2º Domingo de Páscoa – Ano C – Homilia
Evangelho: João 20,19-31
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
O cristão deve ser a expressão do
amor de Deus
O primeiro dia da semana é o dia da ressurreição de Jesus. Os discípulos assumiram o hábito, a iniciativa de se reunir para a celebração eucarística. E o capítulo 20 do Evangelho de João nesses versos, de 19 a 31, que a Liturgia hoje nos apresenta, diz respeito precisamente ao significado profundo da celebração eucarística.
A Eucaristia é o momento importante, indispensável e valioso para o
crescimento individual e o crescimento da comunidade.
O evangelista, nesta passagem, nos dá seu profundo significado, vamos ver.
João 20,19ab:** «Ao entardecer
daquele dia, o primeiro da semana, os discípulos estavam reunidos, com as
portas trancadas por medo dos judeus. Jesus entrou e pôs-se no meio deles.»
A comunidade está reunida no primeiro dia da semana e escreve João que “Jesus entrou”, isto é, veio até a comunidade. Toda vez que a comunidade se reúne, Jesus se manifesta. Neste texto, o evangelista evita usar o verbo “aparecer”. Pois não são aparições, são encontros, são manifestações habituais de Jesus quando sua comunidade se reúne. A indicação que dá o evangelista sobre a posição de Jesus é importante: “pôs-se no meio deles”. Quando Jesus se manifesta coloca-se no centro. Qual é o significado disso? Jesus não se põe à frente dos outros, ele nem sequer se coloca acima das pessoas, o que pressuporia que algumas pessoas poderiam estar mais próximas dele! Não, Jesus se coloca no centro. Isso significa que na Eucaristia não há hierarquias e importâncias, mas todos são iguais ao redor de Jesus. Mas Jesus do centro não absorve os seus discípulos, não os atrai para si mesmo, mas de lá ele comunica seu amor, ele potencializa seu amor aos seus para que esses possam transmiti-lo com ele e como ele aos demais.
João 20,19c: «Disse: “A paz esteja convosco”.»
Bem, uma vez Jesus se põe ao centro, pronuncia as palavras que são repetidas três vezes neste texto, o número três significa o que é completo, o que é definitivo: “Paz a vós!”. Essas palavras de Jesus não são um convite ou um desejo, Jesus não diz “a paz esteja convosco” [como nos traz a tradução da CNBB], mas um dom. Na Eucaristia, a presença de Jesus comporta um dom. Paz, como conhecemos no mundo judeu, tem um significado muito rico, indica tudo o que contribui para o bem-estar dos seres humanos. Pois bem, Jesus se preocupa com o bem-estar de seus discípulos e ele lhes proporciona isso.
João 20,20a: «Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. »
Porém, aquilo que Jesus diz não são meras palavras, são fatos! Na verdade, o evangelista escreve que “Dito isso”, portanto, depois de ter dado a paz aos seus discípulos, mostrou-lhes suas mãos e seu lado trazendo os sinais de paixão. A ordem de prisão, nós o sabemos, havia sido expedida para todo o grupo de Jesus. Foi Jesus que havia dito que o verdadeiro pastor é aquele que dá sua vida por suas ovelhas. No momento de sua prisão, em um gesto de coragem, ele disse aos guardas: “Se é a mim que procurais, deixai estes irem” [Jo 18,8b). Jesus não quis ser defendido pelos seus discípulos, que estavam prontos para dar a vida pelo seu mestre, não. Foi ele quem deu a vida pelos seus discípulos. Portanto, mostrar as mãos e o lado com os sinais da paixão significa afirmar que esse amor que levou Jesus a dar vida, sua própria vida por seus discípulos permanece para sempre. Assim, a comunidade, ao receber esse dom da paz, recebe a segurança da presença de um amor do Senhor que é para sempre, um amor que protege, um amor que envolve, um amor que segue e acompanha seus discípulos.
João 20,20b: «Os discípulos, então, se alegraram por ver o Senhor.»
