«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Não ria! A coisa pode ficar séria!

Escalada autoritária dos Bolsonaro é blefe,
mas pode sair de controle

Igor Gielow

Família presidencial quer mascarar investigações,
mas também faz teste de estresse
Uma resposta cômica, do chargista Benett, ao vídeo postado por Jair Bolsonaro em rede social,
fazendo-se passar por um leão perseguido por hienas que queriam devorá-lo

O mais recente volume puxado da prateleira de provocações institucionais por um membro da família Bolsonaro está na praça: a sugestão feita pelo deputado federal Eduardo (PSL-SP) de reeditar o Ato Institucional número 5 caso a esquerda promova protestos radicais.

«O Ato Institucional nº 5, decreto editado em 13 de dezembro de 1968, no governo do marechal Costa da Silva, marcou o período mais duro da ditadura militar no Brasil (1964-1985). O AI-5 deixou um saldo de cassações, direitos políticos suspensos, demissões e aposentadorias forçadas. O decreto concedeu ao presidente poderes quase ilimitados, como fechar o Congresso Nacional e demais casas legislativas por tempo indeterminado e cassar mandatos. Considerado o mais radical decreto do regime militar, também abriu caminho para o recrudescimento da repressão, com militantes da esquerda armada mortos e desaparecidos» (Fonte: UOL).

Inicialmente, seria preciso apontar onde estão tais manifestações. Um fenômeno notável que acompanhou a debacle do PT no poder federal foi a substituição de forças esquerdistas por movimentos à direita como dínamos principais de protestos de rua no país. Dilma Rousseff caiu, também, por isso.

Delírios e pretextos

Desde o começo dos protestos contra o governo de centro-direita de Sebastián Piñera no Chile, Eduardo, seu irmão Carlos e outros expoentes do bolsonarismo de grande valentia na frente de teclados vêm apontando uma suposta trama continental esquerdista que logo chegaria ao Brasil.

Entraram na conta da suposta conspiração balbúrdia nas ruas do Equador e até o petróleo que emporcalha a costa nordestina. Ato contínuo, o pai da turma, Jair Bolsonaro, corroborou as hipóteses de forma genérica e invocou a possibilidade de chamar as Forças Armadas por meio do artigo 142 da Constituição.

Generais se entreolharam calados, dado que temem ser usados como bucha de canhão de uma luta quixotesca — muitos devem se perguntar se estavam certos no seu entusiasmo com o governo do capitão reformado. Na cúpula da ativa, é minoritário o apoio ao chamado olavismo.

Na terça (29 de outubro), Eduardo insinuou que poderia haver uma solução repressiva por aqui se o Chile contaminasse as ruas brasileiras. Hoje, deu nome aos bois.
Sensacional ! ! !

O autoritarismo está no DNA do bolsonarismo

Há algumas variáveis a considerar. Primeiro, de DNA. O bolsonarismo dito raiz, personificado pelos filhos do presidente, pelo chanceler Ernesto Araújo, pelo ministro Abraham Weintraub, pelo assessor palaciano Filipe Martins e outros seguidores do escritor Olavo de Carvalho, sempre pregou uma delirante solução de força para os problemas do país.

Em 22 de março, o antes obscuro Martins escreveu sem o recato que se supõe de um funcionário do Planalto que o povo deveria mostrar aos políticos e ao Judiciário “quem manda no país”. É recorrente, entre os aderentes da seita olavista, a ideia de que são capazes de mobilizar a nação em torno do dito “mito”.

Pinçar declarações flagrantemente antidemocráticas do presidente é um esporte sem emoções, de tão facilmente jogado. Assim como a dos filhos, o loquaz Carlos à frente.

Assim, é bem provável que Eduardo, o mesmo que havia sugerido o fechamento do Supremo Tribunal Federal com mínimo aparato militar, acredite mesmo que uma AI-5 seria necessário. O fato de não haver nenhum distúrbio nas ruas brasileiras hoje é um mero detalhe de realidade.

Obviamente, não se trata de tratar a esquerda como um cordeiro inocente. É também do DNA daquele campo a radicalização. Mas a violência associada a manifestações do passado recente, e junho de 2013 é a régua, têm menos a ver com o PT e mais com a degeneração promovida por black blocs e afins — apoiados, ideologicamente, por franjas da esquerda urbana.
O presidente reforçou a ideia de indicar o deputado federal Eduardo Bolsonaro para a embaixada Foto: Paola De Orte / Agência Brasil
EDUARDO BOLSONARO
Já que gosta tanto dos Estados Unidos e "baba" pelo presidente norte-americano Donald Trump,
poderia mudar-se para lá, não é mesmo?!

Cortina de fumaça para disfarçar o que interessa

Outro ponto central é a considerar é o contexto. Toda essa agitação bolsonarista acompanha o adensamento das notícias negativas que vêm das investigações sobre o passado do clã no Rio de Janeiro. Os recados de Fabrício Queiroz a Flávio Bolsonaro, novas apurações acerca de Carlos, o atabalhoado e mal-explicado episódio da citação falsa ao presidente no caso Marielle Franco.

