«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 31 de janeiro de 2016

4º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia

Evangelho: Lucas 4,21-30


Naquele tempo:
Entrando Jesus na sinagoga disse:
21 «Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir.»
22 Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto
que saíam da sua boca. E diziam: «Não é este o filho de José?».
23 Jesus, porém, disse: «Sem dúvida, vós me repetireis o provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo.
Faze também aqui, em tua terra, tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum.»
24 E acrescentou: «Em verdade eu vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria.
25 De fato, eu vos digo: no tempo do profeta Elias, quando não choveu durante três anos e seis meses e houve grande fome em toda a região, havia muitas viúvas em Israel.
26 No entanto, a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a uma viúva que vivia em Sarepta, na Sidônia.
27 E no tempo do profeta Eliseu, havia muitos leprosos em Israel. Contudo, nenhum deles foi curado, mas sim Naamã, o sírio.»
28 Quando ouviram estas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos.
29 Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no até ao alto do monte sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de lançá-lo no precipício.
30 Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho.

JOSÉ ANTONIO PAGOLA 

NÃO NECESSITAMOS DE PROFETAS?

«Um grande profeta surgiu entre nós». Assim gritavam nas aldeias da Galileia, surpreendidos pelas palavras e gestos de Jesus. No entanto, não é isto que acontece em Nazaré quando Jesus se apresenta diante de seus concidadãos como ungido e como Profeta dos pobres.

Jesus observa primeiramente a admiração deles e, depois, a sua rejeição. Não se surpreende. Recorda-lhes um conhecido refrão: «Asseguro-vos que nenhum profeta é bem acolhido em sua terra». Depois, quando o expulsam fora do povoado e procuram acabar com ele, Jesus os abandona. O narrador diz que «passando pelo meio deles, continuou o seu caminho». Nazaré ficou sem o Profeta Jesus.

Jesus é e atua como profeta. Não é um sacerdote do Templo nem um mestre da lei. Sua vida faz parte da tradição profética de Israel. Diferentemente dos reis e sacerdotes, o profeta não é nomeado nem ungido por ninguém. Sua autoridade provém de Deus, empenhado em animar e guiar com seu Espírito o seu povo querido quando os dirigentes políticos e religiosos não sabem fazê-lo. Não é casual que os cristãos confessem Deus encarnada em um profeta.

As características do profeta são inconfundíveis. Em meio a uma sociedade injusta, onde os poderosos buscam seu bem-estar silenciando o sofrimento dos que choram, o profeta se atreve a ler e a viver a realidade a partir da compaixão de Deus pelos últimos. Sua vida inteira se converte em «presença alternativa» que critica as injustiças e convida à conversão e à mudança.

Por outro lado, quando a própria religião se acomoda a uma ordem de coisas injustas e seus interesses não mais correspondem aos de Deus, o profeta sacode a indiferença e o autoengano, critica a ilusão de eternidade e absoluto que ameaça toda religião e recorda a todos que só Deus salva. Sua presença introduz uma esperança nova, pois convida a pensar o futuro a partir da liberdade e do amor de Deus.

Uma Igreja que ignora a dimensão profética de Jesus e de seus seguidores corre o risco de ficar sem profetas. Preocupa-nos muito a escassez de sacerdotes e pedimos vocações para o serviço presbiteral. Por que não pedimos que Deus suscite profetas? Não necessitamos deles? Não sentimos necessidade de suscitar o espírito profético em nossas comunidades?

Uma Igreja sem profetas não corre o risco de caminhar surda aos apelos de Deus à conversão e à mudança? Um cristianismo sem espírito profético não tem o perigo de acabar controlado pela ordem, pela tradição ou pelo medo à novidade de Deus?

EDUCAR A VONTADE

Não está na moda falar de disciplina, esforço ou renúncia. Poucos se atrevem hoje a mostrar a importância que tem na vida a educação de uma vontade forte e robusta. Vivemos mais envolvidos naquilo que o catedrático de psiquiatria Enrique Rojas chama de «filosofia do desejo». Essa é a principal motivação que inspira a vida de muitas pessoas: «não gosto», «isto eu gosto», «aquilo eu não gosto».

Em poucos anos, cresceu de maneira alarmante o número de pessoas de vontade fraca, caprichosas e moles, incapazes de proporem-se metas e objetivos concretos. Homens e mulheres inconstantes que giram como cata-ventos de acordo com o vento do momento, levados e atraídos por aquilo que, em cada instante, lhes pede o corpo.

Buscam uma vida cômoda e prazerosa, porém lhes espera um futuro difícil. No amor não chegarão muito longe, pois não sabem o que é renunciar, nem conhecem a importância do sacrifício e da dedicação ao bem do outro. São como crianças mimadas e caprichosas que estragam qualquer relação baseada no amor e na entrega generosa.

Tampouco conseguirão nada de grande e nobre nos demais aspectos de sua vida. Jamais desenvolverão suas verdadeiras capacidades. Acomodar-se-ão na mediocridade e arrastarão onde quer que forem sua personalidade mal desenhada, fruto do abandono e da negligência.

O homem de hoje necessita recordar que a VONTADE é uma característica essencial do ser humano. Tanto como a razão. Inclusive, deve-se dizer que a pessoa com vontade chega mais longe em seu crescimento pessoal que quem é inteligente. A grandeza é quase sempre fruto da determinação e da tenacidade.

Educar a vontade é um trabalho que requer esforço diário. Deve-se empregar ferramentas tão concretas quanto a disciplina, a ordem, a constância e o entusiasmo. Deve-se saber renunciar à satisfação do imediato em função de metas futuras.

