«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

1º Domingo da Quaresma – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 4,1-11 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

A maior sedução: ceder à idolatria da riqueza e do poder para ser deus!

As quatro montanhas que aparecem no Evangelho de Mateus estão ligadas, estão em relação umas com as outras: à montanha das bem-aventuranças corresponderá a montanha da ressurreição, ou seja, vivendo as bem-aventuranças, tem-se uma vida capaz de vencer a morte; ao monte das tentações, onde o diabo oferece a condição divina a Jesus, desde que adore o poder, corresponderá o monte da transfiguração, onde Jesus demonstrará que...

... a condição divina não se obtém pelo poder, mas pelo amor, pelo presente generoso de si mesmo.

Vejamos este quarto capítulo do Evangelho de Mateus, onde são apresentadas estas tentações de Jesus, que, para as compreendermos melhor, devemos colocá-las no seu contexto, não se trata de tentações, as tentações parecem algo que empurra para o mal, para pecado, nada disso. O diabo, como veremos agora, não se apresenta como adversário de Jesus, mas como seu colaborador, aquele que deseja o seu sucesso. Vejamos. 

Mateus 4,1: «Então, Jesus foi conduzido ao deserto pelo Espírito, para ser tentado pelo diabo.»

A palavra “então”, no início deste versículo, relaciona a passagem do evangelista ao batismo no Espírito, portanto Jesus está impregnado do Espírito, e o Espírito lhe foi dado porque se comprometeu a manifestar fielmente a realidade de Deus. “Foi conduzido ao deserto pelo Espírito”: o deserto recorda muitas coisas, recorda o êxodo, o caminho da libertação, recorda o período de provação e recorda também o lugar do poder, onde se reuniam os bandidos, aqueles que queriam conquistar o poder. Deve-se lembrar que o diabo, no Evangelho de Mateus, aparece apenas neste único episódio. 

Mateus 4,2: «Tendo jejuado durante quarenta dias e quarenta noites, teve fome.»

Quarenta indica uma geração, o evangelista quer que entendamos: atenção, este que agora apresento não é um período limitado da vida de Jesus, mas toda a sua vida, toda a sua existência, foi submetida a essas seduções. É importante que o evangelista enfatize que o jejum é de quarenta dias e quarenta noites, para indicar que não é um jejum religioso, que começa de madrugada e termina ao pôr do sol, mas é uma prova de força, porque o evangelista quer mostrar que Jesus é igual, e mesmo, superior a Elias, a Moisés, aos outros que jejuaram quarenta dias e quarenta noites. 

Mateus 4,3-4: «O tentador aproximou-se e disse-lhe: “Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem pães!” Ele respondeu: “Está escrito: ‘O homem não vive somente de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.’”»

O tentador não questiona que Jesus seja o filho de Deus — no momento do batismo houve uma proclamação de Deus: “este é meu filho amado” (Mt 3,17a) — mas ele faz um convite a Jesus. Poderíamos traduzir melhor para entender melhor: “já que tu és o filho de Deus, ou seja, você é filho de Deus? Então manifeste o teu poder”. Porque esta é a oposição no evangelho:

... enquanto Deus é o AMOR se manifestando no serviço, o diabo é o PODER se manifestando no domínio.

Então este tentador diz: já que você é filho de Deus, “manda que estas pedras se transformem em pães”, ou seja, use suas habilidades, seu poder, para si mesmo. Mas Jesus responde, e responderá todas as vezes, citando a palavra do Senhor: “O homem não vive somente de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”. Assim, Jesus expressa sua plena confiança na ação do Pai, em colocar em prática sua palavra, e Jesus, no decorrer do evangelho se verá, não usará de sua própria capacidade para se alimentar, mas ele, o filho de Deus, ele se fará pão, alimento de vida, para os outros. 

Mateus 4,5-7: «Então o diabo o levou à Cidade Santa, colocou-o no ponto mais alto do templo e disse-lhe: “Se és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo! Com efeito, está escrito: ‘A seus anjos Ele dará ordens a teu respeito’, e: ‘Nas mãos te carregarão, para que não firas teu pé em alguma pedra’”. Jesus lhe respondeu: “Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás’!”»

Aqui, debaixo das vestes do diabo, o evangelista antecipa qual será a ação dos fariseus, dos saduceus, dos doutores da lei, de toda a instituição religiosa. O diabo não se apresenta como um inimigo, um rival de Deus, o pecador, mas o diabo tem seus adeptos justamente na casta sacerdotal no poder, que quer precisamente deter o domínio.

Esse diabo evidentemente não só conhece a Escritura, como também conhece os apócrifos, pois no quarto livro de Esdras, um apócrifo da época, foi dito que o messias se manifestaria aparecendo repentinamente no ponto mais alto do templo em Jerusalém. Então o diabo é um grande conhecedor da Escritura e tudo mais.