É um padrão. Sempre que a família está sob pressão, surgem essas hipérboles por parte do entorno presidencial quando não do próprio mandatário máximo. É uma tática retirada do livro Donald Trump de tergiversação política via Twitter, e tem funcionado a contento ao ser macaqueado cá nos trópicos. Quando fica feio demais, pede-se desculpas e bola para frente. [Mas não há o mínimo pudor e arrependimento das besteiras ditas!]

É uma versão 4.0, ou algo assim, dos velhos tomos conspiratórios forjados para justificar repressões no passado. Estão aí para contar história os “Protocolos dos Sábios do Sião”, peça antissemita do Império Russo que teve utilidade estendida até o nazismo dos anos 1930 ao inventar uma trama judaica para dominar o mundo, e o brasileiríssimo Plano Cohen, falsificação integralista sobre um golpe comunista que ajudou Getúlio Vargas a virar ditador em 1937.

O problema é que, de factoide em factoide, os limites podem chegar a pontos de ruptura. Uma provocação aceita aqui, um erro de cálculo ali, e algo sério pode acontecer — esse é o risco da escalada autoritária do clã Bolsonaro. O teste de fogo será a eventual libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como até os mármores do Supremo sabem.

Fonte: Folha de S. Paulo – Poder / Análise – Quinta-feira, 31 de outubro de 2019 – 13h50 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

Um balanço geral do Sínodo

Uma avaliação da assembleia especial para a Amazônia: um processo sinodal que continua

Entrevista especial com Dom Cláudio Hummes
Cardeal relator-geral do Sínodo

Silvonei Protz
Vatican News
29-10-2019

Foram necessários dois anos de trabalho para chegar a realizar o
Sínodo dos Bispos dedicado à região pan-amazônica.
E agora os frutos desse compromisso encontram um ponto de chegada
com a publicação do documento final
messa di conclussione del Sinodo Amazonico
MISSA DE CONCLUSÃO DO SÍNODO DOS BISPOS PARA A REGIÃO PAN-AMAZÔNICA
Basília de São Pedro - Vaticano - Domingo, 27 de outubro de 2019

Eis a entrevista.

No seu discurso à 15ª Congregação Geral, o senhor falou de “um momento de emergência ecológica” e convidou a Igreja a escutar o grito da Amazônia.

Dom Cláudio Hummes: Acima de tudo, quero dizer que a realização deste Sínodo foi realmente uma grande alegria. E o processo não termina com o Sínodo: é um processo sinodal que agora começa realmente a ser realizado. Quero dizer com isso que o pós-Sínodo é igualmente importante nesse processo: a aplicação do Sínodo. É claro que o Sínodo é um ponto alto, é o ponto alto que ilumina os caminhos. Mas todo o processo continua agora, continuará também na aplicação pós-sinodal, localmente e em todos os lugares onde houver uma conexão. É um processo que continuará. Voltaremos ao nosso território e lá realmente recomeçaremos a trabalhar.

É verdade que se deve entender esse Sínodo dentro do momento de grande risco que o planeta Terra corre: nós sabemos, tanto por meio da Laudato Si’, quanto por meio da COP-21 de Paris, que ocorreu alguns meses após a publicação de Laudato Si’, que estamos em uma situação de crise climática e ecológica grave e urgente. Grave, porque realmente está em risco o futuro do planeta e, portanto, também o futuro da humanidade. Isso não é dito de forma apocalíptica, de grande alarme: é dito na serenidade da ciência. A ciência nos diz serenamente: “É assim”, e devemos tomar medidas para que essa crise seja vencida. Então, façamos isso, porque ainda temos tempo para fazê-lo. É verdade que o tempo está cada vez mais curto, mas há tempo e podemos fazer isso e queremos fazê-lo. Queremos unir. A Igreja também quer ser uma voz que une as forças da humanidade, não fazendo parte daquela que sabe tudo, mas a Igreja também quer apresentar uma luz ao mundo. E nós sabemos que essa luz é importante. Mas, no mundo, também existem muitas outras luzes, para que, juntos, possamos fazer esse trabalho de vencer essa crise.

E, nessa grande crise, grave e urgente, também em Paris se disse com muita razão que mais tarde será tarde demais, e isso significa “agora”. Não no sentido alarmista ou apocalíptico, mas sim no sentido de suscitar o trabalho imediato das nações e de toda a humanidade para salvar o planeta. Nessa grande crise do planeta – todos sabem disso, e os cientistas também nos dizem isso – a Amazônia tem um papel fundamental, decisivo, porque, se perdermos a Amazônia, o planeta corre riscos muito graves, irrecuperáveis, e seria verdadeiramente um desastre para toda a humanidade e para a nossa história. É dentro desse contexto que se pode compreender melhor a importância histórica desse Sínodo: ele tem uma importância verdadeiramente histórica. E, a esse respeito, é preciso ver e ler esse documento como um documento que se situa nessa grande crise.
Resultado de imagem para Dom Cláudio Hummes no sínodo"
DOM CLÁUDIO HUMMES
Mostra a estola que estava usando durante a celebração da Missa nas Catacumbas de Santa Domitila,
durante a qual foi assinado um novo "Pacto das Catacumbas"
Roma, 20 de outubro de 2019

Então, que chave de leitura podemos oferecer sobre esse documento final?

