«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 31 de maio de 2014

A NOVA MODA DOS “SEM ESTILO”

Entrevista com Gilles Lipovetsky*

Lúcia Monteiro e Mariana Belley

Com ícones como Jerry Seinfeld e Steve Jobs, a tendência normcore vira febre entre fashionistas
Gilles Lipovetsky - filósofo francês

Ser normal e antifashion agora é in? Em entrevista exclusiva, o filósofo francês Gilles Lipovetsky contesta a inflação de tendências, como a que a agência nova-iorquina K-Hole lançou no início do ano, batizada de "normcore". A palavra, formada por "normal" e "hardcore", que poderíamos traduzir por um excesso de normalidade, ou por hipernormalidade, espalhou-se rapidamente por editoriais de moda e fotos de street style mundo afora, em uma espécie de profecia autorrealizável. Para Lipovetsky, o normcore nada tem de revolucionário: ele seria herdeiro do dandismo do século 19, do estilo que Chanel criou nos anos 1920, do minimalismo arquitetônico e do grunge. O filósofo faz uma dura constatação sobre os tempos atuais: "Hoje há mais liberdade com relação ao que se veste, e menos liberdade com relação ao corpo".

O senhor já ouviu falar do normcore? O que acha dessa tendência?
Gilles Lipovetsky: Trata-se de uma tendência entre outras, e uma tendência que se repete. Essa onda que agora vem sendo chamada de normcore, que poderíamos traduzir por hipernormalidade, é, na verdade, um fenômeno um tanto recorrente que não deve ganhar interpretações exageradas. Não devemos, por exemplo, relacionar o normcore com a crise econômica que a Europa vive atualmente, até porque essa tendência começou nos Estados Unidos em um momento que não é exatamente de crise. Por definição, a moda é o que muda: ela precisa transformar-se sempre, isso está em seu código genético. A existência de novas correntes é, portanto, um imperativo. O normcore parece estar fazendo sucesso sobretudo com os mais jovens; acredito que ele esteja mais ligado aos hábitos do que aos estilistas. Nas últimas semanas de moda de Milão, Nova York e Paris, não se falou em normcore. A palavra de ordem das grandes marcas é o minimalismo.
Os itens básicos do normcore: a ideia é sair de casa sem se preocupar com a moda
Sim, mas o senhor não acha que o minimalismo, os sapatos baixos e os acessórios mais discretos podem ser associados ao normcore?
Gilles Lipovetsky: É verdade que foram vistos muitos sapatos sem salto nas fashion weeks, e que o minimalismo foi destaque. Mas é um minimalismo um tanto chique. De todo modo, as fotos mais associadas ao normcore são fotos de moda de rua. 
O normcore seria uma negação da moda?
Gilles Lipovetsky: Há um paradoxo quando se fala em indivíduos que não querem aparecer. Afinal, isso deixa de ser possível quando a normalidade surge como uma tendência da moda. Quando eu digo "Não estou na moda", eu estou na moda. O normcore não deixa de ser uma maneira de se diferenciar. No universo fashion, as novas tendências muitas vezes surgem em reação às anteriores. Se em uma temporada a moda é o longo, no ano seguinte os curtos ganham força. Se há uma moda dos excessos, dos logotipos grandes, dos brilhos, dos tênis coloridos, o jeito é se diferenciar com looks [trad.: aparênciasminimalistas. O minimalismo na moda segue uma lógica que vem da arquitetura, mais precisamente de Mies van der Rohe [arquiteto alemão naturalizado norte-americano] e de sua fórmula "less is more" [trad.: menos é mais]. O minimalismo está por trás da grande revolução de [Coco] Chanel. Ela criou um vestido democrático, simples. É um paradoxo: um look minimalista que custa muito caro. Depois, nos anos 1940 e 1950, a Dior também recuperou o minimalismo. Hoje é um pouco diferente, pois as coisas convivem. Uma tendência não exclui as demais e não há mais looks totais. É possível brincar.
O senhor acha que as pessoas aderiram ao normcore porque estão cansadas da moda?
