«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 29 de abril de 2022

3º Domingo de Páscoa – Ano C – Homilia

 Evangelho: João 21,1-19 

Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano

 

Ser discípulo e discípula é aprender a amar e servir, principalmente, os mais fracos e pobres

Quando Jesus ressuscitado se manifestou aos seus discípulos, ele os enviou. Ele disse: “Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio. Ide e testemunhai um amor de Deus pela humanidade, pleno, total e incondicional”. Mas, aparentemente, os discípulos não entenderam ou não desejam ir e manifestar esse amor e, de fato, voltam às suas ocupações habituais. Leiamos o capítulo 21 do Evangelho de João. 

João 21,1:** «Depois disso, Jesus tornou a manifestar-se aos discípulos, junto ao mar de Tiberíades. Manifestou-se deste modo:»

É a terceira vez que Jesus ressuscitado se manifesta. O número não deve ser entendido de forma aritmética ou matemática, mas significa a completude, a plenitude das aparições, das experiências de Jesus ressuscitado. 

João 21,2: «Estavam juntos Simão Pedro, Tomé chamado Dídimo, Natanael de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu e outros dois de seus discípulos.»

Natanael é o último dos discípulos chamados por Jesus. O evangelista quer chegar ao número sete que indica a totalidade dos discípulos. 

João 21,3: «Simão Pedro lhes disse: “Eu vou pescar”. Eles responderam: “Nós também vamos contigo”. Saíram, então, e subiram ao barco, mas não pescaram nada naquela noite.»

Pedro, ainda, continua em seu desejo de ser o líder. É ele quem toma as decisões. É uma característica do Evangelho que os discípulos, nos momentos difíceis, nos momentos de crise, em vez de estarem com Jesus, estejam com Simão Pedro. E os resultados são catastróficos. Jesus havia dito: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5) e disse que “Vem a noite, quando ninguém poderá trabalhar” (Jo 9,4b). Mas os discípulos ainda não entenderam. 

João 21,4-6: «Pela manhã, Jesus estava na praia, mas os discípulos não sabiam que era Jesus. Este perguntou-lhes: “Filhinhos, tendes alguma coisa de comer?” Responderam: “Não”. Ele lhes disse: “Lançai a rede à direita do barco, e achareis”. Eles lançaram a rede, e já não conseguiam puxá-la por causa da quantidade de peixes.»

Eis, então, a ação paciente de Jesus que renova o seu convite à missão. “Pela manhã”: portanto, quando a luz já começa, a imagem de Jesus. “Filhinhos”: um termo cheio de doçura, ternura, delicadeza. “Vós tendes alguma coisa de comer?”. Literalmente “o pão”, então algo para colocar no pão. “Grande quantidade”, literalmente, multidão.

Este termo “multidão” é importante porque o evangelista o usou no capítulo 5 no episódio da cura no templo de Jerusalém, na piscina de Betesda, quando havia uma multidão de cegos, coxos e paralíticos que eram os excluídos, os marginalizados. O que o evangelista quer dizer?

Que a missão do grupo de Jesus deve ser dirigida aos excluídos, marginalizados, rejeitados e alienados.

É lá que a pesca será abundante. 

João 21,7-8: «Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: “É o Senhor!” Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua túnica, pois estava despido, e lançou-se à água. Os outros discípulos vieram com o barco, arrastando a rede com os peixes. De fato, não estavam longe da terra, mas somente uns duzentos côvados [= 100 metros].»

O discípulo a quem Jesus amava”: o discípulo anônimo que continua sua presença em todo este seu evangelho. Ele tem a experiência do Senhor e imediatamente o reconhece. “Apertou a túnica na cintura”: literalmente, cingiu a túnica, o que significa uma atitude de serviço, como Jesus quando começou a lavar os pés dos seus discípulos [cf.: Jo 13,4]. Ele estava nu. É estranho que o discípulo que estava nu coloque seu manto e, depois, se jogue na água. O evangelista está naturalmente dando um significado figurativo a tudo isso. Nu porque não tem o distintivo do serviço de Jesus, porque é o SERVIÇO que torna alguém discípulo de Jesus. 

João 21,9: «Quando saltaram à terra, viram um braseiro preparado com peixe em cima e pão.»

Este fato do pão e do peixe lembra a partilha de pães e peixes que é uma imagem da Eucaristia [cf.: Jo 6,1-13]. 

João 21,10-12a: «Jesus disse-lhes: “Trazei alguns dos peixes que agora apanhastes”. Então, Simão Pedro subiu ao barco e puxou a rede para a terra. Estava cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes; e apesar de serem tantos, a rede não se rompeu. Jesus disse-lhes: Vinde e comei”.»

É a delicadeza de Jesus que se propõe como aquele que oferece a vida, como aquele que propõe esta VIDA. 

João 21,12b-14: «Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar quem era ele, pois sabiam que era o Senhor. Jesus veio, tomou o pão e lhes deu, e fez a mesma coisa com o peixe. Esta foi a terceira vez que Jesus, ressuscitado dos mortos, se manifestou aos discípulos.»

No amor que se torna dom, percebe-se a presença do Senhor. Estes de Jesus são os mesmos gestos que os evangelistas colocam na ceia eucarística. A Eucaristia é o alimento que restaura e comunica força. 

João 21,15-16a: «Depois de comerem, Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes? Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Jesus lhe disse: “Apascenta meus cordeiros”. E disse-lhe, pela segunda vez: “Simão, filho de João, tu me amas?” Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”.»

