«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Até quando?

Fausto Macedo
Repórter Especial

Brumadinho, Mariana e tantas outras infelicidades são
uma rotina no nosso País.
A elas nos habituamos e nos embrutecemos
BRUMADINHO - MG
Moradores se reuniram na entrada da cidade em uma vigília na noite de terça-feira

Foto: Wilton Jr/Estadão

Caro leitor,

Na sexta, 25, com a lama ainda escorrendo sobre Brumadinho, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot postou no Twitter sua indignação. «Até quando?»

Até por todo o sempre, prezado Janot, arrisco-me a uma previsão.

Ora, o mesmo assombro e o mesmo inconformismo que tiram o sono do combativo e corajoso ex-procurador-geral já nos haviam arrebatado quando Mariana viveu a sua tragédia, que é de todos nós, afinal, ou quando o Palace II do Sérgio Naya desmanchou assim do nada, no Rio, em 1998, o Bateau Mouche naufragou no Réveillon de 1988, o voo TAM 3054 que espatifou em Congonhas em 2007... para ficar em capítulos mais recentes, todos marcados pela impunidade ou, quando muito, uma e outra liçãozinha de araque.

Brumadinho, Mariana e tantas outras infelicidades são uma rotina no nosso País. A elas nos habituamos e nos embrutecemos.

O que dizer da desgraceira nossa de cada dia? Metrópoles mergulhadas no caos. Tudo é confuso, tudo é no improviso, na gambiarra.

O poder público? Ora, o poder público continua aquele velho carimbador de papel, ente burlesco, só criativo e desvelado quando mira o seu, o meu, o nosso bolso, via impostos, multas, taxações e afins. Ah, como ele é arguto nessas horas, caro Janot!

* Quantos pais de família executados à bala nas esquinas, à luz do dia?
* Quantos acidentes de proporções absurdas nas rodovias esburacadas e sem luz deixam rastros de mortos e feridos?
* Quantos pontilhões e vias desabam da noite para o dia e infernizam a vida do contribuinte desarmado?
* Quantos eletrocutados na via pública porque deram o azar de tocar no fio solto que algum inconsequente deixou ali chicoteando o nada?

Qual o tamanho do prejuízo de tantas calamidades que poderiam ter sido evitadas não fossem a omissão e a leniência?

Quem são os responsáveis? Que punição receberam?

«Que mais precisa acontecer?», prostra-se o juiz Jayme de Oliveira, ante Brumadinho.
Cerca de 100 indígenas que habitam a aldeia de Naô Xohã estão preocupados
com a contaminação do rio Paraopeba pelos rejeitos da barragem da Vale

Foto: Funai/Divulgação/via EFE

A lama seria «mero» crime ambiental? No entendimento da advogada Janaína Paschoal, com seus dois milhões de votos para mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo, há uma outra definição. Em sua conta no Twitter, ela diz que «há um equívoco na abordagem».

«Será que ainda não perceberam que não se trata de crime ambiental? Estamos diante de homicídios

Nesta terça, 29, a Polícia prendeu cinco suspeitos pelo mar de lama de Brumadinho. Prisões temporárias. E daí?

Ouvi do José Nêumanne, um desses jornalistas que não se dobram, ponderação muito oportuna. Ele disse que o Brasil não tem tragédias naturais, mas o brasileiro cuida naturalmente de produzi-las. Tem razão, meu amigo.

Sim, há instituições neste país que nos dão algum alento. Poderia citar aqui a do Janot, o Ministério Público, que, dentro dos seus limites e atribuições, como órgão persecutório, tenta acuar malfeitores do colarinho-branco, políticos, empresários. Faz bem o que está ao seu alcance. Não basta.

Testemunhamos outras corporações empenhadas na busca por um Brasil menos avacalhado. A Polícia Federal, a Controladoria... Não basta.

A Justiça, ao seu ritmo e modo, vai tocando. Vive mergulhada na sua rotina de processos, que são milhões, e no emaranhado de leis que travam sanções imediatas.
Imagem feita por drone durante enterro registra várias covas abertas à espera de mais vítimas do desastre
Foto: Antonio Lacerda/EFE

O problema do Brasil é cultural:
* A bandalheira entranhada.
* Viceja a propina.
* A fiscalização que alivia.
* O gestor mandrião [= preguiçoso, indolente].

