Um balanço geral do Sínodo
Uma
avaliação da assembleia especial para a Amazônia: um processo sinodal que
continua
Entrevista especial com Dom Cláudio Hummes
Cardeal relator-geral do
Sínodo
Silvonei Protz
Vatican
News
29-10-2019
Foram necessários dois anos de trabalho para
chegar a realizar o
Sínodo dos Bispos dedicado à região
pan-amazônica.
E agora os frutos desse compromisso encontram
um ponto de chegada
com a publicação do documento final
MISSA DE CONCLUSÃO DO SÍNODO DOS BISPOS PARA A REGIÃO PAN-AMAZÔNICA Basília de São Pedro - Vaticano - Domingo, 27 de outubro de 2019 |
Eis a
entrevista.
No
seu discurso à 15ª Congregação Geral, o senhor falou de “um momento de
emergência ecológica” e convidou a Igreja a escutar o grito da Amazônia.
Dom
Cláudio Hummes: Acima de tudo, quero dizer que a realização deste
Sínodo foi realmente uma grande alegria. E o processo não termina com o Sínodo:
é um processo sinodal que agora começa realmente a ser realizado. Quero
dizer com isso que o pós-Sínodo é igualmente importante nesse processo: a
aplicação do Sínodo. É claro que o Sínodo é um ponto alto, é o ponto alto
que ilumina os caminhos. Mas todo o processo continua agora, continuará também
na aplicação pós-sinodal, localmente e em todos os lugares onde houver uma
conexão. É um processo que continuará. Voltaremos ao nosso território e lá
realmente recomeçaremos a trabalhar.
É verdade
que se deve entender esse Sínodo dentro do momento de grande risco que o
planeta Terra corre: nós sabemos, tanto por meio da Laudato Si’,
quanto por meio da COP-21 de Paris, que ocorreu alguns meses após a
publicação de Laudato Si’, que estamos em uma situação de crise
climática e ecológica grave e urgente. Grave, porque realmente está em
risco o futuro do planeta e, portanto, também o futuro da humanidade. Isso
não é dito de forma apocalíptica, de grande alarme: é dito na serenidade da
ciência. A ciência nos diz serenamente: “É assim”, e devemos tomar medidas para
que essa crise seja vencida. Então, façamos isso, porque ainda temos tempo para
fazê-lo. É verdade que o tempo está cada vez mais curto, mas há tempo e podemos
fazer isso e queremos fazê-lo. Queremos unir. A Igreja também quer ser uma
voz que une as forças da humanidade, não fazendo parte daquela que sabe
tudo, mas a Igreja também quer apresentar uma luz ao mundo. E nós sabemos que
essa luz é importante. Mas, no mundo, também existem muitas outras luzes, para
que, juntos, possamos fazer esse trabalho de vencer essa crise.
E, nessa
grande crise, grave e urgente, também em Paris se disse com muita razão que
mais tarde será tarde demais, e isso significa “agora”. Não no sentido
alarmista ou apocalíptico, mas sim no sentido de suscitar o trabalho
imediato das nações e de toda a humanidade para salvar o planeta. Nessa
grande crise do planeta – todos sabem disso, e os cientistas também nos dizem
isso – a Amazônia tem um papel fundamental,
decisivo, porque, se perdermos a Amazônia, o planeta corre riscos muito graves,
irrecuperáveis, e seria verdadeiramente um desastre para toda a humanidade
e para a nossa história. É dentro desse contexto que se pode compreender melhor
a importância histórica desse Sínodo: ele tem uma importância
verdadeiramente histórica. E, a esse respeito, é preciso ver e ler esse
documento como um documento que se situa nessa grande crise.
DOM CLÁUDIO HUMMES Mostra a estola que estava usando durante a celebração da Missa nas Catacumbas de Santa Domitila, durante a qual foi assinado um novo "Pacto das Catacumbas" Roma, 20 de outubro de 2019 |
Então,
que chave de leitura podemos oferecer sobre esse documento final?
Dom
Cláudio Hummes: O documento, é preciso dizer isto imediatamente, não
se pode lê-lo como um livro ou como um texto de um autor, porque um autor
também faz literatura e também faz uma sequência muito mais conectada, muito
mais lógica. Este é um texto feito a muitas mãos. São muitas as mãos que
colaboraram na redação desse texto, porque foi uma assembleia. E essa também é
a riqueza do texto: isso não o empobrece, não, é a sua riqueza, propriamente.
