Ninguém passou cheque em branco

Não é bem assim

Edoardo Ghirotto

O Datafolha mostra que o eleitor de Jair Bolsonaro
não o acompanha na maioria de suas propostas fundamentais,
incluindo meio ambiente e privatizações

SEM APOIO
Rio Negro, no Amazonas: Bolsonaro quer afrouxar a política ambiental e indígena.
Seus eleitores, não!

Jair Bolsonaro sagrou-se nas urnas defendendo um programa genérico que costuma ser resumido na fórmula “conservador nos costumes e liberal na economia”. Incluem-se aí o combate a uma suposta doutrinação ideológica nas escolas e a privatização de estatais. A maioria dos 57,7 milhões de brasileiros que votaram no presidente, porém, não o acompanha em muitas de suas posições. Uma pesquisa do Datafolha sobre treze temas fundamentais revela que em apenas cinco deles o eleitor abraça a posição do eleito:
* a proibição do aborto,
* a necessidade de controlar a imigração,
* o fim da educação sexual nas escolas,
* a disposição em alistar-se para defender o Brasil em uma hipotética guerra e
* a não interferência do governo quando há situações de desigualdade salarial entre homens e mulheres em empresas privadas.

Em outros temas (veja alguns exemplos no quadro abaixo), há discordância:
a) O eleitor do novo governo não acredita, por exemplo, que a política ambiental atrasa o desenvolvimento do país e
b) não quer a redução de reservas indígenas.
A pesquisa do Datafolha foi realizada com uma amostra de 2077 eleitores, entre 18 e 19 de dezembro.

“O eleitor não precisa concordar com todas as propostas de governo de um candidato, mas valoriza tanto determinada característica que acaba optando por ele”, explica o diretor do Datafolha, Mauro Paulino. De acordo com o cientista político Hilton Cesário Fernandes, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o antipetismo foi essa característica determinante. “É comum o voto ser contra algum candidato ou algum partido. Já aconteceu em outras eleições”, diz.

Nessa hipótese, o voto representa não tanto uma afirmação, mas uma negação:
o eleitor teria encontrado em Bolsonaro o nome que com mais firmeza
rejeitava o descontrole econômico e a corrupção do governo petista.

A ênfase de Bolsonaro no combate à criminalidade também terá tido seu peso, mas não se segue daí que o eleitor aprove integralmente a receita do presidente para a segurança. “Não tivemos uma discussão de agenda na campanha. E a adesão a certos temas acabou ficando mais restrita ao núcleo duro de eleitores do Bolsonaro”, diz o economista Maurício Moura, da consultoria Ideia Big Data.

O Datafolha mapeou o que seria o “núcleo duro” de apoiadores: aqueles que concordam com o presidente em pelo menos nove dos treze temas. A conclusão: o grupo representa só 14% do total de eleitores. É um estrato constituído sobretudo de homens — eles compõem 68% dos bolsonaristas “duros”.

Os evangélicos, uma das principais frentes do eleitorado bolsonarista, não estão majoritariamente no núcleo duro. Na média, também concordam com apenas cinco temas: proibição do aborto, fim da educação sexual na escola, controle de imigração, disposição em defender o Brasil e concessão de ajuda do governo às mulheres que engravidam por motivos que permitem o aborto legal, como o estupro, e não desejam realizá-lo. O auxílio é uma das bandeiras defendidas pela ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves. A pesquisa também incluiu uma pergunta mais ampla sobre o aborto. Foi a única, aliás, que comportou mais opções de resposta — os demais itens se dividiam em “concordo” e “discordo” —, dando conta de várias possibilidades de legislação sobre o tema. Nesse ponto, os eleitores do novo governo não só concordaram com sua pauta básica, mas se mostraram até mais conservadores. Quando candidato, Bolsonaro afirmou que não pretendia mudar a lei vigente, que permite o aborto em casos de estupro, anencefalia e gestação em que a mãe corre risco. Pois 43% de seu eleitorado é a favor da proibição total. Os que concordam com a lei atual são 38%.

O Datafolha mostra que eleitores de Bolsonaro e de seu adversário petista, Fernando Haddad, têm avaliações semelhantes, ainda que em gradações diferentes, em relação a onze dos treze temas. Só há dois pontos de discordância: quanto à educação sexual nas escolas (68% dos eleitores de Haddad são favoráveis; 54% dos eleitores de Bolsonaro são contra) e à convicção de que a desigualdade salarial entre os sexos é um problema só das empresas — ideia que recebe a chancela de apenas 35% dos eleitores de Haddad, ante 56% dos de Bolsonaro.

Um dos principais pontos de convergência é sobre a necessidade de tratar de matéria política na escola:
* 71% dos que votaram no candidato do PSL concordam com a afirmação, e
* 76% do eleitorado do PT também responde favoravelmente.
Embora o Datafolha não tenha apurado que tipo de conteúdo político os eleitores aprovariam em sala de aula, há aqui um indício de rejeição à pauta, encampada por Bolsonaro, do movimento Escola sem Partido — que deseja extirpar a política da educação, para banir a “doutrinação”.

A pesquisa sugere, portanto, que a origem da polarização
a que o Brasil assistiu nas últimas eleições
não está na divergência de ideias,
mas na aversão aos indivíduos ou partidos que as defendem.

Fonte: VEJA – Brasil / Pesquisa – Edição 2618 – Ano 52 – nº 4 – 23 de janeiro de 2019 – Págs. 48-49 – Internet: clique aqui.

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