E ele disse-lhe: ‘Se és o Filho de Deus’”, novamente, visto que você é o filho de Deus, o convite do diabo é o mesmo que os sumos sacerdotes, os escribas, os anciãos farão mais tarde, quando Jesus for crucificado:A outros ele salvou, a si mesmo não pode salvar! É Rei de Israel: desça agora da cruz, e acreditaremos nele. [...] De fato, ele disse: ‘Eu sou Filho de Deus’” (Mt 27,40-42.43b). Ou seja, ele diz a Jesus: você é filho de Deus, faça o que as pessoas esperam, as pessoas esperam que você apareça de repente no templo, adicione um toque a mais, jogue-se no chão com um show, que os anjos lhe carregarão. E aqui o diabo, como eu disse, um perfeito conhecedor da Escritura, cita o Salmo 91. Mas Jesus, mais uma vez, responde-lhe com a Escritura. É toda uma série de referências a episódios da vida de Israel, da falta de confiança. 

Mateus 4,8-9: «O diabo o levou ainda para uma montanha muito alta. Mostrou-lhe todos os reinos do mundo e sua riqueza, e disse-lhe: “Tudo isso te darei, se te prostrares para me adorar”.»

A terceira vez não é igual às outras: nas duas primeiras tentações ou seduções, o diabo jogou a carta do messias, a carta religiosa, agora o diabo tira o ás da manga, tira uma carta que ele sabe que todos cedem a esse poder, a esse fascínio, o poder da RIQUEZA. A montanha muito alta indica o lugar onde os deuses viviam, ou seja, a condição divina, portanto, o diabo lhe oferece a condição divina. Você quer ser aquele que conquista o mundo? Você quer ser o esperado das pessoas? Você deve ter status divino, e como surge o status divino? Através da riqueza, através do poder. “Tudo isso te darei”, portanto quase parece — e de fato no Evangelho de Lucas diz: todas estas coisas são minhas — que o diabo é o detentor da riqueza, do poder, portanto aqueles que detêm a riqueza e o poder, não lhes é dado por Deus, mas vem do diabo. “Todas estas coisas te darei se”, há um pequeno detalhe, “se te prostrares para me adorar”. Assim, o diabo oferece a Jesus o status divino por meio da adoração do poder, da glória e do sucesso. Mas, como dissemos no início, Jesus responderá a esta tentação trazendo o seu tentador, na figura de Pedro, o único discípulo a quem Jesus se dirigirá chamando-o de Satanás, ao monte da transfiguração.

No monte da transfiguração, Jesus demonstra que a condição divina não é obtida pela adoração do poder, mas pelo dom generoso de si mesmo.

Mateus 4,10-11: «Jesus lhe disse: “Vai embora, Satanás, pois está escrito: ‘Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a ele prestarás culto’”. Por fim, o diabo o deixou, e os anjos se aproximaram para servi-lo.»

Satanás” é o mesmo nome que ele dirigirá a Pedro, que será seu satanás no evangelho, por isso Jesus o rejeita. É o perigo da idolatria, aqui está toda a referência ao bezerro de ouro, à contaminação de Israel com os povos pagãos. Jesus obtém a proteção dos anjos justamente recusando a tentação e a sedução. Então, em resumo, não são tentações ao mal, mas são seduções que Jesus sofrerá ao longo de sua vida, e por parte da instituição religiosa, mas também por parte de seus próprios discípulos. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 6. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2022. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Nenhum homem sabe quão mau ele é, até que ele tenha tentado de toda maneira ser bom... Nós nunca descobrimos a força do impulso mal dentro de nós, até que nós tentamos lutar contra ele.»

(Clive Staples Lewis: 1898-1963 — escritor irlandês)

Retomando uma frase do discurso do Grande Inquisidor de Fiódor Dostoiévski, no livro V,5 de “Os Irmãos Karamázov”, lê-se: “para o homem e para a sociedade humana nunca houve nada mais insuportável do que a liberdade!” De fato, quantos seres humanos preferem escravizar-se ao “pão — aos bens materiais” (1ª tentação), à “falsa segurança religiosa — colocando Deus a nosso serviço” (2ª tentação) e ao “poder e riqueza” (3ª tentação) para poderem desfrutar daquilo que pensam ser uma “vida boa”, “vida feliz”, “vida de sucesso”! 

Talvez a maior contribuição que Cristo tenha trazido aos seres humanos seja, justamente, esta: ser livres, de verdade! Ninguém foi livre como o Filho do Homem, ninguém foi livre como o Messias, ninguém foi livre como Jesus de Nazaré! No entanto, os seres humanos insistem em buscar algo para substituir Deus! Os seres humanos insistem em buscar a felicidade longe de Deus! No fundo, eles não querem entender que, sem Deus, não há verdadeira felicidade, pois os seres humanos acabarão por se escravizar àquilo que lhes dão segurança, sensação de poder e estabilidade! Isso porque é mais fácil se deixar conduzir do que conduzir, dirigir a própria vida! 

Ainda, visitando o texto de Dostoiévski acima citado, percebemos que a própria instituição religiosa, representada pela voz do Grande Inquisidor, contribui para retirar dos seres humanos o maior DOM que já receberam: a liberdade! Ouçamos essa instituição religiosa falando ao Cristo, segundo o escritor russo: “Corrigimos tua obra, fundamentando-a no milagre, no mistério e na autoridade. E os homens ficam contentes por se verem novamente conduzidos como um rebanho e libertos do dom avassalador que os atormentava”. 