Dom Cláudio Hummes: O documento, é preciso dizer isto imediatamente, não se pode lê-lo como um livro ou como um texto de um autor, porque um autor também faz literatura e também faz uma sequência muito mais conectada, muito mais lógica. Este é um texto feito a muitas mãos. São muitas as mãos que colaboraram na redação desse texto, porque foi uma assembleia. E essa também é a riqueza do texto: isso não o empobrece, não, é a sua riqueza, propriamente. Mesmo que a leitura do texto seja diferente do que a leitura do texto de um livro, que tem mais literatura, até mais conexão, isso significa que devemos olhar, acima de tudo, para os conteúdos, mais do que para a sequência. Obviamente, há uma sequência e uma lógica, mas não a mesma que se teria se fosse fruto de um único autor. Devemos olhar, acima de tudo, para os conteúdos: são os conteúdos que são importantes.

Além disso, sabe-se que hoje a maioria não lê mais um livro, um livro inteiro ou um grande documento. As pessoas vão lá ver aquelas partes do livro ou do documento que lhes interessam e, talvez, depois, se interessarão em algum outro ponto. Então, sabemos que ele será lido assim. Certamente, o mundo acadêmico irá lê-lo de outra maneira, mas, na pastoral das pessoas, das comunidades, todos nós o leremos pelos seus conteúdos, e estes sempre são lidos apenas em parte. Isso deve ficar muito claro. É preciso ver há grandes temas que são centrais, e outros temas que também são importantes, mas não centrais. Por exemplo, os grandes temas centrais são:

1º) acima de tudo, os povos originários, indígenas – o Papa sempre diz isso – porque eles correm um risco como nunca antes, um risco de verdade para a sua sobrevivência.
Os povos originários, indígenas, veem como vão as coisas: eles não têm futuro. E é terrível não ter futuro. Sabemos que isso também vale hoje para a crise ecológica. Sempre se diz com razão: “Vocês que são pais, vocês que são avós, vocês que têm filhos e netos, olhem nos olhos dos seus filhos: qual é o futuro que vocês desejam para eles? Que o futuro deles seja não ter futuro. Isso significa que todos nós devemos nos sentir interpelados: vocês que têm filhos, vocês que têm netos, todos nós que temos essa juventude, essa infância que nos olha e nos interpela, dizendo: ‘O futuro que vocês prepararam é não ter futuro!’”. E os indígenas também dizem isso com muita força: nós também, do modo como vão as coisas atualmente, não teremos futuro. E isso não está certo, isso é absolutamente inaceitável. Por isso, esse é o tema central, a questão dos indígenas.

2º) Mas também se enquadra no tema central todo o restante da população, incluindo a urbana, entre os quais também há muitos indígenas, até mesmo nas cidades com situações muito difíceis: é muito difícil a situação dos indígenas nas cidades. Sim, alguns também conseguem progredir nas cidades, porque também temos indígenas engenheiros, que fizeram a universidade, que exercem profissões como qualquer outra pessoa das nossas sociedades ocidentais. Mas a grande maioria deles não consegue sobreviver de verdade nas cidades, com dignidade. Então, as cidades também estão envolvidas e são interpeladas.

3º) Além disso, todos juntos, há a questão do território, porque o território também está ameaçado, como eu dizia, por causa da crise climática, por causa da crise ecológica: lá, tudo está degradado, espoliado, cada vez menos em condição de poder continuar produzindo. Por quê? Acima de tudo, porque as grandes florestas – sabemos disto hoje, a ciência também diz isto – darão muito mais riquezas, obviamente em um período menos curto, mas darão mais riquezas do que uma floresta que tenha sido derrubada: uma floresta de pé é melhor, dará muitos mais recursos também para os países que as possuem e para o mundo.

4º) Por isso, nós devemos realmente lutar para que sejam preservadas, porque, com as florestas, preservam-se também as águas: as águas, que são outro tema muito forte, a questão das águas contaminadas... Lá está grande parte da água doce, a água potável do mundo está lá! O ciclo das águas também é muito importante. Sem esse ciclo das águas, se ele for afetado, mesmo as regiões que hoje não fazem parte da Amazônia não terão mais futuro no que diz respeito à agricultura, e assim por diante. Esses são os grandes problemas centrais.

5º) Outro problema central – porque é a Igreja que fala e a Igreja fala da sua missão dentro desse contexto – é como a Igreja pode realizar melhor a sua missão na Amazônia. Então, estando com as pessoas, para que elas tenham melhores condições do que as atuais. Existem novos caminhos que devem ser decididos e depois também realizados. Sabemos que será um processo longo, mas é preciso saber em que direção se deve construir esse processo. Por isso, é muito importante que nós digamos: “Nesta direção e não naquela outra” e indiquemos as condições. Também entra nisso a questão dos ministérios, que não é o tema central do Sínodo. Não, o Sínodo não é sobre os ministérios na Igreja. Mas isso também era importante, para que a Igreja possa estar verdadeiramente junto com as pessoas e permitir que a sua dignidade e os seus direitos, também dentro da Igreja, sejam cada vez mais acolhidos e promovidos. Nesse sentido, falou-se dos ministérios.
12a Congregazione
SALA SINODAL
Durante a realização da 12ª Congregação Geral do Sínodo sobre a Amazônia
Dia 17 de outubro de 2019

Esses são dois temas que apareceram muito na mídia e também nos briefings: a questão dos viri probati e do diaconato feminino.

