«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 29 de junho de 2019

Solenidade de S. Pedro e S. Paulo, Apóstolos – Homilia

Primeira leitura: Atos 12,1-11
Segunda leitura: 2 Timóteo 4,6-8.17-18
Evangelho: Lucas 9,18-24
Para ler as leituras, clique aqui.


TELMO JOSÉ AMARAL DE FIGUEIREDO
Padre da Diocese de Jales (SP) e Biblista
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SÃO PEDRO
Estátua postada diante da Basílica de São Pedro, no Vaticano

Dois apóstolos, dois sinais de contradição

            Neste 13º domingo do Tempo Comum, somos convidados a celebrar o martírio de dois grandes discípulos de Jesus: Pedro & Paulo. Sem nos esquecermos que este domingo é o «Dia do Papa», ocasião pela qual se realiza a coleta denominada «Óbolo de São Pedro».

            Interessante essa associação! Afinal, estamos diante de duas pessoas bem diferentes entre si.

            Pedro tinha um barco com outros homens ao seu serviço. Era o que, em termos atuais, poderíamos chamar de um microempresário do ramo da pesca, homem rude, simples, provavelmente analfabeto (At 4,13), habituado ao serviço braçal, ao esforço físico. Porém, um ser humano «habituado a reparar nos ventos, nas nuvens, nas correntes do lago e nos pequenos pormenores da ondulação, pois dessa qualidade dependia o seu sustento e por vezes a sua própria vida e a dos seus homens» (Fonte: http://www.estudos-biblicos.net/pedro.html). Portanto, apesar de simples, era um homem observador, talhado a tomar decisões rápidas, fisicamente robusto, bom nadador (cf. Jo 21,7).

            Paulo, segundo suas próprias palavras: «Eu sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas criado aqui nesta cidade [Jerusalém]. Como discípulo de Gamaliel, fui instruído em todo o rigor da Lei de nossos antepassados e tornei-me zeloso da causa de Deus, como vós o sois hoje. Persegui até à morte os adeptos deste Caminho, prendendo homens e mulheres e lançando-os na prisão. Disso são minhas testemunhas o sumo sacerdote e todo o conselho dos anciãos. Eles deram-me cartas de recomendação para os irmãos de Damasco. Fui para lá, a fim de prender todos os adeptos que aí se encontrassem e trazê-los para Jerusalém, a fim de serem castigados» (At 22,3-5). Portanto, Paulo era uma pessoa instruída, falava várias línguas (aramaico e grego, provavelmente, o latim) lia em hebraico, com certeza. Homem com o dom da oratória (cf. At 13,13-43: pregação em Antioquia da Pisídia, onde profere uma visão global da história do Povo de Deus).

            Pedro tinha mais familiaridade com pessoas de origem judia pela facilidade de comunicação e comunhão com os hábitos semelhantes (cf. At 8,14). No entanto, não se furtava a pregar e anunciar o Cristo aos pagãos (exemplo: At 10 – na casa de Cornélio; cf. At 12,18).

            Paulo, primeiramente provou converter os judeus ao cristianismo, mas como isso foi se tornando difícil e várias resistências foram surgindo, optou por priorizar a evangelização dos pagãos (cf. At 13,45-46). Realizou, ao menos, três grandes viagens missionárias (a datação é incerta, apenas como referência, tomei a cronologia da Bíblia de Jerusalém):
1ª. Anos 40-41; narrativa em At 13,1-14,28: dá-se uma abertura aos pagãos;
2ª. Anos 47-51; narrativa em At 15,36-18,22: o Evangelho entra na Europa e
3ª. Anos 52-57; narrativa em At 18,23-21,26: a Ásia Menor confirmada no cristianismo.

            Houve uma quarta e derradeira viagem, que foi aquela de sua prisão (mais ou menos nos anos 60 a 64/67 – cf. At 27,1-28,16).
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SÃO PAULO
Estátua postada diante da Basílica de São Pedro, no Vaticano
            Dirijamo-nos para as leituras deste domingo. Uma primeira constatação: tanto a primeira (At 12,1-11) como a segunda (2Tm 4,6-8.17-18) têm o cenário do cárcere como contexto de fundo. Pedro encontra-se aprisionado em Jerusalém, segundo Atos, por ordem de Agripa I, filho mais novo de Herodes, o Grande. Paulo, quando escreve a Timóteo, está em Roma, também em prisão domiciliar, aguardando seu julgamento definitivo. Portanto, ambos, Pedro e Paulo, sofrem as consequências de uma vida devotada à pregação do Evangelho de Jesus Cristo.

            No entanto, aquilo que nos é narrado nessas duas primeiras leituras contrasta grandemente. Vejamos.

            Na prisão, Pedro está adormentado (At 12,12,6), condição daquele que não está vigilante, como já havia ocorrido com ele no Getsêmani (cf. Lc 22,39-46 // Mt 26,36-46). Ao encontrar Pedro e os filhos de Zebedeu dormindo, Jesus lhes diz: «Não fostes capazes de ficar vigiando uma só hora comigo? Vigiai e orai, para não cairdes em tentação; pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca» (Mt 26,40-41). Essa era, também, a condição da Igreja naquele momento. Uma Igreja adormecida, acorrentada, fechada em seus temores e limitações. Em sua fraqueza, Pedro, mesmo após ter sido despertado pelo anjo (= Deus), pensa que tudo aquilo que está se passando com ele fosse uma visão, um sonho (At 12,9). O maior problema não é ser perseguido por causa do Cristo, mas não saber discernir a presença de Deus em nossa vida!