A Quaresma, iniciando-se com as tentações ou seduções que acompanharam toda a vida de Jesus, nos convida a redescobrir e reconquistar a liberdade de filhos e filhas de Deus que voluntariamente ou não, acabamos por entregar a outros, pensando estar fazendo a coisa certa! Como bem recorda o teólogo espanhol José María Castillo, todos buscamos motivos “razoáveis” e, até “sublimes” para justificar nossas escravidões:

* os homens às mulheres, as mulheres aos homens;

* os cidadãos aos políticos;

* os trabalhadores aos seus patrões etc.

De um modo ou de outro, a maioria da humanidade vive escravizada a algo que pensa ter sido a sua própria escolha, quando, na verdade, ela não teve escolha alguma a não ser aceitar viver em um mundo onde, no dizer popular: “Quem pode mais, chora menos!”; “A corda sempre arrebenta do lado mais fraco!”; “Quem tem juízo, obedece!” 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Tende piedade, ó meu Deus, misericórdia! / Na imensidão de vosso amor, purificai-me! / Lavai-me todo inteiro do pecado, / e apagai completamente a minha culpa! / Eu reconheço toda a minha iniquidade, / o meu pecado está sempre à minha frente. / Foi contra vós, só contra vós, que eu pequei, / e pratiquei o que é mau aos vossos olhos! / Criai em mim um coração que seja puro, / dai-me de novo um espírito decidido. / Ó Senhor, não me afasteis de vossa face, / nem retireis de mim o vosso Santo Espírito! / Dai-me de novo a alegria de ser salvo / e confirmai-me com espírito generoso! / Abri meus lábios, ó Senhor, para cantar, / e minha boca anunciará vosso louvor!»

(Salmo 50[51],3-4.5-6a.12-13.14.17)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – I Domenica della Quaresima – Anno A – 1 marzo 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 23/02/2023).

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

7º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 5,38-48 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Desarmar o ódio com a bondade!

Prosseguimos lendo e meditando o grande discurso/sermão da montanha (Mt 5–7). Jesus propõe uma nova relação com Deus, que não pode mais estar contida na antiga aliança. Por isso, no Evangelho de Mateus, capítulo 5, depois de ter proclamado as bem-aventuranças, Jesus inicia uma série distanciamentos da mentalidade legalista judaica, dizendo: “Ouvistes que foi dito:” e, em vez de dizer, como deveria, “aos pais”, “aos antigos” ele não o faz! Pois, para Jesus se trata de algo antigo, que não serve mais do modo como se interpretava a Lei. 

Mateus 5,38: «Ouvistes que foi dito: “Olho por olho e dente por dente”.»

E esta é a quarta vez que Jesus repete a expressão: “Ouvistes o que foi dito”, agora, ele a completa, dizendo: “Olho por olho e dente por dente”. Essa lei, que é conhecida como lei da retaliação (= talião), que sem dúvida horroriza devido à vingança, na verdade era, na época, um progresso porque, antes, a vingança era ilimitada e implacável, como relata, no livro do Gênesis, o episódio de Lamec, que se vangloriava: “Matei um homem por uma ferida, um jovem por causa de um arranhão” (Gn 4,23b).

A frase que Jesus citou é extraída do livro de Deuteronômio, no final do capítulo 19 (vers. 21), onde o autor diz: “Não demonstrarás piedade: vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé”. Então é uma lei onde não existe compaixão, mas tem que fazer o culpado pagar pelo dano que fez. 

Mateus 5,39: «Eu, porém, vos digo: não ofereçais resistência ao malvado!” Pelo contrário, ao que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra!»

Bem, Jesus se distancia de tudo isso. Devemos ter em mente que a única vez que Jesus levou um tapa, ele teve o cuidado de não dar a outra face (cf. Jo 18,22-23). Então, o que essa declaração de Jesus significa? Não é um convite para ser burro, mas bom até o fim:

... desarme a raiva, desarme a agressão do outro com a sua bondade, trata-se de desarmar o outro, trata-se, portanto, não sermos estúpidos.

Mateus 5,40: «Ao que quiser te processar para tomar tua túnica, dá-lhe também o manto!»

Essa é uma pessoa prepotente, então deixa-lhe, até mesmo, aquilo que não podia pegar. O manto também servia de cobertor à noite, ele vai se embaraçar com a túnica, com o manto, e você vai ficar mais livre. Então Jesus nos convida a ter essa liberdade plena, tudo baseado em desarmar a agressão dos outros. 

Mateus 5,41: «Se alguém te obrigar a acompanhá-lo por mil passos, caminha dois mil com ele!»

Jesus refere-se às leis das forças de ocupação, que impunham exercícios forçados, serviços obrigados às pessoas, como será para o cireneu (Lc 23,26), “fazes dois com ele”, portanto desarma a agressividade do outro com o teu amor, porque se responde à agressão com mais agressão, esta cresce e ninguém sabe onde vai parar. 

Mateus 5,42: «Dá a quem te pedir, e não vires as costas a quem te pedir emprestado.»

Então Jesus dá uma indicação muito, muito clara para a comunidade cristã: “Dá a quem te pedir”.