Imaginemos um bolo monumental sabor Brasil. Selecione os ingredientes que lhe dão consistência. Claro, não podem faltar:
* negligência,
* imprudência e
* imperícia, que formam a base sólida.
* Adicione pitadas generosas de corrupção,
* desfaçatez,
* dolo.
* A cereja, claro, é a «vantagem indevida», assim denominada.

O resultado já é do conhecimento de todos.

Não à toa, o Brasil ocupa o 105º lugar no ranking da Transparência Internacional – caiu nove posições no Índice de Percepção da Corrupção (IPC) e está empatado com Argélia, Armênia, Costa do Marfim, Egito, El Salvador, Peru, Timor Leste e Zâmbia, informa o repórter Igor Moraes.

Até quando, caro Janot?

Fonte: O Estado de S. Paulo – Sustentabilidade – Super coluna – Quinta-feira, 31 de janeiro de 2019 – 13h19 (Horário de Verão – Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

O preço da demagogia e do populismo!

Plantaram brexit, colhem desprezo

Clóvis Rossi
Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha de S. Paulo
e vencedor do prêmio «Maria Moors Cabot»

Quando o Reino Unido parece Macondo
KENNETH CLARKE, decano do Parlamento britânico
Foto: Henry Nicholls - 11.dez.2018/ReuteJAM

Kenneth Clark é o decano do Parlamento britânico, no qual atua há 49 anos. Tem, portanto, vivência e autoridade para soltar uma frase contundente como a que se segue: “Creio que deveríamos estar conscientes de que a cidadania observa nestes momentos seu sistema político com algo muito próximo ao desprezo”.

Vale para o Reino Unido, mas vale também para incontáveis países mundo afora, nestes momentos em que há um abismo entre representantes e representados. Fiquemos, por enquanto, no Reino Unido, até porque foram as votações de terça sobre o brexit [= o processo de saída do Reino Unido da União Europeia] que provocaram o desabafo de Clark.

Dá para entender melhor ainda o desabafo ao ler o relato sobre idêntico evento feito por Robert Shrimsley para o [jornal] Financial Times:
“Se qualquer prova adicional da esclerose do Parlamento britânico fosse necessária,
a maratônica rodada de votações da terça-feira entregou-a devidamente
[a prova da esclerose].
Os parlamentares votaram simultaneamente
para declarar sua oposição a um brexit sem acordo [com a União Europeia],
ao tempo em que negavam eles próprios as ferramentas para evitá-lo”.

Fecha escrevendo: “Eles, então, apoiaram o acordo da primeira-ministra desde que ela consiga, em oito semanas, mudanças que gastou dois anos e três ministros do brexit sem conseguir assegurar”.

Parece o Parlamento de Macondo, mas, caramba, é Westminster, a “Mãe dos Parlamentos”. Se esse vetusto e outrora modelar Parlamento merece desprezo, imagine então o que dizer de todos os seus, digamos, “filhos”?

O beco sem saída em que se meteram os britânicos não é culpa dos eleitores que votaram, sim, pelo divórcio com a União Europeia. Mas não foram devidamente avisados das sinistras consequências. [Venceu, no referendum sobre o brexit, o preconceito, a xenofobia, o alarmismo, as fakes news e assim por diante!]
KIMBERLY ANN ELLIOTT
George Washington University's Institute for International Economic Policy
(Instituto para Política Econômica Internacional da Universidade George Washington)

Só para ficar na área comercial, Kimberly Ann Elliott (do Instituto para Política Econômica Internacional da Universidade George Washington) mostrou, em artigo recente, que quase metade das exportações de mercadorias e serviços britânicos em 2017 foram para os parceiros da União Europeia.

Para que diabos você vai desprezar um bloco que compra tantas coisas “made in Britain”? Um dos argumentos dos brexiters foi o de que sair da União Europeia facilitaria um acordão com os Estados Unidos, o segundo maior mercado para o Reino Unido. OK, mas tem um pequeno detalhe: os Estados Unidos compram apenas 13% dos produtos/serviços britânicos. A ideia, portanto, em vez de trocar seis por meia dúzia seria trocar seis por um. Belo negócio, hein?