Porém, vale a pena. Cedo ou tarde, os frutos irão chegando. A pessoa se torna mais livre e mais dona de si mesma. Não se curva facilmente diante das dificuldades. Sua vida vai alcançando uma maturidade que enriquece àqueles que encontra pelo caminho.

O modelo mais claro o cristão encontra em Jesus, o qual é capaz de ser fiel à sua missão, apesar das rejeições e desprezos que encontra em seu caminho. O evangelista Lucas nos diz seus próprios vizinhos de Nazaré trataram de «precipitá-lo», porém ele «passou pelo meio deles» para continuar sua tarefa salvadora.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: MUSICALITURGICA.COM – Homilías de José A. Pagola – Segunda-feira, 25 de janeiro de 2016 – 09h54 – Internet: clique aqui.

sábado, 30 de janeiro de 2016

C U R T I N H A S . . .

PLENÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS
Brasília - Distrito Federal

Vejam só cada tipo de projeto de lei!!!

* MARCELO BELINATI (Deputado Federal pelo PP – Paraná):
Defende que policiais possam “plantar” flagrante e, assim, efetuar prisões antes mesmo
da ocorrência de crimes.
Observação: o deputado enviou-me o seguinte esclarecimento a respeito de seu Projeto de Lei aqui mencionado: «O Sr. entendeu errado o meu projeto. É justamente o contrário do que escreveu. Plantar flagrante é crime e vai continuar sendo crime. O PL [Projeto de Lei] que apresentei apenas possibilita à polícia preparar flagrante em certos casos, como pedofilia, por exemplo. Usar isca para pegar esse tipo de criminoso, igual a polícia americana faz. Tipo: um policial se passar por criança na internet para prender um pedófilo. Plantar flagrante é um crime. É quando a polícia coloca uma prova falsa para incriminar alguém, e isso vai continuar sendo crime.» Apenas esclareço que a notícia foi divulgada pela edição de número 357 da revista Super Interessante do mês de fevereiro de 2016, página 17. Portanto, a revista é responsável pela informação. 

* AUREO (Deputado Federal pelo Solidariedade – Rio de Janeiro):
     Quer que futuros motoristas não precisem frequentar aulas de legislação na formação de condutores.

* CARLOS MARUN (Deputado Federal pelo PMDB – Mato Grosso do Sul):
     Quer ver publicados os nomes dos vencedores de loterias com prêmios superiores a 2 mil salários mínimos.

* TAKAYAMA (Deputado Federal pelo PSC – Paraná):
     Quer criar o cargo de deputado federal ultramarino, ou seja, parlamentar que atue fora do Brasil, em países com mais de 100 mil brasileiros residentes.

* EDUARDO BOLSONARO (Deputado Federal pelo PSC – São Paulo):
     Defende que o Estado empreste armas de fogo a cidadãos cujas armas particulares foram apreendidas.

Bem-vindos ao Antropoceno

Nosso planeta de 4,5 bilhões de anos está numa nova era geológica: a dos homens. Os cientistas do Anthropocene Working Group [Grupo de Trabalho sobre o Antropoceno] defenderam, em artigo publicado na revista Science, que as mudanças que provocamos na Terra, com a agricultura moderna, o concreto e as barragens, além de outras intervenções, transformaram a paisagem do globo – o que seria suficiente para afirmar que estamos no Antropoceno desde meados do século 20. 
PRAÇA DE SÃO PEDRO E BASÍLICA DE SÃO PEDRO
Missa de canonização dos papas João Paulo II e João XXIII

Como alguém vira santo?

Para ser oficialmente santo [pela Igreja Católica], só comprovando ter feito dois milagres ou morrido em um ato de fé, além de, é claro, ter vivido uma vida de fé. A regra número um é estar morto. E a indicação para santo só pode ser feita cinco anos após a morte do candidato. A não ser que o papa agilize a canonização, como aconteceu com o papa João Paulo II. O processo dele começou apenas 26 dias depois de sua morte, em 2005. Antigamente, os santos eram canonizados pelo clamor popular. O papa apenas confirmava a santidade quando o candidato já tinha essa fama. Com o correr dos séculos, foram surgindo normas cada vez mais burocráticas e, a partir de 1983, começaram a valer as regras atuais. 
 VIA LÁCTEA

A Terra é da melhor idade

Só na Via Láctea existe material para que sejam criados mais de 5 bilhões de planetas habitáveis como a Terra. No Universo inteiro, o número sobre para um sextilhão. De todos esses, 90% ainda vão nascer, segundo uma pesquisa feita com o [telescópio espacial] Hubble e a sonda espacial Keppler, ambos da Nasa.

Segundo Peter Behroozi, um dos líderes do estudo, isso significa que nós vamos perder boa parte da festa cósmica: «Comparando com todos os planetas que se formarão no futuro, a Terra nasceu muito cedo, o que faz dela um planeta relativamente velho». De acordo com a pesquisa, até que todos esses planetas nasçam e formem as suas civilizações, nós já teremos virado pó espacial.

A descoberta pode reforçar a ideia de que talvez não estejamos assim tão acompanhados no Universo simplesmente porque somos uma das primeiras – e talvez das mais avançadas – civilizações que existem. Mas Behroozi também aponta outro lado: quando a Terra nasceu, 8% dos planetas habitáveis já existiam e, desde que estamos por aqui, outros 2% se formaram. Só na nossa galáxia, isso dá mais ou menos 100 bilhões de planetas.