E é, neste ponto, que o evangelista finalmente resolve o problema de Simão Pedro. Quando Jesus conheceu Simão, neste evangelho, ele não o convidou a segui-lo [cf.: Jo 1,35-42]. Então aqui está o mais recente confronto dramático entre Jesus e este discípulo.

Filho significa discípulo, de João Batista. Ele permaneceu com a ideia de João Batista. “Sim, Senhor, sabes que gosto muito de ti”. Mas Jesus perguntou se ele o “ama” [em grego: ἀγαπᾷς με]. Ele sabe que não pode responder que o ama, na verdade ele diz que “gosto muito de ti” [em grego: φιλῶ σε]. Mas Jesus aceita a resposta. “Apascenta meus cordeiros”, ou seja, os elementos mais fracos da comunidade. E então volta à carga. Duas vezes Jesus pergunta se Pedro o ama e duas vezes ele lhe responde que gosta dele. 

João 21,16b-17a: «Jesus lhe disse: “Pastoreia minhas ovelhas”. Pela terceira vez, perguntou a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas?” Pedro ficou triste, porque Jesus lhe havia perguntado pela terceira vez: “Tu me amas?”. E respondeu: “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que te amo”.»

O número três, para o pobre Simão, lembra sua traição com o canto do galo. Duas vezes Jesus lhe perguntou “tu me amas?” e duas vezes Simão respondeu: “Eu gosto muito de ti”, agora, pela terceira vez, Jesus o pressiona e diz: “tu gostas muito de mim? Aqui está, finalmente, o colapso de Simão. Pedro ficou entristecido (finalmente chegou a hora da tristeza bater, não foi no momento da traição) que pela terceira vez lhe perguntasse: “Tu gostas muito de mim?”. Justamente ele, que pensava que se conhecia melhor que Jesus. Quando Jesus disse: “Esta noite, todos vós escandalizareis por minha causa” [Mt 26,31], ele disse: “Mesmo que todos se escandalizem por causa de ti, eu jamais me escandalizarei” [Mt 26,33]. Ele achava que se conhecia melhor do que Jesus, agora finalmente admite: “Senhor, tu sabes tudo. 

João 21,17b-19: «Jesus disse-lhe: “Apascenta minhas ovelhas. Em verdade, em verdade te digo: quando eras jovem, tu mesmo te cingias e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás os braços, e outro te cingirá e te levará para onde não queres”. Disse isso para dar a entender com que tipo de morte Pedro glorificaria a Deus. E acrescentou: “Segue-me”.»

Pedro seguiu Jesus pensando que estava seguindo um líder vitorioso, o messias triunfante, e Jesus, em vez disso, o faz entender que segui-lo significa passar pela ignomínia, pelo desprezo, pela cruz. Agora, finalmente, este discípulo compreendeu e aceitou este convite de Jesus. Pela primeira vez, Jesus convida Simão a segui-lo, justamente no final do Evangelho. Quando, finalmente, entendeu que seguir Jesus não prevê um caminho de honras, sucessos, poder, mas de AMOR e SERVIÇO e também de HUMILHAÇÕES e SOFRIMENTOS, só neste momento Jesus diz ao discípulo: “Segue-me”. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 3. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2019. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“Todas as pessoas podem ser grandes porque todas podem servir. Não é preciso ter um diploma universitário para servir. Não é preciso fazer concordar o sujeito e o verbo para servir. Basta um coração cheio de graça. Uma alma gerada pelo amor.” (Martin Luther King, Jr.: 1929 – 1968, pastor da Igreja Batista norte-americana, líder de movimentos pacíficos que buscavam o respeito aos direitos dos negros e o fim da discriminação racial em seu país)

Este Evangelho foi escrito, verdadeiramente para nós! Sim, pois tal como a comunidade do autor deste Quarto Evangelho, sentimos um grande fracasso em nossas atividades de evangelização! Há uma grande indiferença na sociedade, a maioria das pessoas não quer nada com nada, não gosta de compromissos, reuniões, atividades, encontros etc. As nossas “redes de pesca” também saem das águas vazias, sem nenhum peixe, em muitos casos! As lideranças envelhecem, se cansam, desanimam e desistem. Está complicado despertar, fazer surgir novas e boas lideranças em nossas comunidades cristãs. 

A grande pergunta é, sem dúvida: Como sustentar e reanimar a nossa fé em Cristo, o nosso seguimento dele? 

Assim como os discípulos que se encaminhavam para a aldeia de Emaús não viam Jesus com eles (cf. Lc 24,15-16), esses discípulos junto ao Mar de Tiberíades, também, não conseguem ver Jesus. Essa, aliás, é uma das piores consequências de nossa crise religiosa atual! Não conseguimos mais experimentar (= ver) Jesus em nossas vidas, em nosso cotidiano, em nossas atividades eclesiais! Como, muito bem, nos recorda J. A. Pagola:

«Preocupados em sobreviver, constatando, cada vez mais, a nossa debilidade, não nos é fácil reconhecer entre nós a presença de Jesus ressuscitado, que nos fala a partir do Evangelho e nos alimenta na celebração da ceia eucarística

Aquilo que se passa com São Pedro ilustra, bem, qual é a saída, qual é a solução para essa situação que vivemos. Vejamos:

1º) Temos, sem alguma dúvida, um líder autêntico em nossa Igreja, o qual é Pedro! Ele recebe um mandato de ser o pastor cuidadoso e vigilante do rebanho de Cristo que é a Igreja.

