Vigília Pascal (Sábado) – Ano C – Homilia

 Evangelho: Lucas 24,1-12

 Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Repartindo vida, se ressuscita!

O capítulo 24 é o capítulo onde o evangelista descreve a ressurreição de Jesus e seu impacto na fé dos discípulos, a dificuldade deles em entender isso. Mas o capítulo 23 terminou com esta observação: “E, no sábado, repousaram, segundo o preceito”. São as mulheres que foram ao sepulcro para ver onde Jesus foi sepultado, mas não procedem à unção, ao embalsamamento de Jesus porque já é sábado. E nenhum trabalho pode ser feito aos sábados.

O evangelista denuncia como a comunidade tem dificuldade em abandonar o antigo, ainda observando o mandamento do descanso do sábado, para se abrir à novidade trazida por Jesus. A observância da lei impede que se faça a experiência de Cristo ressuscitado. O evangelista escreve no capítulo 24: “No primeiro dia da semana”. Este primeiro dia lembra o primeiro dia da criação.

É uma nova criação, onde o homem tem uma vida capaz de superar a morte. 

Lucas 24,1-3:** «No primeiro dia da semana, bem de madrugada, as mulheres foram ao túmulo, levando os aromas que tinham preparado. Encontraram a pedra removida do túmulo, mas ao entrarem, não encontraram o corpo do Senhor Jesus.»

Foram no primeiro dia da semana, porque no sábado não puderam fazê-lo devido à observância do mandamento. O evangelista não especifica os métodos de remoção da pedra. É claro que elas não encontram o corpo do Senhor Jesus porque estão procurando por Jesus no único lugar onde ele não pode estar.

Jesus é o vivo, o vivificante e não pode estar no reino da morte, no lugar dos mortos. 

Lucas 24,4: «Ficaram perplexas, mas eis que se apresentaram junto delas dois homens com vestes resplandecentes.»

Já vimos esses dois homens no episódio da transfiguração. Eles eram Moisés e Elias; é uma técnica do evangelista Lucas nomeá-los apenas na primeira vez que aparecem. Então eles apontam para Moisés e Elias. O evangelista observa: “com vestes resplandecentes”, o mesmo que na transfiguração [cf. Lc 9,28-36]. 

Lucas 24,5-6: «Tomadas de medo, voltaram o rosto para o chão, mas eles disseram-lhes: “Por que buscais entre os mortos o vivente? Não está aqui. Ressuscitou! Lembrai-vos de como vos falou, estando ainda na Galileia:»

E o que o evangelista, agora, coloca na boca desses dois personagens é uma grande verdade de fé que diz respeito não apenas à experiência do Cristo ressuscitado, mas diz respeito à vida de todos os crentes e seu impacto com a morte: “Por que buscais entre os mortos o vivente?O sepulcro é o último lugar onde elas poderiam encontrar Jesus. Se se acredita que a morte não só não interrompe, mas permite que o indivíduo entre em uma condição nova, plena e definitiva, o sepulcro é o último lugar onde ele pode ser encontrado.

Quando um ente querido morre, mesmo que seja doloroso, você tem que escolher entre lamentá-lo como morto ou vivenciá-lo. Se você chora como se estivesse morto, você vai ao túmulo, mas lá não está a pessoa, você tem que experimentá-la como viva. Aqui, então, está o aviso desses dois: “Por que buscais entre os mortos o vivente?” Não se pode procurar entre os mortos aquele que continua a viver!

Moisés e Elias remetem as mulheres, as discípulas de volta ao ensinamento de Jesus. Não se fala de messias, mas do Filho do homem, ou seja, do homem que atingiu a condição, que não é característica exclusiva de Jesus, mas uma possibilidade para todos aqueles que o seguem. 

Lucas 24,7: «‘É necessário que o Filho do Homem seja entregue nas mãos dos pecadores, seja crucificado e, no terceiro dia, ressuscite’”.»

E aqui o evangelista coloca uma terrível acusação contra a casta sacerdotal no poder, ao fazer menção ao que Jesus havia dito após seus anúncios da paixão: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar” [Lc 9,22 – cf. Lc 9,44; 17,25; 18,32-33]. Ele se refere aos membros do Sinédrio, o mais alto corpo jurídico de Israel.

Aqueles que Jesus indicou como os componentes [do Sinédrio], agora, na boca desses dois personagens, são os pecadores. As pessoas que se consideravam mais próximas de Deus, mais afastadas do mundo, do pecado, na verdade são os pecadores, porque mataram a vida, agiram contra a vida. 

Lucas 24,8: «Então as mulheres se lembraram das palavras de Jesus.»

“Lembrar”, no sentido de compreender. 

Lucas 24,9-10: «Voltando do túmulo, anunciaram tudo isso aos Onze, e a todos os outros. Eram elas Maria Madalena, Joana e Maria de Tiago. Também as outras, que estavam com elas, contaram essas coisas aos apóstolos.»

Já não são doze, mas onze, o número não será reconstituído. As principais mulheres que vivenciaram essa experiência foram: Maria Madalena, que o evangelista nos apresentou como a mulher de quem saíram os sete demônios [cf. Lc 8,2-3], Joana, esposa de Cuza, cobrador de impostos de Herodes, e Maria, mãe de Tiago. 

Lucas 24,11: «Estes, porém, acharam tudo o que relataram um delírio e não acreditaram.»