            Os comandos que o anjo dá a Pedro são todos no sentido de colocá-lo em posição de saída, de missão:
* «Levanta-te depressa!»;
* «Coloca o cinto e calça tuas sandálias!»;
* «Põe tua capa e vem comigo!» (At 12,7.8).

            Quando Pedro «cai em si», percebe que Deus estava o tempo todo com ele (At 12,11)! A grande tentação da Igreja é, justamente, não se dar conta de que Deus jamais a abandona! Não se dar conta que Deus jamais está do lado dos poderosos!

            A Igreja, os seguidores (= discípulos) que Cristo quer devem estar vigilantes, atentos aos sinais dos tempos, preparados para sair de suas prisões interiores, de sua zona de conforto e segurança!

            Já Paulo, em Roma, faz um balanço geral de sua vida, de sua atuação como missionário de Cristo e constata os êxitos que teve:
* «Combati o bom combate»;
* «completei a corrida» (= a minha missão);
* «guardei a fé»;
* «o Senhor esteve ao meu lado e me deu forças»;
* «Ele fez com que a mensagem fosse anunciada por mim integralmente...»;
* «... e ouvida por todas as nações»;
* «e eu fui libertado da boca do leão» (= venci minhas perseguições) – 2Tm 4,7.17).

            As palavras de Paulo ecoam confiança, segurança e a sensação da missão cumprida. Ele não é um convencido! Ele não é um orgulhoso! Ele não é um pretensioso! Mas alguém que, chegando ao final de sua vida, se dá conta que suas batalhas não foram em vão.

            Isso, somente, acontecerá àqueles que não se intimidarem diante do mundo, diante dos homens, diante dos inimigos do Evangelho. Como muito bem nos admoesta Jesus: «Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas são incapazes de matar a alma! Pelo contrário, temei Aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno!» (Mt 10,28).

            Nesses tempos de falsos messias, de manipulação descarada da fé do povo, do uso da religiosidade pelos poderosos, do crescimento do egoísmo, da aversão ao diferente, do ódio e da vingança; Pedro e Paulo são figuras que nos ajudam a discernir o bem do mal!

            Esses apóstolos nos ajudam a não nos intimidar diante das adversidades e perseguições de que são vítimas todos aqueles que preferem ser fiéis a Deus do que aos seres humanos! Como bem se expressou Pedro na segunda vez que foi obrigado a comparecer diante do Sinédrio: «É preciso obedecer a Deus antes que aos homens» (At 5,29).

            Não tenhamos receio de sermos, diante deste mundo, um «sinal de contradição», como nos estimulou o papa João Paulo II em uma de suas obras, antes de tornar-se cardeal.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Como salvar a Igreja?

Bispo alemão afirma que somente uma nova teologia pode salvar a Igreja

Christa Pongratz-Lippit
La Croix International
25-06-2019

O abuso de poder clerical está destruindo o catolicismo
Dom Heiner Wilmer

Heiner Wilmer é bispo da diocese de Hildesheim, Alemanha.

Um dos mais recentes bispos nomeados da Alemanha levantou as sobrancelhas chamando por uma “nova teologia” como uma resposta urgente às revelações de abuso de poder por parte do clero.

“Nós ainda não percebemos plenamente que a crise de confiança está pesando sobre a estrutura da Igreja com uma força absoluta”, alertou o bispo Heiner Wilmer, SCI, em uma recente entrevista no jornal alemão Süddeutsche Zeitung.

Aos 58 anos, lidera a diocese de Hildesheim, no nordeste da Alemanha, apenas desde setembro, mas essa não é a primeira vez que ele se torna manchete com suas declarações sinceras.

Wilmer, que foi superior geral e professor de uma ordem missionária mundial, conhecida como os Dehonianos (Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus) antes de se tornar bispo, recebeu críticas com apenas três meses no seu novo emprego quando ele disse à Kölner Stadt Anzeiger que o abuso de poder estava no DNA da Igreja.

“Eu contava com as críticas, mas não que muitas pessoas ficariam estressadas”, admitiu na sua última entrevista no Süddeutsche Zeitung, publicada em 12-06-2019.

“Minha declaração (que foi em dezembro de 2018) acertou um nervo, causando mais dores que eu imaginava. Mas eu mantenho o que disse”, disse o bispo.
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"Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles e disse:
'Em verdade vos digo, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não
entrareis no Reino dos Céus. Quem se faz pequeno como esta criança,
esse é o maior no Reino dos Céus".

(Mateus 18,2-4)

Abuso de poder, tão antigo como o Evangelho, precisa ser tratado teologicamente

Ele argumenta que a Igreja esqueceu que os abusos de poder são tão antigos quanto o Evangelho, apontando muitos exemplos no Novo Testamento, incluindo como os discípulos brigavam sobre quem seria o primeiro dentre eles.

Wilmer notou que a reação da Igreja à crise de abusos até agora foi aplicar disciplina e o direito canônico, aumentando a prevenção, a comunicação e trabalhando juntos com o judiciário e autoridades estatais.