2º) A figura de Pedro destaca-se em meio dos demais apóstolos, sinal de que a Igreja primitiva sempre viu nele um líder para a comunidade dos seguidores de Jesus. Portanto, ouçamos o Papa! Sigamos suas recomendações! Acolhamos seus conselhos e testemunho! Ele é Pedro entre nós, hoje!

3º) O papado não está vinculado ao PODER, mas ao AMOR! Somente após confessar, por três vezes, que amava Jesus, Pedro é confirmado em sua missão de apascentar o rebanho cristão. O encargo de Pedro está vinculado ao seu amor por Cristo! Sem ele, nada há sentido.

4º) Finalmente, o mais importante! Ao final do diálogo com Pedro, Jesus lhe diz, pela primeira e última vez: “Segue-me!”. O segredo da FÉ, da ESPERANÇA e do AMOR cristãos é o SEGUIMENTO. 

É isso que nos falta hoje e sempre! Sermos aprendizes, alunos atentos de Jesus, ouvindo, meditando, compreendendo e praticando as PALAVRAS de Jesus, em seu Evangelho; e alimentando-nos do PÃO E VINHO DA VIDA, na ceia eucarística (= Missa). Sem isso, nada seremos, nada conseguiremos! Nossa pesca seguirá sendo malsucedida! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Obrigado, Pai, por teres me acompanhado além da noite, rumo ao novo amanhecer onde teu Filho Jesus me encontrou, obrigado por teres aberto meu coração para acolher a Palavra e teres operado o prodígio de uma pesca superabundante em minha vida. Obrigado pelo batismo nas águas da misericórdia e do amor, pelo banquete à beira-mar. Obrigado pelos irmãos e irmãs que sempre se sentam comigo ao redor da mesa do Senhor Jesus, oferecido por nós. E obrigado por não te cansares de abordar nossa vida e expor nosso coração, tu que unicamente podes curá-lo de verdade. Por fim, agradeço o apelo que o Senhor me dirigiu hoje, dizendo: “Tu, segue-me!”. Ó Amor infinito, quero ir contigo, quero levar-te aos meus irmãos! Amém.»

(Maria Anastasia di Gerusalemme Cucca. 3ª Domenica di Pasqua.In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio Divina per l’anno liturgico C. Sui vangeli festivi. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 258-259)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – III Domenica di Pasqua – 05 maggio 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 25/04/2022).

domingo, 24 de abril de 2022

Somos, mesmo, educados?

 Telmo José Amaral de Figueiredo

Padre, Biblista e Teólogo – Diocese de Jales – SP 

FERNANDO SAVATER

Somente a educação pode construir uma sociedade democrática, livre, igualitária e boa para todos!

Apesar da quaresma e, juntamente com ela, a Campanha da Fraternidade, ter se concluído, no entanto, o tema proposto para este ano de 2022 não pode ser esquecido: “Fraternidade e Educação”. Afinal, não há nada de mais importante do que a educação!

Em seu parágrafo de número 57, o Texto-Base da CF 2022 nos dizia: “É preciso educar para viver em comunhão. Educar para conceber a democracia como um estado de participação”. Portanto, mais do que nunca, necessitamos da verdadeira educação para sobrevivermos como sociedade, pois a educação é tão importante quanto a confiança que depositamos nas outras pessoas.

Há um filósofo espanhol, um dos mais influentes desses últimos 40 anos, Fernando Savater, que pode nos ajudar muito a refletir sobre esse assunto. Nada ameaça mais a democracia, a vida plena em sociedade do que a ignorância, que é o contrário de ser educado! Pois os ignorantes têm um voto que vale tanto quanto o voto da pessoa educada e consciente. São eles que favorecerão os projetos de demagogos, os retrocessos das instituições, dificultarão a implementação de medidas que implicarão sacrifícios, como preservar mais e melhor a natureza, mas que se fazem necessárias.

Porém, cuidado! O que se entende, aqui, por “ignorante”? Não é a pessoa que não conhece bem a geografia, a matemática, a língua portuguesa ou coisas do gênero. O verdadeiro ignorante é aquele que é incapaz de entender um argumento que não seja dele! É a pessoa incapaz de compreender um texto simples que expõe uma série de questões importantes. Como sintetiza bem Savater: “O ignorante é incapaz de persuadir os outros ou de ser persuadido pelos outros”. E quem não é capaz disso, afirma Savater, não está preparado para a vida democrática! Afinal, a democracia parlamentar é um regime de persuasão mútua.

E, ao contrário do que muita gente pensa, ser persuadível não é algo negativo! Savater diz que: “Todos deveríamos nos orgulhar de permitir que nos convencessem da verdade”. Por isso, nem todas as opiniões são respeitáveis. E o modo de respeitar as diversas opiniões é discuti-las. Como Savater nos bem recorda: “No latim, discutere é puxar uma árvore para ver se tem raízes fortes ou não. Quando alguém discute uma opinião, quer verificar se ela tem raízes no real, na realidade, ou se não tem, se é algo meramente superficial”.

A educação é imprescindível para sabermos discutir as opiniões, para não acreditarmos no primeiro palpite que nos chega, para não sermos enganados com falsas informações e notícias! Aqui, dá-se o encontro da EDUCAÇÃO com a ÉTICA, a qual preocupa-se em reforçar virtudes, formas de força, formas de solidez da vida social, segundo Savater. E quais seriam as virtudes que devem ser reforçadas em nossos educandos nos tempos de hoje?