E não para por aí. Fora grandes grifes que ameaçam mudar da ilha para o continente (ou mais longe), há perspectivas de grande simbolismo para quem pretendia, com o divórcio, fazer a Grã Bretanha grande de novo: James Dyson, multimilionário conhecido como “o rei dos aspiradores” e que sempre defendeu o brexit, vai mudar a sede da sua empresa da Inglaterra para Cingapura. [Muito coerente, não é mesmo?! – Ao final, é o povo, os trabalhadores que pagarão a maior parte desse desastre econômico do Reino Unido, fruto de uma aventura irresponsável de políticos populistas e demagogos!]
JAMES DYSON - industrial britânico

Já a P&O, empresa de navegação, anuncia que registrará seus barcos em Chipre. A companhia faz a ligação do Reino Unido com a Europa desde 1837. O gigante aeronáutico europeu Airbus ameaça parar de fabricar nas ilhas britânicas as asas de seus aviões. Emprega no Reino Unido 14 mil pessoas. É ou não para desprezar o pessoal que inventou esse delírio sem sentido?

[Opinião pessoal: assim como é um delírio, a diplomacia brasileira alinhar-se, cegamente, aos Estados Unidos e esquecer os tradicionais parceiros comerciais do Brasil, como os países árabes, a China e outros mais! Se, no petismo, a ideologia conduzia ao alinhamento a países como Cuba e Venezuela, agora, o alinhamento se dá, também por ideologia, com países que não são mais as únicas lideranças do mundo nem nossos maiores parceiros!]

Fonte: Folha de S. Paulo – Colunas & Blogs – Quinta-feira, 31 de janeiro de 2019 – 02h00 (Horário de Verão – Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

domingo, 27 de janeiro de 2019

Tempos irracionais

Ninguém pode ter “opinião” sobre a existência
da gravidade

Salvador Nogueira

Movimentos antivacinas, negação das mudanças no clima, terraplanistas. Tais retrocessos vêm da confusão entre o que é 
opinião e o que é fato.
Cabeça nas nuvens

O obscurantismo do século 21 é um fenômeno global. Para alguns arautos da irracionalidade, aliás, a palavra “global” nem faz sentido. É o caso dos terraplanistas [acreditam que o planeta Terra seja plano e não redondo], que seguem colecionando adeptos. Em outubro de 2018, um grupo de “pesquisadores” terraplanistas foi recebido por deputados estaduais na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, onde ganharam uma homenagem por seus “estudos” sobre a forma do nosso planeta.

O terraplanismo é folclórico. Rende risadas. Mas o fato de sandices como essa ganharem popularidade não tem a menor graça. Por duas razões. Primeiro porque trata-se de um sintoma de que parte significativa da população viva hoje desconhece fatos objetivos sobre o mundo – como a Lei da Gravitação, que os terraplanistas dizem ser uma farsa. Segundo, porque estamos descobrindo que quase ninguém sabe distinguir fatos de opiniões – você simplesmente não pode ter uma “opinião” sobre o formato da Terra ou sobre a existência da gravidade. Isso pertence ao reino dos fatos. O pior, de qualquer forma, é que isso definitivamente não se aplica só a conceitos como o formato da Terra.

Uma pesquisa do Pew Research Center, feita em 2018, entrevistou 5.035 americanos adultos selecionados aleatoriamente pela internet. Tudo que eles tinham de fazer era ler dez frases simples e apontar se eram afirmações factuais ou opiniões. Apenas 26% foram capazes de apontar corretamente as cinco factuais e só 35% conseguiram identificar corretamente as cinco que eram opinativas. Resumindo a ópera, três em cada quatro americanos não sabem separar fato de opinião. Poucos acreditariam que no Brasil a situação seja muito melhor. E isso explica muita coisa.

Ou você nunca ouviu alguém dizer por aí, pelas redes sociais,
quando encurralado pelos fatos, que
“essa é a minha opinião”,
como forma de encerrar um debate?

A partir do momento em que as pessoas se sentem à vontade para desconectar suas opiniões dos fatos objetivos, temos um problema grave. A Terra plana é entretenimento, mas e o movimento antivacinas? A Europa viu um aumento de 400% no número de casos de sarampo em um ano – de 5.273 em 2016 para 21.315 em 2017.

E mesmo quando defensores do movimento antivacinas são confrontados com esses números, e com a explicação clara de como vacinas funcionam e de como simplesmente não há evidência de que elas possam causar os males que se atribuem a elas, ainda assim eles podem se esconder por trás de teorias conspiratórias sobre a “malévola indústria farmacêutica”. E, claro, quando não houver outro recurso, parte-se para um “mas essa é a minha opinião”. Eita.

