Brasil, um país cada vez mais desigual

Desigualdade entre ricos e pobres é a mais alta registrada no Brasil

Deutsche Welle

Em 2018, rendimento da fatia mais rica da população subiu 8,4%,
enquanto os mais pobres sofreram uma redução de 3,2%.
Brasileiros que estão no 1% mais rico ganharam 33,8 vezes mais que
o total dos 50% mais pobres
Rio de Janeiro Armernviertel Favelas
A foto mostra bem o contraste escandaloso que é a distribuição de renda
no Brasil - o fosso entre ricos e pobres é notável a olho nu!

O rendimento médio mensal real do 1% da fatia mais rica da população brasileira atingiu em 2018 o equivalente a 33,8 vezes o ganho obtido pelos 50% mais pobres do país, segundo dados divulgados pelo IBGE nesta quarta-feira (16/10).

Segundo o instituto, os números mostram que a desigualdade de renda no país alcançou patamar recorde dentro da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC), iniciada em 2012.

O 1% da população mais rica – grupo que reúne apenas 2,1 milhões de cidadãos – teve rendimento médio mensal de 27.744 reais, enquanto os 50% mais pobresmais de 100 milhõessó ganharam 820 reais por mês.

Os números da pesquisa indicam que os pobres ficaram mais pobres e os ricos, mais ricos. Os 30% mais pobres do país, cerca de 60 milhões, tiveram seu rendimento médio mensal reduzido, em alguns casos em até 3,2%. Os 5% mais pobres – cerca de 10 milhões –, por exemplo, tiveram ganhos mensais de apenas 153 reais em 2018, contra 158 reais em 2017. Já o 1% mais rico viu seu rendimento aumentar 8,4%, de 25.593 para 27.744 reais, entre 2017 e 2018.

O PNADC informa que o rendimento médio mensal real domiciliar per capita, que foi de 264,9 bilhões reais em 2017, alcançou 277,7 bilhões de reais em 2018. Os 10% da população com os menores rendimentos detinham 0,8% da massa, enquanto os 10% com os maiores rendimentos concentravam 43,1%.

De acordo com o IBGE, com base na série histórica, esse aumento da desigualdade coincidiu com uma diminuição do número de domicílios que contam com bolsa família: se em 2012 eram 15,9% em todo o país, em 2018 a proporção caiu para 13,7%.

O IBGE aponta ainda que o aumento da desigualdade em 2018 tem relação com a crise do mercado de trabalho: em 2018, 35,42 milhões de pessoas estavam no mercado informal, um recorde da série histórica do IBGE. Os novos dados revelam que o índice Gini – que mede a desigualdade numa escala de zero (igualdade) a um (grau máximo de desigualdade) – aumentou em todas as regiões brasileiras, chegando a 0,509, o maior índice desde 2012.

Segundo o IBGE, entre 2012 e 2015 houve uma tendência de redução do índice Gini do rendimento domiciliar per capita (de 0,540 para 0,524), mas ela foi revertida a partir de 2016, quando aumentou para 0,537, chegando a 0,545 em 2018.

A pesquisa enfatiza os contrastes regionais no país: o Sudeste, que concentra 40% da população nacional, apresenta uma massa de rendimentos de 143,7 bilhões de reais, maior do que todas as demais regiões somadas.

As regiões Norte e Nordeste apresentaram os menores valores de rendimento médio mensal real domiciliar per capita: 886 e 815 reais, respectivamente, enquanto o Sudeste registrou 1.639 reais, pouco mais do que o do dobro do Nordeste.

O índice Gini também apontou contrastes regionais. No Norte, chegou a 0,551, seguido pelo Nordeste, 0,545, e Sudeste, 0,533. No Centro-Oeste, o resultado foi de 0,513. O menor valor foi registrado no Sul: 0,473. O estado com maior desigualdade foi o Sergipe, com 0,575. A menor disparidade entre ricos e pobres, 0,417, foi registrada em Santa Catarina.

Fonte: Deutsche Welle – Brasil – Quarta-feira, 16 de outubro de 2019 – Internet: clique aqui.

Uma das soluções...

Por que não fazer ajuste fiscal pelo
lado da receita?

Róber Iturriet Avila &  João Santos Conceição

“Maior progressividade no imposto sobre herança,
aumento da alíquota máxima do imposto de renda,
imposto sobre grandes fortunas, volta da tributação de dividendos,
revisão de deduções em educação e saúde trariam
cerca de R$ 324 bilhões de arrecadação”
Resultado de imagem para só pobre paga imposto no Brasil
No Brasil o pobre paga, em proporção, muito mais imposto que o rico!
Mas há saída para isso, é o que mostra este artigo.

