Domingo de Ramos – Ano C – Homilia

 Evangelho: Lucas 19,28-40

 Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Jesus: um messias contra as expectativas

No Domingo de Ramos a Igreja nos apresenta na liturgia a entrada de Jesus em Jerusalém, segundo o Evangelho de Lucas capítulo 19, dos versículos 28 a 40. Para entender o que o evangelista nos escreve devemos ter em mente a profecia do livro do profeta Zacarias, capítulo 9, versículo 9.

Leiamos esta profecia que nos faz entender aquilo que o evangelista desenvolverá mais tarde:

Enche-te de grande júbilo, filha de Sião”, isto é, Jerusalém, mas também indica todo o povo, “prorrompe em gritos, filha de Jerusalém! Eis que teu rei vem a ti; ele é justo e salvador”.

E, até aqui, essa era a expectativa que se tinha do rei, do messias, do libertador de Israel, mas então Zacarias apresenta algo novo, uma imagem sensacional:

Humilde e montado num jumento, sobre um jumentinho, filho de uma jumenta”.

A montaria real era geralmente a mula ou o cavalo. Nunca antes um rei foi visto montando um jumentinho. O profeta quer indicar que existe uma forma de ser messias completamente diferente do que se esperava.

Um messias modesto, um messias humilde, um messias que monta a montaria que era aquela do povo, mas não só:

Exterminarei os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém”. As carruagens são as carruagens de guerra. Prossegue profetizando: “Será exterminado o arco de guerra, e ele falará de paz às nações”.

Esta foi a profecia de Zacarias. Mas uma profecia que havia sido deixada de lado, como que esquecida, porque o messias que havia de vir devia ser filho de Davi, isto é, alguém que, como o grande rei que conseguiu unificar as tribos de Israel, através do poder, força e violência, restaure o extinto reino de Israel.

Leiamos, então, como o evangelista nos apresenta tudo isso. 

Lucas 19,28:** «Depois dessas palavras, Jesus caminhava à frente dos discípulos, subindo para Jerusalém.»

Refere-se à parábola das minas, a parábola dos talentos (Lc 19,11-27), em que há um grupo de pessoas que não quer que um tal seja nomeado seu rei. Então há a rejeição da realeza, que antecipa o que será a rejeição pelo povo de Jesus como rei. Essa é a etapa final de sua jornada. 

Lucas 19,29-30a: «Quando se aproximou de Betfagé e Betânia, junto ao monte chamada das Oliveiras, enviou dois de seus discípulos, dizendo: “Ide ao povoado ali na frente.»

É uma característica de todos os evangelistas nunca fazer alusão à morte de Jesus sem, também, se referir à sua ressurreição. Se Jerusalém é a cidade onde Jesus será assassinado, Betânia será o lugar da ressurreição e ascensão de Jesus. A aldeia nos Evangelhos tem sempre um significado negativo, a aldeia é o lugar da tradição, o lugar onde sempre se veem as novidades com desconfiança, portanto, essa imagem da aldeia é a de um lugar preso ao passado e que rejeita o novo. 

Lucas 19,30b: «Logo na entrada encontrareis, amarrado, um jumentinho no qual ninguém jamais montou. Desamarrai-o e trazei-o.»

Nesta passagem, é importante o uso do verbo “desamarrar” que será repetido quatro vezes. Qual é o significado que o evangelista quer dar a isso que, em si, parece ilógico. O que é que eles têm que desamarrar? Eles devem desatar esta profecia [de Zacarias] que estava como se estivesse acorrentada, como se estivesse amarrada, porque eles não queriam um messias modesto, um messias de paz. Isso devem desatar. Mas são os discípulos que devem ser convencidos disso primeiro. 

Lucas 19,31-35a: «E se alguém vos perguntar: ‘Por que o desamarrais?’, respondereis assim: ‘O Senhor precisa dele’”. Os enviados partiram e encontraram tudo como Jesus lhes havia dito. Enquanto desamarravam o jumentinho, os donos perguntaram: “Por que desamarrais o jumentinho?” Eles responderam: “O Senhor precisa dele”. E o levaram a Jesus.»

Dissemos que o discurso parece irreal, ilógico. De fato, é um discurso irreal. Mas o evangelista, mediante essa falta de lógica da narrativa, quer que compreendamos o significado: Jesus desamarra essa profecia que ficou amarrada porque a ninguém interessa um rei assim. E, enquanto os senhores (ou seja, os donos) amarram, o Senhor Jesus é quem solta! 

Lucas 19,35b-36: «Então puseram seus mantos sobre o jumentinho e ajudaram Jesus a montar. Enquanto ele passava, o povo ia estendendo seus mantos no caminho.»

O manto, no simbolismo judaico, indica a pessoa, a identidade da pessoa, então os discípulos aceitam esse messias da paz e o colocam sobre o jumentinho, esse veículo de paz. No entanto, há outros que não entendem isso, pois recordam o ato de entronização do rei, quando o povo estendia o manto no caminho (o manto como dissemos indica a pessoa) e o rei passava por cima deles, seja a cavalo ou a pé, e isso significava submissão.

Essa ambiguidade no texto levará ao trágico fim de Jesus quando ele for abandonado.