Dom Cláudio Hummes: Sim, e é por isso que eu digo que o Sínodo não foi um Sínodo para discutir os ministérios: isso sempre ficou claro para nós, para o Papa e para todos. Porém, muitas vezes, do lado de fora, as pessoas se fixaram demais nessa questão. Obviamente, é uma questão importante, mas o Sínodo não foi realizado para essa questão. No entanto, sabemos também que essa questão é importante para a Amazônia, principalmente para os povos indígenas e, por isso, isso também entrou.

Outro tema muito forte, e isto já tem mais a ver com a região, é o reconhecimento do trabalho das mulheres, das mulheres dentro do território, porque uma grande parte, cerca de 70% das comunidades dentro da Amazônia, são dirigidas por mulheres: elas são as dirigentes. E esse é um trabalho verdadeiramente maravilhoso que nós devemos reconhecer, elogiar, apoiar em tudo o que seja necessário. Elas dizem: “Não, não queremos que vocês digam ‘bom, bom’... não. Vocês devem nos reconhecer, acima de tudo, e também dar um passo a mais, dando-nos, como dirigentes, uma força maior, uma autoridade maior”. Nesse sentido, elas pediram acima de tudo um ministério instituído de mulheres dirigentes de comunidade. Não, não se falava de ministério ordenado, mas de ministério instituído para as mulheres. E, com isso, eu acho que, também no que diz respeito a outros aspectos de toda essa questão da mulher na Igreja, houve uma abordagem que indica – penso eu – que também demos passos nesse sentido, sim.

Tudo isso foi entregue agora nas mãos do Santo Padre.

Dom Cláudio Hummes: Sim, é claro, porque vai para as mãos do Santo Padre e devemos esperar pelo que ele fará. Normalmente, ele faz um documento pós-sinodal, e então devemos esperar um pouco para ver como o Papa dará publicidade ou autoridade para tudo isso. De todos os modos, sempre, mesmo quando o Papa faz o seu documento pós-sinodal, tudo que o Sínodo fez, decidiu e indicou, continua sempre ajudando a entender também o que o Papa propõe no seu documento. E nós estamos tranquilos, serenos, todos nós, e também terminamos o trabalho com alegria e dizemos que, obviamente, estamos e continuaremos tranquila e serenamente cum Petro et sub Petro, que significa “com o Papa e sob a orientação do Papa”, porque é isso que a grande comunhão católica faz.

Pode nos fazer uma pequena fotografia para quem não esteve dentro do Sínodo? O que aconteceu nessas três semanas dentro do Sínodo?

Dom Cláudio Hummes: O clima foi muito fraterno, embora também tenha havido momentos de discussão, porque havia coisas importantes a serem discutidas. Porém, sempre muito fraterno, um clima de muita oração, sempre muita oração, e no fim tudo isso foi crescendo, porque, pouco a pouco, cada vez mais se manifestou essa comunhão, mesmo que houvesse diferenças. Porque a comunhão eclesial tem muito a ver com isso. Nós, repito, não somos um parlamento no Sínodo. No Parlamento, há os partidos, e faz-se uma votação, cada um quer ser o vencedor, e os outros são os vencidos. Não. O Sínodo não pode trabalhar nesse espírito. O Sínodo não é um Parlamento. O Sínodo é a Igreja que está unida, tem uma comunhão forte, mas que também respeita as diferenças. As diferenças, menores ou maiores, não tiram de nós essa característica, essa realidade de sermos uma comunhão. O Papa sempre diz que é necessário construir uma comunhão, e não partidos; uma comunhão na qual todos se apoiam, mesmo que tenham pequenas diferenças, mas se apoiam pelo grande bem que significa a comunhão eclesial.

Nesses dias do Sínodo, a Repam foi muito citada: o papel do Repam com o Sínodo. O senhor é o presidente da Repam*.

Dom Cláudio Hummes: Sim, a Repam [Rede Eclesial Pan-Amazônica] foi fundada em 2014, quando Francisco já era o Papa, e realmente queria ser um serviço que conectasse todas as dioceses, prelazias, missões e outras instituições da Amazônia, da Grande Amazônia dos nove países. Um serviço de conexão: e o fez. E realmente cresceu muito, porque muitas pessoas se uniram: hoje, somos realmente uma multidão que trabalha como Repam, e isso significa que a rede foi construída para colocar todos online. É um serviço: a Repam não é uma instituição a mais. Nós dizemos que não somos uma instituição a mais que tem o seu programa de trabalho. Não. Nós queremos ser um serviço que conecta aquilo que existe, que dá uma unidade maior para que possam se somar as vozes, as forças.

