Vigília Pascal (Sábado) – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 24,1-12
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Repartindo vida, se ressuscita!
O capítulo 24 é o capítulo onde o evangelista descreve a ressurreição de Jesus e seu impacto na fé dos discípulos, a dificuldade deles em entender isso. Mas o capítulo 23 terminou com esta observação: “E, no sábado, repousaram, segundo o preceito”. São as mulheres que foram ao sepulcro para ver onde Jesus foi sepultado, mas não procedem à unção, ao embalsamamento de Jesus porque já é sábado. E nenhum trabalho pode ser feito aos sábados.
O evangelista denuncia como a comunidade tem dificuldade em
abandonar o antigo, ainda observando o mandamento do descanso do sábado, para
se abrir à novidade trazida por Jesus. A observância da lei impede que se
faça a experiência de Cristo ressuscitado. O evangelista escreve no
capítulo 24: “No primeiro dia da semana”. Este primeiro dia lembra o
primeiro dia da criação.
É uma nova criação, onde o homem tem uma vida capaz de superar a morte.
Lucas 24,1-3:** «No primeiro dia
da semana, bem de madrugada, as mulheres foram ao túmulo, levando os aromas que
tinham preparado. Encontraram a pedra removida do túmulo, mas ao entrarem, não
encontraram o corpo do Senhor Jesus.»
Foram no primeiro dia da semana, porque no sábado não puderam
fazê-lo devido à observância do mandamento. O evangelista não especifica os
métodos de remoção da pedra. É claro que elas não encontram o corpo do Senhor
Jesus porque estão procurando por Jesus no único lugar onde ele não pode
estar.
Jesus é o vivo, o vivificante e não pode estar no reino da morte, no lugar dos mortos.
Lucas 24,4: «Ficaram perplexas, mas eis que se apresentaram junto delas
dois homens com vestes resplandecentes.»
Já vimos esses dois homens no episódio da transfiguração. Eles eram Moisés e Elias; é uma técnica do evangelista Lucas nomeá-los apenas na primeira vez que aparecem. Então eles apontam para Moisés e Elias. O evangelista observa: “com vestes resplandecentes”, o mesmo que na transfiguração [cf. Lc 9,28-36].
Lucas 24,5-6: «Tomadas de medo, voltaram o rosto para o chão, mas eles
disseram-lhes: “Por que buscais entre os mortos o vivente? Não está aqui.
Ressuscitou! Lembrai-vos de como vos falou, estando ainda na Galileia:»
E o que o evangelista, agora, coloca na boca desses dois
personagens é uma grande verdade de fé que diz respeito não apenas à experiência
do Cristo ressuscitado, mas diz respeito à vida de todos os crentes e seu
impacto com a morte: “Por que buscais entre os mortos o vivente?” O
sepulcro é o último lugar onde elas poderiam encontrar Jesus. Se se
acredita que a morte não só não interrompe, mas permite que o indivíduo entre
em uma condição nova, plena e definitiva, o sepulcro é o último lugar onde ele
pode ser encontrado.
Quando um ente querido morre, mesmo que seja doloroso, você
tem que escolher entre lamentá-lo como morto ou vivenciá-lo. Se você chora
como se estivesse morto, você vai ao túmulo, mas lá não está a pessoa, você
tem que experimentá-la como viva. Aqui, então, está o aviso desses dois: “Por
que buscais entre os mortos o vivente?” Não se pode procurar entre os
mortos aquele que continua a viver!
Moisés e Elias remetem as mulheres, as discípulas de volta ao ensinamento de Jesus. Não se fala de messias, mas do Filho do homem, ou seja, do homem que atingiu a condição, que não é característica exclusiva de Jesus, mas uma possibilidade para todos aqueles que o seguem.
Lucas 24,7: «‘É necessário que o Filho do Homem seja entregue nas mãos
dos pecadores, seja crucificado e, no terceiro dia, ressuscite’”.»
E aqui o evangelista coloca uma terrível acusação contra a
casta sacerdotal no poder, ao fazer menção ao que Jesus havia dito após
seus anúncios da paixão: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado
pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e, ao
terceiro dia, ressuscitar” [Lc 9,22 – cf. Lc 9,44; 17,25; 18,32-33]. Ele se
refere aos membros do Sinédrio, o mais alto corpo jurídico de Israel.
Aqueles que Jesus indicou como os componentes [do Sinédrio], agora, na boca desses dois personagens, são os pecadores. As pessoas que se consideravam mais próximas de Deus, mais afastadas do mundo, do pecado, na verdade são os pecadores, porque mataram a vida, agiram contra a vida.
Lucas 24,8: «Então as mulheres se lembraram das palavras de Jesus.»
“Lembrar”, no sentido de compreender.
Lucas 24,9-10: «Voltando do túmulo, anunciaram tudo isso aos Onze, e a
todos os outros. Eram elas Maria Madalena, Joana e Maria de Tiago. Também as
outras, que estavam com elas, contaram essas coisas aos apóstolos.»
Já não são doze, mas onze, o número não será reconstituído. As principais mulheres que vivenciaram essa experiência foram: Maria Madalena, que o evangelista nos apresentou como a mulher de quem saíram os sete demônios [cf. Lc 8,2-3], Joana, esposa de Cuza, cobrador de impostos de Herodes, e Maria, mãe de Tiago.
Lucas
24,11: «Estes, porém,
acharam tudo o que relataram um delírio e não acreditaram.»