Mesmo que a leitura do texto seja diferente do que a leitura do texto de um
livro, que tem mais literatura, até mais conexão, isso significa que devemos
olhar, acima de tudo, para os conteúdos, mais do que para a sequência.
Obviamente, há uma sequência e uma lógica, mas não a mesma que se teria se
fosse fruto de um único autor. Devemos olhar, acima de tudo, para os conteúdos:
são os conteúdos que são importantes.
Além disso,
sabe-se que hoje a maioria não lê mais um livro, um livro inteiro ou um
grande documento. As pessoas vão lá ver aquelas partes do livro ou do
documento que lhes interessam e, talvez, depois, se interessarão em algum outro
ponto. Então, sabemos que ele será lido assim. Certamente, o mundo acadêmico
irá lê-lo de outra maneira, mas, na pastoral das pessoas, das comunidades,
todos nós o leremos pelos seus conteúdos, e estes sempre são lidos apenas em
parte. Isso deve ficar muito claro. É preciso ver há grandes temas que são
centrais, e outros temas que também são importantes, mas não centrais. Por
exemplo, os grandes temas centrais são:
1º) acima de
tudo, os povos originários, indígenas –
o Papa sempre diz isso – porque eles correm um risco como nunca antes, um risco
de verdade para a sua sobrevivência.
Os povos
originários, indígenas, veem como vão as coisas: eles não têm futuro. E é
terrível não ter futuro. Sabemos que isso também vale hoje para a crise
ecológica. Sempre se diz com razão: “Vocês que são pais, vocês que são avós,
vocês que têm filhos e netos, olhem nos olhos dos seus filhos: qual é o futuro
que vocês desejam para eles? Que o futuro deles seja não ter futuro. Isso
significa que todos nós devemos nos sentir interpelados: vocês que têm
filhos, vocês que têm netos, todos nós que temos essa juventude, essa infância
que nos olha e nos interpela, dizendo: ‘O futuro que vocês prepararam é não ter
futuro!’”. E os indígenas também dizem isso com muita força: nós também, do
modo como vão as coisas atualmente, não teremos futuro. E isso não está certo,
isso é absolutamente inaceitável. Por isso, esse é o tema central, a questão
dos indígenas.
2º)
Mas também se enquadra no tema central todo o
restante da população, incluindo a urbana, entre os quais também há muitos indígenas,
até mesmo nas cidades com situações muito difíceis: é muito difícil a situação
dos indígenas nas cidades. Sim, alguns também conseguem progredir nas cidades,
porque também temos indígenas engenheiros, que fizeram a universidade, que
exercem profissões como qualquer outra pessoa das nossas sociedades ocidentais.
Mas a grande maioria deles não consegue sobreviver de verdade nas cidades, com
dignidade. Então, as cidades também estão envolvidas e são interpeladas.
3º) Além
disso, todos juntos, há a questão do território,
porque o território também está ameaçado, como eu dizia, por causa da crise
climática, por causa da crise ecológica: lá, tudo está degradado, espoliado,
cada vez menos em condição de poder continuar produzindo. Por quê? Acima de
tudo, porque as grandes florestas – sabemos disto hoje, a ciência também diz
isto – darão muito mais riquezas, obviamente em um período menos curto, mas
darão mais riquezas do que uma floresta que tenha sido derrubada: uma
floresta de pé é melhor, dará muitos mais recursos também para os países que as
possuem e para o mundo.
4º) Por isso, nós
devemos realmente lutar para que sejam preservadas, porque, com as
florestas, preservam-se também as águas: as águas,
que são outro tema muito forte, a questão das águas contaminadas... Lá
está grande parte da água doce, a água potável do mundo está lá! O ciclo das
águas também é muito importante. Sem esse ciclo das águas, se ele for
afetado, mesmo as regiões que hoje não fazem parte da Amazônia não terão mais
futuro no que diz respeito à agricultura, e assim por diante. Esses são os
grandes problemas centrais.