Ao longo do progresso fantástico realizado pela humanidade durante o século 20, fomos nos esquecendo do que era a vida antes que a ciência entrasse para valer no nosso cotidiano. Sem vacinas e antibióticos, a mortalidade infantil era altíssima. Durante o século 19, ela era de 30%; a cada três crianças nascidas, uma morria antes de completar cinco anos. Na Alemanha chegava a 50%.

Então a ciência entrou em cena, com três contribuições essenciais:
* a percepção de que saneamento básico era essencial para evitar infecções,
* o desenvolvimento dos antibióticos e
* a criação das vacinas.
O ser humano passou milhares de anos tentando proteger sua prole com rezas, chás e superstições de todo tipo, mas o que deu certo foi entender como as doenças funcionam e combatê-las com armas eficazes.

Ao longo do século 20, pela primeira vez na história, vimos um declínio acentuado na mortalidade infantil. Em 2015, ela era, em termos globais, de 4,3%. Ou seja, a cada cem crianças, apenas quatro morriam antes de completar 5 anos. E isso numa média tirada do mundo inteiro. No Brasil, no mesmo ano, era só de 1,7%. Na Suécia, dado de 2014, 0,3%.

Outro tema adorado pela turma do “mas essa é a minha opinião” é a mudança climáticaPouco importa que:
a) a Nasa e quem mais for apresente fartas evidências do aquecimento global.
b) Pouco importa que os registros de temperaturas, feitos com termômetros (pouco afeitos a ideologias), apontem que a temperatura média do planeta já subiu 0,9°C entre 1880 e 2017.
c) Pouco importa que 17 dos 18 anos mais quentes nos 138 anos de registros tenham acontecido depois de 2001, ou que
d) 2016 tenha sido o ano mais quente de todos os registros.
O sujeito espera a primeira brisa gelada soprar para dizer “cadê o aquecimento global?”. É dramático, e se trata de um problema que está ganhando proporções cada vez maiores. Não é mais o seu primo doido no WhatsApp. É o Ministro das Relações Exteriores [Ernesto Araújo] que atribui às medições feitas pela Agência Espacial dos Estados Unidos o status de “complô ambientalista globalista esquerdista sei-lá-mais-o-que-ista”.

Da mesma forma, vemos o descalabro nas políticas de saúde. Basta lembrar a quantidade de dinheiro que o SUS (Sistema Único de Saúde) gasta em “práticas alternativas”, também conhecidas como “tratamentos sem qualquer evidência de eficácia”. É homeopatia, acupuntura, aromaterapia, bioenergética, cromoterapia, florais; tudo pago com dinheiro público. Em 2017, foram R$ 17,2 bilhões nisso.

É o tal negócio:
o sujeito pode acreditar no que quiser. É direito dele.
Mas ninguém pode aplicar crenças pessoais no âmbito da gestão pública.

E estamos chegando num ponto em que agentes públicos se sentem à vontade para ditar políticas de acordo com premissas completamente desconectadas da realidade objetiva. Tudo não passaria de um escândalo embaraçoso, não fosse um detalhe: essas atitudes nunca tiveram tanto apoio popular.

Como é possível? Hoje, qualquer um de nós tem mais informação disponível nas mãos, com um celular e uma conexão 4G, do que tinha o presidente dos Estados Unidos na Casa Branca nos anos 1960.

É um disparate imaginar que, diante do tamanho poderio tecnológico 
de que dispomos, estejamos ficando, na média, cada vez mais 
desinformados e ignorantes.
No entanto, é verdade.

E só vamos desarmar essa arapuca se encontrarmos uma base comum de fatos objetivos com os quais todo mundo possa concordar. Essa base só pode ser uma: a ciência. E não porque ela seja moralmente ou ideologicamente superior. Mas porque ela se aceita como falível. Porque está fundamentada na dúvida, não na certeza. E a certeza inabalável, imune aos fatos, é o caminho mais curto para o retrocesso.

Fonte: Super Interessante – Opinião – Quinta-feira, 3 de janeiro de 2019 – 16h58 (Horário Brasileiro de Verão – Brasília – DF) – Páginas 8 e 9 da edição impressa – Edição 398 – Janeiro 2019 – Internet: clique aqui.

Quando o que importa é lucrar!