«Ao mesmo tempo que é possível que todas as outras civilizações ainda estejam se formando, também pode ser que muitas outras tenham se formado antes de nós».

Se o estudo estiver correto, é praticamente impossível pensar que nós seremos os únicos – ou os mais inteligentes – a passear pelo Universo. «Ingenuamente, eu pensava que nós teríamos nascido pelo menos na metade, não tão cedo. É reconfortante saber que, mesmo que nós não sejamos a primeira civilização, seguramente não seremos a última», conclui.

Fonte: Super Interessante – Edição 357 – Fevereiro de 2016 – Pág. 17; Edição 356 – Janeiro de 2016 – Págs. 14, 17; Edição 355 – Dezembro de 2015 – Págs. 17, 20, 70. Edições impressas.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

CATEQUESE DE PAPA FRANCISCO SOBRE A MISERICÓRIA

“A misericórdia não pode ficar indiferente
diante do sofrimento dos oprimidos”

Rocío Lancho García

Francisco explicou que a misericórdia do Senhor torna o homem precioso, como uma riqueza pessoal que Lhe pertence, 
que Ele protege e com a qual se alegra
PAPA FRANCISCO
Recebe de um artista de circo uma lembrança durante a Audiência Geral desta
Quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O Papa Francisco se encontrou nesta quarta-feira com milhares de pessoas provenientes de todo o mundo, na Praça de São Pedro para a tradicional Audiência Geral. Depois de algumas semanas realizando a Audiência na Sala Paulo VI por causa do frio, esta semana voltou à Praça, para receber mais pessoas.

Com grande entusiasmo e emoção, os peregrinos receberam o Santo Padre em sua chegada a bordo do papamóvel. Depois de passar pelos corredores da Praça de São Pedro abençoando aos presentes, o Papa prosseguiu sua série de catequeses sobre a misericórdia.

Além disso, fez hoje um anúncio. O Pontifício Conselho Cor Unum, por ocasião do Jubileu da Misericórdia, promove um dia de retiro espiritual para grupos que se dedicam ao serviço da caridade. A jornada, que deve ser realizada em todas as dioceses durante Quaresma, será uma “ocasião para refletir sobre o chamado a ser misericordioso como o Pai”, explicou. Por isso, Francisco convidou a acolher esta proposta utilizando as instruções e manuais elaborados pelo Cor Unum.

No resumo feito em português, o Santo Padre Francisco indicou que como no texto da Sagrada Escritura lido ao início da catequese, “Deus escutou os gemidos dos filhos de Israel na servidão”: “Na sua misericórdia, atende o grito de socorro; não desvia o olhar para não ver, não é indiferente ao sofrimento humano”.

Ele explicou que “o Senhor intervém para salvar, suscitando homens capazes de ouvir o gemido do sofrimento e agir em favor dos oprimidos”. Como mediador de libertação para o seu povo, envia Moisés, “que vai ter com o Faraó para o convencer a deixar partir Israel e depois guia-o no caminho para a liberdade”.

Ele recordou que Moisés, quando era menino, “fora salvo das águas do rio Nilo pela misericórdia divina; e agora é feito mediador daquela mesma misericórdia a favor do seu povo, permitindo-lhe nascer para a liberdade salvo das águas do Mar Vermelho”.

E sublinhou que “a misericórdia de Deus atua sempre para salvar”. Através do seu servo Moisés, o Senhor guia Israel no deserto como se fosse um filho, educa-o na fé e faz aliança com ele criando um vínculo fortíssimo de amor, uma relação semelhante à que existe entre pai e filho e entre marido e esposa. “É uma relação particular, exclusiva, privilegiada de amor, fazendo dos israelitas «um reino de sacerdotes e uma nação santa», afirmou Francisco. [. . . ]

“A misericórdia divina torna o homem precioso, como um tesouro pessoal que pertence ao Senhor, que Ele guarda e no qual Se compraz. Tornamo-nos joias preciosas nas mãos do Pai bom e misericordioso”, afirmou Francisco.

Para encerrar a audiência, o Santo Padre dedicou algumas palavras aos jovens, doentes e recém-casados. Lembrando que amanhã [quinta-feira, 28 de janeiro] celebra-se a festa de São Tomás de Aquino, patrono das escolas católicas, o Papa pediu que seu exemplo impulsione os jovens “a enxergarem em Jesus misericordioso, o único mestre da vida”. Aos doentes expressou o desejo que a intercessão do santo obtenha para eles “a serenidade e a paz presentes no mistério da cruz”. Concluindo, pediu que a doutrina de São Tomás encoraje os recém-casados, a confiar na sabedoria do coração para realizar a missão confiada a eles.


PAPA FRANCISCO
Audiência Geral
Praça São Pedro – Vaticano
Quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Na Sagrada Escritura, a misericórdia de Deus está presente ao longo de toda a história do povo de Israel.

Com a sua misericórdia, o Senhor acompanha o caminho dos Patriarcas, dá a eles filhos apesar da condição de esterilidade, os conduz por caminhos de graça e de reconciliação, como demonstra a história de José e dos seus irmãos (cf. Gn 37-50). E penso em tantos irmãos que se afastaram em uma família e não se falam. Mas esse Ano da Misericórdia é uma boa ocasião para se reencontrar, para se abraçar e se perdoar e esquecer as coisas ruins. Mas, como sabemos, no Egito a vida para o povo foi dura. E justamente quando os israelitas estão para sucumbir que o Senhor intervém e traz a salvação.