“Isso tudo é bom e correto, mas nós ainda não alcançamos o enfrentamento fundamental do problema”, disse.

Na sua visão, isso requer que a Igreja pergunte a si mesmo o que a crise de abuso de poder significa na “forma como falamos sobre Deus, a Igreja e na forma como proclamamos o Evangelho”.

Ele alegou que silenciar os abusos sexuais por parte do clero foi consequência de uma excessiva exaltação da sacralidade da Igreja. Assim a violência sexual foi vista como algo que suja a santidade da Igreja e foi acobertada.

“Nós devemos descer para ver a Igreja pecadora, mas também enfrentarmos o problema teologicamente”, disse ele.
"Ele levantou-se e disse: 'Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?'
Ela respondeu: 'Ninguém, Senhor!' Jesus, então, lhe disse: 'Eu também não te condeno.
Vai, e de agora em diante não peques mais'."

(João 8,10-11)

A Igreja deve sair da moralização para libertar as pessoas

O bispo Wilmer, que estudou na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma e tem doutorado em Teologia na Universidade de Freiburg, na sua nativa Alemanha, argumentou que uma imagem excessivamente exaltada da Igreja foi uma das razões que levaram à terrível extensão da violência sexualizada, que agora vem à tona.

“Nós estamos muito longe, interessados em polir a imagem da Igreja e falhamos em ver o ser humano. Eu acho uma terrível verdade!”, ele disse.

O bispo lamentou que no último século a Igreja “resvalou” na forma de proclamar o Evangelho, levando as pessoas a ver simplesmente uma instituição centrada na moralidade sexual.

“Nós permitimos que a Igreja se deteriorasse em uma instituição moral focada no que pode ou não acontecer debaixo dos lençóis”, disse ele, ao mesmo tempo em que enfatiza que o sexto mandamento não é o único mandamento.

Wilmer disse que a mensagem de Jesus Cristo “não foi primordialmente moral”, mas objetivava libertar e redimir os seres humanos.

“No Evangelho de São Mateus ele não fala ‘se vocês se juntarem, serão a luz do mundo’ ou ‘se estiverem conforme as normas sexuais, vocês serão o sal da Terra’. Ele usou o [modo verbal no] indicativo e não o condicional ou imperativo, e disse ‘Vocês são o sal da Terra e a luz do Mundo como vocês são’”, disse o bispo.

Ele destacou que Jesus tinha um incrível senso de beleza.

“Ele viu a fantástica beleza em um aleijado e faz ele sentir essa beleza e levantar sua cabeça”.
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PAPA FRANCISCO
Entusiasmado em uma de suas pregações ao povo

Da mera sobrevivência ao despertar fascínio pelo Evangelho

Dom Wilmer disse que isso é crucial para a Igreja se tornar uma comunidade que levanta as pessoas. E ele disse que, mais decisivamente para ele, que o Evangelho deve ser proclamado de uma forma que fascine as pessoas.

“Nós precisamos achar as brasas sob as cinzas para brilhar novamente, e começar com os anseios das pessoas por segurança e paz. Nós devemos dar-lhes espaço para crescer, espaço para desenvolver e espaço suficiente para respirar”, disse ele.

Ele alertou que quem está somente interessado na sobrevivência da Igreja “já está perdido”.

O mais recente bispo da Alemanha também disse, esperançosamente, que o procedimento sinodal da conferência nacional dos bispos começou.

Ele disse que engajar os leigos nas discussões sobre:
* poder clerical,
* moralidade sexual da Igreja e
* estilo de vida dos padres não seria fácil.
Mas ele disse estar convencido que isso seria bem-sucedido.
Imagem relacionada 
A coragem para ouvir e mudar

No entanto, ele disse que será preciso muita coragem por parte dos bispos para poder “caminhar ombro a ombro” com os leigos e discutir questões como a ordenação sacerdotal, o celibato e o lugar das mulheres na Igreja.

Wilmer, que é padre há 32 anos, disse estar “apaixonadamente” comprometido com o celibato. Mas ele disse: “deve ser feito para brilhar mais radiantemente”. A melhor maneira de fazer isso, ele argumentou, seria torná-lo voluntário, em vez de obrigatório, como é hoje.

Ao mesmo tempo, o bispo disse que é crucial que as mulheres 
sejam colocadas em posições de liderança na Igreja e 
recebam maiores responsabilidades.

“Não podemos mais simplesmente dizer que a questão da ordenação de mulheres foi decidida de uma vez por todas, e ponto final”, disse o bispo Wilmer.

Ele concluiu advertindo que, se a Igreja não encontrar uma maneira de colocar essas reformas em prática, ela se tornará marginal.

Traduzido do inglês por Wagner Fernandes de Azevedo e reeditado por Telmo José Amaral de Figueiredo. Acesse a versão original, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 27 de junho de 2019 – Internet: clique aqui

quarta-feira, 26 de junho de 2019

O mistério do amor

Estamos sempre à procura de alguém quase igual

André Lopes

Estudo canadense aponta que os indivíduos estão sempre à procura de parceiros cujas respectivas personalidades sejam próximas entre si
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VAI E VOLTA - Os atores Elizabeth Taylor e Richard Burton:
casamento de dez anos, divórcio e novas núpcias

Foto: Douglas Kirkland/Corbis/Getty Images

O amor é a capacidade de perceber o semelhante no dessemelhante.” À primeira vista, o aforismo, do filósofo alemão Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969), pode soar contraditório. No entanto, já é possível afirmar com alguma segurança científica que, na verdade, ele ajuda a iluminar algo intrigante: como os seres humanos, afinal de contas, escolhem seus pares românticos.