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo*
Vaca coberta de lama em Brumadinho depois do rompimento da barragem da Vale
Foto: Douglas Magno/AFP

Todos ficamos perplexos com a notícia que mais uma barragem com detritos oriundos de mineração no Estado de Minas Gerais havia se rompido! Desta vez, a tragédia abateu-se sobre a região de Brumadinho.

Esse episódio, que poderá ser mais calamitoso que aquele de Mariana, também no Estado de Minas Gerais, é uma tragédia anunciada. Tragédia, que caminha para tornar-se o maior desastre humanitário do Brasil, aconteceu na última sexta-feira (25 de janeiro) depois que a Mina do Feijão se rompeu e despejou aproximadamente 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro em Brumadinho.

O Procurador Geral de Justiça de Minas Gerais, Sérgio Tonet, disse em entrevista coletiva que a barragem que se rompeu já era investigada. “Mesmo ela não estando no rol daquelas 50 barragens em risco, o Ministério Público (MP) de Minas Gerais na Promotoria de Brumadinho e também o Centro de Apoio das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente instaurou um procedimento específico pra investigar aquela barragem”, disse Tonet.
Lama no bairro Alberto Flores, em Brumadinho, depois do rompimento da barragem da Vale
Foto: Paula Paiva Paulo/G1

POUCA FISCALIZAÇÃO

Mesmo após o desastre da barragem de Mariana, o Brasil mantém uma estrutura precária de fiscalização de suas barragens. Dados do Relatório de Segurança de Barragens de 2017, publicado no ano passado, apontam que Agência Nacional de Mineração (AMN) é responsável pela fiscalização de 790 barragens de rejeito espalhadas pelo País. O trabalho de fiscalização, porém, limitou-se a apenas 211 vistorias ocorridas em 2017, o que equivale a 27% dessas instalações.

O levantamento de 2017 traz uma lista de 45 barragens que, segundo 13 órgãos de controle, teriam situação preocupante, “por possuírem algum comprometimento importante que impacte a sua segurança”. A barragem de Brumadinho, da Vale, no entanto, não aparece nesta relação e nem mesmo é citada no relatório. Para se ver a deficiência desse tipo de controle!
André Luiz Almeida Mendonça - Advogado-Geral da União

DE QUEM É A CULPA PELA TRAGÉDIA?

O advogado-geral da União, André Mendonça, afirmou que a mineradora Vale é a responsável pelo rompimento da barragem em Brumadinho (MG). O desastre matou ao menos 34 [hoje, domingo, já são 37 as mortes confirmadas!], e há mais de 250 pessoas desaparecidas.

Há uma responsabilidade pelo que aconteceu. A responsável por isso, pelo risco do próprio negócio, é a empresa Vale. O que nós precisamos ver nesse momento é aguardar as apurações, os levantamentos dos órgãos técnicos, para verificar a extensão desse dano e como serão adotadas as medidas de responsabilidade”, disse Mendonça após participar de reunião no Palácio do Planalto do gabinete de crise que trata do caso.

O ministro da AGU (Advocacia-Geral da União) disse ainda que as responsabilidades podem ser nas esferas civil, administrativa e até criminal.
Um cachorro é visto no meio da lama na comunidade de Parque da Cachoeira,
afetada pela lama depois do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho.
Foto: Mauro Pimentel/AFP

PROBLEMA ANTIGO & INFORMALIDADE

O cenário nacional das barragens é marcado pela informalidade. O Brasil possuía, até dezembro de 2017, nada menos que 24.092 barragens cadastradas pelos órgãos fiscalizadores, englobando todo tipo de barragem. Do total de barragens cadastradas, apenas 13.997 (ou 58%) possuem algum tipo de ato de autorização (outorga, concessão, autorização, licença, entre outros) e estão regularizadas. Pelas informações dos órgãos reguladores, 4.510 barragens (ou 18,7% do total cadastrado) submetem-se à Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). “As demais 18.324 (ou 76% das barragens cadastradas) não possuem informações suficientes para dizer se elas se submetem ou não à PNSB”, informa o relatório.