Dar não é perder, mas ganhar, porque é sabido que, quando alguém dá, então o Pai dá com mais abundância.

E não vires as costas a quem te pedir emprestado”, por isso Jesus nos convida a ter essa atenção aos necessitados, aos quem nos pede, sem calcular. 

Mateus 5,43: «Ouvistes que foi dito: “Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo.”»

Ao preceito de amar o próximo acrescenta-se o de odiar o inimigo. Podemos encontrar essa expressão nos Salmos; por exemplo, há o Salmo 139,21-22 que diz: “Porventura não odeio, Senhor, os que te odeiam? Não detesto os que se insurgem contra ti? Com ódio implacável os odeio; tornaram-se meus inimigos”. Portanto unia-se o amor ao próximo, mas com o ódio aos inimigos. 

Mateus 5,44-45: «Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem! Assim vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus; pois ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e faz descer a chuva sobre justos e injustos.»

Com Jesus, na nova relação que existe com o Pai e com os irmãos, tudo isso cessa: “Eu, porém vos digo: amai os vossos inimigos”, o que Jesus pede é um amor generoso, um amor que se faz dom e o amor se torna oração: “orai pelos que vos perseguem”, que são esses inimigos. Por que isso? “Assim vos tornareis filhos do vosso Pai”. Filho, na cultura da época, não significa apenas aquele que nasceu de alguém, mas aquele que se assemelha a alguma pessoa no comportamento, portanto sede semelhantes ao Pai “que está nos céus”.

Aqui Jesus, além de dar indicações aos seus seguidores sobre como se comportar, revela-nos quem é Deus, dizendo: “Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz descer a chuva sobre justos e injustos”. O profeta Amós (4,7), na verdade, discordou, o profeta Amós apresentou um Deus que recusava chuva aos injustos.

Não, o Deus de Jesus não é um Deus que recompensa os bons e castiga os maus, mas é um Deus de amor, é um Deus que mostra seu amor a todos, independentemente de sua conduta.

Como disse Jesus, faz nascer o sol sobre os maus e os bons, não só sobre os que o merecem, mas sobre todos os que dele necessitam. Jesus passa da teoria da doutrina do mérito à do dom: Deus não ama os seus, não ama as criaturas pelos seus méritos, mas pelas suas necessidades. 

Mateus 5,46-47: «Se amais somente aos que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem os publicanos o mesmo? E se saudais somente aos vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem os gentios o mesmo?»

Os cobradores de impostos eram as pessoas consideradas transgressoras de todos os mandamentos, as mais afastadas de Deus. Por isso Jesus menciona os pagãos e os cobradores de impostos, as categorias que estavam mais afastadas de Deus. Pois, também eles são capazes de saudar quem os saúda e de amar quem os ama, o que há de tão extraordinário em fazer isso? 

Mateus 5,48: «Sede, portanto, perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito.»

Jesus não pede para sermos perfeitos como Deus, o que poderia deixar as pessoas perdidas na imensidão de Deus, não. Jesus fala sobre ser perfeito, perfeito significa completo, pleno como o Pai, e qual é a perfeição do pai? É o que temos visto: o de um amor que se dirige a todos, um amor que não olha para os méritos, para quem o merece, mas para as necessidades, está dentro das possibilidades de todo aquele que crê

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 6. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2022.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Quem é sábio, aprende muito com os seus inimigos.»

(Aristófanes: 446–386 a.C. – dramaturgo grego)

Às vezes, os Evangelhos nos apresentam algumas propostas que nos parecem impossíveis e inimagináveis de serem colocadas em prática! As deste domingo, parecem ser desse tipo! Não nos esqueçamos que Jesus disse que não veio “destruir” a Lei e os costumes judaicos, mas dar-lhes a verdadeira significação, levá-los à sua plenitude. Nessa linha, prosseguindo aquilo que vinha pregando no Evangelho do domingo passado, Jesus, hoje, nos pede:

a) Não retribuir o mal com o mal, mas com o bem.

b) Amar os inimigos, orar pelos que nos perseguem, pois não há mérito em amar somente aqueles que nos amam! 

A proposta de Jesus chega a ser escandalosa e surpreendente, porém ela é totalmente coerente com o Deus apresentado por ele! Afinal, Jesus rompe com a teologia da retribuição, a qual estava na base da religiosidade judaica. Deus nos salva, Deus nos faz o bem, Deus é o nosso soberano não porque sejamos bons ou nos comportemos como ele nos ordena! Mas porque essa é a sua vontade! Simplesmente isso! Deus é amor, Deus é a suprema bondade! Por isso, ele não faz cálculos, ele não usa medidas para seu amor e vontade de realizar o bem! 

É disso que ele extrai a seguinte consequência: se quisermos ser filhos de Deus, de verdade, temos de pensar e nos comportar como ele! Por esse motivo, Jesus se inspira na Lei da Santidade (Levítico 17–26), uma coletânea de regras que continha observâncias litúrgicas e comportamentos éticos, no Antigo Testamento: “Sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo” (Lv 19,1) e propõe: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). À santidade, que significa ser separado, viver à parte, Jesus propõe a perfeição. Perfeição essa que é entendida como ser completo, pleno como o Pai. E a plenitude do Pai se manifesta em seu AMOR GRATUITO, sem limites! Assim, nós também devemos ser! 

