«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 28 de agosto de 2016

A geração narcisista! Olha eu aqui!

Sérgio Augusto

Na mais recente contribuição à bibliografia sobre o narcisismo,
autora oferece um conselho para lidar com todo tipo de superególatra:
antes que seja tarde, fuja!

Eles estão por toda parte. Em lugares suspeitos e insuspeitos. A qualquer hora são vistos, e é justamente isso o que eles mais desejam. Nos Jogos Olímpicos, deram um show coletivo: de olho no telão, acenando para as lentes da TV, “Ó, nós aqui!” Narciso se mirava nas águas de um rio, nossos narcisistas não podem ver um espelho ou uma câmera.

(Leia, depois, o artigo abaixo deste, no qual é melhor explicado o conceito
de «narcisismo» e quem é Narciso).

Sua vocação para papagaios de pirata é inexcedível. Se ninguém os filma ou fotografa, uma selfie, essa cocaína especular, quebra o galho. Suprassumo do onanismo fotográfico, a selfie foi o maior presente que a era digital ofertou às pessoas mais carentes de atenção, reconhecimento e adulação. Ególatras e exibicionistas, não resistem a um flagrante de si mesmos, estejam onde estiverem, a sós ou acompanhados. Dane-se a paisagem, dane-se o entorno, dane-se a Monalisa meio desfocada ao fundo. “Ó, eu aqui!”

Não foi pelo simples prazer de brincar com as palavras que neologismos como “selfish” e “narcistick” foram inventados. “Selfish” é um amálgama perfeito de selfie com egoísta, em inglês; “narcistick”, uma mistura de narcisista com stick, pau de selfie em inglês. A pandemia de selfies veio confirmar uma suspeita: o espectro do narcisismo ronda o planeta, germe de outro vocábulo recente – narcisfera, que é onde os embeiçados pela própria imagem (não apenas no sentido icônico) gravitam com mais intensidade e desfaçatez, a inundar as redes sociais de inanidades verbais e irrelevâncias visuais que deveriam ser de consumo restrito. E mais outro: narcifobia, que é a aversão que nos provocam os autocentrados internautas do Facebook, do Instagram e do Twitter.

Como não ter medo de pessoas com excessiva (e invasiva) autoestima? Medo e, em muitos casos, inveja. Pois se nem toda selfie evidencia um “transtorno de personalidade narcisista” (para usar o termo científico popularizado pelo psicanalista Heinz Kohut, meio século atrás), nem toda autoestima excessiva faz mal à saúde psíquica; às vezes pode ser saudável, estimulante, terapêutica, defende o doutor Craig Malkin em Rethinking Narcissism (“Repensando o Narcisismo”), provocante estudo sobre os malefícios e benefícios do narcísico culto ao bem-estar, ao protagonismo e à soberba benigna.

Como estimar qual a taxa ideal de autoestima?

A partir de que ponto a autoestima torna-se destrutiva e autodestrutiva?

Ao contrário da febre, da hipertensão e dos terremotos, não existe um instrumento nem uma escala para mensurar isso. Se algum cientista por ventura inventá-la, não lhe faltarão nomes mais apropriados que o seu para batizá-la: Escala Kim Kardashian, Escala Justin Bieber, Escala Donald Trump, Escala Kenye West. Todos irreprocháveis.

Um analista político insinuou há tempos a emergência de um novo sistema bipartidário na América, não mais opondo democratas e liberais a republicanos e conservadores, mas narcisistas (sob a sigla PN) e seus antípodas (do Partido da Baixa Estima). Por seu próprio jeito mercurial de ser e por seu fetiche do excepcionalismo americano, Trump seria filiado ao Partido Narcisista – o mais afinado, por sinal, com a maioria dos políticos, bons (Franklin Roosevelt), maus (Collor) e ditadores (Hitler, Stalin, Mao, Gadhafi). Por motivos óbvios, Bill Clinton seria colega de legenda de Trump, até porque o impulso libidinal é elemento destacado na caracterização do narcisista.

Ou foi, quando Freud enfiou sua colher no conceito colhido na mitologia grega pelos clínicos ingleses Havelock Ellis e Paul Näcke, ainda no século 19. Quatro anos antes de produzir seu estudo sobre o narcisismo, em 1914, Freud já usava o termo para explicar “a escolha de objetos nos homossexuais, que primeiro tomam-se a si mesmos como objeto sexual (...) e procuram jovens que se pareçam com eles, e a quem possam amar como a mãe os amou a eles”. Depois, sua análise embrenhou-se por outras veredas, para alívio dos gays e das mulheres, ainda que muitas delas, fiéis ao arquétipo delineado por Freud, não consigam passar por uma vitrine (até de açougue serve) sem dar uma espiada de soslaio em sua refletida silhueta.
Tradução do título do livro:
"O Egoísmo dos Outros:
um ensaio sobre o medo do narcisismo"

Autora: Kristin Dombek

De tanto ouvir falar numa “epidemia de narcisismo” (segunda no ranking de expressões prêt-à-porter, a primeira ainda é “banalidade do mal”) e de ler a respeito de NPD (a sigla em inglês de Transtorno de Personalidade Narcisista), Kristin Dombek resolveu investigar a procedência da metástase narcísica e a transformação de um problema psíquico individual em fenômeno cultural, de resto, retratado (por Tom Wolfe) e analisado (por Christopher Lasch) em seu primeiro apogeu, na década de 1970, adrede rotulada de “Me decade”.

Admirada por seus conselhos de alta (repito: alta) ajuda nas revistas The Paris Review e n+1, Dombek escreveu um rico e sombriamente engraçado ensaio de 140 páginas, The Selfishness of Others (“O Egoísmo dos Outros”, a US$ 10 na versão kindle), com ênfase na narcifobia e como o temor aos que fazem do mundo um espelho pode distorcer nossas relações interpessoais. É a mais recente contribuição teórica à colossal narcisobibliografia.

