«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 31 de maio de 2014

A NOVA MODA DOS “SEM ESTILO”

Entrevista com Gilles Lipovetsky*

Lúcia Monteiro e Mariana Belley

Com ícones como Jerry Seinfeld e Steve Jobs, a tendência normcore vira febre entre fashionistas
Gilles Lipovetsky - filósofo francês

Ser normal e antifashion agora é in? Em entrevista exclusiva, o filósofo francês Gilles Lipovetsky contesta a inflação de tendências, como a que a agência nova-iorquina K-Hole lançou no início do ano, batizada de "normcore". A palavra, formada por "normal" e "hardcore", que poderíamos traduzir por um excesso de normalidade, ou por hipernormalidade, espalhou-se rapidamente por editoriais de moda e fotos de street style mundo afora, em uma espécie de profecia autorrealizável. Para Lipovetsky, o normcore nada tem de revolucionário: ele seria herdeiro do dandismo do século 19, do estilo que Chanel criou nos anos 1920, do minimalismo arquitetônico e do grunge. O filósofo faz uma dura constatação sobre os tempos atuais: "Hoje há mais liberdade com relação ao que se veste, e menos liberdade com relação ao corpo".

O senhor já ouviu falar do normcore? O que acha dessa tendência?
Gilles Lipovetsky: Trata-se de uma tendência entre outras, e uma tendência que se repete. Essa onda que agora vem sendo chamada de normcore, que poderíamos traduzir por hipernormalidade, é, na verdade, um fenômeno um tanto recorrente que não deve ganhar interpretações exageradas. Não devemos, por exemplo, relacionar o normcore com a crise econômica que a Europa vive atualmente, até porque essa tendência começou nos Estados Unidos em um momento que não é exatamente de crise. Por definição, a moda é o que muda: ela precisa transformar-se sempre, isso está em seu código genético. A existência de novas correntes é, portanto, um imperativo. O normcore parece estar fazendo sucesso sobretudo com os mais jovens; acredito que ele esteja mais ligado aos hábitos do que aos estilistas. Nas últimas semanas de moda de Milão, Nova York e Paris, não se falou em normcore. A palavra de ordem das grandes marcas é o minimalismo.
Os itens básicos do normcore: a ideia é sair de casa sem se preocupar com a moda
Sim, mas o senhor não acha que o minimalismo, os sapatos baixos e os acessórios mais discretos podem ser associados ao normcore?
Gilles Lipovetsky: É verdade que foram vistos muitos sapatos sem salto nas fashion weeks, e que o minimalismo foi destaque. Mas é um minimalismo um tanto chique. De todo modo, as fotos mais associadas ao normcore são fotos de moda de rua. 
O normcore seria uma negação da moda?
Gilles Lipovetsky: Há um paradoxo quando se fala em indivíduos que não querem aparecer. Afinal, isso deixa de ser possível quando a normalidade surge como uma tendência da moda. Quando eu digo "Não estou na moda", eu estou na moda. O normcore não deixa de ser uma maneira de se diferenciar. No universo fashion, as novas tendências muitas vezes surgem em reação às anteriores. Se em uma temporada a moda é o longo, no ano seguinte os curtos ganham força. Se há uma moda dos excessos, dos logotipos grandes, dos brilhos, dos tênis coloridos, o jeito é se diferenciar com looks [trad.: aparênciasminimalistas. O minimalismo na moda segue uma lógica que vem da arquitetura, mais precisamente de Mies van der Rohe [arquiteto alemão naturalizado norte-americano] e de sua fórmula "less is more" [trad.: menos é mais]. O minimalismo está por trás da grande revolução de [Coco] Chanel. Ela criou um vestido democrático, simples. É um paradoxo: um look minimalista que custa muito caro. Depois, nos anos 1940 e 1950, a Dior também recuperou o minimalismo. Hoje é um pouco diferente, pois as coisas convivem. Uma tendência não exclui as demais e não há mais looks totais. É possível brincar.
O senhor acha que as pessoas aderiram ao normcore porque estão cansadas da moda?