Porque existe o grande problema do isolamento na Amazônia, as distâncias são muito grandes, as florestas são grandes. Imagine uma prelazia, uma diocese, um vicariato no meio da floresta: pouco a pouco, cria-se a consciência de estar isolado. Eles se sentem sozinhos diante dos seus sonhos e diante dos seus problemas, porque não têm os pressupostos para realizar os seus sonhos e para combater os seus problemas. Por isso, às vezes, eles se sentem muito sozinhos. E, então, a Repam significa:Não, você não está sozinho, vocês não estão sozinhos: nós estamos aqui. Façam ouvir a sua voz, nós estaremos lá com vocês. Queremos trabalhar todos juntos”. E esse trabalho realmente funcionou muito. Agora, a Repam obviamente continuará esse serviço com a base, com pessoas do território, com a Igreja, testemunhando uma Igreja que está com as pessoas e não simplesmente em casa, evangelizando e organizando a comunidade de longe.

Sobre a Repam, assista ao vídeo, abaixo, em inglês, em espanhol e português.
Clique sobre a imagem:


E a participação do Papa com vocês, na plenária, na Sala do Sínodo?

Dom Cláudio Hummes: Foi uma coisa extraordinária! Todos estavam muito contentes, todas as pessoas, especialmente as pessoas que vieram do Brasil, da Amazônia, que nunca tiveram a oportunidade de ver o Papa. É claro que elas o tinham visto na televisão, mas estar lá, com o Papa, que esteve entre nós com uma simplicidade enorme, junto, próximo, se deixando fotografar e que dá força às pessoas, dá esperança às pessoas, sorri, abraça, isso foi algo absolutamente extraordinário. As pessoas estavam muito, muito, muito felizes com isso.

Um pensamento para os muitos operadores da comunicação que foram, de todas as partes do mundo, a Roma para o Sínodo.

Dom Cláudio Hummes: Nós agradecemos muito a todos os comunicadores, porque, sem isso, hoje, não se faz mais nada, a voz não sai para fora da porta. É importante, e hoje a comunicação tem uma tecnologia fantástica, que é um grande progresso, obviamente. Depois, há problemas, mas o progresso é muito maior do que os problemas que ele envolve. Então, nós realmente agradecemos muito pelo trabalho que eles fizeram e continuam fazendo, tentando também manter no centro os grandes problemas, não alguns problemas – que também são importantes – como, por exemplo, o dos ministérios. Mas os grandes problemas são realmente a questão do planeta, a questão dos indígenas, a questão do território, a questão de um sistema global hoje muito predatório que realmente deve ser revisto: como enfrentar a grande crise, grave e urgente, que o planeta está sofrendo? E a Igreja quer estar entre aqueles que levam a sério esse problema, com muita responsabilidade.

Tradução do italiano por Moisés Sbardelotto.

* Para saber mais sobre a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), clique aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 31 de outubro de 2019 – Internet: clique aqui.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Os frutos do Sínodo para a Amazônia

Pecado ecológico,
maior participação das mulheres e padres casados: Sínodo apresenta documento final

Edison Veiga

O relatório pede uma Igreja “com rosto indígena, camponês e afrodescendente”, “com rosto migrante”, “com rosto jovem”.
E enfatiza que a mesma deve ser “pobre, com e para os pobres”
ctv-yeb-papa1
PAPA FRANCISCO

Depois de três semanas de intensos debates na Cidade do Vaticano, os padres sinodais apresentaram neste sábado ao papa o relatório final do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia. Ao longo de 120 parágrafos, divididos em cinco capítulos, as propostas vão desde a conceituação do que é pecado ecológico até a maior participação das mulheres na liturgia católica. E, talvez o mais polêmico item, a proposta para que, em casos específicos e de acordo com a necessidade, homens casados possam ser ordenados padres, dispensados, portanto, do celibato.

Para ler, baixar e imprimir o
Documento Final do Sínodo para a Região Pan-amazônica,
clique aqui.

Esta proposta está no parágrafo 111 do documento. Os bispos lembram que muitas comunidades do território amazônico “têm enormes dificuldades de acesso à Eucaristia”, ficando meses ou até “vários anos” sem a presença de um sacerdote. Para diminuir este problema, os padres sinodais pedem ao papa que autorize a ordenação de sacerdotes em a exigência do celibato clerical - desde que, frisam, sejam “homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterado”. Estes padres, prossegue o texto, teriam “uma família legitimamente constituída e estável”.

Todos os parágrafos constantes do documento final precisaram ser aprovados, em assembleia realizada na tarde deste sábado, 26 de outubro, por pelo menos dois terços dos padres sinodais - aqueles participantes com direito a voto. No encontro final, estavam presentes 181 desses religiosos. De todos os itens, o 111 foi justamente o que teve menor índice de aprovação - foram 41 votos contrários. “São questões complexas. Fizemos avanços e o processo está em andamento. Precisamos refletir, ouvir, mas os processos estão indo adiante”, afirmou aos jornalistas o cardeal Michael Czerny, sub-secretário da Seção de Migrantes e Refugiados do Dicastério pelo Serviço de Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano e secretário especial do Sínodo.
PAPA FRANCISCO
Durante a Missa de encerramento do Sínodo para a Região Pan-amazônica
Domingo, 27 de outubro de 2019

Outro ponto explicitado no documento foi o pedido para que seja criado o “pecado ecológico”. De acordo com os bispos, o desrespeito à natureza deve ser visto como pecado porque seria uma afronta a Deus e uma agressão à sua criação. Essa ideia já estava presente, embora não de forma tão incisiva, na encíclica Laudato Si’, publicada pelo Papa Francisco em 2015.