Assim como existem narcisistas de variada espécie e periculosidade – inofensivos (a turma do selfie e da autopromoção nas redes sociais), vaidosos, gabolas delirantes (“eu já transei com mais de 20 garotas da Playboy”), agressivos, fálicos, corporativos (vulgo bozós), farisaicos, oniscientes – existem livros que nos ensinam a farejá-los à distância (pelos mimos maternos, pelas postagens na internet), a distingui-los de perto (pelo mau comportamento social: loquazes, autorreferentes, espalhafatosos, arrogantes), e a lidar com cada um deles, seja para evitá-los, desmascará-los e combatê-los de igual para igual.

Como se defender de um narcisista extremado?

Joseph Burgo, autor de The Narcissist You Know (“O Narcisista que Você Conhece”), tem as dicas necessárias. Como se vingar de um narcisista e usar contra ele as técnicas secretas da manipulação emocional por ele utilizadas? Leyla Loric e Richard Grannon ensinam em How to Take Revenge On a Narcissist (“Como se Vingar de um Narcisista”).

Dombek, de quem já lera observações inteligentes sobre sexo, aborto e descrença religiosa, navega pela mitologia grega, a literatura clássica (o inevitável Ovídio), a teoria psicanalítica (Freud, Alice Miller, Donald Winnicott, Otto Kernberg), por reality shows, pela autoajuda online, pela psicosociologia pop. Ela faz questão de distinguir bem os narcisistas prosaicos [comuns] daqueles que postam mensagens superególatras nas redes sociais, pegam em armas e invadem shoppings, escolas e cinemas, para extravasar seu instinto homicida. Seu único conselho: fuja antes que seja tarde. Dos dois.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 28 de agosto de 2016 – Pág. E2 – Internet: clique aqui.

O que é narcisismo?

Maria Laurinda Ribeiro de Souza*

Com base nas ressonâncias desse termo, Freud desenvolveu
um dos conceitos mais importantes de sua teoria
ECO & NARCISO
Pintura de óleo em tela por John William Waterhouse de 1903 - Museu Nacional (Liverpool - Inglaterra)

Muitas vezes a palavra “narcisismo” é utilizada no senso comum de maneira pejorativa, para designar um excesso de apreço por si mesmo. Para a psicanálise, trata se de um aspecto fundamental para a constituição do sujeito. Um tanto de amor por si é necessário para confirmar e sustentar a autoestima, mas o exagero é sinal de fixação numa identificação vivida na infância.

A ilusão infantil de que o mundo gira ao nosso redor é decisiva nessa fase, mas para o desenvolvimento saudável é necessário que se dissipe, conforme deparamos com frustrações e descobrimos que não ser o centro do universo tem suas vantagens. Afinal, ser “tudo” para alguém (como acreditamos, ainda bem pequenos, ser para nossa mãe) é um fardo pesado demais para qualquer pessoa. Alguns, no entanto, se iludem com o fascínio do papel e passam sua vida almejando o modelo inatingível de perfeição.

Diz o mito grego que Narciso era uma criança tão linda e admirada que sua mãe, Liríope, preocupada com esse excesso, levou-o até o sábio Tirésias. Ele lhe disse que o menino só teria uma vida longa se jamais visse a própria imagem. Por muito tempo essas palavras pareceram destituídas de sentido, mas os acontecimentos que se desenrolaram mostraram seu acerto. Na adolescência, Narciso era um jovem belíssimo, mas muito soberbo. Ao passear certo dia pelo campo, a jovem Eco o viu e se apaixonou por ele, mas o rapaz a repeliu. Um dia, cansado, Narciso dirigiu-se a uma fonte de águas límpidas. Eis então que a profecia se realiza: ao ver-se refletido no espelho das águas, enlouqueceu de amor pelo próprio reflexo. Embevecido, não tinha olhos nem ouvidos para mais nada: não comia ou dormia. Em vão, Eco suplicava seu olhar. Mas Narciso só olhava para si. Apaixonado, ensimesmado, busca para aplacar sua dor um outro que, sendo ele mesmo, não lhe responde. Realiza-se, então, seu destino: mergulha no espelho e desaparece no encontro impossível.

Sem a possibilidade de reconhecimento do que é a própria imagem e do que é o outro, o corpo de Narciso tornou-se pura miragem e desfez-se nas águas... E Eco, que só a Narciso perseguia, só por ele clamava, só nele vivia, petrificou-se e perdeu o poder de sua própria palavra. Narciso não cria laços; não partilha seu encanto. Perde-se na imagem de si. Eco também se perde e, no desencontro, entrega-se à repetição compulsiva, sem poder se separar da miragem idealizada.

Com base nas ressonâncias desse mito Freud desenvolverá um dos conceitos mais importantes de sua teoria – o NARCISISMO. Mencionado pela primeira vez em seus escritos em 1909, é apresentado como uma fase própria do desenvolvimento humano, quando se realiza a passagem do autoerotismo, do prazer centrado no próprio corpo, para o reconhecimento e a busca do amor em outros objetos – diferentes de si. Passagem importante e cheia de inquietações já que implica a saída da gratificação por aquilo que é efeito apenas da própria imagem“Narciso só reconhece o que é espelho” – para a realização de uma das conquistas mais importantes da cultura: a possibilidade de viver, aceitar e trabalhar com a alteridade e, portanto, com as diferenças.

Freud aborda explicitamente esse conceito – efeito do confronto vivido por ele mesmo ao deparar com argumentos de Adler e Jung, que questionavam suas teorias acerca do lugar ocupado pela sexualidade na constituição da subjetividade e na compreensão das patologias. A legitimidade do conceito justificou-se a partir da experiência freudiana com a clínica, naquilo que reconheceu como resistência dos pacientes em abandonar suas posições amorosas, nas manifestações da onipotência infantil e do pensamento mágico, nas doenças orgânicas e na hipocondria – quando toda a libido se volta para o corpo doente – e nos delírios de grandeza das psicoses. Em O mal-estar na civilização, de 1930, Freud diz que um dos grandes obstáculos do homem em sua busca pela felicidade, e que lhe traz maiores dificuldades, é o sofrimento resultante das relações humanas, pois elas nos colocam em confronto com aquilo que, não sendo espelho, nos solicita novos posicionamentos.