Savater responde, sugerindo três virtudes:

1ª) A coragem de viver, pois todos enfrentamos a morte, as dificuldades e as ameaças que a nossa existência nos traz. Savater é enfático: “Sem coragem, uma pessoa virtuosa não saberá exercer suas virtudes”.

2ª) Generosidade para poder conviver. Porque conviver sempre exige ceder. Conviver com os outros é sempre um pouco frustrante e doloroso. Savater observa: “Precisamos de generosidade para suportar os desejos alheios e para ajudar, também, a quem não pode cumprir suas próprias expectativas sociais”.

3ª) Prudência para sobreviver. Afinal, a vida é repleta de armadilhas, dificuldades e riscos. Fazer o bem é muitas vezes arriscado. Por isso, “de nada serve o martírio sem algum proveito”.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

2º Domingo de Páscoa – Ano C – Homilia

 Evangelho: João 20,19-31

 Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

O cristão deve ser a expressão do amor de Deus

O primeiro dia da semana é o dia da ressurreição de Jesus. Os discípulos assumiram o hábito, a iniciativa de se reunir para a celebração eucarística. E o capítulo 20 do Evangelho de João nesses versos, de 19 a 31, que a Liturgia hoje nos apresenta, diz respeito precisamente ao significado profundo da celebração eucarística.

A Eucaristia é o momento importante, indispensável e valioso para o crescimento individual e o crescimento da comunidade.

O evangelista, nesta passagem, nos dá seu profundo significado, vamos ver. 

João 20,19ab:** «Ao entardecer daquele dia, o primeiro da semana, os discípulos estavam reunidos, com as portas trancadas por medo dos judeus. Jesus entrou e pôs-se no meio deles.»

A comunidade está reunida no primeiro dia da semana e escreve João que “Jesus entrou”, isto é, veio até a comunidade. Toda vez que a comunidade se reúne, Jesus se manifesta. Neste texto, o evangelista evita usar o verbo “aparecer”. Pois não são aparições, são encontros, são manifestações habituais de Jesus quando sua comunidade se reúne. A indicação que dá o evangelista sobre a posição de Jesus é importante: “pôs-se no meio deles”. Quando Jesus se manifesta coloca-se no centro. Qual é o significado disso? Jesus não se põe à frente dos outros, ele nem sequer se coloca acima das pessoas, o que pressuporia que algumas pessoas poderiam estar mais próximas dele! Não, Jesus se coloca no centro. Isso significa que na Eucaristia não há hierarquias e importâncias, mas todos são iguais ao redor de Jesus. Mas Jesus do centro não absorve os seus discípulos, não os atrai para si mesmo, mas de lá ele comunica seu amor, ele potencializa seu amor aos seus para que esses possam transmiti-lo com ele e como ele aos demais. 

João 20,19c: «Disse: “A paz esteja convosco”.»

Bem, uma vez Jesus se põe ao centro, pronuncia as palavras que são repetidas três vezes neste texto, o número três significa o que é completo, o que é definitivo: “Paz a vós!”. Essas palavras de Jesus não são um convite ou um desejo, Jesus não diz “a paz esteja convosco” [como nos traz a tradução da CNBB], mas um dom. Na Eucaristia, a presença de Jesus comporta um dom. Paz, como conhecemos no mundo judeu, tem um significado muito rico, indica tudo o que contribui para o bem-estar dos seres humanos. Pois bem, Jesus se preocupa com o bem-estar de seus discípulos e ele lhes proporciona isso. 

João 20,20a: «Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. »

Porém, aquilo que Jesus diz não são meras palavras, são fatos! Na verdade, o evangelista escreve que “Dito isso”, portanto, depois de ter dado a paz aos seus discípulos, mostrou-lhes suas mãos e seu lado trazendo os sinais de paixão. A ordem de prisão, nós o sabemos, havia sido expedida para todo o grupo de Jesus. Foi Jesus que havia dito que o verdadeiro pastor é aquele que dá sua vida por suas ovelhas. No momento de sua prisão, em um gesto de coragem, ele disse aos guardas: “Se é a mim que procurais, deixai estes irem” [Jo 18,8b). Jesus não quis ser defendido pelos seus discípulos, que estavam prontos para dar a vida pelo seu mestre, não. Foi ele quem deu a vida pelos seus discípulos. Portanto, mostrar as mãos e o lado com os sinais da paixão significa afirmar que esse amor que levou Jesus a dar vida, sua própria vida por seus discípulos permanece para sempre. Assim, a comunidade, ao receber esse dom da paz, recebe a segurança da presença de um amor do Senhor que é para sempre, um amor que protege, um amor que envolve, um amor que segue e acompanha seus discípulos. 

João 20,20b: «Os discípulos, então, se alegraram por ver o Senhor.»

A alegria dos discípulos é produzida pela experiência de se sentir tão amados! Há uma expressão que usamos com frequência: “nas mãos do Senhor”. Estar nas mãos do Senhor não é apenas o estágio final de um momento de dificuldade, mas é a constante experiência dos membros da comunidade cristã, sentir-se nas mãos do amor do Senhor. 

João 20,21: «Jesus disse, de novo: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, eu também vos envio”.»

Então, Jesus torna a repetir este dom da paz, mas desta vez ele acrescenta: “Como o Pai me enviou”. Como o Pai enviou seu filho? Para manifestar o seu amor, a sua ternura incondicional, um amor que não depende dos méritos das pessoas, mas de suas necessidades. O Pai não enviou seu Filho para transmitir uma doutrina sobre ele, mas para manifestar o seu amor, a sua ternura.