A alegria dos discípulos é produzida pela experiência de se sentir tão amados! Há uma expressão que usamos com frequência: “nas mãos do Senhor”. Estar nas mãos do Senhor não é apenas o estágio final de um momento de dificuldade, mas é a constante experiência dos membros da comunidade cristã, sentir-se nas mãos do amor do Senhor.
João 20,21: «Jesus disse, de novo: “A paz esteja convosco. Como o Pai me
enviou, eu também vos envio”.»
Então, Jesus torna a repetir este dom da paz, mas desta vez
ele acrescenta: “Como o Pai me enviou”. Como o Pai enviou seu filho?
Para manifestar o seu amor, a sua ternura incondicional, um amor
que não depende dos méritos das pessoas, mas de suas necessidades. O Pai não
enviou seu Filho para transmitir uma doutrina sobre ele, mas para manifestar o
seu amor, a sua ternura.
Então Jesus diz: “Como o Pai me enviou, eu também vos
envio”. Aqui está a tarefa dos cristãos:
Prolongar no mundo, com seu amor, o próprio amor do Pai e do Filho
que lhes foi derramado.
E, como Jesus não veio trazer uma doutrina sobre Deus, do mesmo modo, a comunidade cristã não deve transmitir uma doutrina, mas ser uma expressão do seu amor. Como se exprime o seu amor? Através do afeto. O afeto é um gesto de ternura que todos podem compreender.
João 20,22: «Dito isso, soprou sobre eles e falou: “Recebei o Espírito
Santo...»
Após esse mandato aos discípulos para serem capazes de
manifestar o amor de ternura próprio de Deus, Jesus “soprou sobre eles”.
É a expressão que encontramos no livro de Gênesis, no capítulo 2,
versículo 7, quando é o momento da criação do homem. Disse, então, Jesus: “Recebei
Espírito Santo”. Ele não diz: “o Espírito Santo” [como
vemos na tradução oficial da CNBB]. Por que não é “o” Espírito Santo?
Porque, assim, não seria a totalidade. Jesus havia dito que dava o Espírito sem
medida. Da parte de Deus, a comunicação da vida é sem medida, a medida é
colocada pela pessoa humana.
Aquelas partes que, ainda, são ocupadas por ressentimentos, rancores
e egoísmo são todas as partes onde o Espírito não pode chegar.
Mas, onde esse espírito é acolhido na plenitude, desencadeia-se um dinamismo de amor recebido e de amor comunicado. Quão maior for a capacidade do discípulo em comunicar amor, tanto maior será a capacidade de receber esse Espírito da parte de Deus.
João
20,23: «... A quem
perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão
retidos”.»
Depois disso, há a indicação de Jesus sobre o perdão dos pecados, o qual não é um importante encargo que Jesus dá a alguns, não é um poder que Jesus dá a alguém, mas é uma responsabilidade para todos. A comunidade de Jesus, com ele no centro onde esse amor é irradiado, emana luz. Quem vive no pecado é aquele que segue uma direção errada de vida, pois pecado indica isso, portanto, diz respeito ao passado. Pois bem, aqueles que, vivendo no pecado, se sentirem atraídos pela luz desse amor e passarem a fazer parte dele [na comunidade dos fiéis], verão seu passado completamente cancelado [= perdão]. Aqueles que, em vez disso, mesmo vendo a luz desse amor se afastam dele, sobre esses permanece a presença de sua culpa e de seu pecado. Como Jesus havia dito: “Todo o que pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz” (Jo 3,20a). Então, como dissemos, não é um poder para alguns, mas uma grande responsabilidade da comunidade cristã ser a luz do amor do Pai.
João
20,24: «Tomé, chamado
Dídimo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio.»
Dídimo significa “gêmeo”. Por que é chamado de gêmeo? Porque ele é o único que entendeu Jesus, na hora da ressurreição de Lázaro, dizendo: “Vamos também nós, para morrermos com ele”. (Jo 11,16b). É ele que tem os mesmos sentimentos que Jesus. Por que Dídimo não está trancado com eles naquele lugar? Porque ele não tem medo de ter o mesmo fim que Jesus, ele não tem medo como os outros discípulos que estão fechados.