Toda criança, ao nascer, é banhada por vários olhares e desejos. Quando se contemplar no espelho, não verá o simples reflexo físico de uma imagem, mas tudo o que esses olhares depositaram no seu corpo. É um momento fulgurante de “sua majestade, o bebê!”. Júbilo para a criança e para os pais, que veem renascer das cinzas sua própria imagem idealizada e todos os seus anseios irrealizados. Instante de narcisismo primário – constitutivo e alienante. O bebê será um herói, vencerá todos os perigos; trata-se de um momento necessário, mas cheio de riscos. Se não ocorre, a imagem de si pode não se constituir, pode se fragilizar, parecendo insuficiente. Se for excessivo, torna-se aprisionante, comprometendo o futuro, a possibilidade de construção de projetos e os ideais.

Se tudo correr bem, a criança se desligará desse olhar primordial e escapará do destino fatal de Narciso – embeber-se, afogado, na tentativa de perpetuar o encontro com a imagem que as águas lhe devolviam. Os desdobramentos do narcisismo são de fundamental importância para a análise do mundo em que vivemos. A valorização da imagem e do sucesso a qualquer custo reduz a tolerância das mínimas divergências – o que Freud chamou de narcisismo das pequenas diferenças – e acirra os conflitos, seja nas pequenas discordâncias do cotidiano ou nos grandes conflitos bélicos. Se o outro não me satisfaz, se não é espelho daquilo que almejo, se tenta opor se às minhas vontades e ameaça minha autoestima, eu o aniquilo. O terreno é propício para preconceitos, fanatismos e violência.

A tragédia vivida por Narciso não nos abandona. Deixa sempre restos que nos fazem seguir pela vida tentando reencontrar o olhar mágico que nos enlevava e nos dizia tudo que éramos. Busca incessante de certezas, de entrega passiva às ilusões...

* Maria Laurinda Ribeiro de Souza é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professora do curso Psicanálise, do mesmo Departamento. É autora de Mais além do sonhar (com aquarelas de Ada Morgenstern), Marco Zero, 2003 e de Violência, Casa do Psicólogo, 2005, entre outras publicações.

Fonte: Scientific American/Mente Cérebro – Psicologia, Psicanálise, Neurociência – Artigos – Internet: clique aqui  Acesso em: 28/08/2016 às 14h00.

Quem é que tem moral ? ? ?

Moral pra cá, moral pra lá

Eliane Cantanhêde

Se a senadora petista Gleisi Hoffmann decreta que ninguém no Senado – nem ela própria, aliás – tem moral para julgar quem quer que seja, o que dizer da presença do ex-presidente Lula para dar força moral à pupila Dilma Rousseff, amanhã, no plenário?
RONALDO CAIADO (DEM-GO) discute com LINDBERGH FARIAS (PT-RJ)
na manhã do primeiro dia de julgamento da presidente Dilma Rousseff
Quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Nem todos os 81 senadores são alvos de processos, mas Lula foi indiciado pela Polícia Federal na sexta-feira, suspeito de receber mais de R$ 2 milhões da OAS para obras naquele triplex em Guarujá que ele jura que não é e nunca foi dele.

O clima já é de “hospício”, segundo o próprio presidente do Senado, Renan Calheiros. Imaginem como pode ficar com Dilma cara a cara com seus algozes, falando o que bem entende, cercada por 35 aliados e apoiada pelo estridente trio de choque Gleisi, Lindbergh Faria e Vanessa Grazziotin. E quantos deles têm moral para defender quem quer que seja?

Até a pronúncia, o Senado vinha se diferenciando em qualidade e em elegância da Câmara. Foi só começar o julgamento final para que a qualidade e a elegância evaporassem, com acusações cruzando os ares do plenário, os piores adjetivos ecoando pelas galerias, as ameaças de processos se multiplicando.

Já no primeiro dia, Gleisi rodou a baiana, Ronaldo Caiado reagiu, Lindbergh tomou as dores e virou um pandemônio. Agora, Gleisi tenta se explicar, Lindbergh anuncia que vai processar Caiado por insinuações do tipo “antidoping” e Caiado expõe na internet uma longa lista de ações e processos contra o senador petista, além de dizer que pretende entrar no Ministério Público contra Gleisi, por ter contratado para seu gabinete uma técnica que havia acabado de testemunhar a favor de Dilma.
RENAN CALHEIROS (de óculos) discute com a senadora GLEISI HOFFMANN (loira de costas) do PT
Sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O segundo dia não foi melhor. Aos gritos, Renan recriminou a fala de Gleisi sobre a “falta de moral” do Senado e contou que entrou no Supremo para aliviar a barra dela. Como assim? O Senado livrando a barra de alguém? E o Supremo aquiescendo? Virou um barraco. Depois, Renan disse que agiu republicanamente ao defender Gleisi no Supremo Tribunal Federal e provocou: “Só revendo o Código Penal, para aumentar a pena pelo crime de ingratidão”.

Enquanto Renan descia do muro, sinalizando que vai votar a favor do impeachment, o vice do Senado, Jorge Viana (PT), exercitava seu conhecido bom senso, negociando com os adversários. E foi assim que Viana, do PT, e Cássio Cunha Lima, líder do PSDB, acertaram com o presidente das sessões, Ricardo Lewandowski, dar um freio de arrumação na bagunça.

Lewandowski, aliás, parece um Cristo na Santa Ceia ali naquele tribunal, teatro, hospício, ou seja lá o que for. Gleisi, Vanessa, Lindbergh e Caiado berram, mas lá está ele impassível, pedindo calma aos senhores e senhoras senadoras. Quando perdeu a paciência, reclamou seu “poder de polícia” e gerou sobressaltos até explicar que isso é apenas um termo formal para discriminar seus poderes na circunstância. Ufa!

No acordão entre Viana e Cássio, não há mais questões de ordem e outros penduricalhos e, como os pró-impeachment decidiram não fazer mais perguntas, o resto de sexta-feira foi de palanque, com as testemunhas pró-Dilma falando sem contestação e a bancada dela fazendo proselitismo a favor do PT.