Gilles Lipovetsky: Isso é o que se diz, mas eu duvido um pouco. Se fosse verdadeiro, esse cansaço não atingiria os mais jovens, os que ainda não tiveram tempo de se cansar da moda. Acredito que o normcore é, antes de mais nada, uma moda. Nos anos 1990, moda grunge foi uma febre, ainda que era uma moda contra a moda. Isso não passa de provocação. Afirmar o estilo do não-estilo não deixa de ser uma afirmação e, por isso, uma maneira de se diferenciar, uma moda. No caso atual, as meninas em particular pretendem mostrar com suas roupas desleixadas que elas não foram alienadas pela moda. Repito que isso não quer dizer que elas cansaram da moda: essa atitude é afirmativa e, portanto, ainda se constitui como um fenômeno fashion.
Hoje em dia, com a pirataria e a facilidade de revender roupas mais caras, até pessoas que têm menos dinheiro vestem logotipos de marcas de luxo. O Brasil viveu recentemente fenômenos como os rolezinhos, em que turmas da periferia percorriam shoppings ostentando produtos de luxo, num gesto de provocação. O normcore pode ser uma reação das elites para se diferenciar desse gosto popular pelo luxo chamativo?
Gilles Lipovetsky: Ah, isso sim, talvez. De todo modo, acredito que a hipernormalidade seja menos um cansaço do que uma outra maneira de se distinguir, uma espécie de competição mesmo. Na arquitetura, a opção pela forma simples não implica em uma recusa da beleza. Trata-se, na verdade, de afirmar que há beleza na simplicidade e que o resto é maquiagem, simulacro. Pode haver uma reação contra um certo tipo de luxo, por exemplo, o das logomarcas chamativas. Mas uma bolsa simples tanto pode custar 30, 50 ou 3000 euros. A simplicidade, se for refinada, pode sair caro. O que quer dizer 'normal'? Não mostrar um estilo? A Chanel dizia que luxo é o que não se vê. O verdadeiro luxo quase não aparece, não é algo que se possa ostentar. Acredito que haja uma tendência contra a banalização dos produtos de luxo.
Em seu livro O Império do Efêmero - A Moda e seu Destino nas Sociedades Modernas, o senhor fala da passagem da difusão vertical da moda para uma difusão mais horizontal. No contexto do individualismo contemporâneo, a pessoa teria uma maior autonomia e não precisaria mais seguir uma moda ditada por uma autoridade superior. O normcore tem a ver com isso?
Gilles Lipovetsky: A lógica clássica do individualismo, presente desde as cortes dos reis, é de ostentação. Ela sempre veio acompanhada de uma crítica moral: a igreja condenava esse comportamento, por se tratar de vaidade. Hoje, a crítica ao luxo ostensivo nada mais tem de moral: condena-se o mau gosto, considerado esteticamente ridículo, e a falta de autonomia de quem segue cegamente a moda. 
Mas precisamos ser prudentes em nossa análise. Pois é possível que alguém vestido de modo "hipernormal" continue obcecado por estar 3 kg acima do peso. Nossa época talvez demonstre uma servidão menor para com as normas de vestuário, mas uma servidão maior com relação às tiranias do corpo. Acredito que essa tendência tenha como pano de fundo um fenômeno que vem se mantendo permanente há cerca de dez anos: a roupa tornou-se menos importante; agora, o que importa é o corpo. É nesse contexto que surgem o casual wear, o street wear, a moda mais relax e menos terrorista, menos restritiva. 
O senhor quer dizer que por trás do normcore está a busca pelo conforto?
Gilles Lipovetsky: Exatamente. É o que a Chanel já dizia. Ela queria que a mulher estivesse em movimento e por isso desenhava peças que não restringissem os movimentos, que a deixassem se movimentar com liberdade. Acredito que o normcore resgata algo nessa direção. Alguns analistas veem no normcore uma moda andrógina, pois as peças mais largas esconderiam as formas do feminino, dentro da lógica de apagar as diferenças entre os sexos. Não acredito nisso. Ao vestir a camisa do namorado, a menina acrescenta algum detalhe para afirmar que ela não é um menino. Isso é tão antigo quanto Yves Saint-Laurent e seus smokings para mulheres. Ele entendeu muito rápido que uma mulher de calças não é um homem, mas um outro modo de feminilidade. 
Uma referência para o normcore é o humorista norte-americano Jerry Seinfeld, vestido como se fosse um paizão fora de moda, de tênis branco, jeans reto, camiseta sem graça. Será que há um desejo em se vestir de um jeito menos sensual, ou pelo menos a possibilidade de não se vestir para a sedução?