Então Jesus diz: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Aqui está a tarefa dos cristãos:

Prolongar no mundo, com seu amor, o próprio amor do Pai e do Filho que lhes foi derramado.

E, como Jesus não veio trazer uma doutrina sobre Deus, do mesmo modo, a comunidade cristã não deve transmitir uma doutrina, mas ser uma expressão do seu amor. Como se exprime o seu amor? Através do afeto. O afeto é um gesto de ternura que todos podem compreender. 

João 20,22: «Dito isso, soprou sobre eles e falou: “Recebei o Espírito Santo...»

Após esse mandato aos discípulos para serem capazes de manifestar o amor de ternura próprio de Deus, Jesus “soprou sobre eles”. É a expressão que encontramos no livro de Gênesis, no capítulo 2, versículo 7, quando é o momento da criação do homem. Disse, então, Jesus: Recebei Espírito Santo. Ele não diz:o Espírito Santo” [como vemos na tradução oficial da CNBB]. Por que não é “o” Espírito Santo? Porque, assim, não seria a totalidade. Jesus havia dito que dava o Espírito sem medida. Da parte de Deus, a comunicação da vida é sem medida, a medida é colocada pela pessoa humana.

Aquelas partes que, ainda, são ocupadas por ressentimentos, rancores e egoísmo são todas as partes onde o Espírito não pode chegar.

Mas, onde esse espírito é acolhido na plenitude, desencadeia-se um dinamismo de amor recebido e de amor comunicado. Quão maior for a capacidade do discípulo em comunicar amor, tanto maior será a capacidade de receber esse Espírito da parte de Deus. 

João 20,23: «... A quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos”.»

Depois disso, há a indicação de Jesus sobre o perdão dos pecados, o qual não é um importante encargo que Jesus dá a alguns, não é um poder que Jesus dá a alguém, mas é uma responsabilidade para todos. A comunidade de Jesus, com ele no centro onde esse amor é irradiado, emana luz. Quem vive no pecado é aquele que segue uma direção errada de vida, pois pecado indica isso, portanto, diz respeito ao passado. Pois bem, aqueles que, vivendo no pecado, se sentirem atraídos pela luz desse amor e passarem a fazer parte dele [na comunidade dos fiéis], verão seu passado completamente cancelado [= perdão]. Aqueles que, em vez disso, mesmo vendo a luz desse amor se afastam dele, sobre esses permanece a presença de sua culpa e de seu pecado. Como Jesus havia dito: “Todo o que pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz” (Jo 3,20a). Então, como dissemos, não é um poder para alguns, mas uma grande responsabilidade da comunidade cristã ser a luz do amor do Pai. 

João 20,24: «Tomé, chamado Dídimo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio.»

Dídimo significa “gêmeo”. Por que é chamado de gêmeo? Porque ele é o único que entendeu Jesus, na hora da ressurreição de Lázaro, dizendo: “Vamos também nós, para morrermos com ele”. (Jo 11,16b). É ele que tem os mesmos sentimentos que Jesus. Por que Dídimo não está trancado com eles naquele lugar? Porque ele não tem medo de ter o mesmo fim que Jesus, ele não tem medo como os outros discípulos que estão fechados. 

João 20,25: «Os outros discípulos contaram-lhe: “Nós vimos o Senhor!” Tomé, porém, disse: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não crerei”.»

Essa atitude de Tomé não é uma negação, é o desejo e a impossibilidade de acreditar em algo maravilhoso. A expressão de Tomé deve ser entendida, um pouco, como quando nos transmitem uma notícia belíssima e inesperada! Qual é a nossa reação? Dizemos: “não, isso não é verdade!” Não é que neguemos a notícia, é que ela é tão bonita que nos parece impossível. Ou quando dizemos: “não, não acredito!” Não é que não queiramos acreditar, mas é uma notícia tão boa! Essa é a atitude de Tomé. 

João 20,26-28: «Oito dias depois, os discípulos encontravam-se reunidos na casa, e Tomé estava com eles. Estando as portas trancadas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão, coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê”. Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!”»

Volta novamente o rito da Eucaristia, do encontro com Jesus. Eis, de novo, a característica de Jesus de estar no meio de seus discípulos, e ele diz pela terceira vez nesta passagem: “Paz a vós!”. Aqui o evangelista apresenta a maior manifestação, um certificado de fé de todos os Evangelhos. Os outros discípulos, por meio de Pedro, chegaram a acreditar que Jesus era o filho de Deus, o filho do Deus vivo, mas Tomé é o único que, voltando-se para Jesus, lhe diz:Meu Senhor e meu Deus!” O evangelista, no prólogo, havia dito que ninguém jamais viu Deus e seu filho foi sua revelação e, agora, Tomé manifesta a plenitude da fé. Portanto, Tomé, estranhamente passado para a história como o discípulo incrédulo, é na verdade aquele que proclama e explode na mais alta manifestação de fé nos Evangelhos. 

João 20,29: «Jesus lhe disse: “Por que me viste, creste? Felizes os que não viram e creram!”»

É a última bem-aventurança, há duas delas no Evangelho de João. A primeira é a bem-aventurança do serviço e, agora, é a bem-aventurança da fé. O serviço, exercido livre e voluntariamente por amor ao próximo, torna possível a experiência do Cristo ressuscitado na vida. Aqui, Jesus proclama bem-aventurados os que creem sem precisar ver, aos que querem sinais para ver, para crer, Jesus propõe: “Não, creia e você se torna um sinal que os outros podem ver!” 