Lê-se no livro do Êxodo: “Muito tempo depois morreu o rei do Egito. Os israelitas, que gemiam ainda sob o peso da servidão, clamaram, e, do fundo de sua escravidão, subiu o seu clamor até Deus. Deus ouviu seus gemidos e lembrou-se de sua aliança com Abraão, Isaac e Jacó. Olhou para os israelitas e os reconheceu” (2,23-25). A misericórdia não pode ficar indiferente diante do sofrimento dos oprimidos, ao grito de quem está submetido à violência, reduzido à escravidão, condenado à morte. É uma dolorosa realidade que afeta toda época, inclusive a nossa, e que faz sentir muitas vezes impotentes, tentados a endurecer o coração e pensar em outra coisa. Deus, em vez disso, “não é indiferente” (Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2016, 1), nunca tira o olhar da dor humana. O Deus de misericórdia responde e cuida dos pobres, daqueles que gritam em seu desespero. Deus escuta e intervém para salvar, suscitando homens capazes de ouvir o gemido do sofrimento e de trabalhar em favor dos oprimidos.

É assim que começa a história de Moisés como mediador de libertação para o povo. Ele enfrenta o Faraó para convencê-lo a deixar partir Israel; e depois guiará o povo, pelo Mar Vermelho e pelo deserto, rumo à liberdade. Moisés, que a misericórdia divina salvou, logo que nascido, da morte nas águas do Nilo, se faz mediador dessa mesma misericórdia, permitindo ao povo nascer à liberdade salvo das águas do Mar Vermelho. E também nós, neste Ano da Misericórdia, podemos fazer este trabalho de ser mediadores de misericórdia com as obras de misericórdia para nos aproximarmos, para darmos alívio, para fazer unidade. Tantas coisas boas podem ser feitas.

A misericórdia de Deus age sempre para salvar. É tudo o contrário da obra daqueles que agem sempre para matar: por exemplo, aqueles que fazem a guerra. O Senhor, mediante o seu servo Moisés, guia Israel no deserto como se fosse um filho, educa-o à fé e faz aliança com ele, criando um laço de amor fortíssimo, como aquele do pai com o filho e do esposo com a esposa.

Chega a tanto a misericórdia divina. Deus propõe uma relação de amor particular, exclusivo, privilegiado. Quando dá instruções a Moisés sobre a aliança, diz: “Se obedecerdes à minha voz e guardardes a minha aliança, sereis o meu povo particular entre todos os povos. Toda a terra é minha, mas vós me sereis um reino de sacerdotes e uma nação consagrada” (Ex 19,5-6).

Certo. Deus já possui toda a terra porque a criou; mas o povo se torna para Ele uma posse diferente, especial: a sua pessoal “reserva de ouro e prata”, como aquela que o Rei Davi afirmava ter dado para a construção do Templo.

Bem, assim nos tornamos para Deus acolhendo a sua aliança e deixando-nos salvar por Ele. A misericórdia do Senhor torna o homem precioso, como uma riqueza pessoal que Lhe pertence, que Ele protege e com a qual se alegra.

São essas as maravilhas da misericórdia divina, que chega a pleno cumprimento no Senhor Jesus, naquela “nova e eterna aliança” consumada no seu sangue, que com o perdão destrói o nosso pecado e nos torna definitivamente filhos de Deus (cf. 1Jo 3,1), joias preciosas nas mãos do Pai bom e misericordioso. E se nós somos filhos de Deus e temos a possibilidade de termos essa herança – aquela da bondade e da misericórdia – no confronto com os outros, peçamos ao Senhor que neste Ano da Misericórdia também nós façamos obras de misericórdia; abramos o nosso coração para chegarmos a todos com as obras de misericórdia, a herança misericordiosa que Deus Pai teve conosco.

Fonte: ZENIT.ORG – Política – Quarta-feira, 27 de janeiro de 2016 – Internet: clique aqui; e aqui.

DILMA: BRINCANDO COM O BRASIL ! ! !

Deu “zika” na Saúde

Eliane Cantanhêde

Quem é mesmo o Ministro da Saúde?
MARCELO CASTRO
Médico, Deputado Federal do Piauí pelo PMDB e atual Ministro da Saúde

O carnaval nem começou e a Olimpíada será só no segundo semestre, mas o mosquito Aedes Aegypti já está sambando e batendo um bolão pelo Brasil afora:
* Em 2014, o País passou a conviver com o vírus chikungunya.
* Em 2015, bateu o recorde histórico de casos de dengue.
* Em 2016, já começou o ano com o zika vírus nas manchetes e contabilizando mais de 3 mil casos de microcefalia. Espantoso!

A dengue existe desde sempre no mundo, o chikungunya também não é exclusividade brasileira, o zika vem se espalhando por mais de 20 países e a febre amarela está controlada. (Ela também é transmitida pelo Aedes, mas com uma diferença vital: há vacina eficaz.) O mais espantoso, portanto, é tudo isso junto e o Brasil chegar a esse estado de calamidade tendo quem tem no Ministério da Saúde.

Enquanto as cúpulas do PT, do PMDB e do PP se refestelavam no mensalão, na Petrobrás, em outras estatais, no Carf, na edição de medidas provisórias, nos fundos de pensão e na relação do BNDES com as “campeãs nacionais”, tudo o que sobrou para empurrar na Saúde foi Marcelo Castro.

