Os frutos do Sínodo para a Amazônia
Pecado
ecológico,
maior
participação das mulheres e padres casados: Sínodo apresenta documento final
Edison Veiga
O relatório pede uma Igreja “com rosto
indígena, camponês e afrodescendente”, “com rosto migrante”, “com rosto jovem”.
E enfatiza que a mesma deve ser “pobre, com e
para os pobres”
PAPA FRANCISCO |
Depois de
três semanas de intensos debates na Cidade do Vaticano, os padres sinodais
apresentaram neste sábado ao papa o relatório final do Sínodo dos Bispos
sobre a Amazônia. Ao longo de 120 parágrafos, divididos em cinco
capítulos, as propostas vão desde a conceituação do que é pecado
ecológico até a maior participação das mulheres na liturgia católica. E,
talvez o mais polêmico item, a proposta para que, em casos específicos e de
acordo com a necessidade, homens casados possam ser ordenados padres,
dispensados, portanto, do celibato.
Para
ler, baixar e imprimir o
Documento
Final do Sínodo para a Região Pan-amazônica,
clique aqui.
Esta
proposta está no parágrafo 111 do documento. Os bispos lembram que
muitas comunidades do território amazônico “têm enormes dificuldades de acesso
à Eucaristia”, ficando meses ou até “vários anos” sem a presença de um sacerdote.
Para diminuir este problema, os padres sinodais pedem ao papa que autorize a
ordenação de sacerdotes em a exigência do celibato clerical - desde que,
frisam, sejam “homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham
diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterado”.
Estes padres, prossegue o texto, teriam “uma família legitimamente
constituída e estável”.
Todos os
parágrafos constantes do documento final precisaram ser aprovados, em
assembleia realizada na tarde deste sábado, 26 de outubro, por pelo menos dois
terços dos padres sinodais - aqueles participantes com direito a voto. No
encontro final, estavam presentes 181 desses religiosos. De todos os itens,
o 111 foi justamente o que teve menor índice de aprovação - foram 41 votos
contrários. “São questões complexas. Fizemos avanços e o processo está em
andamento. Precisamos refletir, ouvir, mas os processos estão indo adiante”,
afirmou aos jornalistas o cardeal Michael Czerny, sub-secretário da Seção de
Migrantes e Refugiados do Dicastério pelo Serviço de Desenvolvimento Humano
Integral do Vaticano e secretário especial do Sínodo.
PAPA FRANCISCO Durante a Missa de encerramento do Sínodo para a Região Pan-amazônica Domingo, 27 de outubro de 2019 |
Outro ponto
explicitado no documento foi o pedido para que seja criado o “pecado
ecológico”. De acordo com os bispos, o desrespeito à natureza deve ser
visto como pecado porque seria uma afronta a Deus e uma agressão à sua criação.
Essa ideia já estava presente, embora não de forma tão incisiva, na encíclica Laudato
Si’, publicada pelo Papa Francisco em 2015.
“Nenhum católico pode viver em comunhão com a
Igreja sem escutar o grito da Terra. (Desrespeitar a natureza) é um pecado, é
um pecado ecológico”,
disse o bispo de Izirzada, no Peru, David
Martinez de Aguirre Guinea.
A maior
participação feminina em celebrações litúrgicas e em papeis dentro da Igreja
foi abordado em cinco parágrafos do documento, sob o título “presenças
e a vez da mulher”. “A sabedoria dos povos ancestrais afirma que a mãe
terra tem um rosto feminino. No mundo indígena e ocidental, as mulheres são aquelas
que trabalham em múltiplas facetas, na instrução dos filhos na transmissão da
fé e do Evangelho, são testemunhas e presença responsável na promoção humana,
por isso se pede que a voz das mulheres seja ouvida, que elas sejam
consultadas e participem das decisões e, assim, possam contribuir com sua
sensibilidade à sinodalidade eclesial”, diz o documento. O item 103 afirma
que muitas consultas solicitam “o diaconato permanente para as mulheres”.
Na
hierarquia da Igreja, o diácono é um grau abaixo do padre. Tem participação
ativa na comunidade, mas não pode celebrar missas nem ouvir confissões, por
exemplo. Dentre os parágrafos do documento final, é mais um com forte rejeição
- teve 30 votos contrários, a segunda colocação por este critério.
PAPA FRANCISCO Durante a Santa Missa de encerramento do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-amazônica |
Trâmites
As
discussões que constam do documento final do sínodo não significam
necessariamente uma mudança nos horizontes da Igreja. Trata-se de um avanço no
debate. Isto porque a ideia de um sínodo é justamente essa: o papa ouvir o
que os bispos do mundo pensam sobre determinados assuntos. Assim, o relatório
não tem viés executivo.
É praxe
que, algum tempo depois de um sínodo, o papa redija e publique uma Exortação
Apostólica, na qual ele pode acatar os pontos abordados pelos bispos e, na
maioria dos casos, pedir mais estudos sobre os temas, delegando isso para
órgãos competentes dentro do Vaticano. Segundo afirmou Paolo Ruffini, prefeito
do Dicastério da Comunicação, Francisco “não garante” que vá fazer a
exortação. “Ele lembrou que não é algo obrigatório, mas disse que vai tentar
fazer, sim, até o fim deste ano”, comentou ele.