Gilles Lipovetsky: Isso é o que se diz, mas eu duvido um pouco. Se fosse verdadeiro, esse cansaço não atingiria os mais jovens, os que ainda não tiveram tempo de se cansar da moda. Acredito que o normcore é, antes de mais nada, uma moda. Nos anos 1990, moda grunge foi uma febre, ainda que era uma moda contra a moda. Isso não passa de provocação. Afirmar o estilo do não-estilo não deixa de ser uma afirmação e, por isso, uma maneira de se diferenciar, uma moda. No caso atual, as meninas em particular pretendem mostrar com suas roupas desleixadas que elas não foram alienadas pela moda. Repito que isso não quer dizer que elas cansaram da moda: essa atitude é afirmativa e, portanto, ainda se constitui como um fenômeno fashion.
Hoje em dia, com a pirataria e a facilidade de revender roupas mais caras, até pessoas que têm menos dinheiro vestem logotipos de marcas de luxo. O Brasil viveu recentemente fenômenos como os rolezinhos, em que turmas da periferia percorriam shoppings ostentando produtos de luxo, num gesto de provocação. O normcore pode ser uma reação das elites para se diferenciar desse gosto popular pelo luxo chamativo?
Gilles Lipovetsky: Ah, isso sim, talvez. De todo modo, acredito que a hipernormalidade seja menos um cansaço do que uma outra maneira de se distinguir, uma espécie de competição mesmo. Na arquitetura, a opção pela forma simples não implica em uma recusa da beleza. Trata-se, na verdade, de afirmar que há beleza na simplicidade e que o resto é maquiagem, simulacro. Pode haver uma reação contra um certo tipo de luxo, por exemplo, o das logomarcas chamativas. Mas uma bolsa simples tanto pode custar 30, 50 ou 3000 euros. A simplicidade, se for refinada, pode sair caro. O que quer dizer 'normal'? Não mostrar um estilo? A Chanel dizia que luxo é o que não se vê. O verdadeiro luxo quase não aparece, não é algo que se possa ostentar. Acredito que haja uma tendência contra a banalização dos produtos de luxo.
Em seu livro O Império do Efêmero - A Moda e seu Destino nas Sociedades Modernas, o senhor fala da passagem da difusão vertical da moda para uma difusão mais horizontal. No contexto do individualismo contemporâneo, a pessoa teria uma maior autonomia e não precisaria mais seguir uma moda ditada por uma autoridade superior. O normcore tem a ver com isso?
Gilles Lipovetsky: A lógica clássica do individualismo, presente desde as cortes dos reis, é de ostentação. Ela sempre veio acompanhada de uma crítica moral: a igreja condenava esse comportamento, por se tratar de vaidade. Hoje, a crítica ao luxo ostensivo nada mais tem de moral: condena-se o mau gosto, considerado esteticamente ridículo, e a falta de autonomia de quem segue cegamente a moda. 
Mas precisamos ser prudentes em nossa análise. Pois é possível que alguém vestido de modo "hipernormal" continue obcecado por estar 3 kg acima do peso. Nossa época talvez demonstre uma servidão menor para com as normas de vestuário, mas uma servidão maior com relação às tiranias do corpo. Acredito que essa tendência tenha como pano de fundo um fenômeno que vem se mantendo permanente há cerca de dez anos: a roupa tornou-se menos importante; agora, o que importa é o corpo. É nesse contexto que surgem o casual wear, o street wear, a moda mais relax e menos terrorista, menos restritiva. 
O senhor quer dizer que por trás do normcore está a busca pelo conforto?
Gilles Lipovetsky: Exatamente. É o que a Chanel já dizia. Ela queria que a mulher estivesse em movimento e por isso desenhava peças que não restringissem os movimentos, que a deixassem se movimentar com liberdade. Acredito que o normcore resgata algo nessa direção. Alguns analistas veem no normcore uma moda andrógina, pois as peças mais largas esconderiam as formas do feminino, dentro da lógica de apagar as diferenças entre os sexos. Não acredito nisso. Ao vestir a camisa do namorado, a menina acrescenta algum detalhe para afirmar que ela não é um menino. Isso é tão antigo quanto Yves Saint-Laurent e seus smokings para mulheres. Ele entendeu muito rápido que uma mulher de calças não é um homem, mas um outro modo de feminilidade. 
