«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

ÁGUA: o que a propaganda não conta!

Sabendo usar propaganda, não vai faltar voto


Eugênio Bucci*

"Sabendo usar, não vai faltar." Com esse slogan, a Sabesp se ufana de si em campanhas publicitárias que inundam os meios de comunicação paulistas. Enxurradas, cascatas, chuvaradas e alagamentos midiáticos se apossam de todos os espaços. Na televisão, principalmente. Por vezes, há duas mensagens da empresa num único intervalo comercial. Mais que um aguaceiro, é um oceano que desaba sobre os olhos e ouvidos dos telespectadores de São Paulo. Mal dá para respirar. (Glub.)
"Sabendo usar, não vai faltar." Entre um caldo e outro, tentemos pensar a respeito do que há de sentido nesse dístico. Há nele uma pretensão de máxima filosófica, como se contivesse um ensinamento tão precioso quanto o líquido vital. Como um conselho paterno, o slogan sabespiano quer nos ensinar a bem usar a água.
Aqui, porém, saber como usar significa exatamente saber como não usar - ou, no mínimo, usar bem menos. Sigamos um pouco mais esse fio lógico. Por meio de uma afirmativa (saber usar), que soa convidativa e edificante, o dístico transmite uma negativa (saiba não usar), que tem até ares de chantagem (se você insistir em usar demais, vai ficar sem de uma vez por todas e depois não venha reclamar).
Visto assim, o bordão sabespiano perde um pouco de seu apelo virtuoso e se revela apenas o oposto do que diz ser. Por aí, podemos ver a sua face menos dissimulada: não é filosofia, é propaganda de governo. Caudalosamente.
Toda propaganda do poder escreve o oposto do que sabe ser a verdade. Por exemplo: "Brasil, um País de Todos". Quem afirma isso sabe que o Brasil não é de todos coisa nenhuma. Ou o velho slogan do ex-prefeito Gilberto Kassab: "Antes não tinha, agora tem". Ora, o que mais faltava antes (e não era água) continuou faltando ainda mais na gestão dele. A única coisa que São Paulo antes não tinha e depois passou a ter foi ele mesmo: Kassab. E paremos por aqui com os exemplos, para o negócio não ficar ainda mais constrangedor. Calma que lá vem outro tsunami hidropublicitário da Sabesp. (Chuá.) Tome fôlego.
Toda propaganda de governo pinta o governante como a vítima que dá conselhos de pai e se desdobra feito mãe para prover a felicidade da filharada. Toda propaganda de governo diz que a mãe é incompreendida e injustiçada pelos ingratos. Toda propaganda de governo é a nostalgia da voz de Vicente Celestino. Toda propaganda de governo faz de conta que suplica a piedade do povo, quando de fato o oprime.
A Sabesp não é exatamente governo (o governo paulista controla "apenas" 50,3% de seu capital). Não obstante, é 100% propaganda de governo. A Sabesp é uma mãe que padece - não no paraíso, mas na Cantareira.
Encharcado pela torrencial discurseira hidrogovernista, o telespectador fica meio bêbado e até começa a acreditar: os canos vão secar em terras bandeirantes, mas a culpa não é da Sabesp, pobrezinha. A culpa é da seca, a maior seca desde Bartolomeu Bueno da Silva. A natureza, você bem sabe, é ingovernável. A culpa é dessa ausência danada de precipitações pluviométricas. Ah, sim, e a culpa é também dessa turma que lava carro, que toma banho de mais de três minutos, que fica dando descarga à toa, desse povo que não sabe (não) usar. A Sabesp, imagine (chuáaa, vem água aí), a Sabesp (glub) é a melhor empresa do sistema solar, ela fez trocentos quilômetros de tubulações e outras obras primas, fez aquelas coisas vistosas que aparecem na fotografia atrás do moço que fala sem parar (chuáaa). Ainda bem que existe a Sabesp, nossa mãe provedora d'água. Se não fosse ela, seríamos o deserto do Saara. Vamos lá! Todos juntos venceremos a estiagem (coisa de oposição), vamos economizar, a união vence a aridez, vamos saber (não) usar, vamos ganhar bônus no fim do mês, governo bacana dá até desconto. (Glub.)
O que a publicidade esconde.
No domingo, o [jornal] O Estado de S. Paulo publicou um editorial obrigatório: Pior do que parece. Em 2012, informa o texto, 35,6% da água da Sabesp foi desperdiçada, escorreu por vazamentos nas tubulações nos subterrâneos da urbe, antes de chegar às residências e às empresas. O quadro só vem piorando. Na região central de São Paulo, os canos datam da década de 30 do século passado - e o envelhecimento dos dutos é uma das causas principais de tanta perda.
O cidadão tem o direito de conhecer em detalhes o quadro calamitoso. Tem direito de ser informado sobre as razões do colapso iminente do abastecimento da capital. Não fosse a imprensa, ninguém saberia de quase nada. O poder público tem o dever (legal) de prestar contas, mas não presta. Aliás, o poder público no Brasil (em todas as esferas, nos níveis municipal, estadual e federal) tem essa obsessão doentia de usar dinheiro público (ou 50,3% público) não para prestar contas, mas para enaltecer as autoridades e ocultar o que realmente interessa. No caso presente, o da falta d'água, em vez de explicar as razões da omissão ou da incompetência da rede de abastecimento, a Sabesp propaga o elogio em boca própria. É o que estamos vendo na TV todos os dias. Como informou reportagem de Fabio Leite no Estado (26/4, E8), a companhia vai gastar a ninharia de R$ 43,7 milhões em sua comunicação, pois "a campanha publicitária é de fundamental importância para a conscientização da população neste momento de escassez hídrica". Mas "conscientização" de quê? De que a Sabesp é maravilhosa?
Você tem sede de quê?
Os seres humanos têm sede de água. O poder tem sede de mais poder e acredita que, se souber usar bem a propaganda, os votos virão. E tem razão de acreditar. Esse tipo de estratagema tem dado certo no Brasil. Não há limites para gastos públicos em publicidade. Nem para o autoelogio. É assim com todos os governantes, de todos os partidos, sem exceção. E com a Sabesp também.
* É jornalista, professor da Escola de Comunicação e Arte (ECA) da USP e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Espaço aberto - Quinta-feira, 1 de maio de 2014 - Pg. A2 - Internet: clique aqui.

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