2º Domingo de Páscoa – Ano C – Homilia

 Evangelho: João 20,19-31

 Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

O cristão deve ser a expressão do amor de Deus

O primeiro dia da semana é o dia da ressurreição de Jesus. Os discípulos assumiram o hábito, a iniciativa de se reunir para a celebração eucarística. E o capítulo 20 do Evangelho de João nesses versos, de 19 a 31, que a Liturgia hoje nos apresenta, diz respeito precisamente ao significado profundo da celebração eucarística.

A Eucaristia é o momento importante, indispensável e valioso para o crescimento individual e o crescimento da comunidade.

O evangelista, nesta passagem, nos dá seu profundo significado, vamos ver. 

João 20,19ab:** «Ao entardecer daquele dia, o primeiro da semana, os discípulos estavam reunidos, com as portas trancadas por medo dos judeus. Jesus entrou e pôs-se no meio deles.»

A comunidade está reunida no primeiro dia da semana e escreve João que “Jesus entrou”, isto é, veio até a comunidade. Toda vez que a comunidade se reúne, Jesus se manifesta. Neste texto, o evangelista evita usar o verbo “aparecer”. Pois não são aparições, são encontros, são manifestações habituais de Jesus quando sua comunidade se reúne. A indicação que dá o evangelista sobre a posição de Jesus é importante: “pôs-se no meio deles”. Quando Jesus se manifesta coloca-se no centro. Qual é o significado disso? Jesus não se põe à frente dos outros, ele nem sequer se coloca acima das pessoas, o que pressuporia que algumas pessoas poderiam estar mais próximas dele! Não, Jesus se coloca no centro. Isso significa que na Eucaristia não há hierarquias e importâncias, mas todos são iguais ao redor de Jesus. Mas Jesus do centro não absorve os seus discípulos, não os atrai para si mesmo, mas de lá ele comunica seu amor, ele potencializa seu amor aos seus para que esses possam transmiti-lo com ele e como ele aos demais. 

João 20,19c: «Disse: “A paz esteja convosco”.»

Bem, uma vez Jesus se põe ao centro, pronuncia as palavras que são repetidas três vezes neste texto, o número três significa o que é completo, o que é definitivo: “Paz a vós!”. Essas palavras de Jesus não são um convite ou um desejo, Jesus não diz “a paz esteja convosco” [como nos traz a tradução da CNBB], mas um dom. Na Eucaristia, a presença de Jesus comporta um dom. Paz, como conhecemos no mundo judeu, tem um significado muito rico, indica tudo o que contribui para o bem-estar dos seres humanos. Pois bem, Jesus se preocupa com o bem-estar de seus discípulos e ele lhes proporciona isso. 

João 20,20a: «Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. »

Porém, aquilo que Jesus diz não são meras palavras, são fatos! Na verdade, o evangelista escreve que “Dito isso”, portanto, depois de ter dado a paz aos seus discípulos, mostrou-lhes suas mãos e seu lado trazendo os sinais de paixão. A ordem de prisão, nós o sabemos, havia sido expedida para todo o grupo de Jesus. Foi Jesus que havia dito que o verdadeiro pastor é aquele que dá sua vida por suas ovelhas. No momento de sua prisão, em um gesto de coragem, ele disse aos guardas: “Se é a mim que procurais, deixai estes irem” [Jo 18,8b). Jesus não quis ser defendido pelos seus discípulos, que estavam prontos para dar a vida pelo seu mestre, não. Foi ele quem deu a vida pelos seus discípulos. Portanto, mostrar as mãos e o lado com os sinais da paixão significa afirmar que esse amor que levou Jesus a dar vida, sua própria vida por seus discípulos permanece para sempre. Assim, a comunidade, ao receber esse dom da paz, recebe a segurança da presença de um amor do Senhor que é para sempre, um amor que protege, um amor que envolve, um amor que segue e acompanha seus discípulos. 

João 20,20b: «Os discípulos, então, se alegraram por ver o Senhor.»