Uma referência para o normcore é o humorista norte-americano Jerry Seinfeld, vestido como se fosse um paizão fora de moda, de tênis branco, jeans reto, camiseta sem graça. Será que há um desejo em se vestir de um jeito menos sensual, ou pelo menos a possibilidade de não se vestir para a sedução?
Gilles Lipovetsky: Não se pode confundir discurso com realidade. Vale o mesmo que eu disse com relação a um suposto cansaço da moda: dizer que o normcore apagaria a diferença entre os sexos não passa de discurso, sobretudo no Brasil, em que essa distinção é bem visível. As mulheres brasileiras são muito sexy, muito mais do que na Europa.
Não podemos nos esquecer que, no século 19, o dandismo já buscava a distinção pelos pequenos detalhes. Talvez existam pessoas que não querem seduzir ninguém. Não acredito nisso. É possível seduzir sem salto alto. Os adolescentes escondem seus corpos na puberdade e ainda assim agradam. Acredito que tudo isso esteja ligado a um fenômeno de fundo. O minimalismo é uma corrente dominante desde os anos 1990 e está ligado às mulheres que se vestem para ir trabalhar. A verdadeira moda unissex existiu na época de Mao [Tsé-Tung, líder da Revolução Chinesa, que comandou o país de 1949 a 1976]. Hoje a história é outra. Homens e mulheres são absolutamente reconhecíveis.
Moda normcore: a liberdade das roupas é inversamente proporcional à do corpo
É possível que as atrizes de Hollywood incorporem mesmo essa tendência? Algumas delas têm sido vistas num estilo normcore por aí... 
Gilles Lipovetsky: Claro que sim! Mas, quando forem pisar no tapete vermelho do Festival de Cannes, vestirão um longo de 10 mil dólares. Essa é a questão dos dias de hoje. Uma atriz pode estar de tênis durante uma entrevista e noutra situação estar completamente montada. Em nossa época, tem-se o "direito ao look", essa é uma das figuras do individualismo contemporâneo.
Isso significa mais liberdade, não?
Gilles Lipovetsky: Hoje há mais liberdade com relação ao que se veste, e menos liberdade com relação ao corpo.
O senhor acha que essa obsessão com o corpo é mais intensa no Brasil do que na Europa?
Gilles Lipovetsky: Estive em São Paulo recentemente e fiquei impressionado com a visão noturna das academias de ginástica lotadas, com as pessoas se exercitando como se estivessem em vitrines. Muita gente faz lipoaspiração e tratamentos diversos, como os para deixar os lábios mais sensuais. Nada disso é "hipernormal". 
O senhor acha que existe uma inflação de tendências?
Gilles Lipovetsky: Em parte são os próprios jornalistas que fazem essas tendências. Se há três pessoas vestindo algo, já é uma tendência. Para falar em tendência, é preciso haver um nome. No caso, se não existisse esse nome 'normcore', se esse artigo não tivesse sido publicado, ninguém saberia da existência dessa tendência. A cada dia surge uma nova tendência, há tendência para tudo, é inacreditável.
O engraçado é que a primeira menção ao normcore veio de uma agência de previsão de tendências, a K-Hole...
Gilles Lipovetsky: Isso é feito para vender. Se fosse para levar a sério a lógica do normcore, ela conduziria, no extremo, a uma recusa das marcas. Não acredito nisso. Não acho que os jovens se desinteressarão da Diesel e de outras marcas que eles amam. Essa tendência não deve durar muito. Mesmo nas fashion weeks, há uma ambiguidade quando se expõe um minimalismo de marca. O verdadeiro minimalismo não é de marca.
Mas arquitetos como Mies van der Rohe e Le Corbusier impuseram suas grifes ao minimalismo arquitetônico, não?
Gilles Lipovetsky: Sim, mas o minimalismo arquitetônico era um movimento de vanguarda que não foi bem recebido pelo público. Hoje em dia nós nos tornamos muito tolerantes. Aceitamos tudo. Uma tendência nova não destrói as anteriores. A tendência da normalidade vai durar uma temporada, se tanto. Não há uma mensagem efetiva atrás dela. Afinal, trata-se de uma moda!

