A nova praga!

1 em cada 4 adolescentes brasileiros é dependente de internet, aponta estudo

Fabiana Cambricoli
Jornalista

Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo com mais de 2 mil jovens mediu impacto do uso abusivo nos relacionamentos e emoções;
dependência também está associada a transtornos como ansiedade
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Quando decidiu restringir o acesso do filho ao computador, Mariana (nome fictício) observou um comportamento diferente daquele que o adolescente costumava demonstrar. O garoto, então com 12 anos, se revoltava contra os pais quando era obrigado a ficar algumas horas sem usar a internet. Xingava, gritava e arremessava objetos. Parecia outra pessoa, segundo relato da própria mãe. “Ele tinha um ódio no olhar, ficava totalmente transtornado. Não era mais aquele menino doce e carinhoso”, conta ela.

Mariana decidiu procurar ajuda. Passou a participar de um grupo de apoio a pais e parentes de jovens que fazem uso abusivo de tecnologias. Ao frequentar as sessões, coordenadas por profissionais do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (IPq-HC/USP), percebeu que o que o filho tinha era um vício e conheceu outras famílias com o mesmo drama.

O fenômeno, já notado por alguns pais, está sendo quantificado por uma pesquisa pioneira no Brasil. Levantamento da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) com mais de 2 mil adolescentes mostra que 25,3% são dependentes moderados ou graves de internet.

Como a amostra pesquisada é grande, é um estudo representativo da realidade dos centros urbanizados brasileiros”, ressalta Hermano Tavares, coordenador do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do IPq, que conta com um grupo de tratamento para dependência tecnológica.

O estudo foi feito com jovens de 15 a 19 anos de escolas públicas e privadas da região metropolitana de Vitória. Eles responderam a um questionário internacionalmente utilizado para verificar o vício digital, o Teste de Dependência de Internet (ou Internet Addiction Test, em sua versão original, em inglês).

Mais do que medir o tempo de uso das redes, a avaliação tem como objetivo verificar como o acesso à internet impacta na rotina, emoções e relacionamentos dos usuários.
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Os problemas que esse vício traz

É esse impacto, segundo especialistas e pais de jovens, o principal indicador de quando o uso da internet torna-se problemático. No caso do filho de Mariana, hoje com 16 anos, o vício em jogos online trouxe, além de comportamento agressivo, queda de rendimento na escola, ansiedade e atitudes antissociais. “É triste abrir a porta do quarto do filho, saber que ele tem a oportunidade de frequentar tantos lugares e vê-lo só enfurnado em casa”, diz.

Outro reflexo da dependência tecnológica é a presença de transtornos mentais associados. Segundo George Nunes Bueno, pesquisador da Ufes e um dos responsáveis pelo estudo, a proporção de jovens com sintomas de ansiedade no grupo de dependentes tecnológicos é o dobro da verificada entre não dependentes (34%, ante 17%).

O número de dependentes é maior entre os que dizem usar a internet para se divertir, passar tempo livre ou que considera a internet uma companhia”, explica o especialista.
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Fatores que estimulam esse vício

A solidão e a baixa autoestima são algumas das razões para o uso problemático da internet, principalmente entre os mais jovens. “A autoimagem é muito importante na adolescência e muitos encontram nas redes sociais a aprovação e a popularidade que não encontram fora da internet”, diz Sheila Niskier, médica do adolescente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Para o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de dependências tecnológicas do IPq-HC, outra razão para o uso excessivo de internet entre jovens brasileiros é a enorme desigualdade sociocultural do País. “Perante a web, todos são iguais e têm oportunidades de cultura similares”, afirma.

Ele afirma ainda que a violência urbana registrada nas cidades brasileiras faz com que os próprios pais prefiram que os filhos permaneçam em casa, no computador, a que façam atividades externas.

Para os especialistas, é importante que os pais saibam identificar o problema, impor limites e mudar hábitos dentro de casa. “O adolescente tem o pé no acelerador das emoções, é impulsivo. O controle tem de ser externo. Muitas vezes o uso da internet está preenchendo um vazio na família”, afirma Sheila.

Sessão de terapia com pais inclui
reflexão sobre limites

Fabiana Cambricoli

Eles, que antes temiam vício em drogas, agora se surpreendem com
a apatia dos filhos diante de atividades sem internet
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SYLVIA VAN ENCK
Psicóloga - USP

A cada 15 dias, um grupo de pais e parentes de jovens se reúne em um sobrado em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, para aprender a lidar com o inusitado vício dos filhos. A maioria está na faixa dos 40 ou 50 anos e tem filhos adolescentes.

Quando tornaram-se pais e mães, relatam, um dos principais medos era de que os filhos se tornassem dependentes de drogas ou álcool, ou que fossem vítimas de violência.

Também temiam (e queriam evitar) ter com os filhos uma relação autoritária como a que vivenciaram com os pais, sem diálogo e com muitas regras.

Mas o que hoje tem se manifestado como principal preocupação da paternidade foi algo inesperado: a apatia que os filhos demonstram com qualquer atividade que não esteja relacionada ao uso da internet. “Se ele não pode estar no computador, fica deitado na cama e dorme o dia todo”, conta o pai de um jovem de 23 anos. “Parece que não tem uma motivação na vida, não consegue tomar decisões”, relata outro.

A psicóloga Sylvia Van Enck, do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, conduz as sessões de terapia.

Em uma delas, acompanhada pelo O Estado de S. Paulo, ela convida os presentes a revisitarem sua adolescência, lembrando que, quando jovens, eles também desafiavam os pais e queriam quebrar regras, mas que a resposta dos responsáveis era diferente.

Antigamente os pais se impunham gerando medo, e não queremos reproduzir isso hoje. Mas também precisamos perceber o tanto de privilégios que temos concedido antes mesmo que os filhos cumpram com suas obrigações”, diz ela.

A ideia não é trazer culpa aos pais, mas ensiná-los a balancear diálogo com limites. “Muitas vezes os pais temem as reações dos filhos e evitam o conflito, mas isso leva a um distanciamento maior. Definir tarefas e obrigações para eles é uma forma de integrá-los à família e fazer com que eles se sintam úteis. Nos jogos online ou nas redes sociais, muitas vezes eles se sentem valorizados e por isso querem ficar só naquele mundo”, destaca Sylvia.

Foi essa a principal mudança adotada por Mariana no trato com o filho de 16 anos após frequentar o grupo do IPq. “Mais importante do que superprotegê-lo é analisar as reações dele e ir negociando. Não precisamos ser autoritários, mas é preciso mostrar, mesmo que de forma sutil, liderança”, diz.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Saúde – Domingo, 13 de outubro de 2019 – 03h00 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui

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