“Nenhum católico pode viver em comunhão com a Igreja sem escutar o grito da Terra. (Desrespeitar a natureza) é um pecado, é um pecado ecológico”,
disse o bispo de Izirzada, no Peru, David Martinez de Aguirre Guinea.

A maior participação feminina em celebrações litúrgicas e em papeis dentro da Igreja foi abordado em cinco parágrafos do documento, sob o título “presenças e a vez da mulher”. “A sabedoria dos povos ancestrais afirma que a mãe terra tem um rosto feminino. No mundo indígena e ocidental, as mulheres são aquelas que trabalham em múltiplas facetas, na instrução dos filhos na transmissão da fé e do Evangelho, são testemunhas e presença responsável na promoção humana, por isso se pede que a voz das mulheres seja ouvida, que elas sejam consultadas e participem das decisões e, assim, possam contribuir com sua sensibilidade à sinodalidade eclesial”, diz o documento. O item 103 afirma que muitas consultas solicitam “o diaconato permanente para as mulheres”.

Na hierarquia da Igreja, o diácono é um grau abaixo do padre. Tem participação ativa na comunidade, mas não pode celebrar missas nem ouvir confissões, por exemplo. Dentre os parágrafos do documento final, é mais um com forte rejeição - teve 30 votos contrários, a segunda colocação por este critério.
PAPA FRANCISCO
Durante a Santa Missa de encerramento do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-amazônica

Trâmites

As discussões que constam do documento final do sínodo não significam necessariamente uma mudança nos horizontes da Igreja. Trata-se de um avanço no debate. Isto porque a ideia de um sínodo é justamente essa: o papa ouvir o que os bispos do mundo pensam sobre determinados assuntos. Assim, o relatório não tem viés executivo.

É praxe que, algum tempo depois de um sínodo, o papa redija e publique uma Exortação Apostólica, na qual ele pode acatar os pontos abordados pelos bispos e, na maioria dos casos, pedir mais estudos sobre os temas, delegando isso para órgãos competentes dentro do Vaticano. Segundo afirmou Paolo Ruffini, prefeito do Dicastério da Comunicação, Francisco “não garante” que vá fazer a exortação. “Ele lembrou que não é algo obrigatório, mas disse que vai tentar fazer, sim, até o fim deste ano”, comentou ele.

Como já se esperava, o documento apresentado tem forte apelo ambiental e cobra posturas inclusivas junto aos pobres, imigrantes e a todas as “periferias do mundo”. O relatório pede uma Igreja “com rosto indígena, camponês e afrodescendente”, “com rosto migrante”, "com rosto jovem”. E enfatiza que a mesma deve ser “pobre, com e para os pobres”.
VISÃO DO ALTO DA NAVE CENTRAL DA BASÍLICA DE SÃO PEDRO
Missa de encerramento do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-amazônica

“A Igreja é parte de uma solidariedade internacional, que deve favorecer e conhecer o papel central do bioma amazônico para o equilíbrio do clima do planeta; animar a comunidade internacional a dispor de novos recursos econômicos para sua proteção e a promoção de um modelo de desenvolvimento justo e solidário, com o protagonismo e a participação direta das comunidades locais e dos povos originários em todas as fases, desde planejamento até implementação”, diz o parágrafo 68. O documento também fala que a “depredação do território vem junto do derramamento de sangue inocente e da criminalização dos defensores da Amazônia”.

Durante o encontro com os jornalistas, cardeal Czerny enalteceu o papel dos cientistas e ambientalistas convidados a participar do sínodo. “Eles contribuíram para traduzir os sofrimentos do planeta. Ajudaram a que percebamos como as coisas estão graves”, afirmou. Ele lembrou dos recentes incêndios na Amazônia como algo que escancarou uma situação de difícil percepção, aos leigos, “apenas em gráficos e números”.

O mundo passa por uma grande mudança, a Amazônia está queimando, e um número cada vez maior de pessoas está se dando conta que não podemos continuar respondendo sempre da mesma forma aos problemas urgentes, esperando que os resultados sejam melhores”, prosseguiu Czerny. Chamando o momento atual de “crise ecológica”, ele frisou que é preciso proteger a Amazônia. “Ou as pessoas vão levar tudo o que tiver valor. E vão destruir tudo”, disse.

O cardeal citou as migrações e a globalização como algo que poderia se traduzir em “um mundo unido”. Entretanto, reconheceu que o cenário é de tensões cada vez maiores. “Precisamos e queremos aprender cada vez mais”, disse.