Sendo bem claro, é preciso afirmar, sem meios termos, que:

«Quem se parece com Deus não alimentará o ódio contra ninguém, buscará o bem de todos, inclusive o de seus inimigos» (J. A. Pagola)

Outro esclarecimento necessário: “amar os nossos inimigos” não significa sentir amor e afeto para com eles! Nem cessar de sentir raiva e vontade de vingar-nos deles! Amar os inimigos quer dizer não fazer-lhes mal, não buscar nem desejar-lhes algum dano! Isso já será o suficiente! Porque aquilo que Jesus propõe e que a justiça humana não é capaz é interromper a espiral da violência. Pois a justiça humana, expressa pelos poderes políticos, sociais, religiosos e culturais não é capaz de interromper a violência sem cometer outra violência, sem reprimir, sem ameaçar! 

Por isso, Jesus nos propõe a única alternativa possível para deter todo tipo de violência, maldade e caos na vida humana: buscar e encontrar Deus na BONDADE, no AMOR! Como afirma, corretamente, J. M. Castillo:

«Somente a bondade desarma a violência, anula a violência, restaura a paz e a convivência. Nisso está a solução. E nosso futuro».

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Ó Deus, que no teu Filho despojado e humilhado na cruz revelaste a força do teu amor, abre os nossos corações ao dom do teu Espírito e faze que, acolhendo-o, se rompam as correntes da violência e do ódio que nos prendem ao estilo de vida de quem não vos conhece, porque na vitória do bem sobre o mal manifestamos a nossa identidade de filhos de Deus e testemunhamos o teu evangelho de reconciliação e paz. Amém.»

(Fonte: Marianerina De Simone, SCMTBG. 7ª Domenica del Tempo Ordinario: orazione finale. In: CILIA, Anthony O.Carm. Lectio Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 393.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – VII Domenica del Tempo Ordinario – Anno A – 23 febbraio 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 15/02/2023).

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

6º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 5,17-37 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

O Messias veio revelar o significado da Lei de Deus

O Evangelho deste domingo é muito longo e é impensável, no pouco tempo de que dispomos, poder ler e comentar tudo, por isso focamos a atenção apenas nos primeiros versículos, até porque são os mais polêmicos e, talvez, o mais importante. É o capítulo 5 de Mateus, a partir do versículo 17, e a passagem litúrgica continua até o 37. 

Mateus 5,17a: «Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas.»

Qual é o contexto dessa declaração de Jesus? É a proclamação das bem-aventuranças. A nova relação que Jesus veio propor com Deus já não podia estar contida na antiga aliança, a de Moisés. Moisés era o servo do Senhor e havia imposto uma aliança entre os servos e seu Senhor, baseada na obediência à sua lei, pela qual o crente, com Moisés, era aquele que obedecia a Deus, observando suas leis. Porém, Jesus não é o servo de Deus, Jesus é o filho de Deus, então ele veio propor um novo relacionamento, baseado na aceitação e prática do amor do Pai, pelo qual o crente, para Jesus, é aquele que se assemelha ao Pai, praticando um amor semelhante ao dele.

Jesus exprimiu esta nova relação, formulou-a no monte: como Moisés, no monte Sinai, anunciou o decálogo, Jesus, no monte, propôs as bem-aventuranças, que são a nova aliança de Deus com o seu povo. Bem-aventuranças, porém, que sem dúvida causam perplexidade, decepção nos ouvintes, por quê? Na primeira bem-aventurança, sabemos, ...

... Jesus nos convida a entrar na condição de pobreza, para eliminar as raízes da pobreza.

Bem, esperava-se exatamente o contrário: o reino de Deus seria um reino de esplendor, um reino de sucessos, seria, acima de tudo, um reino de acumulação de riquezas. Basta ler a última parte do profeta Isaías (66,18-24), onde se imaginam caravanas de dromedários e camelos, que trazem a Jerusalém riquezas de todo o mundo. Portanto, há uma perplexidade diante da pregação de Jesus.

Então Jesus diz: não, “não penseis que vim”, e o verbo usado pelo evangelista não é “abolir”, que é usado para uma lei, mas é “demolir, destruir”. É o mesmo verbo que, mais tarde, no julgamento de Jesus, no capítulo 26, no versículo 61, será usado como acusação contra Jesus, acusado de ter vindo “destruir” o templo. Jesus não fala em abolir uma lei, mas em destruir, o quê? “A Lei ou os Profetas”. Não se trata de observar ou não a lei: com Jesus já não é a lei que relaciona o homem com Deus, mas a aceitação do seu amor. Lei e profetas são o que chamamos de Antigo Testamento, ou seja, o complexo da Bíblia, formado pelos livros da lei e aqueles dos profetas. 

Mateus 5,17b: « Não vim abolir, mas completar.»