Quem é mesmo esse cidadão?
Um médico renomado, respeitado e admirado pela própria categoria?
Especialista de um dos centros de excelência do Brasil, com experiência comprovada em saúde pública?
Ou um político com grande liderança?
Nada disso. Marcelo Castro é um médico sem currículo, um político medíocre, um deputado do “baixo clero”, que só virou o que virou porque o inexpressivo líder do PMDB, Leonardo Picciani, indicou e a errática presidente da República, Dilma Rousseff, nomeou. Agora, aguentem! Ou melhor: agora, brasileiros, aguentem!
EDUARDO PICCIANI (PMDB-RJ) E DILMA ROUSSEFF:
O líder inexpressivo do PMDB indicou e Dilma aceitou o nome de
Marcelo Castro para Ministro da Saúde

Sem ter o que dizer aos cidadãos, apavorados com dengue, zika e chikungunya, e aos especialistas em Saúde, que precisam de orientação, coordenação, recursos e decisão política, o nosso Marcelo Castro se dedica a... falar, falar e falar sobre o que não sabe. Na falta do que dizer, improvisa.

Primeiro, horrorizou brasileiros e brasileiras ao “torcer” para que as mulheres pegassem o zika ainda meninas: “Vamos torcer para que mulheres, antes de entrar no período fértil, peguem a zika, para elas ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí, não precisa da vacina”. Agora, chocou o mundo e irritou Dilma ao dizer uma singela verdade: “nós estamos com o Aedes há décadas aqui e estamos perdendo feio a batalha para o mosquito”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) desconversou, considerando a fala do ministro brasileiro “algo fatalista”. E Dilma descabelou-se. Mas a culpa de ter um ministro desses é de quem?

O Brasil discute com os Estados Unidos um acordo de cooperação visando ampliar as pesquisas comuns sobre vacina da dengue para uma futura vacina contra o zika, com participação de outros países que se interessarem. Mas isso, repita-se, é coisa para o futuro.

No presente, a situação é fora de controle, com as grávidas brasileiras querendo fugir para locais mais seguros e os estrangeiros refletindo se é mesmo o caso de vir para o carnaval e a Olimpíada, com dengue sambando, chikungunya em campo, zika treinando dia e noite e um ministro da Saúde que é um caso para junta médica.

Depois do mensalão, do petrolão, da Zelotes, do escândalo do Carf, de Eduardo Cunha na presidência da Câmara, Renan Calheiros na do Senado e Picciani na liderança do maior partido... Marcelo Castro é a personificação da falência não de um governo, mas de um sistema.

Conselhão

Dilma reúne na quinta-feira [28/01]  ministros, pesos-pesados das finanças, líderes da indústria e do comércio, o homem mais rico do Brasil e até o nosso Wagner Moura. Para que, além da foto? Ela tem de conciliar combate à recessão e à inflação; dar crédito para quem não quer crédito; agradar aos gregos do pragmatismo e aos troianos alinhados com o PT. No fim, combinar com os russos: o Congresso. Vai dar certo?

Pastel de vento

Dora Kramer

Senhora de si, Dilma não ouve ninguém e não será ao “Conselhão”
que vai escutar 
Presidente Dilma Rousseff discursa durante 39ª Reunião Ordinária do Pleno do
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES.
(Brasília - DF, 30/08/2012)

O nome é pomposo: Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social [CDES]. A proposta, tão grandiosa (e vazia) quanto: “Assessorar o presidente da República na formulação de políticas e diretrizes específicas, e apreciar sugestões de políticas públicas, de reformas estruturais e desenvolvimento econômico-social que lhe sejam submetidas pelo presidente com vista à articulação das relações do governo com representantes da sociedade”.

A produção, um zero à esquerda. Criado em maio de 2003, o chamado “Conselhão” nunca pôs para funcionar um táxi no Brasil, muitíssimo menos determinou a definição dos grandes rumos do País ou “alargou de forma inédita a interlocução entre o governo e a sociedade”, conforme informa o balanço de atividades na página do CDES na internet.

Útil como peça publicitária no início da gestão Luiz Inácio da Silva, o conselho revelou-se inútil na prática. O que os conselheiros falavam nas reuniões entrava por um ouvido do governo e saía pelo outro. As poucas sugestões acatadas – como a concessão de crédito consignado – jamais foram atribuídas ao colegiado, mas apresentadas como iniciativas do então presidente.

Pois agora Dilma Rousseff anuncia a retomada desse foro de debates que se reúne amanhã, repaginado. Saem, por exemplo, executivos de empreiteiras e entram representantes de entidades de classe de empregados e empregadores. Para a função de cereja do bolo foi convidado o ator Wagner Moura.

A agenda, de novo, é ambiciosa: a definição de “estratégias para retomar o crescimento sem afetar o ajuste fiscal”. A ideia sugerida é a de debater propostas para a composição das medidas de recuperação da economia a serem anunciadas em fevereiro. Ora, ora, sabemos todos e sabem muito mais ministros, governadores, parlamentares governistas e políticos oposicionistas, quais são as bases do diálogo continuamente prometido e jamais praticado pela presidente da República, a quem cairia bem o codinome senhora de si.

Nessa condição, não ouve ninguém. É conhecido seu hábito de convocar reuniões com propósito exclusivo de se fazer ouvir. Não será, portanto, aos 90 conselheiros do CDES que abrirá os ouvidos.