João 20,30: «Jesus fez diante dos discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro.»

É um convite que o evangelista faz: escrevam seu livro, escrevam seu evangelho, nós transmitimos nossa experiência para vocês, vocês a fazem sua e depois escrevem seu evangelho. Foi o que aconteceu, pelo menos até o século IV, nas comunidades cristãs primitivas. 

João 20,31: «Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.»

A fé em Jesus dá uma vida de tal qualidade que pode vencer a morte. O evangelista usa para o termo “vida” o que indica vida eterna, uma vida que se chama eterna não tanto por sua duração indefinida, mas por sua qualidade indestrutível.

Acolher Jesus na própria existência significa realizá-la plenamente.

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 4. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2020.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“Não vivemos para morrer. Morremos para ressuscitar, para viver mais e melhor.” (Leonardo Boff: teólogo, filósofo e escritor brasileiro)

Todo o relato evangélico deste domingo liga-nos à Eucaristia, à mesa da partilha da Palavra e do Pão. Porém, algo urgente precisa acontecer na evangelização católica e cristã em geral: ressignificar a Eucaristia, a “missa”, como popularmente é mais conhecida! Sim, a missa foi perdendo o profundo significado e impacto que deveria ter em nossas vidas. As pessoas, que participam da Santa Missa, saem, quase sempre, da mesma maneira de como entraram na igreja para celebrá-la! 

Jesus nos recorda, nesse encontro que teve com seus discípulos, sem a presença de Tomé, quatro “ofertas”, quatro “doações”, ou seja, “quatro partilhas” que se realizam durante a Eucaristia. São elas:

1ª) Doação da Paz: “Paz a vós!”, diz Jesus por três vezes, no Evangelho deste domingo. Jesus quer o bem-estar pleno, completo para a vida de seus irmãos, nesta Terra.

2ª) Doação da vida: “Mostrou-lhes as mãos e o lado”, sinais da paixão, sinais de sofrimento e morte, sinais de um pastor capaz de dar sua vida pelas suas ovelhas.

3ª) Doação do Amor: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio”, a missão que o Pai deu ao seu Filho Jesus foi amar a humanidade e ajudar os seres humanos a amarem o seu Deus.

4ª) Doação do Espírito Santo: “Soprou sobre eles e falou: ‘Recebei Espírito Santo’”, é o Espírito de Deus que garante as doações anteriores (da paz, da vida e do amor). Pois o Espírito é a demonstração da comunicação da vida sem medida, do amor pleno de Deus pelos seres humanos! 

A reunião dos cristãos, no primeiro dia da semana (= domingo), para celebrar a Eucaristia não é um ato formal, um simples ritual, um encontro social, mas a comunicação plena da vida e do amor de Cristo aos seus seguidores, para que, estes prolonguem seu amor entre todos os outros seres deste planeta! Portanto, celebrar a Eucaristia é:

Viver COM e COMO Jesus! Significa termos uma vida de qualidade especial, superior! É lutar para vencer a MORTE, todos os tipos de morte: a fome, a miséria, a violência, as guerras, as torturas, as injustiças, as desigualdades sociais, o desperdício, a destruição da natureza, a exploração irracional de nosso planeta etc.

O mundo necessita VER, ou seja, experimentar, a nossa paz, a nossa vida, o nosso amor para poder CRER! O Quarto Evangelho estabelece uma relação básica entre “ver” e “crer” (cf.: Jo 4,48; 6,30.36; 9,37-38; 11,40; 20,8.27.29). Tomé exigia “ver” e “tocar” (Jo 20,25), porém, quando ele faz a experiência de Jesus vivo diante dele, basta-lhe “ver” para realizar o seu ato de fé (Jo 20,28). Que o mesmo se dê, também, com cada um de nós! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor, eu quero te agradecer por toda essa jornada maravilhosa que tu me fizeste realizar. Obrigado, porque tu me fizeste voltar, tu me permitiste, finalmente, encontrar a mim mesmo(a), aquela parte de mim tão profundamente perdida e sozinha. Obrigado, porque iluminaste o meu entardecer, a minha morte, como um Sol vivo, que não tem pôr-do-sol, mas que nasce continuamente, sereno e bom, calmo e acolhedor. [...]

Obrigado, porque tu voltaste de novo, depois de oito dias e ainda vieste me procurar. Tu te fazes gêmeo de alguém como eu e não tens vergonha! Obrigado por teu forte e amoroso convite para dizer meu sim. Tu me ajudaste a acreditar novamente; tu tiraste a fé da pedra dura que eu tinha colocado no meu coração.

Obrigado pelos irmãos e irmãs que tu colocaste no meu caminho, para compartilhar a experiência do encontro contigo, da descoberta, do conhecimento de teu amor tão misterioso, tão novo e diferente.

E finalmente, ó meu Senhor e meu Deus, obrigado por confiar em mim, porque tu és o primeiro a confiar, a acreditar, a ter intimidade. E então, todos os dias, tu me dás a possibilidade, a alegria de anunciar que tu estás vivo e ressuscitado para sempre. Amém.»

(Maria Anastasia di Gerusalemme Cucca. 2ª Domenica di Pasqua.In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio Divina per l’anno liturgico C. Sui vangeli festivi. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 246-247)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – II Domenica di Pasqua – 28 aprile 2019 e 3 aprile 2016 – Internet: clique aqui (Acesso em: 20/04/2022).

