«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Sete chaves teológicas para o Sínodo da Amazônia

Victor Codina
Padre e Teólogo jesuíta espanhol
Religión Digital
29-09-2019

Um Sínodo, ao mesmo tempo:
singular,
importante e
conflitivo
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Trata-se de um Sínodo singular, importante e conflitivo:
a) Singular, porque aborda um tema universal – a ecologia integral – desde um lugar geográfico muito concreto.
b) Importante pela temática que sintetiza o magistério de Francisco (Evangelii Gaudium, Laudato Si’, Episcopalis Communio) e constitui como o ápice do seu pontificado.
c) Conflitivo porque é crítico a organismos financeiros, econômicos e políticos que exploram e destroem a Amazônia, e crítico também do poder do clericalismo eclesial.

Isso já está manifestado nas reações contrárias ao Sínodo e ao Instrumentum Laboris, da parte de organismos políticos e eclesiais. Se compreende que o Sínodo seja conflitivo e se compreende que se pretenda calá-lo, que muitos meios o querem reduzir ao tema de celibato eclesiástico que sempre produz morbidez.

Tampouco é casual que aumentem nesses meses acusações de abusos sexuais do clero como para que a Igreja, antes de denunciar a outros, se limpe ela mesma de toda imundícia. Se acusa o Instrumentum Laboris de herético, panteísta, apóstata, insensato, que nega a salvação de Jesus, que deseja que a sociedade volte à era das cavernas, arcos e flechas.

Acesse o Documento de Trabalho (Instrumentum Laboris)
do Sínodo da Amazônia para lê-lo, baixá-lo e imprimi-lo,
clicando aqui.

Para iluminar essa complexa situação, oferecemos sete chaves teológicas fundamentais, que se autoimplicam e se solapam mutuamente.

A vida é o tema central do Sínodo

O título do Sínodo, "Amazônia, novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral", pode gerar uma certa perplexidade ante a pluralidade de temas implicados. O tema central é a vida, “a vida do território amazônico e de seus povos, a vida da Igreja, a vida do planeta” (Instrumentum Laboris – IL – 8). E a vida é um tema profundamente bíblico: Deus Pai é o criador da vida, Jesus veio para nos dar vida em plenitude (João 10,10), o Espírito Santo é vivificador, Senhor e doador da vida.

O tema do Sínodo forma parte integrante da missão eclesial de todos os tempos, prolongar a missão de Jesus que passou pelo mundo fazendo o bem e libertando de toda ameaça de morte (Atos 10,38), que anuncia um Reino de vida, que envia os seus discípulos para dar vida e libertar do mal, que entrega amorosamente sua vida para que nós tenhamos vida, nos liberta do pecado e da morte, ele é a ressurreição e a vida (João 11,25) e tem as chaves do Reino da Morte (Apocalipse 1,18).

Essa vida é algo integral, inclui a vida do planeta, a vida humana material, cultural e espiritual dos povos amazônicos, a vida plena das comunidades eclesiais amazônicas, é a vida humana começando pelo mais elementar e material (bios) e é a vida plena, salvífica, divina que nos comunica o Espírito do Senhor ressuscitado (zoe) (IL 11). Corresponde à Igreja anunciar e defender a vida e denunciar e lutar contra todas as ameaças de morte.

Tão unilateral e tendencioso é reduzir o Sínodo às mudanças climáticas, concentrando-o apenas no manejo de homens indígenas casados, enquanto silencia a dimensão ecológica integral.
Vida integral 
Metodologia do ver e escutar

A metodologia do Sínodo não é a de Lumen Gentium a partir da Trindade (LG 1-4), mas sim da Gaudium et Spes, que parte da realidade (GS 1-10). É a metodologia que tem sua origem nos movimentos da juventude operária católica europeia (JOC) e que a América Latina assumiu a partir de Medellín até Aparecida (exceto em Santo Domingo): ver, julgar e agir. Francisco também nos adverte que a realidade é mais importante que a ideia (EG 231-233).

