Guerra à verdade
Fake news: isso é
coisa séria!
Moisés Naím*
Poderosos
sempre atacaram a imprensa,
mas
hostilidade de Trump é inédita
MOISÉS NAÍM |
É muito estranho o que está
acontecendo nestes tempos com a informação. Ela está, ao mesmo tempo, mais
valorizada e mais desprezada do que nunca.
A informação, aprimorada pela revolução
digital, será o mecanismo mais importante da economia, política e ciência
do século 21. Mas, como já vimos, também será uma fonte perigosa de
confusão, fragmentação social e conflito.
Grandes quantidades de dados que
antes não significavam nada agora podem ser convertidos em informações que
ajudam a gerenciar melhor governos e empresas, curar doenças, criar armas ou
determinar quem ganha as eleições, entre muitas outras coisas.
É o novo petróleo: após o
processamento e o refino, tem um grande valor econômico. E se no século passado
várias guerras foram causadas pela busca de controle do petróleo, neste
século haverá guerras pelo controle da informação.
Mas, enquanto há informações que
salvam vidas e são gloriosas, há outras que matam e são tóxicas. A desinformação, a fraude
e a manipulação que fomentam conflitos estão
crescendo tão rapidamente quanto as informações extraídas dos enormes bancos de
dados digitalizados.
Alguns dos que controlam essas
tecnologias sabem como nos convencer a comprar determinados produtos. Outros
sabem como se empolgar com certas ideias, grupos ou líderes - e detestam seus
rivais.
A grande
ironia é que, ao mesmo tempo em que
hoje existem informações mais facilmente disponíveis do que no passado, também
existem mais dúvidas e confusão sobre a veracidade do que nos chega através dos
meios de comunicação e das redes sociais.
Alan Rusbinger, ex-diretor do jornal britânico The
Guardian, disse que “estamos descobrindo que a sociedade realmente não
pode funcionar se não concordarmos com a diferença entre um evento real e um
evento falso. Você não pode ter debates, leis, tribunais, governança ou
ciência se não houver acordo sobre qual é um fato real e qual não é.”
Muitas vezes, esses debates, em vez
de focar na verificação dos fatos, concentram-se na desqualificação de quem
os produz. Assim, cientistas e jornalistas são alvos frequentes daqueles que, por
interesses ou crenças, defendem ideias ou práticas baseadas em mentiras.
Os cientistas que, por exemplo,
geram dados incontestáveis sobre o aquecimento global ou aqueles que alertam
para a necessidade imperativa de vacinar crianças já estão acostumados a ser
difamados por suas motivações e interesses.
Como identificar uma fake news, clique abaixo e assista:
O ataque à imprensa e aos
jornalistas
Os jornalistas são vítimas ainda
mais frequentes dessas desqualificações. Embora os ataques dos poderosos
incomodados pelos meios de comunicação não sejam novos, a hostilidade do
presidente Donald Trump é inédita.
“Esses animais da imprensa,
sim... são animais. Eles são os piores seres humanos que alguém pode
encontrar... são pessoas terrivelmente desonestas”, disse ele.
A imprensa como “inimiga do
povo”
Trump também popularizou a ideia de
que os jornalistas são “inimigos do povo” que espalham notícias falsas - as
famosas fake news. Trump mencionou notícias falsas no Twitter mais de
600 vezes e as cita em todos os seus discursos.
O sério é que Trump não apenas
minou a confiança dos americanos em seus meios de comunicação, mas sua acusação
foi bem recebida entre os autocratas do mundo.
Segundo Arthur Gregg Sulzberger,
executivo-chefe do The New York Times, “nos últimos anos, mais de 50
primeiros-ministros e presidentes dos cinco continentes usaram o termo fake
news para justificar suas ações contra os meios de comunicação”.
O fim da fronteira entre
fato e ficção
Sulzberger reconhece: “Os meios
de comunicação não são perfeitos. Nós cometemos erros. Temos pontos cegos”.
No entanto, esse executivo não tem ambiguidade ao afirmar que a missão do The
New York Times é buscar a verdade.
No mundo confuso de hoje, onde tudo
parece relativo e nebuloso, é bom saber que ainda existem aqueles que apostam
que a verdade existe e pode ser encontrada. Esta posição é um bom antídoto
contra as práticas daqueles que atentam contra a democracia e a liberdade.
Em 1951, Hannah Arendt escreveu:
“O sujeito ideal de um regime totalitário não é o
nazista convencido ou
o comunista comprometido, são as pessoas para as quais
deixou de existir a distinção entre
fatos e ficção, o verdadeiro e o falso”.
Mais de seis décadas depois, essa
descrição adquiriu validade renovada. É preciso recuperar a capacidade da
sociedade de reconhecer e desmascarar mentiras. É imperativo derrotar
aqueles que declararam guerra à verdade.
TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO.
* MOISÉS NAÍM (nascido aos 5 de julho de 1952) é um escritor e colunista venezuelano
e, desde 1996, o editor-chefe da revista Foreign Policy. Moisés Naím tem
escrito muito sobre política e economia internacionais, desenvolvimento
econômico, organizações multilaterais, política externa estadunidense e as
consequências não intencionais da globalização. Além de artigos para grandes
publicações, ele é autor de vários livros, o último dele publicado no Brasil é:
O Fim do Poder, 2ª edição, 2019, pela LeYa (São Paulo).
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