A alegria dos discípulos é produzida pela experiência de se sentir tão amados! Há uma expressão que usamos com frequência: “nas mãos do Senhor”. Estar nas mãos do Senhor não é apenas o estágio final de um momento de dificuldade, mas é a constante experiência dos membros da comunidade cristã, sentir-se nas mãos do amor do Senhor. 

João 20,21: «Jesus disse, de novo: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, eu também vos envio”.»

Então, Jesus torna a repetir este dom da paz, mas desta vez ele acrescenta: “Como o Pai me enviou”. Como o Pai enviou seu filho? Para manifestar o seu amor, a sua ternura incondicional, um amor que não depende dos méritos das pessoas, mas de suas necessidades. O Pai não enviou seu Filho para transmitir uma doutrina sobre ele, mas para manifestar o seu amor, a sua ternura.

Então Jesus diz: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Aqui está a tarefa dos cristãos:

Prolongar no mundo, com seu amor, o próprio amor do Pai e do Filho que lhes foi derramado.

E, como Jesus não veio trazer uma doutrina sobre Deus, do mesmo modo, a comunidade cristã não deve transmitir uma doutrina, mas ser uma expressão do seu amor. Como se exprime o seu amor? Através do afeto. O afeto é um gesto de ternura que todos podem compreender. 

João 20,22: «Dito isso, soprou sobre eles e falou: “Recebei o Espírito Santo...»

Após esse mandato aos discípulos para serem capazes de manifestar o amor de ternura próprio de Deus, Jesus “soprou sobre eles”. É a expressão que encontramos no livro de Gênesis, no capítulo 2, versículo 7, quando é o momento da criação do homem. Disse, então, Jesus: Recebei Espírito Santo. Ele não diz:o Espírito Santo” [como vemos na tradução oficial da CNBB]. Por que não é “o” Espírito Santo? Porque, assim, não seria a totalidade. Jesus havia dito que dava o Espírito sem medida. Da parte de Deus, a comunicação da vida é sem medida, a medida é colocada pela pessoa humana.

Aquelas partes que, ainda, são ocupadas por ressentimentos, rancores e egoísmo são todas as partes onde o Espírito não pode chegar.

Mas, onde esse espírito é acolhido na plenitude, desencadeia-se um dinamismo de amor recebido e de amor comunicado. Quão maior for a capacidade do discípulo em comunicar amor, tanto maior será a capacidade de receber esse Espírito da parte de Deus. 

João 20,23: «... A quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos”.»

Depois disso, há a indicação de Jesus sobre o perdão dos pecados, o qual não é um importante encargo que Jesus dá a alguns, não é um poder que Jesus dá a alguém, mas é uma responsabilidade para todos. A comunidade de Jesus, com ele no centro onde esse amor é irradiado, emana luz. Quem vive no pecado é aquele que segue uma direção errada de vida, pois pecado indica isso, portanto, diz respeito ao passado. Pois bem, aqueles que, vivendo no pecado, se sentirem atraídos pela luz desse amor e passarem a fazer parte dele [na comunidade dos fiéis], verão seu passado completamente cancelado [= perdão]. Aqueles que, em vez disso, mesmo vendo a luz desse amor se afastam dele, sobre esses permanece a presença de sua culpa e de seu pecado. Como Jesus havia dito: “Todo o que pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz” (Jo 3,20a). Então, como dissemos, não é um poder para alguns, mas uma grande responsabilidade da comunidade cristã ser a luz do amor do Pai. 

João 20,24: «Tomé, chamado Dídimo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio.»

Dídimo significa “gêmeo”. Por que é chamado de gêmeo? Porque ele é o único que entendeu Jesus, na hora da ressurreição de Lázaro, dizendo: “Vamos também nós, para morrermos com ele”. (Jo 11,16b). É ele que tem os mesmos sentimentos que Jesus. Por que Dídimo não está trancado com eles naquele lugar? Porque ele não tem medo de ter o mesmo fim que Jesus, ele não tem medo como os outros discípulos que estão fechados. 