Porém, a novidade do Sínodo consiste em que ao ver, se adiciona o escutar, superando assim o risco de cair em uma frieza sociológica, objetiva e distante. Escutar implica passar de ser mero agente a ser receptor e paciente, deixar-se impactar pela realidade humana, pelo clamor do povo, como Javé diante do clamor do povo que explodiu no Egito subindo até Deus (Ex 3,7-10), como Jesus, cujo coração é movido pelo sofrimento das pessoas que vivem como ovelhas sem pastor (Mc 6,34). Escutar é o estado de espírito necessário para julgar e agir com compaixão pela dor dos outros.

Essa atitude de escuta forma parte intrínseca da sinodalidade da Igreja, isto é, de uma Igreja em caminho conjunto que dialoga e escuta a todos, que sabe que o Espírito do Senhor foi derramado sobre toda a humanidade e que o Povo de Deus o recebeu pelos sacramentos de iniciação e que lhe confere o sentido profundo da fé (LG 12). Essa doutrina tradicional foi aprofundada por Francisco em Episcopalis Communio precisamente para que os Sínodos episcopais sejam um momento de escuta e discernimento do povo de Deus. E Francisco, em Puerto Maldonado (Peru), preferiu escutar o indígenas antes de lhes dirigir a palavra.

Acrescentamos que no caso da Amazônia não somente se trata de escutar o povo, mas sim de escutar um povo pobre, que faz parte daqueles privilegiados bíblicos aos quais foram revelados os mistérios do Reino de Deus (Lc 10,21-22).

Esse desejo de escutar se concretizou em uma ampla consulta da REPAM aos povos amazônicos para conhecer suas inquietudes, problemas e esperanças: 65 mil pessoas participaram em processos de consulta, preparação e escuta, junto com 90% dos bispos e vigários apostólicos amazônicos.
Escucha 
Atitude profética ante a vida ameaçada

A leitura das contribuições das comunidades indígenas revela um constante clamor: destruição extrativista do território amazônico por
* empresas petroleiras e mineradoras,
* madeireiras,
* megaprojetos hidráulicos,
* concessões florestais,
* monoculturas,
* agrotóxicos,
* rodovias e ferrovias, que destroem o território,
* caça e pesca predatória, etc.
que expulsam os indígenas para cidades e ribeiras, contaminam a terra e a água, destroem a biodiversidade, produzem doenças a crianças e jovens, geram problemas sociais associados ao alcoolismo, violência contra a mulher, trabalho sexual, tráfico de pessoas, criminalização e assassinato de líderes defensores do território. A vida está ameaçada por estruturas de morte, fruto do paradigma tecnocrático e do afã do lucro de grupos financeiros, econômicos e políticos.

Não é que somente se sintam ameaçados em seu território, mas também em sua identidade humana, cultural e espiritual, pois a terra não é um lugar ou um objeto, mas sujeito, a Mãe-Terra, a qual as multinacionais cortam as veias e fazem sangrar. Nunca o povo amazônico esteve tão ameaçado como agora.

Frente a essa grave situação a Igreja não pode calar e precisa denunciar profeticamente essas injustiças que afetam a Amazônia e todo o planeta. Seu silêncio seria cúmplice da morte, seria pecado de omissão.

O Sínodo exige uma conversão ecológica como Francisco já reivindicava na Laudato Si’ (LS 216-221). No entanto, o Sínodo não é agressivo e deveria ser visto de forma positiva, como um chamado ao diálogo e à conversão ecológica de todas as partes implicadas, como uma ajuda a superar dificuldades e buscar uma nova ordem mundial, para cuidar do planeta Terra, unir a todos que desejam preservar nossa Casa Comum, assumir com esperança um futuro melhor, uma ecologia integral.
Conversión ecológica 
Eclesiologia da Igreja local: Uma Igreja amazônica

A Igreja nascida em Jerusalém é uma igreja local e universal. Mais tarde, a Igreja universal se configura como uma comunhão das Igrejas locais sob a presidência da caridade do bispo de Roma. As Igrejas locais não são parte da Igreja universal, mas uma porção da Igreja universal, nas quais e a base das quais se constitui a Igreja Católica, una e única (LG 23). O Concílio Vaticano II reconhece o valor das Igrejas locais, com sua própria identidade cultural e histórica, sua diversidade litúrgica e canônica que enriquece a Igreja universal (LG 23, SC 37-40; 65, AG 22). A Igreja é um povo de Deus com muitas faces (EG 115.121).