* Filósofo francês é dos maiores pensadores contemporâneos da moda e do consumo, autor de livros polêmicos como O Império do Efêmero: A Moda e Seu Destino nas Sociedades Modernas.
Fonte: ESTADÃO - Vida e Estilo/Moda - Acesso em:  31/05/2014 às 18h20 - Internet: clique aqui.

Domingo da Ascensão do Senhor – Ano A – HOMILIA

Evangelho: Mateus 28,16-20

Naquele tempo, 16 os onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado. 17 Quando viram Jesus, prostraram-se diante dele. Ainda assim alguns duvidaram.
18 Então Jesus aproximou-se e falou: “Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra. 19 Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, 20 e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”.

JOSÉ ANTONIO PAGOLA


NÃO FECHAR O HORIZONTE

Ocupados, somente, com a realização imediata de um maior bem-estar e atraídos por pequenas aspirações e esperanças, corremos o risco de empobrecer o horizonte de nossa existência perdendo a aspiração pela eternidade. É o progresso? É um erro?

dois fatos que não são difíceis de comprovar neste novo milênio no qual estamos vivendo, faz alguns anos. De um lado, está crescendo na sociedade humana a expectativa e o desejo de um mundo melhor. Não nos contentamos com qualquer coisa: necessitamos progredir para um mundo mais digno, mais humano e feliz.

Por outro lado, está crescendo o desencanto, o ceticismo e a incerteza diante do futuro. Há tanto sofrimento absurdo na vida das pessoas e dos povos, tantos conflitos envenenados, tantos abusos contra o Planeta, que não é fácil manter a fé no ser humano.

Entretanto, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia está conseguindo resolver muitos males e sofrimentos. No futuro se conseguirá, sem dúvida, êxitos mais espetaculares. Nós ainda não somos capazes de intuir a capacidade que se encerra no ser humano para desenvolver um bem-estar físico, psíquico e social.

Porém, não seria honesto esquecermos que este desenvolvimento prodigioso nos está “salvando”, apenas, de alguns males e de maneira limitada. Agora, justamente, que desfrutamos, cada vez mais, do progresso humano, começamos a perceber melhor que o ser humano não pode dar a si mesmo tudo o que anseia e busca.

Quem nos salvará do envelhecimento, da morte inevitável ou do estranho poder do mal? Não nos surpreende que muitos comecem a sentir necessidade de algo que não seja a técnica nem a ciência nem uma doutrina ideológica.

O ser humano resiste a viver recluso, para sempre, nesta condição caduca e mortal. No entanto, não poucos cristãos vivem hoje olhando exclusivamente para a terra.

Ao que parece, não nos atrevemos a levantar o olhar mais além do imediato de cada dia. Nesta festa cristã da Ascensão do Senhor, desejo recordar algumas palavras daquele grande cientista e místico que foi Teilhard de Chardin: “Cristãos, a somente vinte séculos da Ascensão, o que fizestes da esperança cristã?”.

Em meio a interrogações e incertezas, os seguidores de Jesus continuam caminhando pela vida, tomados por uma confiança e uma convicção. Quando parece que a vida se encerra ou se extingue, Deus permanece. O mistério último da realidade é um mistério de Bondade e de Amor.

Deus é uma Porta aberta à vida que ninguém pode fechar!


ANTECIPAÇÃO DO CÉU

O céu não se pode descrever, porém podemos antecipá-lo. Não podemos alcançá-lo com nossa mente, no entanto, é impossível não desejá-lo. Se falamos do céu não é para satisfazer nossa curiosidade, mas para reavivar nossa alegria e nossa atração por Deus. Se o recordamos é para não esquecermos o anseio último que levamos em nosso coração.

Ir ao céu não é chegar a um lugar, mas entrar, para sempre, no Mistério do amor de Deus. Finalmente, Deus não será mais alguém oculto e inacessível.

Ainda que nos pareça inacreditável, poderemos conhecer, tocar, degustar e desfrutar de seu ser mais íntimo, de sua verdade mais profunda, de sua bondade e beleza infinitas. Deus nos apaixonará para sempre.

