na esfera pública para melhorar a sociedade comum” e ser levados “seriamente em consideração como membros responsáveis da Igreja”. A mesma, enfatizam, “deveria tentar desenvolver criativamente novos caminhos para ir ao encontro das pessoas exatamente onde elas se encontram, nos lugares que mais lhes convêm e nos quais geralmente se socializam: bares, cafés, parques, academias de ginástica, estádios e qualquer outro centro de agregação cultural ou social”.

De acordo com os autores do documento, seria preciso levar em consideração também “espaços menos acessíveis, como ambientes militares, o ambiente de trabalho e áreas rurais”. Mas também é importante que “a luz da fé chegue a lugares difíceis, como orfanatos, hospitais, periferias, zonas de guerra, prisões, comunidades de reintegração e zonas vermelhas”. “Se, por um lado, a Igreja já vai ao nosso encontro através das numerosas escolas e universidades espalhadas pelo mundo, gostaríamos de vê-la muito mais presente e eficaz”.

Neste movimento de saída, a Igreja deveria “adotar” uma linguagem “capaz de relacionar-se com os usos e costumes dos jovens, para que todos possam ter a oportunidade de ouvir a mensagem do Evangelho”.

E talvez repensar, nesse sentido, seu raio de ação, já que “fora da Igreja muitos jovens vivem uma espiritualidade disputada”. A Igreja, portanto, “poderia relacionar-se com eles por meio de instrumentos adequados”.

Boa parte do documento final refere-se também à “vocação”, tema sobre o qual o Sínodo de outubro irá refletir. A vocação, esclarecem os jovens, não é “sinônimo de chamado à vida sacerdotal ou religiosa”. “A ideia geral de que a vocação é um chamado não está clara para os jovens”, explicam eles mesmos, motivo pelo qual se necessita “de uma melhor compreensão da vocação cristã (à vida sacerdotal, à vida religiosa, ao apostolado leigo, ao matrimônio e à família, etc.) e do chamado universal à santidade”.

Ao mesmo tempo, necessita-se de uma ajuda durante o processo de discernimento da vocação, levando em consideração todos os diferentes “fatores” influenciadores: “a Igreja, as diferenças culturais, a oferta de trabalho, o mundo digital, as expectativas da família, a saúde mental e o estado de ânimo, a pressão social dos próprios pares, os cenários políticos, a vida de oração e as devoções, a Sagrada Escritura, a sociedade e a tecnologia”.

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Você pode escolher a versão em espanhol, inglês ou italiano.

Traduzido do italiano por André Langer. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 26 de março de 2018 –Internet: clique aqui.