A pobreza é o foco para mudar o mundo
O
encontro com Esther Duflo,
Prêmio
Nobel de Economia
Laurent Grzybowski
La Vie
14-10-2019
Esther Duflo ganhou o Prêmio Nobel de
Economia na segunda-feira,
14 de outubro, por seus trabalhos sobre a
redução da pobreza no mundo,
junto com outros dois pesquisadores
ESTHER DUFLO Francesa, radicada nos Estados Unidos, uma das ganhadoras do Nobel de Economia 2019 |
No entanto,
há dez anos, quando nosso repórter a visitou em Boston, ela nem sequer
cogitava tal feito. Nós publicamos novamente este emocionante encontro com
uma pioneira da economia do desenvolvimento.
Ela não é
do tipo de se fazer notar. A única fantasia em sua roupa é uma pequena cruz
huguenote, da qual ela nunca se separa. E quando a encontramos nos corredores
da universidade onde ela ensina, realmente não sabemos muito bem se estamos na
presença de uma professora ou de uma estudante. No entanto, Esther Duflo
é uma estrela no outro lado do Atlântico, onde é considerada a porta-voz de
uma “nova onda” de economistas.
Esta
normalista de 37 anos dirige o Poverty Action Lab (Laboratório de
Ação Contra a Pobreza) no prestigiado Massachusetts Institute of
Technology (MIT), em Cambridge, um subúrbio de Boston. Especialista em
economia do desenvolvimento, a jovem estava um pouco solitária quando se
embrenhou, há dez anos, nesta disciplina. Reconhecida por seus métodos de
trabalho inovadores, ela fez seguidores. “Quando comecei a minha tese, a
economia do desenvolvimento como campo de pesquisa era uma matéria muito
marginal. Nós éramos apenas cinco na Harvard e no MIT. Hoje, esta linha de
pesquisa conta com centenas de estudantes em várias universidades americanas”.
Protegida
por sua austeridade protestante, essa ex-escoteira, que nunca recusa a ajuda à
sua comunidade reformada, não se deixou intoxicar pela celebridade ou pela
mídia. Inteiramente dedicada ao seu trabalho, ela atrai para o seu campo de
pesquisa vários jovens estudantes de doutorado. Esther Duflo não se debate com
modelos matemáticos abstratos para descobrir se os países ricos devem dedicar
1% ou 5% de sua riqueza para ajudar os países pobres.
Ela vai a
campo para medir cientificamente a eficácia dos programas de ajuda ao
desenvolvimento. Para ela, “um economista deve estar mais próximo
de um encanador do que de um físico que procura expor as grandes leis do mundo.
Dada a extensão da pobreza, é tentador desistir ou propor grandes soluções...
tão radicais que são impossíveis de serem alcançadas. Nós não temos a chave
do fim da pobreza, mas é possível combater melhor os males que ela engendra”.
Para
reparar os vazamentos, ela quer agir como um bom artesão: encontrar as
melhores técnicas pelo melhor custo, testar o que funciona e o que não funciona.
É o que fez na Índia, Quênia, Marrocos, Madagascar
e, recentemente, na França. Com uma convicção: “Demonstrar a eficácia
de um programa de ajuda é a maneira mais segura de encontrar fundos para
lançá-lo”.
A jovem
pesquisadora inaugurou, em janeiro passado [de 1999], a nova disciplina criada
pelo Collège de France: Conhecimentos Contra a Pobreza. É a
oportunidade de encontrar, finalmente, em seu país a audiência que ela já
conquistou nos Estados Unidos. Ela não é classificada pela revista americana
Forbes entre os 100 intelectuais mais influentes do mundo? Em seis anos de
existência, o laboratório que ela dirige já formou mais de 500 líderes de 30
nacionalidades. Bill Gates convidou-a para
um almoço. Bono Vox, o cantor da banda de rock
irlandesa U2, e o bengali Muhammad Yunus,
vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2006, inventor do microcrédito, vieram para
dar-lhe seu apoio.
O segredo
desse “trabalho maluco”, que herdou de sua família um rigor calvinista, reside
em sua fenomenal capacidade de trabalho. “Quando menina, ela nunca perdeu um
minuto e sempre ia até o final do que estava fazendo”, lembra a mãe. Hoje,
são 13 horas diárias de trabalho, 7 dias por semana; e ouvindo música
sacra. As cantatas de Johann Sebastian Bach, que ela aprecia acima de
tudo, são as suas fontes de inspiração. Seu gosto pela culinária (indiana) e
seu apetite pelo esporte ilustram bem suas raízes no mundo real. Entre suas
muitas estadias na casa da família de Chamonix, onde pratica caminhadas e
escaladas, e sua participação na Maratona de Paris, Esther Duflo não vive nas
nuvens.