Eles só se esqueceram de combinar com os adversários comuns. Magno Malta não aguentou ouvir calado o economista Luiz Gonzaga Belluzzo defendendo Dilma e dizendo que o erro dela foi não ter gasto mais (?!?!?!) e gritou: Beluzzo foi expulso do Palmeiras depois de quebrar o clube. Então, o que ele fazia ali falando de contas e responsabilidade fiscal? Faz sentido.

Dentro do plenário, o zunzunzum era sobre o indiciamento de Lula. Fora, Lula tinha uma conversinha a sós com o ex-ministro Edison Lobão, que era amigão de Dilma, é do partido de Michel Temer e está enrolado na Lava Jato, desses que, como disse Gleisi, “não tem moral” para julgar ninguém. Qual será o voto de Lobão?

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Domingo, 28 de agosto de 2016 – Pág. A8 – Internet: clique aqui.

sábado, 27 de agosto de 2016

22º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia

Evangelho: Lucas 14,1.7-14

1 Aconteceu que, num dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus.
E eles o observavam.
7 Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares. Então contou-lhes uma parábola:
8 «Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar.
Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu,
9 e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: “Dá o lugar a ele”. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar.
10 Mas, quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: “Amigo, vem mais para cima”. E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados.
11 Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado.»
12 E disse também a quem o tinha convidado: «Quando tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos. Pois estes poderiam também convidar-te e isto já seria a tua recompensa.
13 Pelo contrário, quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos.
14 Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos.»

Pe. Alberto Maggi
Ordem dos Servos de Maria (OSM)
Biblista e Teólogo

Elevar-se é humilhar-se, humilhar-se é elevar-se!

Segundo o evangelho de Lucas, esta é a terceira e última vez que Jesus janta na casa de um fariseu. Sempre que Jesus está à mesa com os fariseus – esses piedosos, esses líderes espirituais – existe uma ocasião de conflito!

(É bom e útil ler também, os versículos de 2-6 do capítulo 14 de Lucas
para entender o contexto).

Desta vez, o conflito foi o próprio Jesus que o causou, porque nessa mesa havia um
doente e Jesus pergunta aos fariseus presentes se é lícito curar no dia de sábado, dia em que a lei proíbe qualquer trabalho, isto é, dia de repouso absoluto.

Pois bem, os fariseus não respondem. Jesus, então, ataca-os, chamando-os de “hipócritas”,
dizendo: “Se alguém de vocês tem um filho ou um boi que caiu num poço, não o tiraria logo, mesmo em dia de sábado?”. “E eles não foram capazes de responder a isso”.

Após essa repreensão Jesus continua. “Jesus notou como os convidados – eram todos fariseus – escolhiam os primeiros lugares. Então contou-lhes uma parábola”.

O evangelista estigmatiza esta ambição, esta vaidade que é típica das pessoas religiosas, especialmente se elas ocupam altos cargos! Acham-se importantes e, portanto, sentem a necessidade de exibir-se e manifestar-se, para dar a conhecer a todos a própria importância, escolhendo os primeiros lugares.

“Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu...”. Jesus refere-se a um ditado muito famoso, muito popular, no livro de Provérbios (25,6-7). “...e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: ‘Dá o lugar a ele’. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar”. “Em vez disso...”. Eis aqui a lição que Jesus dá e é uma lição que é preciso entender bem: não é por humildade, mas é um convite a fazer essas coisas por amor.

“... Quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar”.

Por quê? Para permitir aos outrosaqueles que teriam se sentado no último lugarde ficar mais adiante, nos primeiros lugares. Portanto, não é humildade, mas AMOR. Jesus tenta inverter a escala de valores da sociedade!

“Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: ‘Amigo, vem mais para cima’”. Jesus convida esses fariseus – que já havia repreendido dizendo que tudo o que eles fazem o fazem por interesse – convida-os para passar da categoria do interesse à categoria do DOM. “E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados. Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado”.

Jesus que se fez “último” e que se coloca ao lado dos rejeitados e excluídos afirma que aqueles que se fazem “últimos” têm a comunhão com Ele, a plenitude da condição divina. Pelo contrário, aqueles que aspiram a colocar-se acima dos outros e se separam dos outros serão excluídos.

Em seguida, Jesus dirige ao fariseu que o havia convidado uma advertência muito importante que deve ser compreendida à luz desses laços de amizade, parentesco, interesses, ligações que sustentam a sociedade e também sustentam grupos eclesiásticos, grupos religiosos, que se autoprotegem à custa dos outros. Portanto, é uma advertência muito severa e muito atual.

“E disse também a quem o tinha convidado: ‘Quando tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos’”. Portanto, Jesus fala de uma espécie de bancada ou quadrilha onde há amizade, parentesco e, acima de tudo, há interesses comuns. Uma quadrilha que se autoprotege dos outros, que exclui os outros e que apenas cuida dos seus próprios interesses. “Pois estes poderiam também convidar-te e isto já seria a tua recompensa”. Então, Jesus denuncia, como atitude hipócrita, a postura dos fariseus que tudo o que fazem o fazem por interesse. Eles não conhecem o que é a transparência, a generosidade e o dom.

E eis aqui a solução que Jesus lhes oferece.

“Pelo contrário, quando deres uma festa, convida os pobres, – é claro que eles não podem retribuir – os aleijados, os coxos, os cegos”. Jesus coloca “os aleijados, os coxos, os cegos”, isto é, categorias de pessoas que por suas enfermidades eram excluídos do templo e do sacerdócio.

Portanto, Jesus diante de gente muito piedosa, muito religiosa, como os fariseus que se achavam os mais próximos de Deus e, de acordo com as suas regras e normas religiosas, se separavam e excluíam os outros de Deus, Jesus diz: “Não! Convida exatamente aqueles que são excluídos”. [Vejam só, quem Jesus nos pede para convidar ao seu banquete, seja à Eucaristia como à vivência na comunidade cristã!]

Como podemos interpretar e atualizar essa mensagem de Jesus para o hoje? Aquelas categorias de pessoas que, com base nas convicções espirituais e crenças religiosas, nas origens étnicas ou raciais, estimamos como excluídos, invisíveis, rejeitados, são esses mesmos que devemos incluir e dar-lhes a nossa total atenção.