Então Jesus diz: “não vim abolir”, este é o significado, “aquele desígnio de Deus, que estava contido na lei e nos profetas, não vim para revogá-lo, mas para dar-lhe pleno cumprimento”. Dêmos um exemplo: no livro do Deuteronômio, portanto na lei, o Senhor diz que entre o seu povo ninguém passe necessidade, e nos livros dos profetas há uma denúncia constante da riqueza, da ganância, que torna as pessoas carentes. Bem, Jesus não veio para demoli-la, mas para completá-la. É por isso que a primeira bem-aventurança é o convite à partilha.

A primeira bem-aventurança está idealmente ligada ao último dos mandamentos, qual era o último dos mandamentos: não cobiçar os bens alheios. A primeira bem-aventurança é: deseje que os outros tenham o mesmo que você. Então Jesus vem para concretizar tudo isso; por isso proclama estas bem-aventuranças, este convite à partilha.

O sinal, a garantia de que, na comunidade cristã, existe a presença de Deus é que ninguém passa necessidade.

Nos Atos dos Apóstolos, lemos que a primeira comunidade cristã testemunhou com grande força a ressurreição de Jesus, porque ninguém passava necessidade. E é por isso que, no “Pai Nosso”, Jesus insere a cláusula para cancelar as dívidas; são dívidas econômicas, então eis o que significa que Jesus não veio para abolir esse projeto, esse ideal do Reino, mas para levá-lo a cabo. 

Mateus 5,18: «Em verdade, eu vos digo: antes que passem o céu e a terra, nem a mínima letra ou traço serão tirados da Lei, até que se cumpram todas as coisas.»

E então Jesus assegura: “Em verdade”, o termo hebraico que se traduz com verdade é “amém”, “eu vos digo: antes que passem o céu e a terra”, uma imagem que diz tudo, “nem um só iota”, o iota é o yód (fonético), o menor sinal do alfabeto hebraico, “ou um só traço serão tirados da Lei, sem que tudo tenha acontecido”, é a garantia de Jesus. Este plano de Deus para a humanidade, de uma sociedade alternativa, encontrará muitas dificuldades, mas, mais cedo ou mais tarde, dará frutos. 

Mateus 5,19: « Portanto, quem abolir um só destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será considerado o menor no Reino dos Céus. Porém, quem os praticar e os ensinar será considerado grande no Reino dos Céus.»

E, por isso, Jesus pede que “quem, pois, transgredir apenas um destes mínimos preceitos”, os mínimos preceitos são as suas bem-aventuranças, insignificantes face à grandeza dos mandamentos, “e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será considerado o menor no reino dos céus. Mas quem os guardar e ensinar será considerado grande no reino dos céus”. O menor e o maior não significam uma hierarquia, os mais importantes e os menores, mas é uma forma judaica de dizer exclusão ou pertencimento.

Depois Jesus convida os seus discípulos, aqueles que ouvem, a praticarem as bem-aventuranças e, quando Jesus diz “ensinar aos outros”, não quer dizer que vai ensinar uma doutrina, as últimas palavras de Jesus neste Evangelho são: “Ensinai-os [todos os povos pagãos] a observar/praticar tudo o que vos mandei” (Mt 28,20).

O que Jesus nos convida a ensinar não é uma doutrina, mas uma prática, e qual é a prática? A do amor e da partilha.

Se isso existe, o reino dos céus é realizado, ou melhor, o reino de Deus, uma sociedade alternativa.

Dissemos que essas palavras de Jesus levam a decepções, porque Jesus, na verdade está nos dizendo:

“Não, não vim para abolir este projeto do reino, vim para realizá-lo, mas não como vocês pensam. Vocês pensam que isso é alcançado por meio da acumulação de riqueza, eu lhes digo, em vez disso, que é mediante a partilha de bens; vocês pensam que isso é realizado por meio do poder, da dominação, em vez disso, eu digo a vocês que será realizado por meio do serviço; vocês pensam que isso é apenas para Israel, mas meu programa é para toda a humanidade”.


Mateus 5,20-37: «Com efeito eu vos digo: se vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus. [...] Seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não. O que passa disso vem do Maligno.»

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 6. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2022. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Ressignificar é complexo, pois implica em mexer nos mais profundos dos “arquivos” (ensinamentos) e redefinir o “o que” e “o como” somos.»

(Rond-Deyvely)

É muito importante aquilo que lemos no Evangelho deste domingo: Jesus não veio destruir a Lei de Moisés, as normas de vida que foram transmitidas ao povo de Israel no passado, mas ressignificá-las, isto é, revelar o verdadeiro significado e aplicação que elas possuem na vida dos seres humanos. 

A grande indignação de Jesus com os líderes religiosos de seu tempo era motivada pelo fato de terem afastado Deus de seu povo e o povo de seu Deus! Fizeram isso, ao insistirem em um Deus que está “nas alturas”, distante do cotidiano humano e que atua como se fosse um terrível juiz ou bedel a exigir o cumprimento rigoroso, pormenorizado de uma montanha de regras e proibições! Ao invés de um Deus-amor, apresentaram ao povo um deus-carrasco! Um deus que parecia ter prazer em punir, em provocar dor, morte e infelicidade entre os seus filhos! Por isso, a religião, no tempo de Jesus não promovia a felicidade, mas o temor, a apreensão, o medo! 