Sua fibra
humanitária e social vem de longe. Da infância e dos anos de escotismo,
certamente. De uma primeira viagem a Madagascar, talvez. Do seu compromisso
como voluntária nos Restos du Cœur, sem dúvida. Também da família, mais
de esquerda: três filhos, um pai matemático e uma mãe médica. Muito envolvida
em uma ONG protestante, a Appel, fundada pelo naturalista Théodore
Monod, a pediatra viajava duas vezes por ano ao exterior para ajudar
crianças vítimas de conflitos. “Nós a deixamos ir por duas ou três
semanas, lembra Esther Duflo. O tempo parecia longo, mas foi a nossa
contribuição para tornar o mundo mais humano, nos dizia ela. Quando voltava, sempre
nos mostrava seus slides. Imagens sobre a miséria que não vou esquecer”.
A jovem
discreta e aplicada frequenta a Escola Bíblica e torna-se chefe de alcateia. “Aprendi
muito no escotismo: realizar um projeto, trabalhar em equipe, avaliar
sua ação... Competências que foram muito úteis para a sequência”. Manter a
mente aberta, rejeitar a injustiça, não aceitar as coisas como são, querer
tornar o mundo melhor: valores partilhados em família. “A pobreza me
assombra há muito tempo. Por que nasci em um país rico? Qual é a minha
responsabilidade em relação aos países pobres?, pergunta-se Esther
Duflo. Como nunca vou conseguir responder à primeira pergunta, decidi
responder à segunda!”
Como boa
protestante, ela defende o princípio da responsabilidade individual e desconfia
dos dogmas e das ideias abstratas. “O mais importante para mim não é o
sentimento religioso, mas o que faço da minha vida. Qual é o meu compromisso
real e concreto? Minha ação é eficaz? No mundo das ONGs, podemos fazer
muito trabalho sem que isso sirva para alguma coisa. O que importa é o
resultado. A boa vontade não é suficiente”. Os altermundistas? “Eles
têm boas intenções, mas rapidamente se tornam dogmáticos”.
Mais crente
do que praticante, Esther Duflo está preocupada com o papel “às vezes negativo”
desempenhado pelas religiões. “Quando o Islã impede as meninas de frequentarem
a escola, ou quando as Igrejas cristãs se opõem à educação sexual na África,
impedem o desenvolvimento”. Como Théodore Monod, que ela admira, Esther Duflo
acredita que “a fé cristã não é apenas um estado de espírito, por mais
elevado que seja. Antes de tudo, é uma vontade de agir para criar o mundo que
Deus quer”. Esta convicção lhe permitirá receber, como muitos de seus
antecessores no MIT, o Nobel de Economia? A ideia não a seduz. Apenas uma coisa
conta para ela: continuar, como quando era pequena, a tornar o mundo mais
humano.
Da esquerda para a direita, os três ganhadores do Nobel de Economia 2019: Michael Kremer (Estados Unidos), Esther Duflo (francesa, radicada nos Estados Unidos) e seu esposo o economista Abhijit Banerjee (indiano, radicado nos Estados Unidos) |
Um
prêmio para três
Com o
marido, o economista indiano Abhijit Banerjee, e o americano Michael
Kremer, a professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), 46
anos, vê seu trabalho sobre a redução da pobreza no mundo recompensado pelo
Banco da Suécia. As pesquisas dos três laureados “melhoraram significativamente
a nossa capacidade de lutar contar a pobreza global, afirma a Academia Real de
Ciências da Suécia. Em duas décadas, sua abordagem baseada em experimentos
transformou a economia do desenvolvimento, que agora é um próspero campo de
pesquisa”.
Uma trajetória brilhante
1972 – Nascimento em Paris.
1992 – Ingressa na École Normale Supérieure.
1999 – Defende a tese de economia no MIT.
2002 – Obtém uma disciplina de economia no MIT.
2003 – Cria o Laboratório de Ação Contra a
Pobreza.
2009 – Inaugura a disciplina Conhecimentos
Contra a Pobreza, no Collège de France.
2012 – Nomeada para o President’s Global
Development Council, um organismo estadunidense encarregado de aconselhar o
presidente dos Estados Unidos Barack Obama.
2015 – Diretora adjunta do J-Pal, Laboratório de
Ação Contra a Pobreza Abdul Latif Jameel no MIT12.
2018 – Ingressa no conselho científico da Educação
Nacional.
Traduzido
do francês por André Langer.