Porém, esta comunicação com Deus não será uma experiência individual e solitária de cada um com o seu Deus. Ninguém vai ao Pai a não ser por meio de Cristo. “Nele habita toda a plenitude da divindade corporalmente” (Cl 2,9). Somente conhecendo e desfrutando do mistério encerrado neste homem único e incomparável, penetraremos no mistério insondável de Deus. Cristo será nosso “céu”. Vendo-o, “veremos” Deus.

Contudo, Cristo não será o único mediador de nossa felicidade eterna. Inflamados pelo amor de Deus, todos e cada um de nós nos converteremos, a nossa maneira, em “céu” para os demais.

A partir de nossa limitação e finitude, tocaremos o Mistério infinito de Deus saboreando-o em suas criaturas. Desfrutaremos de seu amor insondável degustando-o no amor humano. A alegria de Deus nos será presenteada encarnada no prazer humano.

O teólogo húngaro Ladislau Boros procura sugerir esta experiência indescritível:

«Sentiremos o calor, experimentaremos o esplendor, a vitalidade, a riqueza transbordante da pessoa que hoje amamos, com a qual desfrutamos e pela qual agradecemos a Deus. Todo seu ser, a profundidade de sua alma, a grandeza de seu coração, a criatividade, a amplidão, a excitação de sua reação amorosa nos serão presenteados».

Que plenitude alcançará em Deus a ternura, a comunhão e a alegria do amor e a amizade que conhecemos aqui! Com que intensidade nós amaremos, então, quem nós amamos tanto na terra!

Poucas experiências nos permitem antecipar melhor o destino último ao qual somos atraídos por Deus.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: MUSICALITURGICA.COM – Homilías de José A. Pagola – Terça-feira, 27 de maio de 2014 – 09h32 – Internet: clique aqui.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Pobreza, desigualdade e o Papa Francisco [Leia!]

Tony Magliano
National Catholic Reporter
26-05-2014 
Tradução:
A POBREZA TEM DIMINUÍDO PERCENTUALMENTE EM RELAÇÃO À POPULAÇÃO MUNDIAL
À esquerda (na vertical): Milhões de Pessoas
À direita (na vertical): Porcentagem da pobreza global
Consideremos o seguinte. De acordo com as Nações Unidas, cerca de 1,2 bilhão de pessoas vivem na extrema pobreza ao redor do mundo. Água potável e saneamento, alimentação nutritiva adequada, um trabalho seguro com um salário justo, cuidados médicos e um lugar decente para chamar de casa são sonhos não realizados destes nossos irmãos e irmãs.

A cada dia eles precisam, de alguma forma, encontrar uma maneira para sobreviver com menos de 1,25 dólar. Mesmo nos países mais pobres, é quase impossível sobreviver com esta quantia. E, na realidade, muitos não conseguem este feito.

A cada dia, aproximadamente 21 mil seres humanos morrem de fome e doenças relacionadas a ela. E segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância, cerca de 300 milhões de crianças vão dormir famintas todas as noites.

De acordo com a organização cristã antipobreza “Bread for the World” [Pão para o mundo, literalmente], mais de 48 milhões de norte-americanos – incluindo 15,9 milhões de crianças – não têm alimentos nutritivos suficientes para comer. E mais de um em cada cinco vivem na pobreza.

Entretanto, no começo deste ano o Congresso [americano] reduziu o Programa de Assistência à Nutrição Suplementar a americanos pobres a 8 bilhões de dólares durante um período de 10 anos.

Em tese, isso irá reduzir os orçamentos alimentares para as famílias afetadas em cerca de 90 dólares mensais. Isso representa uma grande redução para famílias com renda baixa.

A organização está preocupada com uma lei de reautorização da Guarda Costeira aprovada recentemente pela Câmara Federal – incluindo uma provisão que exigiria 75% de toda a ajuda alimentar a ser transportada em navios do país – que poderá ser aprovada pelo Senado. No intuito de pagar por esta provisão cara de transporte, os fundos alocados para a compra de alimentos seriam reduzidos, pondo consequentemente em risco 2 milhões de pessoas famintas.

Por favor, envie um e-mail e telefone para seus senadores americanos, pedindo-lhes para se oporem a esta proposta e, em vez disso, apoiarem uma legislação que permita compras locais e regionais próximas dos lugares de crise humanitária ou de projetos de desenvolvimento.