Gilles Lipovetsky: Não se pode confundir discurso com realidade. Vale o mesmo que eu disse com relação a um suposto cansaço da moda: dizer que o normcore apagaria a diferença entre os sexos não passa de discurso, sobretudo no Brasil, em que essa distinção é bem visível. As mulheres brasileiras são muito sexy, muito mais do que na Europa.
Não podemos nos esquecer que, no século 19, o dandismo já buscava a distinção pelos pequenos detalhes. Talvez existam pessoas que não querem seduzir ninguém. Não acredito nisso. É possível seduzir sem salto alto. Os adolescentes escondem seus corpos na puberdade e ainda assim agradam. Acredito que tudo isso esteja ligado a um fenômeno de fundo. O minimalismo é uma corrente dominante desde os anos 1990 e está ligado às mulheres que se vestem para ir trabalhar. A verdadeira moda unissex existiu na época de Mao [Tsé-Tung, líder da Revolução Chinesa, que comandou o país de 1949 a 1976]. Hoje a história é outra. Homens e mulheres são absolutamente reconhecíveis.
Moda normcore: a liberdade das roupas é inversamente proporcional à do corpo
É possível que as atrizes de Hollywood incorporem mesmo essa tendência? Algumas delas têm sido vistas num estilo normcore por aí... 
Gilles Lipovetsky: Claro que sim! Mas, quando forem pisar no tapete vermelho do Festival de Cannes, vestirão um longo de 10 mil dólares. Essa é a questão dos dias de hoje. Uma atriz pode estar de tênis durante uma entrevista e noutra situação estar completamente montada. Em nossa época, tem-se o "direito ao look", essa é uma das figuras do individualismo contemporâneo.
Isso significa mais liberdade, não?
Gilles Lipovetsky: Hoje há mais liberdade com relação ao que se veste, e menos liberdade com relação ao corpo.
O senhor acha que essa obsessão com o corpo é mais intensa no Brasil do que na Europa?
Gilles Lipovetsky: Estive em São Paulo recentemente e fiquei impressionado com a visão noturna das academias de ginástica lotadas, com as pessoas se exercitando como se estivessem em vitrines. Muita gente faz lipoaspiração e tratamentos diversos, como os para deixar os lábios mais sensuais. Nada disso é "hipernormal". 
O senhor acha que existe uma inflação de tendências?
Gilles Lipovetsky: Em parte são os próprios jornalistas que fazem essas tendências. Se há três pessoas vestindo algo, já é uma tendência. Para falar em tendência, é preciso haver um nome. No caso, se não existisse esse nome 'normcore', se esse artigo não tivesse sido publicado, ninguém saberia da existência dessa tendência. A cada dia surge uma nova tendência, há tendência para tudo, é inacreditável.
O engraçado é que a primeira menção ao normcore veio de uma agência de previsão de tendências, a K-Hole...
Gilles Lipovetsky: Isso é feito para vender. Se fosse para levar a sério a lógica do normcore, ela conduziria, no extremo, a uma recusa das marcas. Não acredito nisso. Não acho que os jovens se desinteressarão da Diesel e de outras marcas que eles amam. Essa tendência não deve durar muito. Mesmo nas fashion weeks, há uma ambiguidade quando se expõe um minimalismo de marca. O verdadeiro minimalismo não é de marca.
Mas arquitetos como Mies van der Rohe e Le Corbusier impuseram suas grifes ao minimalismo arquitetônico, não?
Gilles Lipovetsky: Sim, mas o minimalismo arquitetônico era um movimento de vanguarda que não foi bem recebido pelo público. Hoje em dia nós nos tornamos muito tolerantes. Aceitamos tudo. Uma tendência nova não destrói as anteriores. A tendência da normalidade vai durar uma temporada, se tanto. Não há uma mensagem efetiva atrás dela. Afinal, trata-se de uma moda!

* Filósofo francês é dos maiores pensadores contemporâneos da moda e do consumo, autor de livros polêmicos como O Império do Efêmero: A Moda e Seu Destino nas Sociedades Modernas.
Fonte: ESTADÃO - Vida e Estilo/Moda - Acesso em:  31/05/2014 às 18h20 - Internet: clique aqui.

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