5º) Outro
problema central – porque é a Igreja que fala e a Igreja fala da sua missão
dentro desse contexto – é como a Igreja pode realizar
melhor a sua missão na Amazônia. Então, estando com as pessoas, para que
elas tenham melhores condições do que as atuais. Existem novos caminhos que
devem ser decididos e depois também realizados. Sabemos que será um processo
longo, mas é preciso saber em que direção se deve construir esse processo. Por
isso, é muito importante que nós digamos: “Nesta direção e não naquela outra” e
indiquemos as condições. Também entra nisso a questão dos ministérios,
que não é o tema central do Sínodo. Não, o Sínodo não é sobre os ministérios na
Igreja. Mas isso também era importante, para que a Igreja possa estar
verdadeiramente junto com as pessoas e permitir que a sua dignidade e os seus
direitos, também dentro da Igreja, sejam cada vez mais acolhidos e promovidos.
Nesse sentido, falou-se dos ministérios.
SALA SINODAL Durante a realização da 12ª Congregação Geral do Sínodo sobre a Amazônia Dia 17 de outubro de 2019 |
Esses
são dois temas que apareceram muito na mídia e também nos briefings: a questão
dos viri probati e do diaconato feminino.
Dom
Cláudio Hummes: Sim, e é por isso que eu digo que o Sínodo não foi um
Sínodo para discutir os ministérios: isso sempre ficou claro para nós, para o Papa
e para todos. Porém, muitas vezes, do lado de fora, as pessoas se fixaram
demais nessa questão. Obviamente, é uma questão importante, mas o Sínodo
não foi realizado para essa questão. No entanto, sabemos também que essa
questão é importante para a Amazônia, principalmente para os povos indígenas e,
por isso, isso também entrou.
Outro tema
muito forte, e isto já tem mais a ver com a região, é o reconhecimento do
trabalho das mulheres, das mulheres dentro do território, porque uma grande
parte, cerca de 70% das comunidades dentro da Amazônia, são dirigidas por
mulheres: elas são as dirigentes. E esse é um trabalho verdadeiramente
maravilhoso que nós devemos reconhecer, elogiar, apoiar em tudo o que seja
necessário. Elas dizem: “Não, não queremos que vocês digam ‘bom, bom’... não.
Vocês devem nos reconhecer, acima de tudo, e também dar um passo a mais,
dando-nos, como dirigentes, uma força maior, uma autoridade maior”. Nesse
sentido, elas pediram acima de tudo um ministério instituído de mulheres
dirigentes de comunidade. Não, não se falava de ministério ordenado, mas de
ministério instituído para as mulheres. E, com isso, eu acho que, também
no que diz respeito a outros aspectos de toda essa questão da mulher na Igreja,
houve uma abordagem que indica – penso eu – que também demos passos nesse
sentido, sim.
Tudo
isso foi entregue agora nas mãos do Santo Padre.
Dom
Cláudio Hummes: Sim, é claro, porque vai para as mãos do Santo Padre e
devemos esperar pelo que ele fará. Normalmente, ele faz um documento
pós-sinodal, e então devemos esperar um pouco para ver como o Papa dará
publicidade ou autoridade para tudo isso. De todos os modos, sempre, mesmo
quando o Papa faz o seu documento pós-sinodal, tudo que o Sínodo fez, decidiu e
indicou, continua sempre ajudando a entender também o que o Papa propõe no seu
documento. E nós estamos tranquilos, serenos, todos nós, e também terminamos
o trabalho com alegria e dizemos que, obviamente, estamos e continuaremos
tranquila e serenamente cum Petro et sub Petro, que significa “com o Papa
e sob a orientação do Papa”, porque é isso que a grande comunhão católica faz.
Pode
nos fazer uma pequena fotografia para quem não esteve dentro do Sínodo? O que
aconteceu nessas três semanas dentro do Sínodo?
Dom
Cláudio Hummes: O clima foi muito fraterno, embora também tenha havido
momentos de discussão, porque havia coisas importantes a serem discutidas.
Porém, sempre muito fraterno, um clima de muita oração, sempre muita oração, e
no fim tudo isso foi crescendo, porque, pouco a pouco, cada vez mais se
manifestou essa comunhão, mesmo que houvesse diferenças. Porque a comunhão
eclesial tem muito a ver com isso. Nós, repito, não somos um parlamento no
Sínodo. No Parlamento, há os partidos, e faz-se uma votação, cada um quer
ser o vencedor, e os outros são os vencidos. Não. O Sínodo não pode trabalhar
nesse espírito. O Sínodo não é um Parlamento. O Sínodo é a Igreja que está
unida, tem uma comunhão forte, mas que também respeita as diferenças. As
diferenças, menores ou maiores, não tiram de nós essa característica, essa realidade
de sermos uma comunhão. O Papa sempre diz que é necessário construir uma
comunhão, e não partidos; uma comunhão na qual todos se apoiam, mesmo que
tenham pequenas diferenças, mas se apoiam pelo grande bem que significa a
comunhão eclesial.