Numa reunião ocorrida em 9 de maio no Vaticano com o secretário geral [da ONU] Ban Ki-moon, o Papa Francisco instou os líderes mundiais a se comprometerem na construção de um campo de atuação muito mais nivelado entre os ricos e os pobres.

O papa os incentivou a desafiarem “todas as formas de injustiça” e a resistirem à “economia de exclusão”, a “cultura do desperdício” e a “cultura de morte”, que “tristemente correm o risco de se tornarem aceitas de forma passiva”.

Ao apontar a causa da desigualdade de renda, o papa pediu uma “redistribuição legítima dos benefícios econômicos do Estado”.

Mas a maioria dos políticos e das pessoas ricas nos Estados Unidos, e em grande parte do mundo, se opõe fortemente em relação a qualquer “redistribuição legítima dos benefícios econômicos do Estado”.
 Num artigo de opinião publicano no The New York Times intitulado “Inequality Is Holding Back the Recovery” [trad.: A desigualdade está atrasando a recuperação econômica], Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel em economia, partilhou a sua profunda preocupação a respeito da divisão cada vez maior entre os 1% mais ricos e os demais de nós:

“Em vez de despejar dinheiro nos bancos, [o governo Obama] poderia ter tentado reconstruir a economia de baixo para cima (...). Poderíamos ter reconhecido que quando os jovens estão sem trabalho, as suas habilidades se atrofiam. Poderíamos ter nos certificado de que cada jovem estivesse na faculdade, num programa de formação ou num emprego. Em vez disso, deixamos o desemprego entre eles superar em duas vezes a média nacional. As reduções na cobrança de impostos dos muito ricos feitas pelo presidente George W. Bush em 2001 e em 2003, bem como suas guerras de muitos trilhões de dólares no Iraque e Afeganistão, esvaziaram o cofrinho, enquanto exacerbaram a grande divisão.”

Stiglitz escreveu que o “compromisso recém-descoberto de disciplina fiscal – consistindo de impostos baixos para os ricos e, ao mesmo, de cortes nos serviços públicos para os pobres – é o cúmulo da hipocrisia”.

Logo após a sua eleição, o Papa Francisco disse numa reunião com cerca de 5 mil jornalistas: “Como eu gostaria de uma igreja pobre e para os pobres”.

Sim, é verdade. Pois se uma igreja mais humilde, mais simples em sua forma de viver não ficar, firmemente, ao lado dos pobres, então quem ficará?

Traduzido do inglês por Isaque Gomes Correa.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 29 de maio de 2014 – Internet: clique aqui.

“O que tinha que ser roubado, já foi”

Pedro Cifuentes
El País
27-05-2014
Joana Havelange

A diretora-executiva do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo do Brasil [COL], Joana Havelange, entrou numa polêmica nesta terça-feira. Neta do ex-poderoso presidente da FIFA, João Havelange, e filha do ex-presidente da não menos poderosa Confederação Brasileira de Futebol [CBF], Ricardo Teixeira, ela publicou nesta manhã em seu Instagram um texto que circula há alguns dias pelas redes sociais brasileiras, assumindo uma postura contrária aos protestos contra a Copa.

Até aí, nada digno de manchete de jornal. Salvo pelo pequeno detalhe de o texto reconhece que “o que tinha de ser roubado, já foi”. O texto dizia: “Não apoio, não compartilho e não vestirei preto em dia nenhum de jogo do Mundial. Quero que a Copa aconteça da melhor forma. Não vou torcer contra, até porque o que já tinha que ser gasto, roubado, já foi. Se fosse para protestar, que tivesse sido feito antes. Eu quero mais é que quem chega de fora, veja um Brasil que sabe receber, que sabe ser gentil. Quero que quem chegue, queira voltar. Quero ver um Brasil lindo. Meu protesto contra a Copa será nas eleições. Outra coisa, destruir o que temos hoje, não mudará o que será feito amanhã”.

As palavras, reproduzidas em numerosos sites, desencadearam comentários inflamados nas redes sociais, em blogs e nos meios de comunicação brasileiros. As manifestações às quais alude Havelange, de 37 anos, começaram há um ano, por ocasião da Copa das Confederações.