Esse é um problema de muitas décadas em nosso país, não começou ontem e não encontrará solução tão cedo, pelo visto!
Barragem de detritos de mineração da companhia Vale se rompe - Brumadinho (MG)

NOVA LEI NÃO AVANÇA

Desde o rompimento da barragem de Mariana, em 2015, que deixou 19 mortos, especialistas em meio ambiente de Minas Gerais batalham pela aprovação de uma lei específica para barragens que seja mais rígida no que diz respeito à segurança. Minas tem pelo menos 400 barragens, sendo que 37 delas são de rejeitos e não têm garantia de estabilidade, segundo informou a Associação dos Observadores do Meio Ambiente de Minas Gerais – uma ONG que acompanha os avanços da legislação sobre o tema.

“Entre idas e vindas, não conseguimos avançar com a Lei de Segurança das Barragens que ficou para a próxima legislatura”, explicou Leonardo Ivo, presidente da associação e especialista em gestão ambiental. “A única coisa que temos hoje é a lei para o licenciamento das barragens.”

O rompimento em Mariana em novembro de 2015 gerou dúvidas sobre a eficiência do Plano Nacional de Segurança de Barragens. A política criada em 2010 prevê que as empresas devem apresentar plano de ação de emergência, de segurança da barragem e fazer inspeções e revisões periódicas.

Em 2016, uma comissão foi formada no Senado para debater o assunto. O diagnóstico mostrou que a lei precisava mudar, mas um projeto que tornava mais rígida a segurança de barragens e que previa punições e mais rigorosas foi arquivado no Senado sem nem chegar a ser votado. Na Câmara, outras cinco propostas estão paradas. Portanto, aí está! Os nossos senadores e deputados federais, mais uma vez, sendo omissos, lentos e ineficientes na aprovação de leis mais rígidas e melhores!
Vale do município de Brumadinho (MG) antes da tragédia
Vale do município de Brumadinho após a tragédia

BARRAGENS ARRISCADAS, MAS MAIS BARATAS

A grande maioria das plantas de exploração conta com barragens de resíduos chamadas de “a montante”, ou seja, em que os resíduos resultantes da exploração do minério são acumulados em várias camadas que vão se empilhando ao longo do tempo. Existem tecnologias mais modernas para o tratamento dos resíduos, mas elas são mais caras. Seria a tecnologia de disposição de rejeitos a seco. No Estado, a questão é agravada porque as barragens estão muito próximas de áreas povoadas.

Professor de engenharia geotécnica da Coppe/UFRJ, Maurício Ehrlich explica que esse tipo de barragem é construído em vales, comuns na paisagem mineira. Conforme ela se enche de resíduos, é fechada. Uma nova camada de resíduos é acumulada por cima e, assim, sucessivamente. O método não é usado apenas no Brasil e tampouco é ilegal. Mas é considerado de maior risco.

“São várias questões, desde a drenagem da água, passando pela inclinação do terreno, disposição dos rejeitos”, explica Ehrlich. “É mais difícil de controlar, mais sujeito a surpresas, justamente porque se constrói por cima dos rejeitos não é tão consolidado.”

Segundo o promotor de Justiça Guilherme de Sá Meneghin, que atuou no caso do rompimento da barragem de Mariana, não se pode falar em acidente. “Do ponto de vista penal, não é um acidente, não é algo imprevisível e incontrolável”, explicou. “É um crime, um desastre causado pelo homem, fruto da irresponsabilidade de quem comandou e operou a barragem.”

Clique sobre a imagem e o vídeo lhe mostrará o que aconteceu:


A VIDA HUMANA CEIFADA

O Corpo de Bombeiros de Minas Gerais confirma que resgatou o 34º corpo [hoje, domingo, já estão confirmadas 37 mortes!] em meio a lama que vazou da barragem Mina do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O número oficial, divulgado na tarde deste sábado (26 de janeiro), ainda não contabiliza os corpos encontrados dentro de um ônibus. Portanto, o número de 37 mortos tende a aumentar! Não pode ser considerado definitivo.

O levantamento revela que 176 pessoas foram resgatadas com vida. Deste total, 23 estão hospitalizadas em hospitais da capital, de Brumadinho, Ibirité, Sarzedo e Betim. Até o momento, 296 pessoas seguem desaparecidas, sendo funcionários da Vale e terceirizados da companhia.
Bombeiros tentam encontrar pessoas em meio à lama - centenas seguem desaparecidos

QUAL DEVE SER O IMPACTO DO DESASTRE?