Aqui está a reação dos apóstolos. Por quê? Porque as mulheres não são credíveis como testemunhas. De acordo com a tradição judaica, Deus jamais falou com alguma mulher. É verdade que ele havia falado com uma mulher, Sara, mas como ela lhe respondeu com uma mentira, uma mentira inofensiva, a partir daquele momento Deus não falou mais com nenhuma mulher [cf. Gn 18,12-15]. E devido à mentira de Sara, as mulheres não eram consideradas testemunhas credíveis. Pois bem, o anúncio da ressurreição é feito precisamente para pessoas que não são credíveis. 

Lucas 24,12: «Pedro, no entanto, levantou-se e correu ao túmulo. Olhou para dentro e viu apenas os lençóis. Então voltou para casa, admirado com o que acontecera.»

Os personagens que apareceram para as mulheres, acabaram de dizer que Jesus não pode estar no lugar dos mortos, mas Pedro ainda não entende e corre para o túmulo. A crença de que Jesus ressuscitou não vem de ver um túmulo vazio, mas de encontrar uma pessoa viva. E se encontra o VIVENTE, como se verá no próximo episódio dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35], quando Jesus partir o pão.

Quando se REPARTE a própria vida pelos outros, existe a possibilidade de experimentar aquele que ressuscitou.

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 4. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2020. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“É a Ele (Jesus) que eu procuro, a Ele, que morreu por nós; é Ele que eu quero, Ele, que ressuscitou por nós” (Santo Inácio de Antioquia: foi bispo de Antioquia, na Síria, entre 68 a 100/107 – teólogo e escritor)

De tanto ouvirmos, em celebrações e leituras, essa passagem da ressurreição, corremos o risco de nos tornarmos indiferentes a ela, não nos impressionarmos mais com esse relato! Sim, o hábito traz a rotina! É preciso ficar claro, aqui, que não se trata de uma mera revivificação de Jesus. Reviver significa retornar a esta vida que temos, aqui na terra. Enquanto que, ressuscitar significa transcender esta vida. Pois, aquele que ressuscita alcança uma plenitude tal de vida, que não morre mais! Essa é a grande diferença! 

A vida triunfa sobre a perseguição, julgamento, condenação e morte de um “delinquente” chamado Jesus de Nazaré. É claro que não se pode provar, verificar historicamente que Jesus tenha ressuscitado! Esse é um tipo de verdade que se fundamenta na fé, ou seja, na esperança de que a morte não tenha mais a última palavra em nossa vida! É nessa fé, aliás, que se funda toda a esperança de nós, cristãos! Como nos adverte, muito bem, São Paulo:

«Se Cristo não ressuscitou, a vossa fé é ilusória e ainda estais nos vossos pecados... Se é só para esta vida que pusemos a nossa esperança em Cristo, somos, dentre todos os homens, os mais dignos de compaixão» (1Cor 15,17.19).

A questão mais importante que essa celebração nos propõe é a seguinte:

Como nos encontramos com o Cristo Ressuscitado, com o Cristo vivo?

duas maneiras para isso, as quais se complementam e, eu diria mais, são interdependentes:

a) Encontramos com o Ressuscitado dentro de nós, percorrendo um caminho interior. Como nos adverte J. A. Pagola, “se não o encontramos dentro de nós, não o encontraremos em nenhuma parte”. Talvez por isso, a nossa fé seja tão triste, tão improdutiva, tão rotineira! Qual é o Jesus, afinal, que nós buscamos? Qual é a causa última de nossa alegria? Em que fundamentamos, de verdade, a nossa vida? Sem um contato pessoal com o Cristo, não teremos a força da fé e a esperança na vida que jamais se acaba!

b) Encontramos com o Ressuscitado quando partilhamos a vida como ele fez! Quando não poupamos a nossa vida é que temos vida, de verdade: “quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder sua vida por causa de mim e do Evangelho, a salvará” (Mc 8,35 – cf.: Mt 16,25; Lc 17,33; Jo 12,25). “Perder”, nesse sentido, significa consumir, desgastar, empregar a vida em busca da realização do Reino de Deus neste mundo. 

Assim sendo, é assustador ver quanta gente não está sabendo ou desejando viver a vida de um modo que vale, de verdade, a pena! Quanto de nossas preciosas vidas desperdiçamos com atividades, ocupações que não nos enriquecem em nada, não nos acrescentam nada, não nos valorizam em nada! É bom lembrar que o Cristo não quer que seus irmãos tenham uma vida qualquer! Por isso, ele afirmou com tanta clareza: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Que a tua Páscoa de morte e ressurreição, Jesus, seja a pedra angular de todos os meus dias: que a luz da nova manhã me suscite o agradecimento pela tua luz de vida nova; que os acontecimentos do dia provoquem em mim uma invocação pelos irmãos e me impulsionem a recordar sempre e partilhar um pouco mais a vossa paixão e a vossa oferta na expectativa ativa do vosso regresso na glória; que o cair da noite lembre-me que “sem ti nada posso fazer” e oriente-me a abandonar-me em ti com toda a confiança. Em cada acontecimento, pensamento, gesto, escolha, posso procurar-te e encontrar-te vivo e atuante, surpreendente e conhecido, recordando a tua Palavra que fecunda a minha história e a renova porque Tu vives.»

(Marianerina De Simone. Veglia pasquale nella notte santa. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio Divina per l’anno liturgico C. Sui vangeli festivi. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 224)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – Pasqua – 21 aprile 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 13/04/2022).

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