“Então tu serás feliz! – Bem-aventurado – Porque eles não te podem retribuir”. Portanto, Jesus convida essa comunidade de fariseus para não agir mais com interesse, mas para viver na partilha, sempre com generosidade e amor para com os outros.

Depois, Jesus, que está falando aos fariseus, usa palavras religiosas que os fariseus podiam
entender! ... “Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos”.

Portanto, Jesus nos convida a não ficar de olho na recompensa imediata: “Eu faço um favor a você, porque você vai fazer a mesma coisa para mim” e vice-versa, criando, dessa forma, um jeito de viver que exclui os outros de seus próprios interesses e seu próprio bem-estar. Então Jesus nos convida a dirigir toda a nossa atenção ao BEM e ao BEM-ESTAR dos outros e, assim, Deus será a nossa recompensa!

Traduzido do italiano por Pe. Bartolomeo Bergese, Diocese de Pesqueira (PE). Com algumas pequenas correções e adaptações de Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Centro Studi Biblici «Giovanni Vannucci» – Montefano (Marche), Itália – Português – Homilias – Internet: clique aqui.

Um escândalo que não deveria existir!

Comida desperdiçada. E a pobreza crescendo

Washington Novaes
Jornalista

Quando chegarão as políticas capazes de mudar esse panorama universal?
A desigualdade segue aumentado sempre mais! 

Nas últimas semanas têm sido muito frequentes na comunicação e nas cartas e artigos de leitores manifestações sobre uma foto estampada em jornais de um menino brasileiro sentado numa cadeira, com o rosto ensanguentado e as roupas rasgadas, após haver ficado debaixo das ruínas de sua casa que desabara – a própria imagem da desolação e da impotência. Nos mesmos dias, outra notícia informava (O Popular, 19/8): a milhares de quilômetros, na Colômbia, autoridades de Bogotá “disseram que a chuva torrencial que caiu na cidade na madrugada de ontem arrastou ao menos 30 moradores de rua que dormiam em duto de esgoto” – a morte nas cloacas, no mundo povoado de pobreza e de notícias tristes.

Que fazer? O Brasil precisa (O Estado de S. Paulo, 18/5) de mais US$ 7,2 bilhões ou R$ 25 bilhões extras por ano para acabar com a pobreza até 2030. O mundo precisará de US$ 10 trilhões (ou mais de U$S 600 bilhões por ano) para a mesma tarefa, em 15 anos. Mas não há recursos disponíveis, lá e cá, para prover os direitos sociais, criar emprego e renda, etc. O Brasil está em sexto lugar entre os países que mais precisam de recursos para tarefas como essas (em primeiro lugar, a Índia, com US$ 61 bilhões anuais; em segundo, a China, com US$ 37 bilhões; em terceiro, a Nigéria, com US$ 36 bilhões; depois, a Etiópia e a Indonésia).

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), “a pobreza nos países em desenvolvimento está aumentando”, em 1950 viviam com menos de US$ 1,90 por dia cerca de 47% da população mundial, em 2012 eram 15%. “Mas o progresso é frágil: 40% dos africanos vivem na pobreza; e nos próprios países ricos a pobreza também aumentou; 30% da população mundial tem apenas 2% da renda total”. No Brasil, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), a proporção de pobres caiu de 23,4% em 2001 para 7% em 2014; 26,3 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza: eram 40,5 milhões e baixaram para 14,2 milhões em 12 anos E para assegurar US$ 3,1 por dia seriam necessários 0,3% do produto interno bruto; para garantir renda diária de US$ 5 a todos o Brasil precisaria ampliar os gastos sociais para US$ 23,2 bilhões anuais, ou 2% do PIB nacional. [Infelizmente, com esta crise econômica, fala-se apenas em reduzir os gastos sociais!]

Estamos longe, com a taxa de desemprego em 11%, com possibilidade de aumentar até o fim de 2016. Menos de 40% da renda da camada mais pobre da população vem de trabalho remunerado, lembra Guy Ryder, diretor da OIT (O Estado de S. Paulo, 19/5). Mas no ano passado 343 mil famílias deixaram o programa Bolsa Família por haverem aumentado sua renda (MDS, 12/5); 261,3 mil reduziram o benefício, pela mesma razão; 467,1 mil não se recadastraram. A bolsa contempla 14 milhões de famílias com renda média de R$ 163,57, que significa no total R$ 2,3 bilhões mensais. Entre os beneficiados, 10 milhões de pessoas, ou 5% da população (O Estado de S. Paulo, 28/4). Apesar de nossos problemas sociais serem muito maiores que os de países “desenvolvidos”, nossos gastos sociais são menores (edivanbatista@yahoo.com.br, 21/7). Aplicamos 21,3% do PIB em 2013, por exemplo, quando a Alemanha aplicou 27,1% e a Suécia, 29,8%. [E nestes países a pobreza é bem menor! Imaginem!]

Resultado importante é o que mostra (Pnad 2014) que vem caindo desde 2003 o número de famílias da zona rural em situação de pobreza e pobreza extrema (renda mensal até R$ 77), abaixo da meta dos Objetivo do Desenvolvimento Sustentável, que é de 3% (MDS, 20/11/15). Dado preocupante, porém, é o de que a taxa de desemprego entre jovens da Grande São Paulo está em 36% (O Estado de S. Paulo, 27/6), quando o desemprego médio na área está em 16%. O desemprego total no País anda pela casa dos 11%; e quase metade desses desempregados é constituída de jovens (O Estado de S. Paulo, 27/6). A concentração da renda é evidenciada pelo fato de os 10% mais ricos da população deterem, em 2014 (O Popular, 7/5), 38% da renda tributável e 39% dos bens e direitos líquidos totais. A vulnerabilidade dos mais pobres é apontada pelo professor Ladislaw Dowbor: 19% da renda familiar é destinada ao pagamento de dívidas (terra.com.br). 

