Guilherme Boulos, Josué Rocha e Maria das Dores*
Folha de S. Paulo
11-05-2014
«Onde há megaevento, há
aumento da especulação imobiliária. Antes mesmo de começar, a Copa já definiu
seus perdedores e vencedores. Os perdedores fomos nós, moradores da periferia,
que vimos o aluguel abocanhar a nossa renda. As vencedoras foram as grandes
empreiteiras, que levaram dinheiro público a rodo para obras de finalidade
social duvidosa.»
Nos
últimos meses, a luta do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) por
moradia digna e reforma urbana ganhou destaque. Mas ela não vem de agora. O
movimento realiza sua luta há 20 anos, ainda que sob o silêncio da mídia e o
descaso dos sucessivos governos.
O
fortalecimento recente do movimento está ligado, paradoxalmente, a efeitos
colaterais do crescimento econômico. O setor da construção civil recebeu
incentivos do governo e foi beneficiado com a relativa facilitação do crédito.
Com isso, o mercado imobiliário se aqueceu, as empreiteiras engordaram seu
patrimônio e a especulação foi às alturas.
Os
efeitos se fizeram sentir pelos trabalhadores mais pobres. Boa parte não tem
casa própria. O valor do aluguel aumentou brutalmente. Desde 2008, o aumento
médio em São Paulo foi de 97% e no Rio de 144%, segundo o índice Fipe/Zap. No
mesmo período, a inflação medida pelo IPCA ficou em 40%.
O
resultado foi um aprofundamento da lógica de expulsão dos mais pobres para mais
longe. Em Itaquera, onde está ocorrendo a Ocupação Copa do Povo, milhares de
moradores foram expulsos para periferias ainda mais distantes: Guaianazes,
Cidade Tiradentes ou mesmo para municípios como Ferraz de Vasconcelos. Ir para
mais longe significa mais tempo no transporte e serviços públicos e
infraestrutura urbana mais precários. O que o Bolsa Família e o aumento
progressivo do salário mínimo deram com uma mão o aluguel mais caro tirou com
outra.
Cerca de 7,7 mil famílias ocupam, desde novembro de 2013, uma área batizada de Nova Palestina em terreno na zona sul de São Paulo Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil |
A
intensificação das ocupações de terrenos e prédios ociosos foi a forma de
resistência popular a esse processo. Aqueles que não aceitaram ser jogados para
buracos ainda mais distantes estão ocupando terras - terras ociosas utilizadas
para especulação imobiliária. Só com esse contexto permite a compreensão de
ocupações como Vila Nova Palestina (com 8.000 famílias em São Paulo), Favela da
Telerj (com 5.000 famílias no Rio) e Copa do Povo, que em uma semana chegou a
4.000 barracos.
A Copa
foi um agravante. Onde há megaevento, há aumento da especulação imobiliária.
Antes mesmo de começar, a Copa já definiu seus perdedores e vencedores. Os
perdedores fomos nós, moradores da periferia, que vimos o aluguel abocanhar a
nossa renda. As vencedoras foram as grandes empreiteiras, que levaram dinheiro
público a rodo para obras de finalidade social duvidosa. Como denúncia,
ocupamos suas sedes na última semana, ao lançar a campanha "Copa sem povo,
tô na rua de novo".
Mas, ao
lutarmos, não fazemos vista grossa aos conservadores mais atrasados que agora
querem pegar a onda das mobilizações sociais. Se temos diferenças com o governo
Dilma Rousseff (PT), somos também categóricos em dizer que Aécio Neves (PSDB) e
Eduardo Campos (PSB) não nos representam. Representam, ao contrário, o atraso
neoliberal.
A
cidade privada para poucos é a cidade da privação para a maioria. Essa mudança
passa por uma profunda reforma urbana, que não virá do Congresso, com seus
parlamentares financiados até o pescoço pelo capital imobiliário. Ela vem de
baixo. A história dos povos ensina que as transformações são resultado de
movimentos populares de massa, que enfrentam as relações de poder constituídas.
Chamamos isso de poder popular. É isso que quer o MTST.
* Membros da coordenação do
MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e da Frente de Resistência Urbana.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos –
Notícias – Segunda-feira, 12 de maio de 2014 – Internet: clique aqui.
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