A Vale afirma que a lama não é tóxica. “O material dentro da barragem já era razoavelmente seco e consequentemente não tem esse poder de se deslocar por grandes regiões. A parte ambiental deve ser muito menor, e a tragédia humana terrível”, disse o presidente da mineradora.

Mas especialistas afirmam que há danos ambientais graves, como a contaminação do solo e da água por minério fino que fica na sobra dos rejeitos. O tamanho e a extensão do impacto ainda são difíceis de ser medidos.

Estima-se que a lama percorra 200 km de área e chegue ao rio São Francisco. Ela está descendo a Serra dos Dois Irmãos, que é rica em Mata Atlântica, deve cair no rio Paraopeba, que abastece um terço da região metropolitana de Belo Horizonte, e desaguar no rio São Francisco.

Mas nesse caminho a lama tem que passar pela Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo e, por isso, espera-se que essa usina reduza a quantidade de lama que chegará ao rio São Francisco.


Assista este vídeo com imagens que falam por si mesmas, clique:


O QUE A JUSTIÇA FEZ ATÉ AGORA?

A Justiça mineira determinou o bloqueio de R$ 5 bilhões da mineradora Vale. A medida, segundo o órgão, é para garantir a adoção de medidas emergenciais em defesa do meio ambiente. A Justiça já havia determinado bloqueio de R$ 1 bilhão, após pedido da Advocacia-Geral do Estado.

Os recursos vão ser usados para ajudar as vítimas e na redução de danos. A primeira decisão liminar também exigiu da Vale:
* Estancar o vazamento em até 5 dias.
* Iniciar a remoção do volume de lama.
* Mapear danos para elaborar plano de recomposição da área.
* Adotar medidas para evitar contaminação de nascentes.
* Controlar proliferação de pragas e vetores de doenças.

O inquérito aberto pela Polícia Federal vai investigar a autoria e a materialidade do crime e recolher documentos, fazer interrogatórios e eventuais buscas. A corporação informou que o inquérito tem 30 dias para ser concluído. A Polícia Civil de Minas Gerais também instaurou um inquérito.

O Ibama multou a vale em R$ 250 milhões e a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad) impôs outra multa de R$ 99 milhões. Resta saber se, após tantos recursos jurídicos que a Vale irá interpor, ao final, pagará ou não alguma dessas multas!

VOCÊ PODE AJUDAR?

Diante da tragédia ocorrida em Brumadinho (MG), a arquidiocese de Belo Horizonte (MG) inicia campanha solidária para arrecadar roupas, alimentos e água, destinados aos atingidos pelo rompimento da barragem. As doações podem ser entregues no seguinte endereço:
Rua Além Paraíba, 208 – Lagoinha – Belo Horizonte (MG)
Contato: (31) 3423-2187 e 3422-7141.

Também é possível doar pela conta:

Vicariato Episcopal para a Ação Social e Política
Banco do Brasil
Agência: 3494-0
Conta Corrente: 26227-7
DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO

Segue, logo abaixo, mensagem do arcebispo dom Walmor Oliveira de Azevedo:

Minas está de luto

Mais uma “abominação da desolação”, como disse Jesus no Evangelho de Marcos, referindo se aos absurdos nascidos das ganâncias e descasos com o outro, com a verdade e com o bem de todos: mais uma barragem rompida em Minas Gerais, agora em Brumadinho, Região Metropolitana de Belo Horizonte. A Arquidiocese de Belo Horizonte une-se a cada um dos atingidos, compartilhando suas dores. Nossas comunidades de fé, especialmente às que servem ao Vale do Paraopeba, estejam juntas, para levar amparo, ajuda, a todos que sofrem diante de tão lamentável tragédia.

Os danos humanos e socioambientais são irreparáveis e apontam para uma urgência, já tão evidente: é preciso repensar modelos de desenvolvimento que desconsideram o respeito à natureza, os parâmetros de sustentabilidade.  Uma triste coincidência: nesta sexta-feira, dia 25, quando uma barragem se rompe no coração da nossa amada Brumadinho, entrou em pauta, no Conselho da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, autorização para a retomada da mineração na Serra da Piedade. Uma tragédia se efetiva e outra se anuncia.

A Arquidiocese de Belo Horizonte defende, incansavelmente, de modo inegociável, a natureza, obra do Criador, compreendendo que o ser humano, as plantas e os animais devem viver em completa harmonia, pois são todos habitantes do planeta, a Casa Comum.