O Sínodo deve ouvir a voz das comunidades cristãs da Amazônia que expressam um duplo aspecto na extensa pesquisa. Por um lado, agradecem os 500 anos de evangelização da Igreja missionária que fundou e formou as várias comunidades cristãs ao longo dos séculos, com grande sacrifício e generosidade de padres, missionários religiosos e religiosas. E ele pede que eles continuem ajudando-os com centros de treinamento e se defendendo contra as agressões atuais das multinacionais.

Mas, ao mesmo tempo, lamentam que ainda exista um sentido colonial e vertical da missão, pouco inculturado e dialógico, com uma pastoral mais de visita do que de presença estável. Solicita-se que os missionários conheçam a língua e a cultura do povo e tenham uma visão positiva das capacidades dos povos indígenas de liderar suas comunidades eclesiais nas várias formas de missão e ministérios, pois eles e elas são os que melhor conhecem sua gente e sabem como acompanhá-los e direcioná-los. Uma Igreja local madura deve ter seus próprios ministros nativos.

Daí a necessidade e legitimidade de falar de uma Igreja com rosto amazônico, uma Igreja que responda às necessidades e preocupações dos povos amazônicos, buscando a melhor maneira de defender sua vida e anunciar o Evangelho da salvação de maneira inculturada, em diálogo com sua cultura, espiritualidade e identidade histórica, uma identidade que ultrapassa as diferentes fronteiras políticas geográficas dos povos. Uma igreja de rosto amazônico é samaritana, profética, nazarena, missionária, defensora da vida em todas as suas dimensões, que hoje busca novos caminhos de evangelização e inserção pastoral (IL 107-114).

O Sínodo terá que realizar esses novos caminhos. Um deles poderia ser a constituição da Conferência Episcopal da Amazônia, que agrupa todas as jurisdições eclesiásticas com os povos da Amazônia, dando uma figura canônica legal ao que a REPAM já começou de maneira pastoral.
 Nuevos caminos de la Iglesia
Contribuições da Amazônia para o mundo e a Igreja

É injusto considerar a Amazônia apenas como um grupo de pessoas pobres que precisam de defesa e proteção. São povos diferentes, outros, com grandes riquezas humanas, culturais e espirituais, com uma sabedoria milenar e ancestral, anterior ao cristianismo.

Como o índio Juan Diego, que oferece rosas ao bispo Juan de Zumárraga no meio do inverno, a Amazônia oferece aos bispos reunidos no sínodo e à Igreja universal a riqueza de suas flores: a beleza de sua natureza exuberante e seus rios, a proposta da natureza. "Bem-viver" e a busca pela "terra sem males", ou seja, uma vida em harmonia com a natureza, com a comunidade e com Deus, uma espiritualidade integral, o sentido da festa e da celebração, uma sabedoria tradicional no cuidado da terra, da saúde e dos remédios, um conceito de desenvolvimento e progresso muito diferente do conceito moderno de progresso tecnocrático que acumula bens nas mãos de poucos e destrói a natureza.

Em um momento de crise ecológica e humanitária no planeta, a Amazônia nos oferece alternativas, não para negar os avanços positivos do progresso moderno, mas para aprender com eles a se sentir parte da natureza, onde tudo está conectado e merece respeito e, assim, vamos evitar o caos de um possível futuro desastre ecológico planetário. Não podemos hipotecar o futuro das novas gerações com nosso conceito destrutivo e desastroso do chamado progresso moderno.