João
20,25: «Os outros discípulos
contaram-lhe: “Nós vimos o Senhor!” Tomé, porém, disse: “Se eu não vir a marca
dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu
não puser a mão no seu lado, não crerei”.»
Essa atitude de Tomé não é uma negação, é o desejo e a impossibilidade de acreditar em algo maravilhoso. A expressão de Tomé deve ser entendida, um pouco, como quando nos transmitem uma notícia belíssima e inesperada! Qual é a nossa reação? Dizemos: “não, isso não é verdade!” Não é que neguemos a notícia, é que ela é tão bonita que nos parece impossível. Ou quando dizemos: “não, não acredito!” Não é que não queiramos acreditar, mas é uma notícia tão boa! Essa é a atitude de Tomé.
João
20,26-28: «Oito dias depois, os
discípulos encontravam-se reunidos na casa, e Tomé estava com eles. Estando as
portas trancadas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja
convosco”. Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos.
Estende a tua mão, coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê”. Tomé
respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!”»
Volta novamente o rito da Eucaristia, do encontro com Jesus. Eis, de novo, a característica de Jesus de estar no meio de seus discípulos, e ele diz pela terceira vez nesta passagem: “Paz a vós!”. Aqui o evangelista apresenta a maior manifestação, um certificado de fé de todos os Evangelhos. Os outros discípulos, por meio de Pedro, chegaram a acreditar que Jesus era o filho de Deus, o filho do Deus vivo, mas Tomé é o único que, voltando-se para Jesus, lhe diz: “Meu Senhor e meu Deus!” O evangelista, no prólogo, havia dito que ninguém jamais viu Deus e seu filho foi sua revelação e, agora, Tomé manifesta a plenitude da fé. Portanto, Tomé, estranhamente passado para a história como o discípulo incrédulo, é na verdade aquele que proclama e explode na mais alta manifestação de fé nos Evangelhos.
João
20,29: «Jesus lhe disse:
“Por que me viste, creste? Felizes os que não viram e creram!”»
É a última bem-aventurança, há duas delas no Evangelho de João. A primeira é a bem-aventurança do serviço e, agora, é a bem-aventurança da fé. O serviço, exercido livre e voluntariamente por amor ao próximo, torna possível a experiência do Cristo ressuscitado na vida. Aqui, Jesus proclama bem-aventurados os que creem sem precisar ver, aos que querem sinais para ver, para crer, Jesus propõe: “Não, creia e você se torna um sinal que os outros podem ver!”
João
20,30: «Jesus fez diante dos
discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro.»
É um convite que o evangelista faz: escrevam seu livro, escrevam seu evangelho, nós transmitimos nossa experiência para vocês, vocês a fazem sua e depois escrevem seu evangelho. Foi o que aconteceu, pelo menos até o século IV, nas comunidades cristãs primitivas.
João
20,31: «Estes, porém, foram
escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que,
crendo, tenhais a vida em seu nome.»
A fé em Jesus dá uma vida de tal qualidade que pode vencer a
morte. O evangelista
usa para o termo “vida” o que indica vida eterna, uma vida que se
chama eterna não tanto por sua duração indefinida, mas por sua qualidade
indestrutível.
Acolher Jesus na própria existência significa realizá-la plenamente.
* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 4. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2020.
Reflexão PessoalPe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“Não
vivemos para morrer. Morremos para ressuscitar, para viver mais e melhor.” (Leonardo Boff: teólogo,
filósofo e escritor brasileiro)
Todo o relato evangélico deste domingo liga-nos à Eucaristia, à mesa da partilha da Palavra e do Pão. Porém, algo urgente precisa acontecer na evangelização católica e cristã em geral: ressignificar a Eucaristia, a “missa”, como popularmente é mais conhecida! Sim, a missa foi perdendo o profundo significado e impacto que deveria ter em nossas vidas. As pessoas, que participam da Santa Missa, saem, quase sempre, da mesma maneira de como entraram na igreja para celebrá-la!