A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) divulgada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que:
* 36,3% dos orçamentos familiares são gastos em habitação,
* 18,1% em transporte e
* 17,5% em alimentação.
A POF ainda mostra que quase 25% da renda dos mais pobres vem de aposentadorias e programas sociais. Fator que retrata o quadro brasileiro, em que a redução de desigualdade de renda está mais atrelada aos benefícios previdenciários e aos gastos em saúde e educação que aos impostos diretos.

Os brasileiros que figuram entre os 10% mais pobres gastam 32% dos seus rendimentos em tributos, sendo que 28 pontos percentuais desses tributos pagos são por impostos indiretos. De outro lado, a transferência de renda não impacta apenas a distribuição de renda, mas também a atividade econômica, haja vista que a propensão a consumir dos mais pobres é maior. A cada R$ 1.000,00 transferidos dos mais ricos para os mais pobres, a variável consumo das famílias aumentaria R$ 730,00.

O sistema tributário regressivo, portanto, não é prejudicial apenas para as classes baixas e médias, mas, inclusive, para a própria atividade econômica.

Ao tributar a produção e o comércio,
em detrimento dos rendimentos e do patrimônio,
aumenta-se o custo dos bens e serviços,
prejudicando o sistema produtivo como um todo.

A arrecadação brasileira de impostos diretos é inferior à média dos dezoito países da América Latina. A fatia de tributos oriundos de renda, lucro e ganhos do capital de 2016 foi superior apenas ao Paraguai e a Costa Rica. Ficamos atrás de alguns países da África e da Ásia. As alíquotas máximas do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) brasileiras explicam esse quadro: 27,5%, desde de 1997, uma das menores mesmo entre países em desenvolvimento. Na comparação com a América Latina, a alíquota máxima desse tributo é menor do que a de Chile, Argentina, Equador, México, Venezuela, Colômbia, El Salvador, Nicarágua, Peru e Uruguai.
Este gráfico mostra bem que a tributação, no Brasil, não incide sobre os ganhos
reais das pessoas e empresas, mas sobre salários, bens e serviços

O segundo fator que faz reduzir a alíquota do IRPF é a isenção dos dividendos, uma verdadeira jabuticaba tributária brasileira. Vale sempre repetir que, entre os 34 países que integram a OCDE, apenas a Estônia e a República Eslovaca isentavam os dividendos na pessoa física. A isenção em 1996 no Brasil tinha como objetivo amenizar os efeitos da dupla tributação de lucros e dividendos na pessoa física, o que supostamente atrairia fluxos de capitais e incentivaria investimentos no País (trickle-down), ideia já ultrapassada mesmo nas hostes do liberalismo de fronteira.

Do ponto de vista jurídico, não se tratava de bitributação, os sujeitos passíveis a cobrança do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e do Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) cobrado sobre os dividendos são diferentes. No primeiro caso, as pessoas jurídicas e, no segundo, as pessoas físicas.

A válvula de escape dos que mais ganham!

A isenção dos dividendos acaba reduzindo ainda mais a alíquota, que tem por fundamento a maior contribuição das pessoas mais ricas, a qual serve também para redistribuir a renda por meio de serviços públicos. A isenção possibilita que profissionais liberais que constituem microempresas, a fim de receber um tratamento tributário menos oneroso daquele que seria dado, caso os seus rendimentos fossem contabilizados como oriundos do trabalho (como é mostrado no gráfico abaixo). Os dados mostram que os microempreendedores, profissionais liberais e autônomos somaram 7,2 milhões de declarantes, enquanto os empregados do setor privado chegaram a 8,2 milhões.
 
O terceiro fator que colabora para a redução da alíquota são os abatimentos com despesas privadas. As despesas médicas foram de R$ 70,2 bilhões e as de educação chegaram a R$ 21,2 bilhões. Há algumas ocupações de servidores públicos do Estado brasileiro, que além de estarem entre as maiores médias de rendimento e de patrimônio líquido, foram também as ocupações que mais abateram despesas no IRPF. O valor das deduções dos procuradores e promotores do Ministério Público e dos membros do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas chegaram a R$ 760 milhões. A fundamentação do IRPF é redistribuir renda através de serviços públicos e não subsidiar serviços privados e individuais.
 