Uma pesquisa publicada recentemente na revista PNAS, órgão da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, atesta que os indivíduos estão sempre à procura de parceiros cujas respectivas personalidades sejam próximas entre si. E isso por um motivo muito, muito simples: o que uma pessoa busca no plano dos relacionamentos afetivos é alguém que, somados e subtraídos todos os atributos, se pareça com ela mesma.

Para chegar a tal conclusão, um grupo de psicólogos da Universidade de Toronto, no Canadá, debruçou-se sobre os dados de 332 voluntários alemães coletados entre 2008 e 2017 por meio de um trabalho do German Family Panel, uma comissão multidisciplinar dedicada a estudar as relações pessoais e a vida privada em seu país de origem. Nele, ex e atuais companheiros, que tiveram namoros com duração média de três anos e dez meses, relatavam como entendiam a própria personalidade e a de seus parceiros, apontando traços como afabilidade, aspirações e rotina.

De acordo com os cientistas canadenses, os resultados revelam que existe uma tendência, tanto em homens como em mulheres, a se envolver com um tipo particular de pessoa. Desse modo, no afã de “perceber o semelhante no dessemelhante” — vale dizer, no outro —, os indivíduos estariam sempre, inconscientemente, buscando pontos de contato entre o antigo amor e o, vá lá, “candidato a atual”. Em outras palavras: para cada um de nós existiria, sim, o chamado “tipo perfeito”.

Isso evidenciaria que a procura por parceiro afetivo duradouro não passaria de um círculo vicioso, repetitivo? Segundo Yoobin Park, um dos pesquisadores responsáveis pelo trabalho desenvolvido na Universidade de Toronto, não se trata disso. “Nossos resultados não mostram que a preferência por um tipo de personalidade se traduza em relacionamentos iguais, mas tão somente que eles terão algumas semelhanças”, disse a VEJA. O diferencial na nova relação, sustenta Park, estaria na possibilidade de usar habilidades emocionais — como a capacidade para resolver conflitos — aprendidas com o ex. “De todo modo, é preciso tomar cuidado para não tentar consertar o relacionamento atual baseando-se no antigo, o que significaria que o luto quanto à relação anterior não foi vivido adequadamente.”

Park atenta ainda para outra precaução: que a comodidade de buscar parceiros com os mesmos traços de personalidade dos anteriores acabe resultando na perpetuação de relacionamentos que poderíamos chamar de “tóxicos”. O estudo de que ele participou mostrou que indivíduos introvertidos têm maior predisposição para optar por modelos repetitivos — e muitas vezes problemáticos — de relacionamento amoroso. O contrário ocorre com os de perfil mais desinibido.

Naturalmente, não é simples discernir quando a repetição de “tipos” nas relações afetivas significa a descoberta do “modelo ideal” ou apenas o envolvimento em mais uma relação tóxica. A atriz inglesa Elizabeth Taylor (1932-2011) teve sete maridos — e oito casamentos. O desencontro entre os números matrimoniais explica-se pelo fato de que com o ator galês Richard Burton a estrela viveu um romance em dois capítulos: eles se casaram em 1964, divorciaram-se em 1974 e voltaram a contrair núpcias em 1975. Esse segundo casamento, contudo, durou apenas um ano — deixando claro que insistir com a mesma pessoa, e não apenas com quem se pareça com ela, está longe de garantir o êxito de uma relação amorosa.

Para além da contribuição que oferece aos estudos da vida afetiva dos seres humanos, o trabalho realizado pela equipe canadense poderá atuar, no futuro, como referência para os serviços e aplicativos de namoro on-line ou voltados para a sugestão de parceiros em potencial, com base justamente nos romances anteriores. Algo parecido com as recomendações de filmes e séries da Netflix, por exemplo — só que tendo como objetivo a descoberta de alguém com quem se possa iniciar uma relação afetiva. Por enquanto, os resultados sugerem que a chave para encontrar felicidade em relacionamentos de longo prazo é, em boa parte dos casos, descobrir alguém novo que seja como o antigo. O semelhante no dessemelhante.

Fonte: Veja – Ciência – Edição 2640 – Ano 52 – nº 26 – 26 de junho de 2019 – Págs. 84-85 – Internet: clique aqui

A CENSURA voltou!

Censura e ameaças atingem jornalistas que criticam Bolsonaro

Lu Sudré

Paulo Henrique Amorim foi afastado do “Domingo Espetacular” 
da Record; Sheherazade, do SBT,
 teve a cabeça pedida pelo dono da Havan;
Marco Antonio Villa é afastado e se demite da Joven Pan

O afastamento do jornalista Paulo Henrique Amorim do programa Domingo Espetacular, noticiado nesta segunda-feira (24 de junho) pela Record TV, trouxe à tona discussões sobre perseguição e censura aos profissionais da imprensa.

Crítico contundente de Jair Bolsonaro e Sérgio Moro, Amorim vem contrariando a linha editorial da emissora, próxima ao governo. Segundo o site Notícias da TV, com o acirramento da polarização política no país, desde 2014 o jornalista está na mira do veículo de propriedade do bispo Edir Macedo.

