Já não é mais tempo de freiras servis. Porque a
Igreja deve lidar com a questão das mulheres
Marco Politi
Jornalista
e ensaísta italiano
«Il
Fatto Quotidiano»
04-03-2018
Enquanto
isso, no Vaticano, não houve grandes mudanças
Muitas religiosas (= freiras) somente atuam em serviços domésticos, muitas vezes, sem remuneração ou somente com poucos recursos. E evangelização fica em segundo plano! |
O tempo está se esgotando
também para os pontificados. Era setembro de 2013, quando o Papa Francisco deu sua entrevista
programática à revista dos jesuítas Civiltà
Cattolica, em que abordava, entre outros assuntos, a questão das mulheres
na Igreja. O papel da mulher na
comunidade eclesial, disse ele, deve ser tornado «mais visível». Então, com
uma diferença acentuada em comparação com as intervenções dos papas anteriores,
enfatizou que a sua presença era
necessária «nos lugares onde se tomam decisões importantes» e que as mulheres deviam estar presentes «lá onde
se exerce a autoridade nos vários âmbitos da Igreja».
Palavras desafiadoras, que
três anos mais tarde levariam à criação da Comissão
de estudo sobre o diaconato feminino, que está no aguardo que o pontífice
argentino publique os resultados.
Lucetta Scaraffia - historiadora |
Uma reportagem do caderno
«Mulheres Igreja Mundo» dirigido pela historiadora Lucetta Scaraffia, publicado junto com o L'Osservatore Romano, no entanto coloca em questão a preocupante lentidão com a qual a
organização patriarcal-sexista da Igreja reage à mudança radical de concepção e
de papel que a mulher conquistou para si no nosso mundo contemporâneo.
O artigo de Marie-Lucile Kubacki relata coisas que
todo mundo conhece e sobre as quais quase todo mundo cala na instituição
eclesiástica: o trabalho servil das
Irmãs ao serviço dos homens prelados, bispos e cardeais. O artigo é
explosivo porque aparece no L'Osservatore
Romano e porque está escrito de uma forma muito sóbria.
Marie-Lucile Kubacki - jornalista francesa |
Mas as palavras de uma freira
anônima deixam a sua marca: «Um
eclesiástico pensa que a irmã deva lhe servir a refeição e ficar comendo
sozinha na cozinha depois de servi-lo... irmãs que tinham servido durante
trinta anos em uma instituição e que, quando ficavam doentes, nenhum dos
sacerdotes que serviam ia visitá-las... uma freira, que tinha ensinado por
muitos anos e, de um dia para o outro, aos cinquenta anos, lhe foi dito que a
partir daquele momento sua missão seria de abrir e fechar a igreja paroquial,
sem nenhuma outra explicação... Irmãs com doutorado em teologia que, de
repente, são mandadas a cozinhar ou lavar os pratos».
«Eu sofro – havia declarado Francisco já nos primeiros anos do
pontificado em um encontro com as religiosas - quando vejo na Igreja ou em algumas organizações eclesiais que o papel
do serviço das mulheres desliza para o papel de servidumbre, ou seja, servidão». Mas, cinco anos depois de seu
advento, pouco parece ter mudado e o
ingresso das mulheres (religiosas ou laicas) nas instâncias de decisão ainda
está longe de ser concretizado.
A Madre Carmen Sammut, presidente da União Internacional das Superioras Gerais (UISG), que reúne a
liderança das centenas de milhares de freiras do mundo, declara: «No Vaticano nunca somos consultadas».
Ao Sínodo sobre a família foram autorizadas a participar apenas três
representantes das Superiores Gerais. No entanto, haviam pedido para serem
admitidas em, pelo menos, oito.
Carmen Sammut Presidente da União Internacional das Superioras Gerais (UISG) |
Enquanto isso, no Vaticano, não houve grandes mudanças.
O Papa nomeou duas professoras subsecretárias do Dicastério dos Leigos e uma freira como subsecretária da Congregação dos Religiosos (Vida
Consagrada). Entretanto, o único membro feminino do conselho administrativo do
IOR («banco» do Vaticano), a norte-americana Mary Ann Glendon, pediu demissão e assim o panorama da Cúria permanece, quase na íntegra, insistentemente
masculino.
Não se trata de
reivindicações «feministas», nem mesmo de ignorar que
os tempos da Igreja são
tradicionalmente lentos e graduais.
O fato é que a Igreja corre o risco de perder o contato
com um mundo de fé feminino, que, na ausência de participação efetiva na missão
de ativa evangelização da Igreja,
está rapidamente se afastando.
Mary Ann Glendon Professora de Direito na Universidade de Harvard Ex-embaixadora dos Estados Unidos junto à Santa Sé |
Todas as pesquisas
sociológicas mais recentes – ver os relatos dos professores Garelli e
Castegnaro – mostram que na Itália mulheres
e homens «abandonam» agora em número igual a paróquia e a frequentação dos
sacramentos após a adolescência. Não há mais, como no passado, uma maciça
«reserva feminina».
O número de mulheres dispostas a se tornar freiras está
despencando. Em 2000 as freiras
(religiosas professas) eram 801.000. Oito anos mais tarde, esse número havia
caído para 740.000. O último
levantamento de 2015 indica um total de 670.000. Uma perda de 130.000
pessoas. E se é verdade que na África e na Ásia as vocações estão em ascensão
porque se tornar freira ainda representa um resgate social, no Primeiro Mundo, a falta de motivação
assumiu dimensões de massa. Certamente não é a perspectiva de trabalho
servil ou de gestão de instalações de hospedarias para o turismo (algo bastante
difundido em Roma) que vai incentivar possíveis futuras vocações. [Quantas freiras ocupadas em tarefas domésticas,
burocráticas, distantes das comunidades onde há necessidade de evangelização!]
«Queremos evangelizar, não lavar suas meias!» exclamou uma freira já nos tempos de João Paulo II
durante o Sínodo sobre a África. A
Igreja Católica é também uma estrutura social e para trazer mudanças são
necessárias instruções precisas, decretos que criem uma nova forma de operar.
Para o Papa
Francisco, na segunda metade de seu pontificado, surge a questão de
dar uma forma organizacional, jurídica para os objetivos
declarados:
levar as mulheres
para os lugares
«onde são tomadas decisões
e é exercida a autoridade».
Traduzido
do italiano por Luisa Rabolini. Para
acessar a versão original desta matéria, clique aqui.
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