Não é a primeira vez que Havelange enfrenta uma polêmica. Em 2007, durante o mandato do seu pai à frente da CBF, foi nomeada diretora executiva do COL e diversas vozes clamaram contra a sua eleição para um cargo relevante e diretamente relacionado à Federação. A diretora-executiva teve à sua disposição uma equipe de quarenta pessoas e um orçamento estimado em 200 milhões de reais. Seu salário, segundo diversas fontes, é estimado em 70.000 reais por mês.

Em 2012, Teixeira deixou seus cargos e transferiu seu domicílio para Miami; seu sucessor, José Maria Marin, manteve Joana Havelange no cargo, mas, um ano depois, ficou em uma situação bastante comprometida quando seu pai e seu avô foram oficialmente acusados pela FIFA de terem recebido subornos da empresa de marketing esportivo ISL, entre 1992 e 2000. Meses antes, em uma entrevista publicada pelo jornal esportivo Lancenet em dezembro de 2012, ela afirmava:

“Temos uma oportunidade de mostrar ao mundo um Brasil que muita gente não conhece. Mostrar os estádios bem organizados, o transporte funcionando, tudo funcionando para o turista. É para isso que trabalhamos”.

O reconhecimento tácito de apropriações indébitas ocorre poucos dias depois de outro destacado membro do COL (este sem salário), o ex-jogador Ronaldo Nazário, se declarar “envergonhado” com a “incapacidade” do país de concluir as obras da Copa, depois de declarar que apoiará o candidato oposicionista Aécio Neves (PSDB) na eleição presidencial de outubro.

Um assessor de comunicação do Comitê Organizador da Copa afirmou nesta tarde ao EL PAÍS que não tem por que comentar esse assunto, já que “se trata de algo privado, não relacionado ao Comitê”.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 29 de maio de 2014 – Internet: clique aqui.

“Uma Europa acabou”

Boaventura de Sousa Santos*
Outras Palavras
28-05-2014

“No domingo passado pudemos visitar as ruínas. Tiramos delas três lições enquanto as contemplamos, talvez menos calmos do que parecemos.
Comentando o resultado das eleições na Europa no último domingo. 
Boaventura de Sousa Santos - sociólogo português
A Europa que conhecíamos até ontem era a Europa virtuosa, construída politicamente com o objetivo de evitar uma terceira guerra europeia, integrando a Alemanha, sempre imprevisível, num espaço politico mais amplo. Assim se esperava consolidar as democracias europeias por via de formas intensas de cooperação e transformar a Europa num continente de promoção da paz num mundo ameaçado pela guerra fria (e por vezes quente) promovida pelos dois imperialismos, o norte- americano e soviético. Já sabíamos, por experiência dolorosa própria, que este projeto tinha colapsado. No domingo passado pudemos visitar as ruínas. Tiramos delas três lições enquanto as contemplamos, talvez menos calmos do que parecemos.

[1ª] O que vivemos foi em grande medida desolador, como é próprio das ruínas, sobretudo enquanto fumegam. O brilho dos vernizes ainda é visível nas mobílias destroçadas onde o fogo ainda não chegou. A história europeia sabe que um partido de extrema-direita pode ser eleito democraticamente para destruir a democracia. Começou assim a ascensão do nazismo. Nas eleições europeias, a extrema-direita e os ultraconservadores ganharam em França, Reino Unido, Dinamarca e ficaram em segundo na Hungria, Letônia e, em terceiro, na Áustria e na Grécia. Obviamente que estes partidos não teriam os mesmos resultados se as eleições fossem para os parlamentos dos diferentes países. E, por isso, não há, por agora, o perigo da nazificação dos países europeus. Mas há certamente o perigo da nazificação da ideia de Europa. E não pode deixar de ser salientado que o nazismo é uma herança cruel da Alemanha do século XX e que, se é verdade que a Alemanha federal soube ao longo dos anos controlar a pulsão nazi no seu país, deixou-a à solta no resto da Europa. Imagine-se o que se diria hoje de Portugal se os fascistas europeus pintassem a cruz de Cristo pelos cemitérios judaicos de toda a Europa. Em face da sua história, o modo com a Alemanha lidou com a crise europeia foi criminosa, já que ninguém como ela podia ter travado a pulsão nazi na Europa. Não o fez, e até parece lidar bem com os nazis, desde que não sejam alemães.