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Vigília Pascal (Sábado) – Ano C – Homilia

 Evangelho: Lucas 24,1-12

 Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Repartindo vida, se ressuscita!

O capítulo 24 é o capítulo onde o evangelista descreve a ressurreição de Jesus e seu impacto na fé dos discípulos, a dificuldade deles em entender isso. Mas o capítulo 23 terminou com esta observação: “E, no sábado, repousaram, segundo o preceito”. São as mulheres que foram ao sepulcro para ver onde Jesus foi sepultado, mas não procedem à unção, ao embalsamamento de Jesus porque já é sábado. E nenhum trabalho pode ser feito aos sábados.

O evangelista denuncia como a comunidade tem dificuldade em abandonar o antigo, ainda observando o mandamento do descanso do sábado, para se abrir à novidade trazida por Jesus. A observância da lei impede que se faça a experiência de Cristo ressuscitado. O evangelista escreve no capítulo 24: “No primeiro dia da semana”. Este primeiro dia lembra o primeiro dia da criação.

É uma nova criação, onde o homem tem uma vida capaz de superar a morte. 

Lucas 24,1-3:** «No primeiro dia da semana, bem de madrugada, as mulheres foram ao túmulo, levando os aromas que tinham preparado. Encontraram a pedra removida do túmulo, mas ao entrarem, não encontraram o corpo do Senhor Jesus.»

Foram no primeiro dia da semana, porque no sábado não puderam fazê-lo devido à observância do mandamento. O evangelista não especifica os métodos de remoção da pedra. É claro que elas não encontram o corpo do Senhor Jesus porque estão procurando por Jesus no único lugar onde ele não pode estar.

Jesus é o vivo, o vivificante e não pode estar no reino da morte, no lugar dos mortos. 

Lucas 24,4: «Ficaram perplexas, mas eis que se apresentaram junto delas dois homens com vestes resplandecentes.»

Já vimos esses dois homens no episódio da transfiguração. Eles eram Moisés e Elias; é uma técnica do evangelista Lucas nomeá-los apenas na primeira vez que aparecem. Então eles apontam para Moisés e Elias. O evangelista observa: “com vestes resplandecentes”, o mesmo que na transfiguração [cf. Lc 9,28-36]. 

Lucas 24,5-6: «Tomadas de medo, voltaram o rosto para o chão, mas eles disseram-lhes: “Por que buscais entre os mortos o vivente? Não está aqui. Ressuscitou! Lembrai-vos de como vos falou, estando ainda na Galileia:»

E o que o evangelista, agora, coloca na boca desses dois personagens é uma grande verdade de fé que diz respeito não apenas à experiência do Cristo ressuscitado, mas diz respeito à vida de todos os crentes e seu impacto com a morte: “Por que buscais entre os mortos o vivente?O sepulcro é o último lugar onde elas poderiam encontrar Jesus. Se se acredita que a morte não só não interrompe, mas permite que o indivíduo entre em uma condição nova, plena e definitiva, o sepulcro é o último lugar onde ele pode ser encontrado.

Quando um ente querido morre, mesmo que seja doloroso, você tem que escolher entre lamentá-lo como morto ou vivenciá-lo. Se você chora como se estivesse morto, você vai ao túmulo, mas lá não está a pessoa, você tem que experimentá-la como viva. Aqui, então, está o aviso desses dois: “Por que buscais entre os mortos o vivente?” Não se pode procurar entre os mortos aquele que continua a viver!

Moisés e Elias remetem as mulheres, as discípulas de volta ao ensinamento de Jesus. Não se fala de messias, mas do Filho do homem, ou seja, do homem que atingiu a condição, que não é característica exclusiva de Jesus, mas uma possibilidade para todos aqueles que o seguem. 

Lucas 24,7: «‘É necessário que o Filho do Homem seja entregue nas mãos dos pecadores, seja crucificado e, no terceiro dia, ressuscite’”.»

E aqui o evangelista coloca uma terrível acusação contra a casta sacerdotal no poder, ao fazer menção ao que Jesus havia dito após seus anúncios da paixão: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar” [Lc 9,22 – cf. Lc 9,44; 17,25; 18,32-33]. Ele se refere aos membros do Sinédrio, o mais alto corpo jurídico de Israel.

Aqueles que Jesus indicou como os componentes [do Sinédrio], agora, na boca desses dois personagens, são os pecadores. As pessoas que se consideravam mais próximas de Deus, mais afastadas do mundo, do pecado, na verdade são os pecadores, porque mataram a vida, agiram contra a vida. 

Lucas 24,8: «Então as mulheres se lembraram das palavras de Jesus.»

“Lembrar”, no sentido de compreender. 

Lucas 24,9-10: «Voltando do túmulo, anunciaram tudo isso aos Onze, e a todos os outros. Eram elas Maria Madalena, Joana e Maria de Tiago. Também as outras, que estavam com elas, contaram essas coisas aos apóstolos.»

Já não são doze, mas onze, o número não será reconstituído. As principais mulheres que vivenciaram essa experiência foram: Maria Madalena, que o evangelista nos apresentou como a mulher de quem saíram os sete demônios [cf. Lc 8,2-3], Joana, esposa de Cuza, cobrador de impostos de Herodes, e Maria, mãe de Tiago. 

Lucas 24,11: «Estes, porém, acharam tudo o que relataram um delírio e não acreditaram.»