[ . . . ]

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Quarta-feira, 27 de janeiro de 2016 – Págs. A6 e A8 – Internet: clique aqui; e aqui.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Papa Francisco prepara o documento sobre a família

Thomas Reese
Padre jesuíta e Jornalista
National Catholic Reporter
21-01-2016

Neste ano, talvez já em março, o Papa Francisco irá publicar o seu muito esperado documento sobre a família, que vai dar uma resposta ao debate sobre o mesmo tema travado nos Sínodos dos Bispos nos meses de outubro de 2014 e 2015.
PLENÁRIO DO SÍNODO DOS BISPOS SOBRE A FAMÍLIA
Outubro de 2015 - Vaticano

Sempre, desde 1975, os papas consideram as recomendações sinodais e, em seguida, emitem um documento chamado exortação apostólica.

Os Sínodos são encontros dos bispos, geralmente em Roma, que fazem recomendações ao papa sobre um tema em particular. Eles não têm autoridade para tomar decisões por si próprios. Somente podem fazer recomendações.

Durante o papado de João Paulo II, estas constituições apostólicas foram, em geral, elaboradas por um conselho pós-sinodal cujos membros episcopais eram eleitos pelo Sínodo e nomeados pelo papa.

Via de regra, os papas pegam as recomendações dos Padres Sinodais e a proposta textual do conselho formado e, em seguida, adaptam a proposta (ou a reescrevem) conforme julgarem necessário. Às vezes, os papas apenas fazem referência às recomendações e apresentam a sua própria visão no documento pós-sinodal.

O que o Papa Francisco irá fazer?

A julgar pelo que tem afirmado sobre a sinodalidade, podemos pensar que ele vai se manter próximo às recomendações do Sínodo. Ele considera o processo sinodal como sendo um aspecto muito importante da colegialidade. É, portanto, pouco provável que ele venha a ignorar o que os Padres Sinodais disseram.

Por outro lado, ele já deixou claro que está disposto a tomar decisões depois de ouvir os bispos e estas decisões podem nem sempre refletir a opinião da maioria.

Na verdade, o seu principal documento enquanto papa foi a constituição apostólica de 2013, Evangelii Gaudium, que ignorou, e muito, as discussões do Sínodo de 2012 sobre a evangelização. Aqui ele claramente falou por si mesmo.

Se eu tivesse de apostar, diria que a próxima constituição apostólica vai refletir de perto as preocupações sobre a família trazidas pelos bispos do sul global, especialmente os da América Latina e da África.

Estes bispos veem suas famílias sofrendo com a pobreza, o que frequentemente associam à globalização e ao capitalismo. As famílias nestes lugares muitas vezes acabam se dividindo em decorrência da violência civil e das guerras, o que eles associam à corrupção política e ao extremismo religioso.

É impossível manter as famílias unidas na pobreza e no caos político. Francisco entende isso e irá se expressar incisivamente a esse respeito.

Nós também iremos ouvir Francisco denunciar o que os bispos do terceiro mundo chamam de imperialismo cultural, onde os governos ocidentais [Europa e América do Norte] e agências de cooperação internacional tentam impor os seus valores sobre os países recipientes, por exemplo, ao insistir na legalização do aborto e do casamento gay. Francisco não apoia o casamento entre pessoas do mesmo sexo, embora se oponha a qualquer criminalização ou discriminação contra as pessoas gays.

No concernente aos gays na Igreja Católica, ele provavelmente irá continuar dizendo o que já disse no passado. No Sínodo, um documento intermédio contava com uma linguagem mais conciliatória, mas esta foi deixada de lado por causa da forte oposição por parte de alguns bispos.

A questão que causou mais divisão no Sínodo foi a do tratamento aos fiéis divorciados e recasados. O cardeal Walter Kasper sugeriu que a Igreja Católica Apostólica Romana pudesse aprender com as igrejas ortodoxas, as quais, sob certas circunstâncias, permitem um segundo casamento civil depois do fracasso de um casamento sacramental válido. Os cônjuges no segundo casamento seriam admitidos à Comunhão.

Para muitos bispos, esta ideia ia longe demais. No Sínodo de 2015, sugeriram a simplificação do processo de anulação como uma alternativa. O Papa Francisco rapidamente deu sequência a essa recomendação com procedimentos simplificados que entraram em vigor em dezembro passado.
PAPA FRANCISCO
Irá além de certas posições ambíguas do Sínodo dos Bispos ou se restringirá
àquilo que foi ali dito e escrito?

Inúmeros bispos, inclusive o cardeal Kasper, quiseram ir mais longe e o Sínodo de 2015 parecia estar fadado a um impasse até que os bispos falantes do idioma alemão propuseram uma alternativa: o foro interno. Os demais bispos seguiram nesse caminho, e o documento final afirmou:

«Por isso, não obstante seja necessário promover uma norma geral, é preciso reconhecer que a responsabilidade em relação a certas ações ou decisões não é a mesma em todos os casos. Embora tenha em consideração a consciência retamente formada pelas pessoas, o discernimento pastoral deve assumir a responsabilidade por tais situações. Também as consequências dos gestos realizados não são necessariamente as mesmas em todos os casos. O diálogo com o sacerdote, no foro interno, concorre para a formação de um juízo reto sobre aquilo que impede a possibilidade de uma participação mais plena na vida da Igreja e sobre os passos que podem favorecê-la a crescer.»

Observemos que nada é dito nestes parágrafos sobre a possibilidade da Comunhão, seja a favor ou contra. Será que esta ambiguidade proposital foi feita no intuito de alcançar os dois terços dos votos necessários no Sínodo? Eu acho que sim. Será que Francisco vai dar continuidade a esta ambiguidade? Ou será que vai esclarecê-la?

Da mesma forma, existem pelo menos dois modos diferentes de olhar a questão de foro interno.