Em nota oficial, a Record afirmou que o afastamento do apresentador, que comandou a atração pelos últimos 14 anos, se deu por um “processo de reformulação do jornalismo” e que o profissional “permanece na emissora à disposição para novos projetos”. O contrato de Amorim vai até 2021. Patrícia Costa e Eduardo Ribeiro ficarão responsáveis pela apresentação do semanal a partir do próximo domingo (30).

Procurado pela reportagem do Brasil de Fato, Paulo Henrique Amorim não quis comentar a decisão da emissora.
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PAULO HENRIQUE AMORIM

Saiba mais sobre o caso Paulo Henrique Amorim, lendo esta matéria:
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O jornalista não é o único profissional ameaçado. Rachel Sheherazade, do SBT, também foi colocada na linha de tiro dos bolsonaristas. Pelo Twitter, Luciano Hang, proprietário das lojas Havan - que durante as últimas eleições coagiu trabalhadores a realizarem campanha para o então candidato do PSL - sugeriu que Silvio Santos demita a apresentadora e comentarista.

De acordo com o empresário, a profissional está “contaminada por ideologias comunistas”. Ela havia compartilhado uma reportagem sobre a redução de equipes e o desmonte do jornalismo no SBT.

Apesar de ser conhecida por seus posicionamentos conservadores, nos últimos meses a âncora também tem tecido críticas ao governo Bolsonaro. Em resposta à sugestão de Hang, Sheherazade afirmou que irá processá-lo por chantagear a emissora, já que a Havan é uma das principais anunciantes do SBT.

Frase de Rachel Sheherazade ao dono das lojas Havam:
“Não vou me censurar para confortar sua ignorância.”

Saiba mais sobre o caso Sheherazade, lendo estas matérias:
clique aqui e aqui

Também nesta segunda-feira (24 de junho), o comentarista político Marco Antonio Villa anunciou sua saída da rádio Jovem Pan após ser suspenso por 30 dias.
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RACHEL SHEHERAZADE & LUCIANO HANG

Fábio Pannunzio, âncora da TV Bandeirantes, está entre as centenas de pessoas que prestaram solidariedade aos profissionais. “Não tenho nenhum apreço pelo jornalismo do Paulo Henrique Amorim, a quem tenho criticado nos últimos dez anos. Mas a demissão [sic] dele é brutal e inaceitável, produto do macartismo bolsonarista que já vitimou Marco Antonio Villa, Marcelo Madureira e ameaça Rachel Sheherazade”, escreveu o jornalista.

Frase do Prof. Marco Antonio Villa em seu último programa na Jovem Pan:
“Um presidente não tem compostura, não tem preparo. 
Não tem articulação política. Reforça a crítica ao parlamento, 
estimulando atos neonazistas, como do próximo dia 26 [de maio], 
que é claramente no sentindo de fechar o Supremo, 
fechar o Congresso e impor a ditadura.
E o presidente estimula isso”

Saiba mais sobre o caso do Prof. Villa, lendo esta matéria:
clique aqui

O ator e humorista Gregório Duvivier também se manifestou. “Toda a solidariedade ao Paulo Henrique Amorim, e também ao Marco Antonio Villa e à Rachel Sheherazade – mesmo discordando frequentemente dos 2 últimos, é inegável que também caíram pela sua coerência e coragem. Ao que parece, na Record, no SBT e na Jovem Pan só ficarão os covardes.”   
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MARCO ANTONIO VILLA

Censura explícita

Relatório publicado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) em 2018, registrou 10 casos de censura aos profissionais da imprensa. Durante o período eleitoral, por exemplo, a direção do jornal O Povo proibiu os jornalistas contratados de participarem do ato “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”.

Em agosto do ano passado, trabalhadores da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) denunciaram, em dossiê, censura na empresa, com veto a reportagens, de um lado, e indução a coberturas favoráveis ao governo Temer.

Um caso emblemático denunciado pelos jornalistas da EBC está relacionado ao assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Silva, no Rio de Janeiro, em março do ano passado. A cobertura foi diminuída após ser criticada por gerentes da Agência Brasil, que disseram estar “cansativa” e que estaria dando “palanque ao PSOL”.

Na mesma linha, Ruth Manus, ex-colunista do jornal O Estado de S. Paulo, foi demitida após fazer um artigo com críticas ao então candidato do PSL.

Para José Carlos Torves, diretor executivo da Fenaj, a retaliação desnuda a falsa imparcialidade de parte da mídia, que sai em defesa do governo.

“Essa pressão já era exercida no interior das redações. Agora ela se externaliza porque o anunciante e uma parte da população que apoiou o atual governo também pressionam veículos de comunicação para tomar medidas como demissão e afastamento de jornalistas que ainda mantinham independência na sua opinião, para que sejam extirpados dos veículos”, afirma Torves.

“A situação se agrava cada vez mais. Estamos vivendo em uma democracia precária e uma liberdade de expressão precária. Temos que parar de usar neologismos para qualificar o que de fato é uma censura escancarada”, denuncia o diretor da Fenaj.
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PAULO PONTES
Jornalista demitido da Jovem Pan em 2017

A coisa é antiga

Jornalista demitido da Jovem Pan diz que
“a lei era só criticar o PT e abafar o resto”

Algumas poucas pessoas viraram cordeiros para conquistar cargos e
assim se mantém até hoje.
Mas minha ética, meu compromisso com a verdade e
com a condição apolítica não me permitiam vender a alma.