João 20,25: «Os outros discípulos contaram-lhe: “Nós vimos o Senhor!” Tomé, porém, disse: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não crerei”.»

Essa atitude de Tomé não é uma negação, é o desejo e a impossibilidade de acreditar em algo maravilhoso. A expressão de Tomé deve ser entendida, um pouco, como quando nos transmitem uma notícia belíssima e inesperada! Qual é a nossa reação? Dizemos: “não, isso não é verdade!” Não é que neguemos a notícia, é que ela é tão bonita que nos parece impossível. Ou quando dizemos: “não, não acredito!” Não é que não queiramos acreditar, mas é uma notícia tão boa! Essa é a atitude de Tomé. 

João 20,26-28: «Oito dias depois, os discípulos encontravam-se reunidos na casa, e Tomé estava com eles. Estando as portas trancadas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão, coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê”. Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!”»

Volta novamente o rito da Eucaristia, do encontro com Jesus. Eis, de novo, a característica de Jesus de estar no meio de seus discípulos, e ele diz pela terceira vez nesta passagem: “Paz a vós!”. Aqui o evangelista apresenta a maior manifestação, um certificado de fé de todos os Evangelhos. Os outros discípulos, por meio de Pedro, chegaram a acreditar que Jesus era o filho de Deus, o filho do Deus vivo, mas Tomé é o único que, voltando-se para Jesus, lhe diz:Meu Senhor e meu Deus!” O evangelista, no prólogo, havia dito que ninguém jamais viu Deus e seu filho foi sua revelação e, agora, Tomé manifesta a plenitude da fé. Portanto, Tomé, estranhamente passado para a história como o discípulo incrédulo, é na verdade aquele que proclama e explode na mais alta manifestação de fé nos Evangelhos. 

João 20,29: «Jesus lhe disse: “Por que me viste, creste? Felizes os que não viram e creram!”»

É a última bem-aventurança, há duas delas no Evangelho de João. A primeira é a bem-aventurança do serviço e, agora, é a bem-aventurança da fé. O serviço, exercido livre e voluntariamente por amor ao próximo, torna possível a experiência do Cristo ressuscitado na vida. Aqui, Jesus proclama bem-aventurados os que creem sem precisar ver, aos que querem sinais para ver, para crer, Jesus propõe: “Não, creia e você se torna um sinal que os outros podem ver!” 

João 20,30: «Jesus fez diante dos discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro.»

É um convite que o evangelista faz: escrevam seu livro, escrevam seu evangelho, nós transmitimos nossa experiência para vocês, vocês a fazem sua e depois escrevem seu evangelho. Foi o que aconteceu, pelo menos até o século IV, nas comunidades cristãs primitivas. 

João 20,31: «Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.»

A fé em Jesus dá uma vida de tal qualidade que pode vencer a morte. O evangelista usa para o termo “vida” o que indica vida eterna, uma vida que se chama eterna não tanto por sua duração indefinida, mas por sua qualidade indestrutível.

Acolher Jesus na própria existência significa realizá-la plenamente.

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 4. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2020.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“Não vivemos para morrer. Morremos para ressuscitar, para viver mais e melhor.” (Leonardo Boff: teólogo, filósofo e escritor brasileiro)

Todo o relato evangélico deste domingo liga-nos à Eucaristia, à mesa da partilha da Palavra e do Pão. Porém, algo urgente precisa acontecer na evangelização católica e cristã em geral: ressignificar a Eucaristia, a “missa”, como popularmente é mais conhecida! Sim, a missa foi perdendo o profundo significado e impacto que deveria ter em nossas vidas. As pessoas, que participam da Santa Missa, saem, quase sempre, da mesma maneira de como entraram na igreja para celebrá-la! 