[1º] Em termos reducionistas, o foro interno é um método particular de discernimento feito por um indivíduo junto a um sacerdote para decidir se o seu primeiro casamento foi, ou não, válido. Ele pode ser usado quando, por um motivo ou outro, o processo jurídico normal não pode ser empregado. Em outras palavras, esse método diz respeito à validade do primeiro casamento. Não pode haver reconhecimento algum desta solução no foro externo (público).

[2º] Uma outra visão do processo chamado “foro interno” assumiria uma visão mais ampla e se perguntaria se, apesar do fracasso do primeiro casamento (inválido ou não), uma pessoa está reconciliada e perdoada ao ponto de poder retornar à Comunhão mesmo se o primeiro casamento tenha sido válido em termos sacramentais. Aqui o divorciado se pergunta se ele está, ou não, agindo em boa consciência ao entrar num segundo casamento. Esta visão ampliada poderia ser considerada como sendo a abordagem [da Igreja] ortodoxa, porém com um nome diferente.

Em nenhum dos casos a pessoa se casaria na Igreja. Visto que o sacramento do matrimônio acontece no foro externo (público), o divorciado iria precisar de uma anulação nesse foro, o que envolve o processo jurídico normal.

Tenho certeza de que diferentes bispos tinham em mente diferentes opiniões sobre o foro interno quando aprovaram o relatório final do Sínodo.

De novo, será que Papa Francisco vai esclarecer este ponto? Será que ele vai endossar a solução ortodoxa conforme proposta pelo cardeal Kasper, pessoa a quem ele abertamente admira, ou será que a oposição generalizada à abordagem ortodoxa vai significar que ele, o papa, pelo menos neste momento, irá ficar ao lado da visão estreita do foro interno? Francisco tem falado sobre supremacia da misericórdia contra o legalismo, o que é um indicativo para uma abertura à readmissão à Comunhão.

Ou quem sabe o papa vai fazer algo extraordinário e admitir que a hierarquia está dividida nesse assunto, dizendo que a situação requer estudos e um diálogo posterior na Igreja antes que seja dada uma resposta definitiva. Isso seria algo inédito.

Traduzido do inglês por Isaque Gomes Correa. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 25 de janeiro de 2016 – Internet: clique aqui.

Os confins da misericórdia

Vito Mancuso*
Jornal “La Repubblica” (Roma – Itália)
23-01-2016

Mas realmente a família da doutrina da Igreja
corresponde ao desígnio de Deus? 
PAPA FRANCISCO CONCEDE AUDIÊNCIA E DISCURSA AOS MEMBROS
do Tribunal da Rota Romana - o Supremo Tribunal do Vaticano
Sexta-feira, 22 de janeiro de 2016
Sala Clementina - Vaticano

Ao contrário de muitas outras vezes, o papa não surpreendeu ninguém com o discurso dessa sexta-feira, 22 de janeiro, ao Tribunal da Rota Romana, um texto totalmente de acordo com o roteiro, o mesmo que não só Bento XVI e João Paulo II, mas também todos os outros 263 papas poderiam ter proferido.

Francisco disse que "não pode haver confusão entre a família desejada por Deus e qualquer outro tipo de união", porque a família tradicional (ou seja, aquela "fundada no matrimônio indissolúvel, unitivo e procriador") pertence "ao sonho de Deus e da sua Igreja para a salvação da humanidade".

Existe, portanto, um modelo canônico de família, em relação ao qual todas as outras formas de união afetiva e permanente são níveis mais ou menos intensos daquilo que o papa definiu como "um estado objetivo de erro". É por isso que só a família da doutrina eclesiástica merece o nome de família, enquanto a todas as outras cabe o termo menos intenso de "união"...

Mas é realmente verdade que a família da doutrina eclesiástica corresponde ao desígnio de Deus? Ou ela também é uma determinada expressão social, nascida em um certo momento da história e, portanto, em um outro momento, destinada a declinar, como está acontecendo justamente nos nossos dias dentro das sociedades ocidentais?

Eu acho que o referendo da ultracatólica Irlanda, com o qual a constituição foi mudada para permitir que pessoas do mesmo sexo contraíssem casamento, é uma lição imprescindível para o catolicismo, a qual, porém, em Roma, ainda se custa a reconhecer.

Na realidade, o fato de que a família evolui e muda já é mostrado pela linguagem. O termo "família" deriva do latim familia e, portanto, parece ser dotado de uma estabilidade mais do que milenar, mas, se consultarmos o dicionário, veremos que o termo latino, bem longe de se restringir ao modelo de família da doutrina católica, exprime uma gama de significados bem mais ampla: "Complexo de escravos, servidão; tropa, quadrilha; companhia de comediantes; a casa inteira que inclui membros livres e escravos; estirpe, casta, gente".

O mesmo vale para o grego do Novo Testamento, a língua da revelação divina para o cristianismo, que conhece um significado totalmente semelhante ao latino, pois usa, a esse respeito, o termo oikia, que significa, em primeiro lugar, "casa" (daí também o termo "paróquia", formado por oikia + a preposição pará, que significa "junto").

No hebraico bíblico, casa e família também são sinônimos: dizer "casa de Davi" é o mesmo que "família de Davi", ou seja, remete-se ao casario, incluindo mulheres, filhos, escravos, concubinas, bens móveis e imóveis.