Do Facebook do Paulo Pontes (ex-âncora da Jovem Pan)

“Gente, parece incrível, mas ontem postei aqui que completava 21 anos de Jovem Pan. Agradeço a todos que curtiram e comentaram. Mas, ironia do destino, venho no dia seguinte comunicar a todos que meu ciclo na Jovem Pan terminou.

Não tenho o que reclamar. Uma casa onde trabalhei por 21 anos ficará para sempre marcada em minha vida como, tenho absoluta certeza, apesar da falta de modéstia, que ficarei lá.

Só posso agradecer, começando pelo começo, à Renata Perobelli Borba que fez a ponte, lá atrás, como Anchieta Filho , e me levaram para conversar com o Zé Pereira. E assim mudei da Bandeirantes para a Jovem Pan em 10 de outubro de 1996.

Antonio A Carvalho , o seu Tuta, foi um grande patrão e confiou em mim. Pois foi ele quem me colocou como titular do Jornal da Manhã em 13 de dezembro de 1999. Por 16 anos tive a honra de apresentar esse jornal. Mas com as mudanças na empresa, fui limado da bancada por não admitir o radicalismo que se impôs na linha editorial.

Para mim, desde sempre, Lula, Aécio, Temer, Alckmin e milhares de outros se equivalem. Mas a lei era só criticar o PT e abafar o resto. Algumas poucas pessoas viraram cordeiros para conquistar cargos e assim se mantém até hoje. Mas minha ética, meu compromisso com a verdade e com a condição apolítica não me permitiam vender a alma.

Isso foi o início do meu fim na Jovem Pan. Admiro toda a família do seu Tuta, exceção feita aos dois filhos, que, inclusive, são bloqueados em meu Face. A Jovem Pan não os merece.

A todos, indistintamente, todos com quem eu trabalhei na Jovem Pan, alguns com maior proximidade, outros nem tanto, meu muito obrigado e o agradecimento eterno por terem me permitido fazer parte desta grande equipe e grande casa. A vida segue.

Não defini ainda o caminho que vou tomar, mas em breve espero ter tido essa definição. Aos ouvintes, muito fieis, meu muito obrigado e a certeza de que nunca enganei qualquer um com meus comentários, induzindo a interesses próprios. E assim continuarei, esteja onde estiver.”

Para concluir, assista a este vídeo,
no qual Paulo Henrique Amorim entrevista
o jornalista e escritor Mário Magalhães,
autor do livro «Sobre lutas e lágrimas: uma biografia de 2018», editora Record.
VALE A PENA!
Clique sobre a imagem:


Fontes: Brasil de Fato – Direitos Humanos / Retaliação – Terça-feira, 25 de junho de 2019 – 16h30 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui; e Forum – 12 de outubro de 2017 – 11h57 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui

terça-feira, 25 de junho de 2019

É hora de olharmos o futuro!

Continuamos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre

Entrevista com Edgar Morin
Antropólogo, sociólogo e filósofo francês judeu de origem sefardita. Pesquisador emérito do CNRS. Formado em Direito, História e Geografia, realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia

Úrsula Passos

Para um dos maiores filósofos vivos, a humanidade deve 
tomar consciência da incerteza do futuro e 
de seu destino comum
EDGAR MORIN

Edgar Morin é um dos mais importantes e relevantes pensadores vivos. Prestes a completar 98 anos, em julho, segue escrevendo e expondo ideias em conferências em universidades e eventos.

O francês de origem judaica é um grande intelectual público, sempre disposto a participar do debate, seja ele sobre o conflito na Palestina, cinema, transgênicos, aquecimento global ou imigração.

Morin deve boa parte de seu sucesso ao pensamento complexo, conceito defendido por ele segundo o qual o conhecimento só é possível pela transdisciplinaridade.

Essa ideia impactou o pensamento sobre educação no mundo todo. Tanto que, em 1999 foi convidado pela Unesco a escrever um livro explicitando as modificações que julga necessárias na educação: “Os Sete Saberes Necessários à Educação no Futuro”, disponível em português (Cortez Editora).

Morin conversou com a Folha em São Paulo, onde esteve na semana passada para uma conferência sobre prazer estético e arte no Sesc. Ao longo da entrevista, acompanhado por uma caipirinha, sorriu bastante e bateu na mesa em momentos de indignação.

Eis a entrevista

O senhor frequentemente fala da prosa e da poesia na vida, sendo a prosa a sobrevivência, o cotidiano do que somos obrigados a fazer, e a poesia, as relações de afeto, o jogo. O espaço da poesia está diminuindo e a prosa está ganhando? 

Edgar Morin: Ela não poderá jamais vencer totalmente, mas eu diria que a prosa fez progressos consideráveis com a industrialização não só do trabalho, mas da vida, com a burocratização que encerra as pessoas num pequeno espaço especializado, com a técnica, que se serviu tanto dos homens quanto dos materiais.

Mas há uma resistência da poesia na vida privada, nas relações amorosas, de amizade, nos afetos, no prazer do jogo, no futebol, por exemplo. Há momentos de ambiguidade e devemos resistir a esse progresso enorme da prosa, que significa uma degradação da qualidade de vida.