Jesus nos recorda, nesse encontro que teve com seus discípulos, sem a presença de Tomé, quatro “ofertas”, quatro “doações”, ou seja, “quatro partilhas” que se realizam durante a Eucaristia. São elas:

1ª) Doação da Paz: “Paz a vós!”, diz Jesus por três vezes, no Evangelho deste domingo. Jesus quer o bem-estar pleno, completo para a vida de seus irmãos, nesta Terra.

2ª) Doação da vida: “Mostrou-lhes as mãos e o lado”, sinais da paixão, sinais de sofrimento e morte, sinais de um pastor capaz de dar sua vida pelas suas ovelhas.

3ª) Doação do Amor: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio”, a missão que o Pai deu ao seu Filho Jesus foi amar a humanidade e ajudar os seres humanos a amarem o seu Deus.

4ª) Doação do Espírito Santo: “Soprou sobre eles e falou: ‘Recebei Espírito Santo’”, é o Espírito de Deus que garante as doações anteriores (da paz, da vida e do amor). Pois o Espírito é a demonstração da comunicação da vida sem medida, do amor pleno de Deus pelos seres humanos! 

A reunião dos cristãos, no primeiro dia da semana (= domingo), para celebrar a Eucaristia não é um ato formal, um simples ritual, um encontro social, mas a comunicação plena da vida e do amor de Cristo aos seus seguidores, para que, estes prolonguem seu amor entre todos os outros seres deste planeta! Portanto, celebrar a Eucaristia é:

Viver COM e COMO Jesus! Significa termos uma vida de qualidade especial, superior! É lutar para vencer a MORTE, todos os tipos de morte: a fome, a miséria, a violência, as guerras, as torturas, as injustiças, as desigualdades sociais, o desperdício, a destruição da natureza, a exploração irracional de nosso planeta etc.

O mundo necessita VER, ou seja, experimentar, a nossa paz, a nossa vida, o nosso amor para poder CRER! O Quarto Evangelho estabelece uma relação básica entre “ver” e “crer” (cf.: Jo 4,48; 6,30.36; 9,37-38; 11,40; 20,8.27.29). Tomé exigia “ver” e “tocar” (Jo 20,25), porém, quando ele faz a experiência de Jesus vivo diante dele, basta-lhe “ver” para realizar o seu ato de fé (Jo 20,28). Que o mesmo se dê, também, com cada um de nós! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor, eu quero te agradecer por toda essa jornada maravilhosa que tu me fizeste realizar. Obrigado, porque tu me fizeste voltar, tu me permitiste, finalmente, encontrar a mim mesmo(a), aquela parte de mim tão profundamente perdida e sozinha. Obrigado, porque iluminaste o meu entardecer, a minha morte, como um Sol vivo, que não tem pôr-do-sol, mas que nasce continuamente, sereno e bom, calmo e acolhedor. [...]

Obrigado, porque tu voltaste de novo, depois de oito dias e ainda vieste me procurar. Tu te fazes gêmeo de alguém como eu e não tens vergonha! Obrigado por teu forte e amoroso convite para dizer meu sim. Tu me ajudaste a acreditar novamente; tu tiraste a fé da pedra dura que eu tinha colocado no meu coração.

Obrigado pelos irmãos e irmãs que tu colocaste no meu caminho, para compartilhar a experiência do encontro contigo, da descoberta, do conhecimento de teu amor tão misterioso, tão novo e diferente.

E finalmente, ó meu Senhor e meu Deus, obrigado por confiar em mim, porque tu és o primeiro a confiar, a acreditar, a ter intimidade. E então, todos os dias, tu me dás a possibilidade, a alegria de anunciar que tu estás vivo e ressuscitado para sempre. Amém.»

(Maria Anastasia di Gerusalemme Cucca. 2ª Domenica di Pasqua.In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio Divina per l’anno liturgico C. Sui vangeli festivi. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 246-247)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – II Domenica di Pasqua – 28 aprile 2019 e 3 aprile 2016 – Internet: clique aqui (Acesso em: 20/04/2022).

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