Como já se
esperava, o documento apresentado tem forte apelo ambiental e cobra posturas
inclusivas junto aos pobres, imigrantes e a todas as “periferias do mundo”.
O relatório pede uma Igreja “com rosto indígena, camponês e afrodescendente”,
“com rosto migrante”, "com rosto jovem”. E enfatiza que a mesma deve ser
“pobre, com e para os pobres”.
VISÃO DO ALTO DA NAVE CENTRAL DA BASÍLICA DE SÃO PEDRO Missa de encerramento do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-amazônica |
“A Igreja é
parte de uma solidariedade internacional, que deve favorecer e conhecer o papel
central do bioma amazônico para o equilíbrio do clima do planeta; animar a
comunidade internacional a dispor de novos recursos econômicos para sua
proteção e a promoção de um modelo de desenvolvimento justo e solidário, com o
protagonismo e a participação direta das comunidades locais e dos povos
originários em todas as fases, desde planejamento até implementação”, diz o
parágrafo 68. O documento também fala que a “depredação do território vem
junto do derramamento de sangue inocente e da criminalização dos defensores da
Amazônia”.
Durante o
encontro com os jornalistas, cardeal Czerny enalteceu o papel dos cientistas
e ambientalistas convidados a participar do sínodo. “Eles contribuíram
para traduzir os sofrimentos do planeta. Ajudaram a que percebamos como as coisas
estão graves”, afirmou. Ele lembrou dos recentes incêndios na Amazônia como
algo que escancarou uma situação de difícil percepção, aos leigos, “apenas em
gráficos e números”.
“O
mundo passa por uma grande mudança, a Amazônia está queimando, e um
número cada vez maior de pessoas está se dando conta que não podemos continuar
respondendo sempre da mesma forma aos problemas urgentes, esperando que os
resultados sejam melhores”, prosseguiu Czerny. Chamando o momento atual de “crise
ecológica”, ele frisou que é preciso proteger a Amazônia. “Ou as
pessoas vão levar tudo o que tiver valor. E vão destruir tudo”, disse.
O cardeal
citou as migrações e a globalização como algo que poderia se traduzir em “um
mundo unido”. Entretanto, reconheceu que o cenário é de tensões cada vez
maiores. “Precisamos e queremos aprender cada vez mais”, disse.
Questionado
sobre se questões políticas atuais na América Latina não são um empecilho para
a preservação ambiental o bispo peruano Aguirre Guinea disse que a resposta
está no empenho e na participação política dos fiéis leigos. “Somos capazes
de ver e atuar na política, seja em uma pequena comunidade, sejam nas mais
altas esferas”, afirmou. “O tema da formação precisa estar presente, para
que fiéis leigos possam ter influência sobre políticas de governo.”
Assista ao vídeo com a íntegra da Missa de encerramento do Sínodo,
clicando sobre a imagem abaixo:
Organismo
No parágrafo 85, os bispos pedem a criação
de um “observatório socioambiental pastoral, fortalecendo a luta em defesa da
vida”. De certa forma, o papa parece ter uma solução semelhante em mente. O
sumo pontífice afirmou que pretende criar um órgão dentro da Santa Sé dedicado
exclusivamente aos cuidados com a Amazônia. O departamento deve ficar
alocado dentro do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano
Integral, sob o comando do cardeal Peter Turkson.
No
encerramento do sínodo, Francisco afirmou que a região amazônica sofre “todo
tipo de injustiça” e cobrou da Igreja maior sintonia com a juventude. “A
consciência ecológica vai em frente e hoje nos denuncia um caminho de
exploração compulsiva e corrupção. A Amazônia é um dos pontos mais importantes
disso. Um símbolo, eu diria”, declarou Francisco.
Ele avaliou
que a maior importância do Sínodo dos Bispos são os diagnósticos que foram
feitos de questões culturais, ecológicas, sociais e pastorais da região amazônica.
Dentro do conceito de ecologia integral, ele frisou que os problemas
ambientais precisam ser vistos dentro de seus contextos sociais, “não só o
que se explora selvagemente a criação, mas também as pessoas”.
Pessoas com trajes e objetos que recordam a Amazônica participam da Santa Missa de encerramento do Sínodo para a Região Pan-amazônica |
Para
Francisco, a ecologia não pode ser separada das questões sociais.
“Na Amazônia há todo tipo de injustiça,
destruição de pessoas,
exploração de pessoas,
em todos os níveis e destruição da identidade
cultural”,
declarou Papa Francisco, no encerramento.
Ele lembrou
sua encíclica Laudato Si’, publicada em 2015, como um marco para balizar
o pensamento ecológico segundo as bases do catolicismo.
Para
ler, baixar e imprimir a Encíclica Laudato Si’ de Papa Francisco,
clicar
aqui.
Ele disse
ainda que para lutar por questões ambientais a Igreja precisa mirar no
exemplo dos jovens. Citou nominalmente a ativista sueca Greta Thunberg,
empenhada em uma cruzada global para alertar sobre a atual crise climática. “Na
manifestação dos jovens, como Greta e outros, eles levam um cartaz dizendo ‘o
futuro é nosso’. Isso é a consciência do pedido ecológico”, declarou.
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