“Nobel
é recado claro sobre importância de reduzir a pobreza”, diz economista
Entrevista
com Naércio Menezes Filho
Economista
do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa (São Paulo, SP)
Douglas
Gavras
Para professor do Insper,
os três economistas reconhecidos com o prêmio
de 2019 têm,
em comum, preocupação em se dedicar a
como melhorar a vida das pessoas
NAÉRCIO MENEZES FILHO |
A busca
pela redução da pobreza, da mortalidade infantil e da fome deve ser reforçada
em momentos de crise, como o que o Brasil enfrenta. A avaliação é do
professor e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Instituto de
Ensino e Pesquisa (Insper), Naércio Menezes Filho. Nesta
segunda-feira, 14, os economistas Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael
Kremer foram anunciados como os ganhadores do Prêmio Nobel de 2019, como um
reconhecimento pela abordagem experimental em aliviar a pobreza no mundo.
Para
Menezes Filho, a lição que os economistas ganhadores do Nobel deixam para
seus pares e para os governos ao redor do mundo é de que é preciso aumentar os investimentos em políticas públicas voltadas
para os mais pobres, além de investir em mecanismos de avaliação da
efetividade desses programas. A seguir, trechos da entrevista do economista ao
jornal O Estado de S. Paulo.
Qual
é a importância do reconhecimento do trabalho desses três economistas?
Naércio
Menezes Filho: O Nobel valoriza o trabalho realizado por esses
economistas na redução da pobreza, da mortalidade infantil e da fome. Eles
conseguiram, através de análises empíricas, avaliar quais políticas públicas
funcionam e têm maior impacto na redução desses problemas. Para isso,
trouxeram uma abordagem que geralmente é usada na medicina, de ensaios
controlados, em que se cria um grupo de tratamento para testar a eficácia de
remédios novos, por exemplo, e se testa esses medicamentos em apenas um dos
grupos. Eles trouxeram essa metodologia para a economia.
Foram
feitos estudos que testavam políticas de saúde e de educação em diferentes
grupos?
Menezes
Filho: Sim. Por meio deles, é possível avaliar se um programa de
desparasitação (distribuição de um medicamento eficaz contra um ou vários
parasitas), por exemplo, tem impacto na saúde das crianças e no seu desempenho
escolar. É possível distribuir redes para proteção contra mosquitos para um
grupo e não dar para outro e, mais tarde, medir o impacto em cada um deles. Ou
também colocar em prática programas de incentivo à frequência de professores e
ver os impactos disso no desempenho dos alunos. Experimentos controlados,
assim, foram feitos em países da África e na Índia. Eles ajudam a testar
a eficácia de políticas públicas.
Esses
estudos também servem para evitar desperdícios de recursos públicos ou
reavaliar programas que não dariam resultados tão positivos quanto o esperado?
Menezes
Filho: Exato. Aqui no Brasil mesmo, tem uma quantidade imensa de
recursos e ainda há poucas avaliações de impacto, para vermos o que
efetivamente funciona. Ao mesmo tempo, o País já conta com uma geração de
economistas formados com essa visão de geração de impacto. Programas como Bolsa
Família, Saúde da Família e Mais Educação são constantemente
avaliados, embora nem sempre com essa técnica proposta de ensaio randomizado
(por sorteio) e controlado, como a proposta pelos ganhadores do Nobel. É que,
em algumas políticas, é infactível fazer esse tipo de procedimento.
O
Nobel tende a valorizar estudos como os dos três ganhadores?
Menezes
Filho: Os premiados têm em comum a preocupação em resolver os
problemas práticos de pobreza e desigualdade que afligem a humanidade.
Alguns economistas têm essa preocupação, em se dedicar a como melhorar a vida
das pessoas. Muitos outros economistas estão preocupados com crescimento
econômico — o que também é válido e é necessário ter pessoas estudando diversas
áreas. Mas o Nobel tende, sim, a valorizar quem se dedica a resolver problemas
que desde sempre afetam a humanidade, como a fome ou a desigualdade de
oportunidades.
Olhando
para os exemplos atuais de políticas públicas para redução da pobreza, há mais
pontos positivos ou negativos?
Menezes
Filho: Quando se olha para os últimos 30 anos, dá para perceber
que o Brasil progrediu muito. Antes da Constituição de 1988, o País não
tinha o Sistema Único de Saúde (SUS), não tinha o Bolsa Família,
nem o Benefício de Prestação Continuada (garantia de um salário mínimo
mensal a idosos de baixa renda). As pessoas que nasciam pobres não tinham uma
esperança na vida. Hoje, mesmo com a crise econômica, não se vê mais tantas
pessoas migrando para as cidades mais ricas ou um grande volume de gente
passando fome.
Que
lição os ganhadores do Nobel deste ano deixam para os governos ao redor do
mundo?
Menezes
Filho: O Nobel deixa um recado claro para que não se diminua os
recursos destinados para políticas públicas direcionadas aos mais pobres. É
preciso, na verdade, aumentar os recursos e avaliar melhor a efetividade desses
programas. As pessoas mais pobres também têm direito aos seus sonhos.
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