Em abril último a Assembleia-Geral da ONU decidiu criar (FAO, 4/4) o Decênio de Ação sobre a Nutrição, já que:
* 800 milhões de pessoas no mundo passam fome e
* mais de 2 bilhões sofrem com deficiência de nutrientes;
* 159 milhões de crianças com menos de 5 anos têm déficit no crescimento;
* 50 milhões estão abaixo do peso recomendável,
* enquanto na população geral 600 milhões são obesos.

Nesta mesma hora, diz o site Oxfam (21/1) que a concentração da renda continua a aumentar; 62 pessoas têm tanto capital quanto a metade mais pobre da população mundial. Mas há dados diferentes. O Departamento de Informação Pública da ONU relata que 13% da população mundial vive em extrema pobreza e 2,4 bilhões não dispõem de saneamento adequado – embora as pessoas em pobreza extrema tenham diminuído mais de 50% desde 2002 e a mortalidade materna tenha diminuído 44%; a mortalidade de crianças baixou mais de 50%.

Com tantos problemas, tanta fome, a América Latina continua desperdiçando até 348 mil toneladas por dia de alimentos (FAO, 30/2). Cerca de 36 milhões de pessoas (mais que a população do Peru) poderiam suprir suas necessidades com o que é perdido nos pontos de venda direta ao consumidor. A Argentina perde 12% do que produz. A Unicef alerta (28/6) para o risco de 60 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade morrerem até 2030 de doenças que poderiam ser evitadas. E 167 milhões viverão na pobreza, apesar de 36% dos cereais, 20% das sementes, carnes e laticínios, 35% dos peixes, 40% a 50% dos vegetais e frutas irem para o lixo ou outros formatos desperdiçadores (Folha de S. Paulo, 20/7). Os Estados Unidos desperdiçam um terço do que plantam. O paradoxo maior talvez seja o da África, que, juntamente com a fome, tem 65% das terras férteis não cultivadas do planeta e 10% da água doce (Eco-Finanças, 22/8).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Sexta-feira, 26 de agosto de 2016 – Pág. A2 – Internet: clique aqui.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Shopping é um lugar bem triste

Tati Bernardi
Escritora, redatora, roteirista de cinema e televisão

O shopping é um lugar muito triste, mas nós também somos. Por isso lotamos nosso templo, ainda que, se perguntados, vamos dizer que estamos com pressa.

O shopping existe desde antes de eu nascer, mas nem por isso deixo de me maravilhar, semanalmente, com sua existência. Claro que eu falo pras pessoas que acho um troço deprê, que evito ao máximo. Pega bem odiar o shopping. "Deus me livre ir ao shopping" pode ser entendido também como "gosto mesmo é de um bom sebo".

Mas a verdade é que, por dentro, estou sempre pensando: então existe mesmo esse lugar em que você pode comer no Ráscal (apesar de achar que só vale a pena pra quem come muito), comprar mais uma sandália na Arezzo (não vou usar, mas eles vivem em promoção e são os únicos com bastante opção no 33) e pagar por uma tela decente de cinema (mesmo não curtindo a maioria dos filmes que passam no shopping e detestando os adolescentes que não calam a boca atrás de você)? Sim!

O shopping é um lugar mágico em que todas as ruas são retas e lisas e limpas e bem iluminadas. Talvez paulistano goste de shopping apenas porque odeia suas ruas. Cinco minutos andando em Perdizes, onde moro, é a certeza de dores, suores, poeiras, bostas nos sapatos e tem um mendigo na esquina da João Ramalho com a Ministro Godói que cisma em cuspir em mim.

Cada uma daquelas casinhas perfumadas e cheias de pessoas sorridentes é um convite delicioso a melhorar seu dia. Mais uma almofada pra quê? Mais uma camisa branca pra quê? Mais uma bota preta pra quê? Eu não sei, mas essas mesmas coisas que continuo comprando e essas mesmas casinhas perfumadas e essas pessoas que me adoram falsamente naquele curto espaço de tempo perdido pra sempre são como uma repetição nervosa e solitária e compulsiva que me possibilita não assassinar humanos ou me fazer pequenos cortes. Obrigada, shopping!

O shopping é um lugar muito triste, mas nós também somos. Por isso lotamos nosso templo, ainda que, se perguntados, vamos dizer que estamos com pressa. Que foi um sacrifício aquela paradinha naquele lugar terrível. Vim só resolver uma chatice de um presente. Ai, que saco, tenho que ir ao shopping! Mentira, estamos maravilhados. Estamos no castelo erguido para celebrar nossa solidão e tristeza e medo e compulsão.
TATI BERNARDI
Autora deste artigo

Lembro quando a Vivenda do Camarão chegou ao Center Norte. Eu me achava tão rica e tão fina e tão vivendo a vida loucamente quando pedia arroz à grega com camarão. E não parava por aí, não! Depois eu ia na Le Postiche e ficava louca com aquelas bolsas. Eu já amava shopping mesmo quando ainda era só um ensaio.

Tento lutar contra esse amor há anos, sempre que posso o desmereço com impropérios do tipo "lugar de gente idiota". Sou gente idiota! Corto o cabelo, almoço, compro sem parar, vejo todos os filmes, tenho enjoo com aquela pipoca amanteigada, passeio com minha cachorra, faço meus xixis, conheço vendedoras pelo nome, adoro a palavra "boulevard" apesar de não saber o que é isso. Estou velha demais pra fazer de conta que prefiro coxinha a céu aberto em boteco hypado de bairro violento. Eu gosto mesmo é do Higienópolis. Ele consegue ser Pátio e Boulevard ao mesmo tempo, ainda que eu não tenha a menor ideia do que isso significa.

Ontem tirei dinheiro, fiz design de sobrancelhas, comprei 11 pares de meias, comprei dois pares de palmilhas siliconadas, comprei um negócio que você enche de água e liga na tomada e a água ferve em segundos, almocei em um restaurante japonês, comprei uma escumadeira, comprei chocolate, comprei Tramal (ópio, meus amigos!). Tudo isso em quantos lugares? Apenas em um. Sem suar, sem sorrir. Culpada e maravilhada.