O senhor tem uma conta bastante ativa no Twitter; ela é uma ferramenta de divulgação de seu trabalho? 

Edgar Morin: É uma forma de me expressar, de expressar ideias que me ocorrem, reações que tenho frente a acontecimentos e de uma forma muito concentrada. É um exercício de estilo, que permite que eu expresse e comunique aos outros o que penso e vejo em diferentes momentos do dia.

O senhor fala de um mundo padronizado, uniformizado. Como ficam o pensamento e a arte? 

Edgar Morin: Vivemos uma crise do pensamento. Aprendemos em nosso sistema de ensino a conhecer separando as coisas de maneira hermética segundo disciplinas. Os grandes problemas, porém, requerem associar os conhecimentos vindos de disciplinas diversas. Isso não é possível dada a lógica que comanda nosso modo de conhecer e de pensar.

Temos uma crise do pensamento que se manifesta no vazio total do pensamento político, ainda que, há coisa de um século, houvesse pensadores políticos que, mesmo quando se equivocavam, tentavam compreender o mundo, como Karl Marx e Tocqueville.

Meu esforço nas minhas obras é tentar efetivamente esse pensamento. O que estamos vivendo? O que está acontecendo? Para onde estamos indo? Claro que não posso fazer profecias, mas vejo o risco nas possibilidades que se abrem diante de nós.
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Qual o maior desafio do ensino? 

Edgar Morin: Não inserimos no programa temas que podem ajudar os jovens, sobretudo quando virarem adultos, a enfrentar os problemas da vida. Distribuímos o conhecimento, mas não dizemos que ele pode ser uma forma de traduzir a realidade e que podemos cair no erro e na ilusão.

Não ensinamos:
* a compreensão do outro, que é fundamental nos nossos dias,
* não ensinamos a incerteza,
* o que é o ser humano, como se nossa identidade humana não fosse de nenhum interesse.
* As coisas mais importantes a saber não se ensinam.

O senhor disse em uma conferência recente que a democracia ficou rasa e que a consciência democrática está degradada. Esse diagnóstico vale para o mundo todo? Como chegamos a isso? 

Edgar Morin: Chegamos progressivamente, primeiro porque as antigas concepções políticas se deterioraram e chegamos a uma política da urgência e do imediato. E, como sempre digo:

Ao sacrificar o essencial pelo que é urgente, acaba-se por
esquecer a urgência do essencial.

A crise da democracia se deve aos enormes poderes do dinheiro terem levado a casos de corrupção em todo lugar. O vazio do pensamento, somado a essa corrupção, leva a uma perda de confiança na democracia, e isso favoreceu os regimes neoautoritários, como vimos na Turquia, Rússia, Hungria e como vemos agora na crise da democracia no Peru e no Brasil.
RONALD REAGAN (40º Presidente dos Estados Unidos: 1981-1989) &
MARGARET THATCHER (Primeira-Ministra do Reino Unido de 1979 a 1990)

A regressão histórica começou muito fortemente com os anos Thatcher e Reagan, que no fim do século passado impuseram a regra do liberalismo econômico absoluto, como se as leis da concorrência pudessem regrar e melhorar todos os problemas sociais, mas isso só favoreceu a especulação e a força do dinheiro, que controla a política.

A crise da democracia é o controle do poder político pelo poder financeiro,
que é cego, que vê só os interesses imediatos,
não tem consciência do destino da humanidade.

A prova é a degradação da biosfera, que é evidente, e que vemos na degradação da Amazônia ou na poluição das cidades, por exemplo, mas que é ignorada em detrimento de um benefício imediato. Assim, damo-nos conta de que vivemos em uma época de cegueira e de sonambulismo. Isso participa na crise da democracia.

Eu vivi — sou muito velho, como sabe — nos anos 1930 e 1940, um período da ascensão da guerra, vínhamos de uma época em que acreditávamos estar em paz, mas numa crise econômica enorme que provocou a chegada de Hitler ao poder por vias democráticas.

Vivemos esse período como sonâmbulos, sem saber que íamos em direção ao desastre. Continuamos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre, em condições diferentes. O que é certo é o desastre ecológico, e o desastre dos fanatismos. [E como existe gente fanática no mundo de hoje!!! Fanáticos por ideias políticas, fanáticos religiosos, fanáticos por pessoas, fanáticos por teorias apocalípticas etc.]

A menos que as pessoas tomem consciência da comunidade de destino dos humanos sobre a Terra, as pessoas se fecharão em suas identidades religiosas, étnicas etc. Vivemos um período obscuro da história, a única consolação é que esses períodos obscuros não são eternos.
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Desastres naturais se multiplicam

Vemos hoje uma política das identidades. Como conciliar a democracia, o espírito republicano e as lutas identitárias? 

Edgar Morin: Uma nação é sempre a unidade de diversidades. Se não se vê a unidade, ela se empobrece e perde sua diversidade, e se só se vê a diversidade, ela perde a unidade. O comunitarismo é uma forma degenerada da diversidade necessária, é uma forma fechada para uma demanda justa de se manter ligado a suas origens. Infelizmente, hoje, perdemos a noção de unidade. Quando as comunidades se tornam importantes, elas esquecem a unidade nacional na qual se encontram.