Questionado sobre se questões políticas atuais na América Latina não são um empecilho para a preservação ambiental o bispo peruano Aguirre Guinea disse que a resposta está no empenho e na participação política dos fiéis leigos. “Somos capazes de ver e atuar na política, seja em uma pequena comunidade, sejam nas mais altas esferas”, afirmou. “O tema da formação precisa estar presente, para que fiéis leigos possam ter influência sobre políticas de governo.”


Assista ao vídeo com a íntegra da Missa de encerramento do Sínodo,
clicando sobre a imagem abaixo:


Organismo

 No parágrafo 85, os bispos pedem a criação de um “observatório socioambiental pastoral, fortalecendo a luta em defesa da vida”. De certa forma, o papa parece ter uma solução semelhante em mente. O sumo pontífice afirmou que pretende criar um órgão dentro da Santa Sé dedicado exclusivamente aos cuidados com a Amazônia. O departamento deve ficar alocado dentro do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, sob o comando do cardeal Peter Turkson.

No encerramento do sínodo, Francisco afirmou que a região amazônica sofre “todo tipo de injustiça” e cobrou da Igreja maior sintonia com a juventude. “A consciência ecológica vai em frente e hoje nos denuncia um caminho de exploração compulsiva e corrupção. A Amazônia é um dos pontos mais importantes disso. Um símbolo, eu diria”, declarou Francisco.

Ele avaliou que a maior importância do Sínodo dos Bispos são os diagnósticos que foram feitos de questões culturais, ecológicas, sociais e pastorais da região amazônica. Dentro do conceito de ecologia integral, ele frisou que os problemas ambientais precisam ser vistos dentro de seus contextos sociais, “não só o que se explora selvagemente a criação, mas também as pessoas.
Pessoas com trajes e objetos que recordam a Amazônica participam da
Santa Missa de encerramento do Sínodo para a Região Pan-amazônica

Para Francisco, a ecologia não pode ser separada das questões sociais.

“Na Amazônia há todo tipo de injustiça, destruição de pessoas, 
exploração de pessoas,
em todos os níveis e destruição da identidade cultural”,
declarou Papa Francisco, no encerramento.

Ele lembrou sua encíclica Laudato Si’, publicada em 2015, como um marco para balizar o pensamento ecológico segundo as bases do catolicismo.

Para ler, baixar e imprimir a Encíclica Laudato Si’ de Papa Francisco,
clicar aqui.

Ele disse ainda que para lutar por questões ambientais a Igreja precisa mirar no exemplo dos jovens. Citou nominalmente a ativista sueca Greta Thunberg, empenhada em uma cruzada global para alertar sobre a atual crise climática. “Na manifestação dos jovens, como Greta e outros, eles levam um cartaz dizendo ‘o futuro é nosso’. Isso é a consciência do pedido ecológico”, declarou.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional – Domingo, 26 de outubro de 2019 – Internet: clique aqui.

Para onde vai o nosso mundo?

“Vivemos a primeira revolta planetária da história”

Entrevista com Jeremy Rifkin
Sociólogo norte-americano, um dos intelectuais mais influentes no mundo

Justo Barranco
La Vanguardia
25-10-2019

Chegou o momento, disse, de um gigantesco plano, 
como o New Deal de Roosevelt, que permita modernizar a
infraestrutura, da rede elétrica
aos edifícios e a produção de eletricidade,
para descarbonizar a sociedade e
criar milhões de empregos, por 30 anos
Resultado de imagem para Jeremy Rifkin"
JEREMY RIFKIN

Jeremy Rifkin (nascido em Denver, 1945) é um sociólogo que há décadas atua como futurólogo, como guia para as tendências mundiais. Assessor de governos em todo o mundo, é o autor de O fim dos empregos, que em 1995 abordava o desemprego pela automação, e de A Terceira Revolução Industrial e The Empathic Civilization, que trata da maneira como as novas tecnologias de comunicação convergem com as energias renováveis para criar uma sociedade na qual qualquer pessoa possa produzir sua energia, uma sociedade mais horizontal, participativa e empática.

Lá atrás, já alertava que talvez a mudança climática fosse um grave obstáculo e não errou. Agora, publica The Green New Deal [= O Novo Acordo Verde, tradução livre], sobre o qual falou ontem na Fundação Rafael del Pino, em Madri.
Resultado de imagem para Jeremy Rifkin - The Green New Deal"
Tradução do título e subtítulo do livro:
"O Novo Acordo Verde:
Por que a civilização dos combustíveis fósseis entrará
em colapso em torno de 2028,
e o audaz plano econômico para
salvar a vida na Terra"

Eis a entrevista.

Vivemos em um mundo em que as taxas de juros são negativas, há uma grande agitação social, o clima se torna violento e o populismo cresce. O que acontece?

Jeremy Rifkin: Após dois séculos de Revolução Industrial baseada em combustíveis fósseis, estamos vendo o colapso dessa civilização.

Afirma que até 2028 o regime fóssil desmoronará.