Fonte: Folha de S. Paulo – Colunistas – Sexta-feira, 26 de agosto de 2016 – 02h00 – Internet: clique aqui.

Zika continua a danificar o cérebro de bebês após o nascimento

Ricardo Zorzetto
Pesquisa FAPESP

O Zika vírus pode provocar mais danos que a microcefalia,
reproduzindo-se e lesando o cérebro da criança,
mesmo após o seu nascimento. 
EDISON DURIGON
Virologista da Universidade de São Paulo (USP)

Em meio à relativa calmaria que o inverno impôs à epidemia de Zika, uma notícia grave surge para deixar todos em alerta: o vírus pode continuar danificando o cérebro dos bebês por semanas após o nascimento. Ainda não se sabe durante quanto tempo o Zika permanece ativo no organismo das crianças, mas, em 24 de agosto, foi apresentada uma das primeiras evidências de que isso pode ocorrer por tempo suficiente para agravar as lesões formadas durante a gestação.

Um grupo de 20 pesquisadores de São Paulo publicou na sessão de correspondências do New England Journal of Medicine, uma das mais prestigiadas revistas médicas do mundo, a descrição do caso de um bebê do sexo masculino que foi infectado pelo vírus ainda durante a gestação e que manteve o Zika ativo no organismo por ao menos 67 dias após o parto. “Ainda não se havia descrito uma infecção tão prolongada após o nascimento”, afirma o virologista Edison Durigon, da Universidade de São Paulo (USP), um dos autores do estudo.

O menino nasceu no dia 2 de janeiro deste ano em um hospital da capital paulista, ao final de uma gravidez de 40 semanas. Pesava 3.095 gramas e media 48 centímetros (cm) de comprimento. O tamanho de seu crânio, porém, era limítrofe para microcefalia: tinha um perímetro de 32,5 cm – até março o Ministério da Saúde considerava suspeitos os casos de crianças com igual ou inferior a 32 cm. Mas o que chamou a atenção dos médicos foi a testa, mais estreita que o normal, algo comum entre os bebês com microcefalia. Exames de imagem identificaram pequenas lesões (calcificações) no tecido cerebral características de infecções adquiridas durante a gestação.

O bebê foi encaminhado para a Santa Casa de São Paulo, onde passou a ser acompanhado pela equipe do pediatra Eitan Berezin. No final de fevereiro, por iniciativa de Berezin, amostras de sangue do garotinho foram enviadas para o grupo de Durigon na USP. Exames anteriores haviam dado resultado negativo para citomegalovírus, toxoplasmose e rubéola, infecções congênitas que também podem causar lesões cerebrais. Mas faltavam os testes para Zika, que são mais complexos e demorados e ainda não estão disponíveis no sistema público de saúde.
Nas duas imagems da tomografia na parte superior da figura,
as setas brancas indicam as lesões no cérebro de bebê
que permaneceu com o Zika ativo no organismo por 67 dias;
 abaixo, ressonância magnética mostra redução
de volume das regiões frontal e parietal do cérebro

Um teste molecular confirmou que o menino tinha o vírus ativo no organismo e exames sorológicos indicaram que a infecção havia ocorrido ainda durante a gestação. Por volta da 26ª semana de gravidez, a mãe apresentou febre, dores de cabeça e manchas vermelhas pelo corpo, menos de um mês depois de seu marido ter retornado de uma viagem ao Nordeste, durante a qual desenvolveu sintomas semelhantes. “Existe a ideia de que as infecções congênitas são mais graves quando ocorrem no início da gestação”, diz Berezin. “Mas, nesse caso, a infecção por Zika aparentemente ocorreu mais tarde e também causou danos.”

Como a primeira análise mostrou quantidades elevadas de vírus no sangue, Durigon decidiu procurar por sua presença na saliva e na urina. “Naquela época, por volta do 54º dia após o nascimento, o vírus continuava se reproduzindo e sendo eliminado na urina”, conta o virologista, que integra a Rede de Pesquisa sobre Zika Vírus em São Paulo (Rede Zika), apoiada pela FAPESP. Testes repetidos ao longo das semanas seguintes detectaram a presença de Zika até o 67º dia de vida da criança. O aumento na concentração de alguns anticorpos, porém, indicava que, à medida que amadurecia, o sistema imunológico se tornava capaz de combater o vírus.

Os pesquisadores não sabem dizer por quanto tempo o Zika continuou ativo. Por volta de meados de março, os pais da criança tiveram dificuldade de seguir com as consultas no hospital e o acompanhamento passou a ser a distância. Mas um exame de ressonância magnética realizado no final de fevereiro indicava que as lesões no cérebro ainda continuavam ativas. “O vírus continuou a se reproduzir e a lesar o tecido cerebral mesmo após o nascimento”, afirma Durigon.

Em agosto, a pedido dos editores do New England, a equipe médica voltou a avaliar o garoto. Ele já estava livre do vírus, mas o exame clínico mostrou que apresentava algumas restrições de movimento: tinha algum grau de paralisia em um dos lados do corpo e dificuldade para segurar objetos. “Esses efeitos só são percebidos à medida que a criança se desenvolve porque é quando deveria começar a adquirir certas habilidades”, explica Berezin. “Para esse garoto, em particular, acho que a fisioterapia pode ajudar a melhorar os movimentos para que ele venha a ter um bom padrão de independência.”

Edison Durigon vê no caso um sinal de alerta. “Não sabemos nada sobre o que ocorre com as crianças que adquirem o vírus após o nascimento”, explica. E conclui: “Estamos em uma espécie de entressafra da epidemia, com o risco de enfrentar em breve uma segunda onda de Zika. Deveríamos estar preparados para iniciar o acompanhamento dessas crianças.”

O artigo científico de Oliveira, D. B. L. e outros, Prolonged shedding of Zika virus associated with congenital infection, publicado no New England Journal of Medicine em 24 agosto de 2016, pode ser lido, baixando o arquivo, clicando aqui.

No vídeo do Núcleo de Divulgação Científica da USP, pesquisadores da USP e da Santa Casa de Misericórdia relatam o caso do recém-nascido que permaneceu infectado pelo vírus da Zika até os 67 dias de idade. A reportagem é de Tabita Said, Fabiana Mariz e Caio Antonio; a edição é de Tabita Said e Alan Petrillo e a direção de Mônica Teixeira.