Aqui está a reação dos apóstolos. Por quê? Porque as mulheres não são credíveis como testemunhas. De acordo com a tradição judaica, Deus jamais falou com alguma mulher. É verdade que ele havia falado com uma mulher, Sara, mas como ela lhe respondeu com uma mentira, uma mentira inofensiva, a partir daquele momento Deus não falou mais com nenhuma mulher [cf. Gn 18,12-15]. E devido à mentira de Sara, as mulheres não eram consideradas testemunhas credíveis. Pois bem, o anúncio da ressurreição é feito precisamente para pessoas que não são credíveis.
Lucas
24,12: «Pedro, no entanto, levantou-se e correu ao túmulo. Olhou para dentro e viu apenas os lençóis. Então voltou para casa, admirado com o que acontecera.»
Os personagens que apareceram para as mulheres, acabaram de
dizer que Jesus não pode estar no lugar dos mortos, mas Pedro ainda não
entende e corre para o túmulo. A crença de que Jesus ressuscitou não vem
de ver um túmulo vazio, mas de encontrar uma pessoa viva. E se encontra o
VIVENTE, como se verá no próximo episódio dos discípulos de Emaús (Lc
24,13-35], quando Jesus partir o pão.
Quando se REPARTE a própria vida pelos outros, existe a
possibilidade de experimentar aquele que ressuscitou.
* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 4. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2020.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“É
a Ele (Jesus) que eu procuro, a Ele, que morreu por nós; é Ele que eu quero,
Ele, que ressuscitou por nós” (Santo Inácio de Antioquia: foi bispo
de Antioquia, na Síria, entre 68 a 100/107 – teólogo e escritor)
De tanto ouvirmos, em celebrações e leituras, essa passagem da ressurreição, corremos o risco de nos tornarmos indiferentes a ela, não nos impressionarmos mais com esse relato! Sim, o hábito traz a rotina! É preciso ficar claro, aqui, que não se trata de uma mera revivificação de Jesus. Reviver significa retornar a esta vida que temos, aqui na terra. Enquanto que, ressuscitar significa transcender esta vida. Pois, aquele que ressuscita alcança uma plenitude tal de vida, que não morre mais! Essa é a grande diferença!
A vida triunfa sobre
a perseguição, julgamento, condenação e morte de um “delinquente” chamado Jesus
de Nazaré. É claro que não se pode provar, verificar historicamente que Jesus
tenha ressuscitado! Esse é um tipo de verdade que se fundamenta na fé,
ou seja, na esperança de que a morte não tenha mais a última palavra em nossa
vida! É nessa fé, aliás, que se funda toda a esperança de nós, cristãos! Como
nos adverte, muito bem, São Paulo:
«Se Cristo não ressuscitou, a vossa
fé é ilusória e ainda estais nos vossos pecados... Se é só para esta vida que
pusemos a nossa esperança em Cristo, somos, dentre todos os homens, os mais
dignos de compaixão» (1Cor 15,17.19).
A questão mais importante que essa celebração nos propõe é a seguinte:
Como nos encontramos com o Cristo Ressuscitado, com o Cristo vivo?
Há duas maneiras para
isso, as quais se complementam e, eu diria mais, são interdependentes:
a) Encontramos
com o Ressuscitado dentro de nós, percorrendo um caminho interior.
Como nos adverte J. A. Pagola, “se não o encontramos
dentro de nós, não o encontraremos em nenhuma parte”. Talvez por isso, a nossa
fé seja tão triste, tão improdutiva, tão rotineira! Qual é o Jesus, afinal, que
nós buscamos? Qual é a causa última de nossa alegria? Em que fundamentamos, de
verdade, a nossa vida? Sem um contato pessoal com o Cristo, não teremos
a força da fé e a esperança na vida que jamais se acaba!
b) Encontramos com o Ressuscitado quando partilhamos a vida como ele fez! Quando não poupamos a nossa vida é que temos vida, de verdade: “quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder sua vida por causa de mim e do Evangelho, a salvará” (Mc 8,35 – cf.: Mt 16,25; Lc 17,33; Jo 12,25). “Perder”, nesse sentido, significa consumir, desgastar, empregar a vida em busca da realização do Reino de Deus neste mundo.
Assim sendo, é assustador ver quanta gente não está sabendo ou desejando viver a vida de um modo que vale, de verdade, a pena! Quanto de nossas preciosas vidas desperdiçamos com atividades, ocupações que não nos enriquecem em nada, não nos acrescentam nada, não nos valorizam em nada! É bom lembrar que o Cristo não quer que seus irmãos tenham uma vida qualquer! Por isso, ele afirmou com tanta clareza: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
«Que a
tua Páscoa de morte e ressurreição, Jesus, seja a pedra angular de todos os
meus dias: que a luz da nova manhã me suscite o agradecimento pela tua
luz de vida nova; que os acontecimentos do dia provoquem em mim uma
invocação pelos irmãos e me impulsionem a recordar sempre e partilhar um pouco
mais a vossa paixão e a vossa oferta na expectativa ativa do vosso regresso na
glória; que o cair da noite lembre-me que “sem ti nada posso fazer” e
oriente-me a abandonar-me em ti com toda a confiança. Em cada acontecimento,
pensamento, gesto, escolha, posso procurar-te e encontrar-te vivo e atuante,
surpreendente e conhecido, recordando a tua Palavra que fecunda a minha
história e a renova porque Tu vives.»
(Marianerina
De Simone. Veglia pasquale nella notte santa. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a
cura di]. Lectio Divina per l’anno liturgico C. Sui vangeli festivi.
Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 224)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – Pasqua – 21 aprile 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 13/04/2022).
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