Rezemos pelas vítimas desta tragédia, unidos ao coração de cada pessoa e de todas as famílias que sofrem, renovemos, mais uma vez, o nosso compromisso com a solidariedade. É urgência minimizar a dor dos atingidos por mais esse desastre ambiental, sem se esquecer de acompanhar, de perto, a atuação das autoridades, na apuração dos responsáveis por mais um triste e lamentável episódio, chaga aberta no coração de Minas Gerais. A justiça seja feita, com lucidez e sem mediocridades que geram passivos, com sentido humanístico e priorizando o bem comum, com incondicional respeito e compromisso com os mais pobres. Minas Gerais está de luto.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte

* Observação: o conteúdo deste artigo não é original do autor. O mesmo serviu-se de material publicado pela imprensa brasileira, cujos links na internet estão relacionados abaixo. Do autor são, apenas, alguns breves comentários.

Fontes originárias do conteúdo deste artigo:

1ª) O Estado de S. Paulo – links consultados: clique aqui; e aqui.

2ª) Portal de notícias G1 – links consultados: clique aquiaquiaqui; e aqui.

3ª) Hoje em Dia – Minas Gerais – link consultado: clique aqui.

4ª) Folha de S. Paulo – link consultado: clique aqui.

5ª) Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB: clique aqui.


«Mineradoras preferem aumentar 
margem de lucro»,
diz deputado que previu tragédia

Paula Reverbel

Deputado estadual João Vítor Xavier (PSDB-MG) quer entregar
projeto para Jair Bolsonaro
JOÃO VÍTOR XAVIER
Deputado Estadual de Minas Gerais pelo PSDB

As empresas mineradoras impediram, em ao menos duas ocasiões, a aprovação de projetos de lei iriam tornar mais rígidas as normas para exploração, de acordo com o deputado estadual João Vítor Xavier (PSDB), presidente da Comissão de Minas e Energia da Assembleia de Minas Gerais (ALMG).

Em julho do ano passado, a comissão rejeitou um texto que havia sido considerado ideal pelo Ministério Público, pelo Ibama, por mais de 50 ONGs e pelo corpo técnico da ALMG. A proposta contou ainda com a participação dos autores do projeto “Mar de Lama Nunca Mais”, iniciativa popular, que reuniu mais de 50 mil assinaturas depois da tragédia de Mariana.

“Foi barrado por pressão das mineradoras, tenho certeza absoluta”, disse Xavier ao jornal O Estado de S. Paulo. “Elas preferem aumentar a margem de lucro a aumentar a margem de segurança”, completou.

Quando seu projeto estava para ser derrotado, o deputado alertou para a iminência de novas tragédias. “Não estou dizendo que poderemos ter novas rupturas. Por tudo o que vi, eu não tenho dúvidas de que teremos rupturas”, previu, em 5 de julho de 2018.

O projeto perdeu por três votos a um – o de Xavier. Dois dos que votaram contra nem pertenciam à comissão, segundo o tucano. Foram indicados por seus partidos, substituindo titulares que faltaram, prática permitida pelo regimento da ALMG.

Depois da derrota, Xavier reapresentou o seu texto, que está nos estágios iniciais de tramitação. Ele afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que gostaria de se encontrar com o presidente Jair Bolsonaro, para que o mandatário encampe a ideia em nível nacional.
Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais - Belo Horizonte

Projeto obrigava mineradora a adotar processos a seco

O projeto defendido por Xavier obriga as empresas mineradoras a adotarem processos a seco – que custa mais caro e é usado em vários países do mundo –, ao invés de praticar mineração com água, que torna as barragens necessárias.

O texto também:
a) veta montar barragens a menos de 10 km de distância de zonas povoadas,
b) proíbe que secretários de Estado ou governadores liberem sua construção – sem passar por processo ambiental com audiências – e
c) impede que uma barragem tenha sua altura aumentada.

“Essas barragens caem porque são verdadeiros lagos que as empresas vão empilhando”, disse Xavier. Segundo ele, as mineradoras apresentam projetos para aumentar a altura de barreiras que já existem. “Uma que é aprovada inicialmente para ter 10 metros, quando você vai ver, está com 100 metros de altura. Isso que aconteceu em Mariana”, explicou.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Brasil – Sábado, 26 de janeiro de 2019 – 19h17 (Horário de Verão – Brasília – DF) – Internet: clique aqui.