Aqui está a reação dos apóstolos. Por quê? Porque as mulheres não são credíveis como testemunhas. De acordo com a tradição judaica, Deus jamais falou com alguma mulher. É verdade que ele havia falado com uma mulher, Sara, mas como ela lhe respondeu com uma mentira, uma mentira inofensiva, a partir daquele momento Deus não falou mais com nenhuma mulher [cf. Gn 18,12-15]. E devido à mentira de Sara, as mulheres não eram consideradas testemunhas credíveis. Pois bem, o anúncio da ressurreição é feito precisamente para pessoas que não são credíveis. 

Lucas 24,12: «Pedro, no entanto, levantou-se e correu ao túmulo. Olhou para dentro e viu apenas os lençóis. Então voltou para casa, admirado com o que acontecera.»

Os personagens que apareceram para as mulheres, acabaram de dizer que Jesus não pode estar no lugar dos mortos, mas Pedro ainda não entende e corre para o túmulo. A crença de que Jesus ressuscitou não vem de ver um túmulo vazio, mas de encontrar uma pessoa viva. E se encontra o VIVENTE, como se verá no próximo episódio dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35], quando Jesus partir o pão.

Quando se REPARTE a própria vida pelos outros, existe a possibilidade de experimentar aquele que ressuscitou.

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 4. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2020. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“É a Ele (Jesus) que eu procuro, a Ele, que morreu por nós; é Ele que eu quero, Ele, que ressuscitou por nós” (Santo Inácio de Antioquia: foi bispo de Antioquia, na Síria, entre 68 a 100/107 – teólogo e escritor)

De tanto ouvirmos, em celebrações e leituras, essa passagem da ressurreição, corremos o risco de nos tornarmos indiferentes a ela, não nos impressionarmos mais com esse relato! Sim, o hábito traz a rotina! É preciso ficar claro, aqui, que não se trata de uma mera revivificação de Jesus. Reviver significa retornar a esta vida que temos, aqui na terra. Enquanto que, ressuscitar significa transcender esta vida. Pois, aquele que ressuscita alcança uma plenitude tal de vida, que não morre mais! Essa é a grande diferença! 

A vida triunfa sobre a perseguição, julgamento, condenação e morte de um “delinquente” chamado Jesus de Nazaré. É claro que não se pode provar, verificar historicamente que Jesus tenha ressuscitado! Esse é um tipo de verdade que se fundamenta na fé, ou seja, na esperança de que a morte não tenha mais a última palavra em nossa vida! É nessa fé, aliás, que se funda toda a esperança de nós, cristãos! Como nos adverte, muito bem, São Paulo:

«Se Cristo não ressuscitou, a vossa fé é ilusória e ainda estais nos vossos pecados... Se é só para esta vida que pusemos a nossa esperança em Cristo, somos, dentre todos os homens, os mais dignos de compaixão» (1Cor 15,17.19).

A questão mais importante que essa celebração nos propõe é a seguinte:

Como nos encontramos com o Cristo Ressuscitado, com o Cristo vivo?

duas maneiras para isso, as quais se complementam e, eu diria mais, são interdependentes:

a) Encontramos com o Ressuscitado dentro de nós, percorrendo um caminho interior. Como nos adverte J. A. Pagola, “se não o encontramos dentro de nós, não o encontraremos em nenhuma parte”. Talvez por isso, a nossa fé seja tão triste, tão improdutiva, tão rotineira! Qual é o Jesus, afinal, que nós buscamos? Qual é a causa última de nossa alegria? Em que fundamentamos, de verdade, a nossa vida? Sem um contato pessoal com o Cristo, não teremos a força da fé e a esperança na vida que jamais se acaba!

b) Encontramos com o Ressuscitado quando partilhamos a vida como ele fez! Quando não poupamos a nossa vida é que temos vida, de verdade: “quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder sua vida por causa de mim e do Evangelho, a salvará” (Mc 8,35 – cf.: Mt 16,25; Lc 17,33; Jo 12,25). “Perder”, nesse sentido, significa consumir, desgastar, empregar a vida em busca da realização do Reino de Deus neste mundo. 

Assim sendo, é assustador ver quanta gente não está sabendo ou desejando viver a vida de um modo que vale, de verdade, a pena! Quanto de nossas preciosas vidas desperdiçamos com atividades, ocupações que não nos enriquecem em nada, não nos acrescentam nada, não nos valorizam em nada! É bom lembrar que o Cristo não quer que seus irmãos tenham uma vida qualquer! Por isso, ele afirmou com tanta clareza: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Que a tua Páscoa de morte e ressurreição, Jesus, seja a pedra angular de todos os meus dias: que a luz da nova manhã me suscite o agradecimento pela tua luz de vida nova; que os acontecimentos do dia provoquem em mim uma invocação pelos irmãos e me impulsionem a recordar sempre e partilhar um pouco mais a vossa paixão e a vossa oferta na expectativa ativa do vosso regresso na glória; que o cair da noite lembre-me que “sem ti nada posso fazer” e oriente-me a abandonar-me em ti com toda a confiança. Em cada acontecimento, pensamento, gesto, escolha, posso procurar-te e encontrar-te vivo e atuante, surpreendente e conhecido, recordando a tua Palavra que fecunda a minha história e a renova porque Tu vives.»

(Marianerina De Simone. Veglia pasquale nella notte santa. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio Divina per l’anno liturgico C. Sui vangeli festivi. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 224)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – Pasqua – 21 aprile 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 13/04/2022).