Devido a isso, Jesus vem colocar a “casa” em ordem! Ele vem reapresentar o verdadeiro Deus ao seu povo, ele vem revelar o autêntico significado da Lei de seu Pai, que tinha se perdido em um emaranhado de normas sem vida e sem sentido! O Evangelho deste domingo apresenta-nos um exemplo dessa ressignificação promovida por Jesus, vejamos: 

1. O homicídio (Mt 5,21-22) não é, somente, tirar a vida de uma pessoa, mas anulá-la, aos poucos, dentro de nosso coração! Ao irar-nos, ao desprezarmos, ao insultarmos alguém, já iniciamos um processo de morte, de aniquilamento dessa pessoa em nosso íntimo! Isso, também, é tirar a vida de alguém! 

2. O culto, a oferta que realizamos a Deus (Mt 5,23-24) não tem sentido e valor se não estivermos, ao mesmo tempo, em comunhão com os demais irmãos! Não encontramos Deus diante do altar, mas em cada ser humano! Para estar bem com Deus, há de se estar bem com o próximo! 

3. Evitar os processos judiciais, as querelas e disputas (Mt 5,25-26)! Vale mais o diálogo, o acordo, a resolução amigável dos problemas que as brigas e demandas. 

4. O adultério (Mt 5,27-30) não se concretiza, somente, na relação sexual, mas ele se inicia com a cobiça, com o “olhar” (= desejo) que se começa a ter por outra pessoa. E isso acontece, porque não dominamos os nossos instintos e vontades, representados pelo “olho direito”, “mão direita” etc. A desatenção para com o cônjuge é o princípio do adultério! 

5. O divórcio (Mt 5,31-32) é prejudicial à mulher e, hoje, também ao homem! Por isso, deve ser evitado, ao máximo! Jesus insiste que o casal busque todos os meios possíveis para evitar uma separação, pois a dissolução de um matrimônio é um convite ao adultério! 

6. Não se deve jurar (Mt 5,33-37) por nenhum motivo! Aqui, Jesus foca a perda do valor da palavra humana, da credibilidade do ser humano e o uso do nome de Deus em vão. A falsidade, a mentira, a hipocrisia não se misturam com Deus! Deus não pode ser envolvido em nossos mesquinhos projetos e desejos. 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«A Palavra que escutamos e meditamos pareceu-nos forte, Senhor, e desafiou a nossa atitude: «Vai primeiro reconciliar-te!». Antes de tudo, antes de estar diante do altar, antes de apresentar nossas coisas e entregá-las a Ti com amor, antes que o irmão tome a iniciativa, ajuda nosso coração a realizar aquele movimento que recompõe o conflito, a dilaceração, para recompor a harmonia perdida. Amém.»

(Fonte: Cosimo Pagliara, O.Carm. 6ª Domenica del Tempo Ordinario: orazione finale. In: CILIA, Anthony O.Carm. Lectio Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 381.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – VI Domenica del Tempo Ordinario – Anno A – 16 febbraio 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 08/02/2023).

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

É a hora da verdade!

 Tensão conflitante na Igreja

 José María Castillo

Estudou TEOLOGIA na Faculdade de Teologia de Granada (Espanha). Obteve o DOUTORADO EM TEOLOGIA na Universidade Gregoriana de Roma. Foi professor de Teologia Dogmática na Faculdade de Teologia de Granada e Professor visitante nas seguintes Universidades: Comillas (Madri), Gregoriana (Roma), UCA (San Salvador). Possui título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Granada. Autor de vários artigos e livros, dentre os quais: “Jesus, a humanização de Deus. Ensaio de cristologia”, publicado pela editora Vozes, em 2015. 

A religião está em declínio crescente. Mas esse declínio não é um infortúnio fatal

É um “segredo aberto” que há um profundo mal-estar na Igreja. Um mal-estar que foi destapado e que preocupa os ambientes religiosos e eclesiásticos. Esta situação desagradável e perigosa foi acentuada pela morte do ex-Papa Bento XVI. 

Evidentemente, os dois últimos papas, Joseph Ratzinger e Jorge Mario Bergoglio, foram e são dois homens muito diferentes. Mas o problema não está no que foram – ou são – esses dois homens. O problema está no que ambos representam. 

Ex-papa Bento XVI (Joseph Ratzinger) com Papa Francisco (Jorge Mario Bergoglio)

Claramente, na Igreja, todos os papas representam a suprema autoridade. Mas não esqueçamos que, em qualquer caso e quem quer que seja, estamos falando da suprema autoridade “na Igreja”, que deve ser exercida “segundo o que ensina o Evangelho”. Tendo sempre presente que, na Igreja, ninguém pode ter autoridade para viver ou decidir “contra o que ensina o Evangelho”. Claro, na medida e de acordo com as limitações inerentes à condição humana. 

Bem, assumindo isso, sabemos que Jesus anunciou aos seus doze apóstolos, em três ocasiões (Mc, 8,31 e paralelos; 9,30-32 e paralelos; 10,32-34 e paralelos; J. Jeremias, Teología del Nuevo Testamento. Salamanca, Sígueme, p. 321-331), que em Jerusalém seria condenado à morte mais baixa que uma sociedade pode julgar: a de um criminoso executado (Gerd Theyssen, El movimiento de Jesús, Salamanca, Sígueme, p. 53). 