Não deixe de assistir a este instrutivo vídeo sobre o assunto,
clicando sobre a imagem abaixo:


 Fonte: Agência FAPESP – Notícias – Sexta-feira, 26 de agosto de 2016 – Internet: clique aqui.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O mundo tem até 2050 para se salvar!

Em 2050, serão necessários quase 3 planetas
para manter atual estilo de vida da humanidade

Organização das Nações Unidas (ONU)

Se a população global de fato chegar a 9,6 bilhões em 2050, serão
necessários quase três planetas Terra para proporcionar os recursos
naturais necessários a fim de manter o atual estilo de vida da humanidade,
lembrou o Banco Mundial. 

A voracidade com que se consomem tais recursos fez as Nações Unidas incluírem o consumo em sua discussão sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030.

A meta número 12 dos ODS não poupa os países desenvolvidos nem as nações em desenvolvimento. Insta todos a diminuir o desperdício de alimentosum terço deles é jogado fora anualmente —, repensar os subsídios aos combustíveis fósseis e reduzir a quantidade de resíduos lançados sem tratamento no meio ambiente, entre outras tarefas urgentes.

A América Latina e o Caribe têm desafios importantes a cumprir em relação a esses e outros quesitos. Atualmente, a região joga fora 15% da comida que produz. Conseguiu diminuir de 1% para 0,68% o percentual do Produto Interno Bruto (PIB) gasto em subsídios para os combustíveis fósseis entre 2013 e 2015, mas alguns países ainda dedicam cerca de 10% do PIB a eles. Finalmente, cada latino-americano produz até 14kg de lixo por dia, dos quais 90% poderiam ser reciclados ou transformados em combustível caso fossem separados por origem.

Conheça a seguir quatro metas de consumo sustentável que valem para a região e para todo o mundo até 2030.

Reduzir à metade o desperdício mundial de alimentos per capita na venda a varejo

Estima-se que a cada ano cerca de um terço dos alimentos produzidos — o equivalente a 1,3 bilhão de toneladas, avaliadas em cerca de US$ 1 trilhão — acaba apodrecendo no lixo dos consumidores ou dos varejistas, ou estraga devido a métodos ineficientes de coleta e transporte.

A degradação e queda de fertilidade dos solos, o uso insustentável da água e a pesca excessiva estão reduzindo a quantidade de recursos naturais disponíveis para produção de alimentos. Por isso, é essencial não só pensar em formas de preservar e recuperar tais recursos, mas também de reduzir o desperdício para alimentar as 8,3 bilhões de pessoas que o planeta deverá ter até 2030.
O nosso consumo global já é 1,5 maior que
a capacidade da Terra de aguentar.

Foto: Flickr/woodleywonderworks (CC)

Alcançar uma gestão sustentável e uso eficiente dos recursos naturais

A voracidade com que os recursos naturais estão sendo usados fica clara quando se observam alguns números relativos a consumo de energia. Em 2013, apenas um quinto da energia utilizada no mundo veio de fontes renováveis, como água, vento e luz solar. Todo o resto foi gerado com petróleo, carvão, gás natural e urânio.

E quais setores avançam mais rapidamente no consumo de energia?
Em primeiro lugar, o de transportes: até 2020, o transporte aéreo global deve triplicar, enquanto as distâncias percorridas pelos carros aumentarão 40%. Já o uso de energia para comércios e residências fica em segundo. A boa notícia é que as medidas para poupar podem facilmente começar dentro de casa.

Segundo estimativas das Nações Unidas, se toda a população mundial começasse a usar lâmpadas de baixo consumo, seria possível economizar US$ 120 bilhões anualmente.

Racionalizar os subsídios aos combustíveis fósseis

Segundo o estudo Indicadores de Desenvolvimento Global (WDI), do Banco Mundial, os países mais ricos do mundo são os que mais gastam com subsídios ao petróleo, carvão e gás natural (quase 14% do PIB).

Depois, vêm as economias de renda média-baixa, que incluem países da América Central como Guatemala e Nicarágua e gastam em média 11% do PIB com subsídios. Para a ONU, os subsídios ineficientes incentivam o consumo perdulário. Para racionalizá-los — e estimular, portanto, o uso de fontes de energia que impactem menos o meio ambiente —, é preciso adotar medidas que removam as distorções do mercado, como reestruturar os sistemas tributários nacionais, segundo a instituição.

Alcançar uma gestão ambientalmente racional dos produtos químicos ao longo de seu ciclo de vida

Ao incluir essa meta nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 12, as Nações Unidas buscam minimizar o impacto dos resíduos químicos tanto na saúde quanto no meio ambiente. A geração de lixo tóxico per capita praticamente dobrou no mundo inteiro entre o fim dos anos 1990 e da década de 2000. Nos países de renda média, como o Brasil, a quantidade subiu de 17kg per capita entre 1996 e 2000 para 42kg entre 2006 e 2011. Mas nem de longe eles são os mais poluentes: os de alta renda, mas que ainda não se uniram à OCDE (a qual exige boas práticas nas políticas públicas), despejaram 981kg de lixo tóxico per capita entre 2006 e 2011.

Outro dado preocupante é que cerca de 200 milhões de pessoas podem ser afetadas pelos resíduos presentes em 3.000 locais em todo o mundo. Para reverter o quadro, a ONU destaca a importância de incentivar as indústrias a buscar formas sustentáveis de gerenciar seus resíduos. E, ainda, de estimular os consumidores a reduzir o consumo e reciclar o lixo.

Como se vê, o conceito de consumo vai muito além do simples gesto diário de fazer compras, e torná-lo sustentável passa por uma série de desafios que envolvem toda a sociedade. É uma meta que precisará ser levada cada vez mais a sério para não causar novos danos aos limitados recursos do planeta.

Fonte: ONU Brasil – Desenvolvimento Sustentável – Sexta-feira, 19 de agosto de 2016 – Internet: clique aqui.