Quando percebem que ele não é o rei, o messias, o libertador, o vencedor com violência, o mesmo povo que, agora, o aclama, será quem gritará: “Crucifica-o!”

Lucas 19,37-38: «Quando chegou perto da descida do Monte das Oliveiras, a multidão dos discípulos, cheia de alegria, começou a louvar a Deus em alta voz, por todos os milagres que tinham visto. E exclamavam: “Bendito o Rei, que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!”»

E aqui está a citação de um salmo, o salmo 118, aquele da entronização do Messias. E, em seguida, o evangelista acrescenta o anúncio que os anjos fizeram aos pastores para indicar o nascimento de Jesus: “Paz no céu e glória nas alturas!” Jesus é um messias de paz, é um messias que é dom de Deus. Esta aclamação, por parte dos discípulos, provoca a reação furiosa dos fariseus. 

Lucas 19,39: «Do meio da multidão, alguns dos fariseus interpelaram Jesus: “Mestre, repreende teus discípulos!”»

Este verbo “repreender” é usado para demônios, os endemoniados. Para os fariseus é como se os discípulos de Jesus estivessem possuídos por uma ideologia demoníaca aclamando um messias não violento, eles não aceitam isso. 

Lucas 19,40: «Ele, porém, respondeu: “Eu vos digo: se eles se calarem, as pedras clamarão”.»

E se refere a uma profecia conhecida, a do profeta Habacuc [2,11], na qual as pedras clamam contra a injustiça. A injustiça será a morte do messias libertador. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 4. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2020. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular.” (Salmo 118,22)

Decepção também pode matar! Sim, a decepção das autoridades religiosas de Israel e das elites que as apoiavam foi muito grande em relação a Jesus! De nenhum modo, ele se encaixava no tipo de messias esperado seja pelo povo, seja pela alta sociedade. Contudo, há uma grande diferença: enquanto as autoridades religiosas estavam determinadas a desaparecer com Jesus, esse “falso” messias; o povo mais humilde se sentia muito bem, protegido, acolhido e valorizado ao lado dele! 

Jesus era um incômodo, era desconcertante, especialmente, para a elite social, não para o povo em geral. É por isso, que a sua entrada em Jerusalém não possui nada de triunfal! Mas, entra na cidade, como um camponês galileu solidário com o seu povo! Com esse gesto ele buscou, ao mesmo tempo:

a) instruir o povo sobre o tipo de messias que ele era. Por isso, ele “desamarra” a profecia esquecida de Zacarias 9,9 ao escolher entrar na cidade montado sobre um jumentinho!

b) Provocar as autoridades religiosas definitivamente! Tanto é verdade, que os fariseus reagiram a todo aquele evento (cf. Lc 19,39).

Jesus prefere ser aclamado pelo povo, pelos últimos, do que agradar aos que detinham o poder religioso e ideológico consigo! 

dois aspectos, nesse relato, que comparecem nos quatro evangelhos, o que é algo raro e significativo! Vejamos:

1º) Eles associam a entrada em Jerusalém e o que se passará lá, com a morte e ressurreição de Jesus, à atuação violenta de Jesus no templo, criticando a instrumentalização comercial da fé e a corrupção em geral lá praticada (cf.: Mt 21,12-17; Mc 11,15-19; Lc 19,45-48 e Jo 2,13-22 – ele é o único evangelista que antecipa a cena para o início da atividade pública de Jesus). A ameaça ao templo é o principal motivo para o julgamento e condenação de Jesus (cf.: Mt 26,59-62; Mc 14,57-59; também Mt 27,40; Mc 19,29).

2º) A aclamação que o povo cantava ao acompanhar a entrada de Jesus em Jerusalém é a mesma: “Bendito o que vem em nome do Senhor!” (Salmo 118,25-26 – cf.: Mt 21,29; Mc 10,9; Lc 19,38; Jo 12,13). É a aclamação do povo ameaçado e assediado, que se vê em perigo e sem esperança (Sl 118,5-14). Jesus, que é solidário com os últimos, é esperança especialmente para eles. 

Esse evangelho que abre a Semana Santa nos deixa, portanto, um importante e sério questionamento:

* O Jesus Cristo no qual cremos é o mesmo que entrou em Jerusalém na semana derradeira de sua vida?

* Com a visão, vivência e prática religiosa que eu tenho, hoje, sinceramente, eu estaria de qual lado, durante essa entrada em Jerusalém? Ao lado do povo simples que compreende e acolhe o messias humilde e pacífico que é Jesus; ou ao lado dos fariseus, que preferem um messias guerreiro, nacionalista, violento, conquistador e pertencente à família real? 

«Deus se encontra na pessoa, na vida, na humanidade de Jesus. E no respeito, bondade e carinho a todos os seres humanos.» (José M. Castillo) 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Deus eterno e todo-poderoso, para dar aos homens um exemplo de humildade, quisestes que o nosso Salvador se fizesse homem e morresse na cruz. Concedei-nos aprender o ensinamento da sua paixão e ressuscitar com ele em sua glória. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.»

(Oração da Coleta – Missa de Domingo de Ramos – Ano C)

 Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni –Domenica delle Palme – 14 aprile 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 06/04/2022).

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