[2ª] A segunda lição das eleições europeias é mais animadora e está nos antípodas da primeira. A contestação desta Europa não vem apenas da direita, vem também da esquerda e tem vários matizes. Syriza na Grécia, Movimento 5 Stelle na Itália, Podemos em Espanha e Coligação Democrática Unitária (CDU) em Portugal. Nestas vitórias vibram as ideias de solidariedade, de coesão social, de democraticidade, de respeito pela soberania dos países que presidiram ao nascimento da Europa e que os diferentes países europeus adotaram como sua no pós-guerra (Portugal, Grécia e Espanha, logo que conquistaram a democracia). Ora, estas ideias começaram a ser contestadas no interior das instituições europeias antes de o serem no interior de cada país (com a exceção de Thatcher em Inglaterra) e foram exercendo uma pressão dessolidária, autoritária, hostil ao modelo social europeu sobre cada um dos países, em especial os mais vulneráveis. Primeiro, usaram o caminho da institucionalidade (euro, tratados de Maastricht, de Lisboa e de livre comércio com a China); depois, o da extra-institucionalidade (causada diretamente pela institucionalidade anterior): a crise. Esta mistificação perversa de salvar a Europa (rica) à custa dos países europeus (pobres) acaba de ser denunciada por estes partidos e é neles que reside a esperança. Por que é que o BE [Bloco de Esquerda]1, que pertence à família geral dos partidos da esperança, está fora dela? Pessoas notáveis num partido medíocre.

[3ª] A terceira lição é que os grandes derrotados desta eleição são os partidos que mais contribuíram para a construção da Europa como a conhecemos, os partidos de centro esquerda e de centro direita, que continuam a pensar que, com mais ou menos remendos, esta Europa sobreviverá. Como se compreende que o partido que proclamou ser a alternativa à coligação partidária que presidiu ao maior desastre social em Portugal nos últimos 90 anos fique apenas a uns míseros quatro pontos acima dessa coligação? A ilação é simples: para o PS [Partido Socialista]2 ser a alternativa tem de se reconstruir em alternativa a si mesmo.

Boaventura de Sousa Santos, doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale (Estados Unidos), é Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal) e Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison (Estados Unidos) e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick (Reino Unido). É igualmente Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.
Dirige actualmente o projecto de investigação ALICE - Espelhos estranhos, lições imprevistas: definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências o mundo, um projeto financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC), um dos mais prestigiados e competitivos financiamentos internacionais para a investigação científica de excelência em espaço europeu. 

NOTAS:

1. Bloco de Esquerda: Fundado em 1998 depois da fusão entre o Partido Socialista Revolucionário (PSR) (trotskista), União Democrática Popular (UDP) (marxista-leninista), o Política XXI (PXXI) (marxista-leninista) e a Frente de Esquerda Revolucionária (Ruptura/FER) (trotskista), o Bloco de Esquerda assumiu-se como um movimento de ruptura dentro do panorama político português. Abordando questões fraturantes, como os direitos dos homossexuais ou a despenalização das drogas leves, o partido cresceu, sobretudo nos meios urbanos. Nos últimos anos, perdeu uma parte do verbalismo que o caracterizava e aproximou-se mais do perfil dos partidos tradicionais. Apesar de não se assumir como líder, Francisco Louçã é a figura mais destacada do partido. O Bloco de Esquerda conta atualmente com oito deputados na Assembleia da República (Fonte: clique aqui].

2. Partido Socialista: Fundado em 1973, à semelhança do Partido Social Democrata, é um partido de tradição social-democrata em Portugal. Há várias posições diferentes sobre as políticas do PS, que defende medidas de índole social-democrata mas que, tal como o PSD, sofreu uma viragem à direita nos anos seguintes à Revolução dos Cravos. O seu líder histórico é Mário Soares. Em 2011 passou a ter 74 deputados na Assembleia da República (Fonte: clique aqui].

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 29 de maio de 2014 – Internet: clique aqui.