Portanto, as línguas da revelação de Deus não conhecem o termo família no sentido usado pela doutrina católica tradicional e reiterado nessa sexta-feira pelo papa. Não é um pouco estranho? A estranheza aumenta se abrirmos a Bíblia. É verdade que, nela, lê-se que "o homem deixará seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher, e eles dois se tornarão uma só carne" (Gênesis 2,24), mas, se analisarmos as existências concretas dos homens escolhidos por Deus como veículos da Sua revelação, vemos um cenário muito diferente, com outras formas de família:
* Abraão teve três mulheres (Sara, Agar e Quetura);
* Jacó, duas;
* Esaú, três;
* Davi, oito;
* Salomão, 700.

À parte Salomão, que, com efeito, exagerou, não há uma única palavra de condenação da Bíblia contra eles. O que dizer? A palavra de Deus é contra o desígnio de Deus? Ou se trata de textos que devem ser interpretados historicamente? Mas, se os textos bíblicos devem ser interpretados historicamente, como não afirmar que também deve ser interpretado historicamente o modelo de família da doutrina eclesiástica?

Isso deveria levar, a meu ver, a evitar afirmações como "estado objetivo de erro". A vida cotidiana na sua concretude ensina que há uniões muito pouco tradicionais de seres humanos, nas quais a harmonia, o respeito, o amor são visíveis para todos e, vice-versa, há uniões com o devido sacramento católico nas quais a vida é um inferno.

Estamos, portanto, realmente certos de que a doutrina católica tradicional sobre a família é coerente com a afirmação tão cara ao Papa Francisco segundo a qual "o nome de Deus é misericórdia"? Eu, obviamente, posso estar errado, mas sinto que posso afirmar que Deus não pensa a família, muito menos aquela do Código de Direito Canônico. Ele pensa, em vez disso, a relação harmoniosa a qual chama todos os seres humanos, porque o sentido de estar no mundo é exatamente a relação harmoniosa, que se explicita de diversos modos e que encontra o seu cumprimento no amor. Cada indivíduo é chamado ao amor: este é o sentido da vida humana de acordo com o núcleo da revelação cristã. De modo que ninguém deve ser excluído da possibilidade de um amor pleno, total, até mesmo reconhecido publicamente.

E é precisamente por isso que nos desposamos: para que o próprio amor, de fato ou simplesmente privado, adquira uma dimensão pública, política, por ser reconhecido pela polis [sociedade]. Esse amor é definível como integral conforme integra a dimensão subjetiva com a dimensão pública e objetiva da existência humana.

O nascimento de alguns seres humanos com uma inextirpável inclinação sexual para com pessoas do mesmo sexo é um fato, não pequeno, aliás: eles devem permanecer estruturalmente excluídos da possibilidade do amor integral?

Na realidade, a aspiração ao amor integral [íntimo, pessoal e reconhecido pela sociedade através do matrimônio] deve ser reconhecido como direito inalienável de todo ser humano, adquirido no nascimento. O amor integral é um direito nativo, primigênio, radical, isto é, diz respeito à própria raiz do ser humano, e ninguém pode ser privado dele. Muitas vezes, no passado, alguns o foram, e ainda hoje, em muitas partes do mundo, não raramente, continuam a sê-lo.
 
VITO MANCUSO
Teólogo italiano - autor deste artigo
Hoje, porém, o tempo está completo para apoiar do modo mais explícito que todos têm o direito de se realizar no amor integral, heteroafetivos ou homoafetivos, sem distinção. A maturidade de uma sociedade é medida pela possibilidade dada a cada cidadão de realizar o direito nativo ao amor integral, mas eu acredito que a maturidade da comunidade cristã também é medida pela capacidade de acolhida a todos os filhos de Deus assim como vieram ao mundo, sem excluir ninguém.

O que quer dizer que "o nome de Deus é misericórdia" para quem nasce homossexual? É bastante fácil dizer que Deus é misericórdia quando nos encontramos diante de casos elaborados por séculos de experiência. Mais difícil quando nos encontramos diante do pedido de reconhecimento da plena dignidade por parte daqueles que, por séculos, tiveram que reprimir a própria identidade.

Aqui, a misericórdia só pode ser exercida modificando a própria visão de mundo, ou infringindo o tabu da doutrina. Mas é aqui que se mede a verdade evangélica, é aqui que se vê se vale mais o sábado ou o homem [Cf. Mt 12,1-14; Mc 2,23–3,6; Lc 6,1-11]. É aqui que o Papa Francisco joga boa parte do valor profético do seu pontificado.

Leia o discurso de Papa Francisco ao Tribunal da Rota Romana,
clicando aqui (em língua italiana).

Para uma síntese desse discurso de Papa Francisco em português,
clique aqui.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

* VITO MANCUSO é um teólogo católico italiano. Ele foi professor de Teologia Moderna e Contemporânea na Faculdade de Filosofia do Hospital San Raffaele, em Milão, de 2004 a 2011. Seus escritos têm atraído uma atenção considerável por parte do público, tendo sido traduzidos para várias línguas. Aqui no Brasil temos publicado o livro Eu e Deus – Um guia para os perplexos (Edições Paulinas, 2014). Seu pensamento é objeto de discussão e controvérsia devido posições nem sempre alinhadas com a hierarquia da Igreja, tanto na ética e na estritamente dogmática. Desde 2009 é colunista do jornal "La Repubblica" (Roma). Seu livro mais recente é "Dio e il suo destino" (Deus e o seu destino) publicado pela Garzanti Editore, em novembro de 2015. Desde março 2013 ele tem ensinado "História da doutrina teológica" da Universidade de Pádua.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 25 de janeiro de 2016 – Internet: clique aqui.