Pois bem, a partir do momento em que os discípulos souberam que o fim de Jesus se aproximava, e que tudo terminaria num fracasso inimaginável, o comportamento daqueles apóstolos tomou um rumo inesperado. Simplesmente, aqueles que “seguindo Jesus” abandonaram tudo o que tinham (família, trabalho, lares...) (cf. Mt 8,18-22; Lc 9,57-62), com uma generosidade incrível, visto que isso levou ao fracasso mais cruel e vergonhoso, sem dúvida, e precisamente por isso, foi então que aqueles “seguidores” de Jesus começaram a discutir qual deles era “o maior” (grego: meison) (Mc 9,33-35, cf. 10,43; Lc 22,24-27) (cf. S. Légasse, Diccionario Exegético del Nuevo Testamento, vol. II, Salamanca, Sígueme, 207). Ou seja, aquele que tinha que ter o poder máximo e tinha que aparecer como o mais importante. Jesus, ao contrário, muda radicalmente tais critérios:

... o primeiro, entre seus discípulos, não deve ser o maior, mas o contrário: o menor, aquele que representa o que é visto como criança (Mc 9,37 e paralelos).

Mas esta não é a coisa mais importante que Jesus ensinou a seus discípulos e apóstolos. Após o terceiro anúncio da paixão e morte, quando já subiam a Jerusalém (Mc 10,32 e paralelos), às vésperas do iminente fracasso, “os filhos de Zebedeu, Tiago e João”, tiveram a audácia desavergonhada de pedir a Jesus que as primeiras posições lhes fossem dadas! Ao que Jesus respondeu: “Vós não sabeis o que estais pedindo” (Mc 10,34 e paralelos). E, sobretudo, o problema grave é que os outros discípulos ficaram indignados com o pedido de Tiago e João (Mc 10,41). Em outras palavras, todos queriam estar situados nas posições mais importantes

A resposta de Jesus foi enfática. Ele convocou todos eles e disse-lhes que não poderiam desejar o que os “chefes das nações” desejam. Deviam desejar e viver como “doulei” (grego), como “servos e escravos” dos outros (Mc 10,42-45 e paralelos). 

Na Igreja, se produziu uma dupla adulteração:

1ª) Antes de tudo, o Evangelho exigia o “seguimento” de Jesus, que se realiza no despojamento de tudo o que se tem (Mt 8,18-22; Lc 9,57-62). Ou seja, não viver preso aos bens que nos privam da liberdade, para tornar possível a bondade sem limites. Mas o que fizemos foi deslocar o “seguimento” de Jesus para a “espiritualidade”, que é privilégio de poucos eleitos.

2ª) E a outra adulteração – a mais decisiva na Igreja – é aquela que brotou, já nos primeiros discípulos, quando Jesus os informou que deviam despojar-se, não só “do que cada um tinha” (dinheiro, bens, casa, família...), mas também e sobretudo, “desfazer-se de si” (Eugen Drewermann). Isto explica porque quando Jesus informou os discípulos – pela segunda vez – do fim que o esperava (Mc 9,30-32 e paralelos), aqueles fiéis homens começaram a discutir “qual deles era o primeiro e o mais importante” (Mc 9,34-35 e paralelos). Ao que Jesus respondeu que, em seu projeto, quem quisesse “ser o primeiro” deveria “ser como uma criança e ser o último” (Mc 9,33-37 e paralelos). 

Sem dúvida, aqueles primeiros apóstolos “seguiram” Jesus. Mas aqueles seguidores de Jesus “não haviam renunciado a si mesmos”. Ou seja, eles queriam seguir Jesus, mas sendo os primeiros, os mais importantes, os que mandam. E a verdade é que, quando Jesus foi preso, para matá-lo, Judas vendeu Jesus, Pedro o negou três vezes e, claro, “todos os discípulos o abandonaram e fugiram” (Mc 26,56). 

PAPA SÃO PIO X

A partir desse momento, foram colocados os pilares de uma Igreja que vive em tensão conflituosa. No século passado, o Papa São Pio X disse em uma famosa encíclica (Vehementer Nos):

“Só na hierarquia residem o direito e a autoridade necessários para promover e direcionar todos os membros para o fim da sociedade. Quanto à multidão, não tem outro direito senão deixar-se conduzir e, docilmente, seguir os seus pastores” (cf. Y. Congar, Ministerios y comunion eclesial, Madri, Fax, 1973, p.14).

Assim era vista a Igreja nos primeiros anos do século XX. Um século depois – agora – tal Igreja é insuportável. Neste momento, estamos num processo de transformação que recupera urgentemente o que Jesus começou, quis e quer, como ficou claro no Evangelho. A Religião está em declínio crescente. Este declínio não é um infortúnio fatal. É o passo inevitável para que o centro da vida da Igreja não se realize nos conflitos clericais, mas na recuperação do Evangelho. 

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo. 

Fonte: Religión Digital – Teología sin censura – Sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023 – Internet: clique aqui (Acesso em: 09/02/2023).