Estamos numa época de interdependência. Concordo que as nações devam seguir soberanas, mas com soberania relativa, e não absoluta. Desde que haja um problema que diga respeito a toda a espécie humana, as nações deveriam subordinar seus interesses ao interesse coletivo.

O senhor já disse algumas vezes que o sul global, como chama, representa um pensamento anti-hegemônico. Ainda é o caso com a globalização? 

Edgar Morin: A globalização é a hegemonia dos valores do norte sobre o sul, é a continuação, por meios econômicos, da colonização, que era política. O sul deve resguardar o que conseguir — como os modos de viver — como resistência à hiperforça da técnica, do lucro, do sucesso, e deve conservar a noção de poesia na vida, essa é a missão do sul.

Como fazer isso em países pobres, de democracias instáveis, países menos expressivos no jogo político global? 

Edgar Morin: Não há uma receita. É preciso resguardar o que há de resistência:
* valores universalistas,
* humanistas e
* planetários, guardá-los enquanto preparamos tempos melhores.

Estamos num movimento perpétuo no qual há um conflito entre
 as forças de união, de abertura, de democracia, fraternidade, e
as forças de luta, de desprezo, de degradação e de morte.

Esse conflito, como dizia Freud, entre Eros e Tânatos, é um conflito que existe desde o começo do universo e vai continuar. A questão é saber de que lado se está. Essa é a única questão, o futuro ninguém conhece.

Como pensar modos de combater as fake news? 

Edgar Morin: As fake news não têm nada de novo, sempre houve notícias falsas. Durante uma dezena de anos a União Soviética dava informações falsas sobre o que acontecia com ela, a China de Mao Tse-tung também, o sistema hitlerista escondeu os campos de concentração. As mentiras políticas e as notícias falsas não são novas, são banais, o novo é a internet, a difusão de notícias que podem vir de qualquer lugar.

O problema é que, se quisermos informar o mundo, precisamos de pluralidade de fontes de informação e pluralidade de opiniões. Precisamos de uma imprensa diversa, com opiniões diversas, para que possamos fazer escolhas.

Quando a imprensa perde sua diversidade, quando ela é controlada pela força do dinheiro, há uma diminuição do conhecimento e da informação.
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O senhor sempre menciona o deus espinosano, que é intrínseco ao mundo, e não exterior a ele. Mesmo com toda a técnica e ciência que temos, as pessoas seguem com suas crenças num deus transcendental... 

Edgar Morin: Todas as sociedades, desde a pré-história, têm uma religião, uma crença na vida após a morte. A religião traz pela reza um sentimento que dá calma. Marx tinha razão ao dizer que a religião é o suspiro da criatura infeliz.

Com a morte do comunismo, houve um retorno das religiões. Temos o retorno dos evangélicos aqui no Brasil, do islamismo. Nos países árabes houve movimentos laicos enormes, mas tudo deu errado. A religião ganha onde a democracia falha, a revolução fracassa, o mundo moderno falha. A religião triunfa no fracasso da modernidade. [Particularmente, não vejo essa questão de um modo tão maniqueísta e simplista, assim! A religião cumpre um importante e fundamental papel, mas tem, ao mesmo tempo, uma tendência a aliar-se ao poder do momento, a ser a mantenedora do status quo].

Como aceitar a incerteza e lidar com a angústia ou até mesmo o cinismo que advém disso? 

Edgar Morin: Mais do que sucumbir à incerteza, que nos dá angústia e medo, e que nos leva a buscar culpados e bodes expiatórios, é preciso enfrentar a incerteza com coragem, com ideias humanistas de fraternidade. As ciências acharam formas de encontrar certezas em incertezas. Eu digo sempre que a vida é uma navegação num oceano de incertezas passando por arquipélagos de certezas. Assim é a vida, não se pode mascarar a realidade.

Às vésperas de completar 98 anos, o que o estimula a continuar escrevendo e dando conferências? 

Edgar Morin: Há um demônio em mim, uma força no meu interior de intensa curiosidade. Eu conservei uma curiosidade da infância — eu tive um grande choque aos dez anos com a morte da minha mãe, eu envelheci muito, mas também isso me bloqueou na infância com a curiosidade e o amor pelo jogo. A sorte do mundo é cada vez mais incerta, não sabemos aonde vamos, então não podemos não estar preocupados com o futuro da espécie humana sobre a Terra.

Ainda há lugar para utopias? 

Edgar Morin: Há duas utopias. A má e a boa. A má é sonhar com uma sociedade perfeita, totalmente harmonizada; isso não é possível. Mesmo numa sociedade melhor, sempre haverá conflitos. A perfeição não está no universo, não está na humanidade.

A boa utopia é sonhar com coisas impossíveis, mas que são, de certa forma, possíveis intelectualmente.

Por exemplo, hoje há muita fome, mas poderíamos alimentar toda a humanidade, basta desenvolver as culturas, a agricultura orgânica. É possível criar uma sociedade nova com a paz sobre a Terra, podemos pensar no fim dos conflitos entre nações; essa é uma boa utopia. Um mundo que não seja totalmente dominado pelo poder econômico e que seja mais fraterno — é preciso ainda ter utopias.

Fonte: Folha de S. Paulo – Entrevista da 2ª / Mundo – Segunda-feira, 24 de junho de 2019 – Pág. A13 – Internet: clique aqui.