Jesus nos recorda, nesse
encontro que teve com seus discípulos, sem a presença de Tomé, quatro
“ofertas”, quatro “doações”, ou seja, “quatro partilhas” que
se realizam durante a Eucaristia. São elas:
1ª) Doação
da Paz: “Paz a vós!”, diz Jesus
por três vezes, no Evangelho deste domingo. Jesus quer o bem-estar pleno,
completo para a vida de seus irmãos, nesta Terra.
2ª) Doação
da vida: “Mostrou-lhes as mãos e o lado”, sinais
da paixão, sinais de sofrimento e morte, sinais de um pastor capaz de dar sua
vida pelas suas ovelhas.
3ª) Doação
do Amor: “Como o Pai me enviou, eu também vos
envio”, a missão que o Pai deu ao seu Filho Jesus foi amar a humanidade
e ajudar os seres humanos a amarem o seu Deus.
4ª) Doação do Espírito Santo: “Soprou sobre eles e falou: ‘Recebei Espírito Santo’”, é o Espírito de Deus que garante as doações anteriores (da paz, da vida e do amor). Pois o Espírito é a demonstração da comunicação da vida sem medida, do amor pleno de Deus pelos seres humanos!
A reunião dos cristãos, no
primeiro dia da semana (= domingo), para celebrar a Eucaristia não é um ato
formal, um simples ritual, um encontro social, mas a
comunicação plena da vida e do amor de Cristo aos seus seguidores, para que,
estes prolonguem seu amor entre todos os outros seres deste planeta! Portanto, celebrar
a Eucaristia é:
Viver COM e COMO Jesus! Significa termos
uma vida de qualidade especial, superior! É lutar para vencer a
MORTE, todos os tipos de morte: a fome, a miséria, a violência, as guerras,
as torturas, as injustiças, as desigualdades sociais, o desperdício, a
destruição da natureza, a exploração irracional de nosso planeta etc.
O mundo necessita VER, ou seja, experimentar, a nossa paz, a nossa vida, o nosso amor para poder CRER! O Quarto Evangelho estabelece uma relação básica entre “ver” e “crer” (cf.: Jo 4,48; 6,30.36; 9,37-38; 11,40; 20,8.27.29). Tomé exigia “ver” e “tocar” (Jo 20,25), porém, quando ele faz a experiência de Jesus vivo diante dele, basta-lhe “ver” para realizar o seu ato de fé (Jo 20,28). Que o mesmo se dê, também, com cada um de nós!
«Senhor,
eu quero te agradecer por toda essa jornada maravilhosa que tu me fizeste
realizar. Obrigado, porque tu me fizeste voltar, tu me permitiste, finalmente,
encontrar a mim mesmo(a), aquela parte de mim tão profundamente perdida e
sozinha. Obrigado, porque iluminaste o meu entardecer, a minha morte, como um
Sol vivo, que não tem pôr-do-sol, mas que nasce continuamente, sereno e bom,
calmo e acolhedor. [...]
Obrigado,
porque tu voltaste de novo, depois de oito dias e ainda vieste me procurar. Tu
te fazes gêmeo de alguém como eu e não tens vergonha! Obrigado por teu forte e
amoroso convite para dizer meu sim. Tu me ajudaste a acreditar novamente; tu
tiraste a fé da pedra dura que eu tinha colocado no meu coração.
Obrigado
pelos irmãos e irmãs que tu colocaste no meu caminho, para compartilhar a
experiência do encontro contigo, da descoberta, do conhecimento de teu amor tão
misterioso, tão novo e diferente.
E
finalmente, ó meu Senhor e meu Deus, obrigado por confiar em mim, porque tu és
o primeiro a confiar, a acreditar, a ter intimidade. E então, todos os dias, tu
me dás a possibilidade, a alegria de anunciar que tu estás vivo e ressuscitado
para sempre. Amém.»
(Maria
Anastasia di Gerusalemme Cucca. 2ª Domenica di Pasqua.In: CILIA, Anthony,
O.Carm. [a cura di]. Lectio Divina per l’anno liturgico C. Sui
vangeli festivi. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 246-247)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – II Domenica di Pasqua – 28 aprile 2019 e 3 aprile 2016 – Internet: clique aqui (Acesso em: 20/04/2022).
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