Manipulados pela inteligência artificial!
Como
surgiu o radicalismo
Fernando Reinach
Biólogo
Algoritmos podem deixar pessoas encurraladas
em um
canto do espectro ideológico
STUART RUSSELL Um dos maiores especialistas em Inteligência Artificial do mundo, seus livros são adotados por mais de 700 universidades pelo planeta |
Stuart
Russell* é um dos principais cientistas da área de Inteligência Artificial
(IA). Seu livro sobre o tema é usado na maior parte das universidades.
Enquanto todos se preocupam com o risco de os sistemas de IA substituírem seres
humanos, ele aponta um muito maior: perdermos o controle sobre esses
sistemas. E discute um exemplo real, dos algoritmos de IA que estão
causando polarização política.
Enquanto
programas de computação clássicos são uma sequência de instruções que chegam a
um resultado, sempre com o mesmo procedimento, sistemas modernos de IA são
poderosos porque não seguem procedimentos rígidos. Você determina o
objetivo e o computador descobre a melhor maneira de atingi-lo.
Um
exemplo assustador!
Imagine um robô
programado de forma clássica. Você pede a ele que te traga uma cerveja. Ele
estará programado para abrir a geladeira, pegar a cerveja e te trazer. Se não
encontrar, vai provavelmente te avisar que não tem cerveja na geladeira. Um hipotético
robô contendo sistema de IA sofisticado não está programado para ir à
geladeira, mas para resolver o problema – no caso, te conseguir uma cerveja – de
forma independente. Ele vai à geladeira e não encontra a cerveja. Então,
descobre um local onde pode encontrá-la, o bar da esquina. De maneira
independente, se dirige ao bar. Ele tomou a decisão usando o que descobriu
sobre o funcionamento do mercado de cerveja.
Mas imagine
que acontece algo inesperado: o cartão de crédito que levou é recusado. Há
duas possibilidades. O sistema de IA é suficientemente sofisticado para
entender que esse é um obstáculo intransponível e volta sem a cerveja ou, por
não ter acesso a leis e códigos morais da sociedade, decide que a melhor
solução é matar o dono do bar e levar a cerveja. Como nenhuma dessas ações
estava previamente programada, o fabricante só vai descobrir a besteira quando
a polícia bater à porta.
Aconteceu
de verdade!
O exemplo
parece estapafúrdio, mas Russell, em um debate em Londres no lançamento do seu
livro, explicou o que aconteceu com sistemas de IA do Google (YouTube) e
Facebook. É uma história real. Algoritmos de IA dessas empresas foram
construídos para aumentar o número de vezes que o usuário clica em outro link
após ler o anterior – as empresas ganham mais quanto maior o número de
visualizações.
Os programadores
imaginavam que o sistema de IA descobriria o que a pessoa gostava de ler e
apresentaria mais exemplos desse assunto. Mas o que aconteceu na prática não
foi o previsto.
O sistema de IA descobriu que a melhor maneira
de aumentar a probabilidade
de você clicar no próximo filme (ou post)
não é sugerir o que aparentemente você gosta,
mas aos poucos modificar
sua preferência
de modo a focar sua preferência em um ou poucos
assuntos.
O sistema
de IA chegou sozinho a essa descoberta e, à medida que ela funcionou,
aumentando o número de cliques, o algoritmo passou a adotar e refinar essa
estratégia.
Isso
foi aplicado à política!
No caso de assuntos
de política, se uma pessoa é de centro, pode preferir clicar em algo mais à
esquerda ou à direita de sua posição, o que diminuía a probabilidade de a
pessoa clicar novamente. Mas, se o algoritmo aos poucos levá-la aos extremos
(esquerda ou direita), ao longo do tempo ela acaba encurralada em um dos
cantos do espectro ideológico e então a probabilidade de clicar em algo
parecido aumenta.
Russell
contou que esse efeito foi descoberto por seus alunos (são eles que
trabalham nessas empresas), mas a armadilha já estava montada. Voltar
atrás diminuiria o número de cliques. Marqueteiros políticos também
descobriram isso e passaram a produzir conteúdos que auxiliavam o algoritmo a
segregar as pessoas em extremos. Exemplos citados na palestra são Estados
Unidos, Inglaterra e Brasil.
É uma
história impressionante. Russell sugere que isso seja o início da perda de
controle sobre sistemas de IA. E está ocorrendo com sistemas relativamente
simples. A preocupação é o que pode ocorrer quando se tornarem mais
poderosos, superando a inteligência humana. Mas isso é só o começo do
livro. A maior parte descreve formas de garantir que mesmo usando sistemas mais
inteligentes não venhamos a perder o controle sobre as máquinas. Vale a pena
ler.
L I V R O
Título:
Human Compatible: Artificial Intelligence and the Problem of Control
[trad. livre: Compatível com humanos: inteligência artificial e o problema
de controle]
Autor:
Stuart Russell
Editora:
Viking
Data
lançamento: outubro de 2019
Páginas:
352
Observação:
ainda sem previsão de lançamento no Brasil.
* Stuart Jonathan Russell: cientista da computação conhecido por suas contribuições para a inteligência artificial. Ele é professor de Ciência da Computação na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e professor adjunto de cirurgia neurológica na Universidade da Califórnia, em São Francisco. Essas instituições estão nos Estados Unidos da América.
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