Nesses
dias do Sínodo, a Repam foi muito citada: o papel do Repam com o Sínodo. O
senhor é o presidente da Repam*.
Dom
Cláudio Hummes: Sim, a Repam [Rede Eclesial Pan-Amazônica] foi
fundada em 2014, quando Francisco já era o Papa, e realmente queria ser um
serviço que conectasse todas as dioceses, prelazias, missões e outras
instituições da Amazônia, da Grande Amazônia dos nove países. Um serviço de
conexão: e o fez. E realmente cresceu muito, porque muitas pessoas se uniram: hoje,
somos realmente uma multidão que trabalha como Repam, e isso significa que a
rede foi construída para colocar todos online. É um serviço: a Repam não
é uma instituição a mais. Nós dizemos que não somos uma instituição a mais
que tem o seu programa de trabalho. Não. Nós queremos ser um serviço que
conecta aquilo que existe, que dá uma unidade maior para que possam se somar as
vozes, as forças.
Porque
existe o grande problema do isolamento na Amazônia, as distâncias são muito
grandes, as florestas são grandes. Imagine uma prelazia, uma
diocese, um vicariato no meio da floresta: pouco a pouco, cria-se a consciência
de estar isolado. Eles se sentem sozinhos diante dos seus sonhos e diante
dos seus problemas, porque não têm os pressupostos para realizar os seus
sonhos e para combater os seus problemas. Por isso, às vezes, eles se sentem
muito sozinhos. E, então, a Repam significa: “Não, você não está
sozinho, vocês não estão sozinhos: nós estamos aqui. Façam ouvir a sua voz, nós
estaremos lá com vocês. Queremos trabalhar todos juntos”. E esse trabalho
realmente funcionou muito. Agora, a Repam obviamente continuará esse serviço
com a base, com pessoas do território, com a Igreja, testemunhando uma
Igreja que está com as pessoas e não simplesmente em casa, evangelizando e
organizando a comunidade de longe.
Sobre a Repam, assista ao vídeo, abaixo, em inglês, em espanhol e português.
Clique sobre a imagem:
E a
participação do Papa com vocês, na plenária, na Sala do Sínodo?
Dom
Cláudio Hummes: Foi uma coisa extraordinária! Todos estavam muito
contentes, todas as pessoas, especialmente as pessoas que vieram do Brasil, da
Amazônia, que nunca tiveram a oportunidade de ver o Papa. É claro que elas
o tinham visto na televisão, mas estar lá, com o Papa, que esteve entre nós com
uma simplicidade enorme, junto, próximo, se deixando fotografar e que dá força
às pessoas, dá esperança às pessoas, sorri, abraça, isso foi algo absolutamente
extraordinário. As pessoas estavam muito, muito, muito felizes com isso.
Um
pensamento para os muitos operadores da comunicação que foram, de todas as
partes do mundo, a Roma para o Sínodo.
Dom
Cláudio Hummes: Nós agradecemos muito a todos os comunicadores,
porque, sem isso, hoje, não se faz mais nada, a voz não sai para fora da porta.
É importante, e hoje a comunicação tem uma tecnologia fantástica, que é um
grande progresso, obviamente. Depois, há problemas, mas o progresso é muito
maior do que os problemas que ele envolve. Então, nós realmente agradecemos muito
pelo trabalho que eles fizeram e continuam fazendo, tentando também manter no
centro os grandes problemas, não alguns problemas – que também são importantes
– como, por exemplo, o dos ministérios. Mas os grandes problemas são
realmente a questão do planeta, a questão dos indígenas, a questão do
território, a questão de um sistema global hoje muito predatório que realmente
deve ser revisto: como enfrentar a grande crise, grave e urgente, que o planeta
está sofrendo? E a Igreja quer estar entre aqueles que levam a sério esse
problema, com muita responsabilidade.
Tradução
do italiano por Moisés Sbardelotto.
* Para saber mais sobre a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam),
clique aqui.
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