Imposto sobre heranças e doações

Em relação ao conjunto de tributos incidentes no patrimônio, o imposto sobre heranças e doações é totalmente desalinhado internacionalmente. A baixa alíquota de 8%, fixada durante o governo de Fernando Collor, contribui apenas 0,4% do total da arrecadação tributária. Há outros impostos que também contribuem para a baixa participação dos impostos sobre patrimônio na arrecadação. O Brasil é um país extenso territorialmente e conformado por vastas áreas rurais, mas os dados da Receita Federal do Brasil apontam uma participação do Imposto Territorial Rural (ITR) de 0,1% na arrecadação tributária.

Não há regulamentação para o Imposto sobre Grandes Fortunas

Outra questão é a falta de regulamentação pelo Congresso Nacional do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) previsto na Constituição do País desde 1988. O estudo de Antônio Freitas sinaliza que um terço dos próprios legisladores sofreriam incidência do imposto, caso houvesse IGF a partir de R$ 3 milhões.

De acordo com as declarações do IRPF do ano de 2016, 1.549 beneficiários receberam uma média de R$ 11,7 milhões de herança ou doação na forma de transferência patrimonial. Esses pagaram no máximo uma alíquota de 8%, sendo que apenas dez estados do Brasil chegam neste patamar de cobrança. Esses mesmos beneficiários declararam terem pago uma alíquota efetiva média de 0,4% no IRPF, possuindo um rendimento médio anual de R$ 21,5 milhões e um patrimônio líquido médio de R$ 67,2 milhões.
 
Quem são os maiores beneficiados?

Os maiores beneficiários de heranças e doações no Brasil são produtores na exploração agropecuária, presidentes e diretores de empresa industrial. Além de pagarem uma alíquota baixa na hora de receber a herança e doação, os primeiros são os mesmos que contribuem apenas para 0,1% no ITR, enquanto os segundos são os maiores beneficiários com a isenção de dividendos.

Brasil, um país com alta concentração patrimonial

Os recebimentos de heranças e doações revelam duas implicações para a desigualdade. A primeira é pagar baixas alíquotas no momento de receber os bens e diretos. A segunda é possuírem alto percentual isento de tributação, contribuindo proporcionalmente menos no IRPF. A combinação desses fatores sedimenta a alta concentração patrimonial no Brasil, visto a influência que as heranças e as doações exercem sobre gerações futuras e sobre as rendas ao longo da vida.

Quanto o país perde por não taxar corretamente os mais ricos

Freitas estimou que se a alíquota efetiva média do imposto sobre herança e doação no Brasil (3,7%) se igualasse à dos Estados Unidos (29%), por exemplo, a arrecadação adicional poderia chegar a R$ 31,9 bilhões anuais, passando muito dos R$ 7,3 bilhões arrecadados em 2016. Freitas também estimou alíquotas efetivas de 0,3% a 2% de IGF para o Brasil. A arrecadação seria de R$ 40,7 bilhões.

As estimativas de Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair de tributação de dividendos nos mesmos moldes vigentes até 1995 – com alíquota linear de 15% – trariam aos cofres públicos R$ 53 bilhões. Se a tributação fosse progressiva, com as mesmas alíquotas do IRPF, a arrecadação chegaria a R$ 70 bilhões. Gobetti e Orair efetuaram estimativa de arrecadação com alíquota máxima no IRPF de 35%, como era em países como Argentina, Equador, México e Turquia em 2016. A mudança na alíquota traria um aumento de arrecadação de pelo menos R$ 90 bilhões.

Não é preciso aumentar a carga tributária, mas aplicar as medidas abaixo:

Todos os casos acima elencados denotam que há sim vasto espaço para ajustar as contas pelas receitas sem aumentar a carga tributária.
1) A maior progressividade no imposto sobre herança e doações,
2) aumento da alíquota máxima do IRPF,
3) instituição do imposto sobre grandes fortunas,
4) retorno da tributação de dividendos,
5) a revisão de deduções em educação e saúde no IRPF...
... trariam aproximadamente R$ 324 bilhões de arrecadação. Com efeitos distributivos, sociais e também econômicos, haja vista que a redistribuição de renda teria efeito no consumo e, portanto, no crescimento econômico.

A tese de menos tributação sobre o capital em prol de mais investimentos não encontra respaldo empírico consistente.

Esses modelos e os teoremas que se popularizaram a partir de 1980, têm sido questionados, inclusive, por aqueles que deram sustentação às proposições de menor progressividade tributária, como é o caso de Anthony Atkinson, Joseph Stiglitz e James Mirrlees. O comportamento do investimento privado, no Brasil, tem sido mais de complementariedade do investimento público. A série de medidas adotadas a partir dos anos 90 não aumentaram o investimento privado, entretanto, parecem colaborar para a desigualdade de rendimentos e de patrimônio.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 17 de outubro de 2019 – Internet: clique aqui.

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