Jeremy Rifkin: Este ano, o custo da produção elétrica e solar com as mais recentes tecnologias já caiu abaixo de qualquer outra energia. O Citygroup disse, há cinco anos, que poderá haver 100 bilhões [de dólares] em ativos fósseis obsoletos, bolsas de petróleo que não serão extraídos, oleodutos que não serão usados. Não houve uma bolha como esta. E agora que bilhões de investimentos em energia fóssil escapam, é hora de um Green New Deal [= Novo Acordo Verde, em tradução livre] global. Não precisamos de novos impostos para criar as novas infraestruturas para chegar a zero carbono, apenas estabelecer bancos verdes em cada país e região alimentados pelo dinheiro dos fundos de pensões e soberanos, interessados em retornos estáveis a longo prazo.

Será a transição para a terceira revolução industrial e disse que gerará uma sociedade nova.

Jeremy Rifkin: A primeira revolução industrial foi centralizada. As energias extrativas eram muito caras e grandes empresas verticalmente integradas tiveram que ser criadas. Isso levou aos mercados dos Estados-nação. A segunda nos levou à globalização. Hoje, com integração vertical, temos 500 empresas que possuem um terço do PIB mundial, com apenas 67 milhões de empregados do total de 3,5 bilhões. A terceira revolução industrial unirá as tecnologias de comunicação a milhões de pessoas que produzem sua energia solar ou eólica e a compartilham através de um sistema elétrico digital. E isso convergirá com a nova mobilidade, veículos elétricos, autônomos. Mudará a civilização: a da primeira revolução foi urbana, a da segunda, suburbana, agora são nós, sua infraestrutura está desenhada em rede.

E o capitalismo?

Jeremy Rifkin: Com a revolução digital, o custo marginal de muitos produtos, o custo de produzir uma unidade a mais, é quase zero, e isso faz pouco sentido para o capitalismo. Movemo-nos dos mercados às redes. Dos vendedores e compradores, aos provedores e usuários. Da propriedade ao acesso. E de transações a fluxos. Surge a economia compartilhada, na qual as pessoas compartilham notícias, entretenimento, cursos, e esse é um novo sistema econômico.

Além disso, deixamos para trás a era do progresso e passamos à da resiliência frente a uma natureza mais violenta. Tudo muda e precisamos entender as implicações para estes jovens nativos digitais manifestando nas ruas de 130 países. É a primeira revolta planetária da história. A primeira vez que uma geração se vê como uma única espécie e se simpatiza com o outro, se vê como uma família em perigo. Uma imensa transição. Agora, devem entender como arregaçar as mangas, voltar para suas comunidades e repensar a educação, a economia...
Edição espanhola da nova obra de
Jeremy Rifkin
A edição brasileira, ainda, não tem
previsão de publicação

Também, explica, passamos da globalização para a glocalização.

Jeremy Rifkin: Com a globalização, metade da humanidade está muito melhor que nossos ancestrais, mas às custas do uso de um planeta e meio, e só temos um. Agora, caminhamos para a glocalização com uma infraestrutura mais ágil que faz com cada região seja relativamente autossuficiente, mas que deve se conectar para compartilhar a energia, o comércio, a mobilidade. Cada região do mundo está se glocalizando, não apenas a Escócia e a Catalunha, porque a tecnologia é muito barata. Mesmo assim, os Estados-nação têm função: a regulamentação, os padrões que permitam a conexão. É um sistema em rede. Se você se isola, perde. Somos interdependentes na família global.

O que acontecerá com o trabalho?

Jeremy Rifkin: A infraestrutura da terceira revolução industrial não será construída por robôs, nem pela inteligência artificial. Não cavam trincheiras para cabos de banda larga, nem tornarão os edifícios eficientes, nem transformarão a rede elétrica. São necessárias milhões de pessoas. Paralelamente, é preciso preparar as pessoas para o que virá depois: um mundo governado por algoritmos criando bens e serviços. Mas, os algoritmos se baseiam no passado e dificilmente enfrentarão as mudanças climáticas. É necessário um entendimento pragmático, olhar o efeito e ver como se adaptar continuamente. Nisso está a resiliência. Haverá trabalhos para construir resiliência e enfrentar os problemas climáticos, de saúde pública, a seca, o calor, porque o clima mudará. Já existem milhões de pessoas morrendo e migrando.

Acabaremos em distopia?

Jeremy Rifkin: As grandes transições de infraestrutura na história ampliam a consciência empática. Hoje, os jovens são globais porque a infraestrutura permite. Isso sim, não sei qual será sua resistência, têm menos concentração e estão acostumados à gratificação instantânea e a nova era da resiliência é o oposto. É necessária:
* uma maneira sistêmica de entender o mundo e suas complexidades e ser resiliente,
* viver com contradições,
* ser corajoso e
* fazer coisas hoje e entender como afetarão o futuro.

Isso precisa de uma transformação. Temos que repensar a educação. Espero que os jovens sejam capazes de manter o protesto, trazer mais pessoas, retornar às suas comunidades e mudar as coisas. Podemos conseguir a mudança de infraestruturas, há bilhões de dinheiro esperando, mas devemos ter isso todos os dias como objetivo. É um novo começo, não pode haver outras prioridades, nem pedir aos jovens que sejam realistas quando enfrentamos a extinção.

Traduzido do espanhol pelo Cepat. Acesse a versão original desta entrevista, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 30 de outubro de 2019 – Internet: clique aqui.