Essa avaliação positiva dos povos amazônicos não deve nos levar à ingenuidade idealista do mito do "bon sauvage", nem fechar os olhos para as deficiências e erros que afetam toda cultura humana, nem negar a necessidade da graça e salvação de Cristo. Sempre precisamos discernir, mas não há dúvida de que antes da chegada dos missionários na Amazônia, o Espírito do Senhor já havia chegado.
Armonía 
A Eucaristia faz a Igreja

Somente depois de falar sobre a necessidade de defender a Amazônia das ameaças que a destroem, é que se fala da Eucaristia. Sem justiça, não há Eucaristia, não é a ceia do Senhor (1Cor 11). Antes de oferecer a oferta, é preciso reconciliar-se com os irmãos (Mt 5,23-24). Por isso, ainda é suspeito que alguns setores queiram reduzir o sínodo da Amazônia à questão dos ministérios dos homens casados.

A afirmação de Henri de Lubac, que resume a tradição patrística "a Eucaristia faz a Igreja, a Igreja faz a Eucaristia", que João Paulo II reuniu na Ecclesia de Eucharistia, mostra a centralidade da Eucaristia na vida cristã, pois, como diz o Vaticano II, a Eucaristia é a fonte e o cume de toda a vida cristã (SC 10; PO 5).

É necessário aprofundar a importância eclesial e vital da Eucaristia. Sem a Eucaristia, a Igreja definha e morre.

A vida em abundância que Jesus nos oferece (Jo 10,10) não é apenas o pão material com o qual ele alimenta os famintos que desejam entusiasticamente chamá-lo de rei, mas o pão da vida de seu corpo e sangue, dado pela vida do mundo (Jo 6).

A Eucaristia tem uma dimensão pessoal, comunitária, eclesial e social, mas também cósmica, porque nela a criação, o pão e o vinho são transfigurados e presentes ao Senhor ressuscitado e antecipam a escatologia dos novos céus e da nova terra do Reino.

Por todas essas razões, não se pode privar durante anos inteiros
as comunidades sem Eucaristia devido à falta de ministros
e das grandes distâncias,
com o risco de que as comunidades se tornem comunidades evangélicas da Palavra
ou simplesmente desapareçam.

Daí a urgência de prover às comunidades ministros ordenados para evangelização, serviço e celebração dos sacramentos, especialmente a Eucaristia.

A consulta aos povos da Amazônia é clara: eles pedem a ordenação daquelas pessoas que a comunidade julga adequadas para o ministério, seja celibatário ou casado, não apenas anciãos. São as comunidades que devem escolher e propor os seus ministros.

O celibato é um grande dom e carisma que o Espírito dá a alguns cristãos. E é compreensível que a Igreja Latina a exija dos candidatos ao ministério presbiteral por seus grandes benefícios. Mas uma lei eclesiástica não pode ser apresentada, como a do celibato obrigatório para o ministério presbiteral na Igreja Latina sobre o direito divino à Eucaristia. Isso tornaria a lei do celibato uma ideologia, como a circuncisão poderia ter sido para os cristãos vindos da gentileza.

Devemos lembrar que o celibato não era exigido na Igreja primitiva e não era obrigatório na Igreja Latina até o século XIII. Tampouco é obrigatório nas igrejas católicas orientais.

De qualquer forma, a dispensa canônica de uma lei eclesiástica é sempre possível em casos específicos, como aconteceu quando Pio XII e Bento XVI ordenaram, respectivamente, pastores anglicanos e luteranos casados que desejavam entrar na Igreja Católica.

Também seria necessário discutir o diaconato das mulheres, conforme solicitado na consulta, que daria à Igreja uma nova face feminina e reconheceria liturgicamente o serviço que elas já prestam em suas comunidades. Além das diferentes opiniões teológicas sobre se houve ou não um diaconato sacramental feminino no passado, o Papa tem poder suficiente para poder estabelecê-lo por razões pastorais.

Também seria necessário discernir se não é possível adaptar a matéria e a forma dos sacramentos, salva eorum substantia, ao contexto amazônico, onde nem pão de trigo nem vinho de uva são frutos de suas terras, onde certamente a imersão no rio é mais expressivo que o batismo por mera infusão de água.

Finalmente, uma sugestão. Na liturgia eucarística, existem duas epicleses ou invocações do Espírito. Na primeira, pede-se ao Espírito que faça o pão e o vinho sacramentalmente se tornarem o Corpo e o Sangue do Senhor ressuscitado. Na segunda epiclese, o Espírito é invocado para que a comunidade se torne o corpo eclesial do Senhor.

Não se poderia pensar em uma terceira epiclese que, ouvindo o clamor dos últimos, pedisse ao Espírito que, em toda a criação, desde a Eucaristia da floresta amazônica até o altar do mundo, se realize todos os dias a plenitude do universo, a vida plena, os novos céus e a nova terra, o foco transbordante do amor e da vida de Deus para o cosmos, a divinização da humanidade e dos santos casamentos, a unificação da criação com o Criador (LS 236)?
Eucaristía 
O Espírito do Senhor age a partir dos últimos

Essa última chave é certamente a mais importante para entender as chaves anteriores em profundidade.

Devemos começar pelo fato de que o Povo de Deus acredita que quem o lidera é o Espírito do Senhor que preenche o universo (GS 11) e que toda a Igreja, especialmente pastores e teólogos, deve auscultar, discernir e interpretar, com a ajuda do Espírito, as múltiplas vozes de nosso tempo (GS 44), para entender os planos de Deus e, portanto, a Verdade revelada pode ser melhor percebida (GS 44).

Essa é a teologia dos sinais dos tempos, formulada por João XXIII em Pacem in Terris e que o Vaticano II se aprofundou em Gaudium et spes.

O Senhor está presente, age e se manifesta na história humana através de eventos e desejos profundos da humanidade.

A história humana não é homogênea, mas há momentos estelares, tempos de graça, kairós, que exigem uma profunda conversão e mudança em direção ao Reino de Deus. São lugares teológicos privilegiados para capturar e aprofundar a revelação única de Jesus Cristo.

Mas, ao que foi dito acima, acrescenta-se que esse Espírito que dirige a história geralmente age de baixo para cima, dos últimos (eschatoi), para que pareça mais claro que não é a sabedoria ou o poder humano que direciona a história para o Reino, mas o Espírito, que vibra desde o começo no caos original da criação ( Gn 1,2), que desperta juízes e profetas em tempos de crise do povo de Israel, ilumina a mãe dos Macabeus em pleno martírio de seus filhos, fé em ressurreição (2MC 7,22-23), o que faz as mulheres inférteis conceberem filhos ( Gn 11,30; 25,21; 29,31; Lc 1,7.27) e uma virgem gerar Jesus ( Lc 1,35 ), aquele que derrama seus dons no Messias ( Is 11,1-9), guia a vida e a obra de Jesus e o ressuscita dentre os mortos. O Criador e o Espírito que dá Vida agem de baixo, desde os últimos para o bem de todos. Os pobres ocupam um lugar privilegiado no povo de Deus (EG 197-201)

Esse Espírito presente nas profundezas da história, que se manifesta nos últimos, pobres, marginalizados e descartados, é aquele que agora clama pelos povos amazônicos, pedindo justiça em suas terras, liberdade para viver sua identidade e sua cultura, para que seu território, a Mãe Terra, seja respeitado. O clamor da terra se junta ao clamor dos pobres, é o Espírito do Senhor que clama por eles.

Através desses últimos, descartados e ameaçados, o Senhor quer nos fazer ouvir sua voz, para que abandonemos os caminhos da morte e nos convertemos para uma ecologia integral e para que a Igreja inicie novos caminhos, seja uma Igreja de rosto amazônico, aberta a uma reforma de suas comunidades, ministérios, liturgia, teologia indiana, evangelização e missão. E através da Amazônia, a salvação e a reforma se estendam a toda a Igreja e a todo o planeta.

Os recentes e trágicos incêndios florestais na Amazônia revelaram a fragilidade da região, a tragédia de seus habitantes e o risco para todo o planeta. O sínodo da Amazônia reveste-se, hoje, de uma providencial atualidade. Peçamos ao Senhor que seu Espírito transforme os corações e renove a face da terra.

Veni, Creator, Spiritus...!
Espíritu 
Traduzido do espanhol por Wagner Fernandes de Azevedo e corrigido por Telmo José Amaral de Figueiredo. Para acessar a versão original deste artigo, clique aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 30 de setembro de 2019 – Internet: clique aqui.

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