Isso é pura loucura!!!

Obscurantismo

Editorial

Sentimento suscitado pelo chanceler Ernesto Araújo em seu
discurso de posse não é outro senão de apreensão
ERNESTO ARAÚJO
Ministro das Relações Exteriores do Brasil

Bem-aventurada será a Nação se o tresloucado discurso de posse do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ceder à realidade – pois pareceu tratar de outra dimensão – e não se concretizar nisto que vem sendo chamado de “guinada” na política externa brasileira.

De antemão, é importante deixar claro que é próprio da democracia que a política externa de um país reflita as escolhas manifestadas nas urnas. Políticas de Estado são expressões da vontade dos cidadãos, uma vez que o Estado não é um fim em si mesmo. Mas não é disso que se trata. Está-se diante de algo mais profundo do que a mudança de algumas diretrizes que pautam nossas relações externas.

Estão sob ataque valores que têm sido o esteio do posicionamento do Brasil
no mundo há sucessivas gerações.

Do que se ouviu durante exasperantes 32 minutos de uma fala obscura, empetecada por suposta erudição e eivada de revanchismo e fundamentalismo religioso, nada há de inspirador. O sentimento suscitado pelo chanceler Ernesto Araújo em seu discurso de posse não é outro senão de apreensão.

Paradoxalmente, o chanceler que propõe uma “reaproximação” do Itamaraty com o povo começou seu discurso citando em grego um versículo do Evangelho de São João: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Araújo também fez recorrentes citações em hebraico e tupi-guarani. Seria apenas pedantismo do diplomata não estivesse ele buscando fazer-se de erudito para demonstrar nada além de submissão. Pois a “verdade” que “libertará” o País, segundo ele entende, não é o interesse nacional, mas a “verdade” de seu chefe. “O presidente Jair Bolsonaro está libertando o Brasil por meio da verdade. Nós também vamos libertar a política externa brasileira, vamos libertar o Itamaraty”, disse Araújo, para quem, como se vê, o presidente, antes de ser Bolsonaro, é Messias.

O novo chefe da diplomacia comete gravíssimo erro ao ignorar deliberadamente que a tradição diplomática do País foi construída muito antes da ascensão do PT ao poder e, uma vez cassada a presidente Dilma Rousseff, tal tradição – baseada:
* no multilateralismo,
* no princípio da não ingerência e
* no respeito aos tratados e leis internacionais
– em boa hora foi retomada pelo governo de Michel Temer. Logo, não há que se falar em “libertação” do Itamaraty do jugo esquerdista. Isso já havia ficado para trás.

Mas não é apenas contra o tal esquerdismo que Ernesto Araújo se insurge. O chanceler é um apaixonado crítico do que chama de “globalismo”. Enquanto estiveram circunscritas a seu blog, as ideias do diplomata não representavam danos potenciais ao País. Agora, como ministro das Relações Exteriores, tudo que Araújo diz, pensa e escreve diz respeito ao interesse nacional. E o Itamaraty não é lugar para experimentos inconsequentes.

O ministro fez questão de deixar clara sua reverência ao presidente Donald Trump, um dos mais ferrenhos críticos do tal “globalismo”. Para Araújo, o presidente dos Estados Unidos é nada menos do que o redentor da cultura ocidental e dos valores judaico-cristãos, que, em sua visão, devem pautar as relações externas do País a partir de agora. O único problema é que o Brasil não é os Estados Unidos, não tem a mesma pujança bélica, política e econômica para sustentar suas bravatas. O alinhamento automático, nas condições descritas, põe o Brasil como foco da chacota internacional, no melhor cenário, ou sob risco de perder significativos mercados, no pior.

[Tanto isso é verdade, que vários membros do alto escalão do governo já estão conversando com o embaixador chinês no Brasil, sem a presença do Ministro das Relações Exteriores! Veja:
«O embaixador da China no Brasil reuniu-se também com os ministros da Secretaria de Governo, Santos Cruz, e da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno. Na quinta, ele esteve com o general Augusto Heleno (GSI). Na agenda oficial do chanceler Ernesto Araújo não consta nenhum encontro dos dois.» Fonte: clique aqui.]
YANG WANMING
Atual Embaixador da China no Brasil

O chanceler cerrou fileiras ao lado da Itália, da Hungria e da Polônia, além dos Estados Unidos, o que poderá gerar sérias consequências para o Brasil, tanto políticas como econômicas.

Mais preocupado em tecer considerações sobre uma “teofobia horrenda”, o “ódio contra Deus”, e em estabelecer correlações estapafúrdias para defender sua visão de mundo, quase nada se ouviu de Ernesto Araújo sobre questões práticas da política externa em sua gestão à frente do Ministério das Relações Exteriores. E o discurso de posse do chanceler deveria ser – como ocorre em qualquer país sério do mundo – uma definição da política externa a ser seguida dali em diante.

O ministro afirmou que o Itamaraty deve “regressar ao seio da pátria amada”, pois “não existe para si mesmo”. É verdade. Mas se deseja “reconectar” diplomacia e sociedade, servirá muito mais ao País se pautar a política externa pelo interesse nacional, e não por esdrúxulas crenças pessoais.

JÁ COMEÇOU O DESASTRE:

Guinada para o retrocesso

Editorial

A tal “guinada” liderada pelo chanceler Ernesto Araújo
tem potencial para acabar de vez com o que ainda resta da
boa reputação do Brasil no mundo civilizado
CONFERÊNCIA DE MARRAKESH
10 a 11 de dezembro de 2018

O sombrio ideário que até agora se afigurava como um prenúncio de retrocesso na política externa brasileira começou a se concretizar em medidas do governo do presidente Jair Bolsonaro. A menos que haja profunda reflexão no Palácio do Planalto e no Itamaraty sobre os seus efeitos nocivos, a tal “guinada” liderada pelo chanceler Ernesto Araújo – que bem poderia ser chamada de “cruzada” – tem potencial para acabar de vez com o que ainda resta da boa reputação do Brasil no mundo civilizado.

A Organização das Nações Unidas (ONU) foi comunicada oficialmente pelo governo brasileiro, na terça-feira passada, de que o País está fora do Pacto Global pela Imigração, ao qual o Brasil havia aderido no dia 10 de dezembro do ano passado.

A saída do pacto, por si só muito ruim para o País e, principalmente, para os cerca de 3 milhões de brasileiros que vivem no exterior – mais que o dobro do número de imigrantes estrangeiros que vivem aqui –, é ainda pior pela razão alegada pelo governo: o pacto violaria a soberania nacional.

A defesa da soberania nacional foi uma das bandeiras de nossa campanha e será uma prioridade do nosso governo. Os brasileiros e os imigrantes que aqui vivem estarão mais seguros com as regras que definiremos por conta própria, sem pressão do exterior”, escreveu o presidente Jair Bolsonaro no Twitter.

Em primeiro lugar, caso o presidente da República estivesse tão preocupado com a soberania nacional não teria sequer aventado a possibilidade de ceder uma porção de nosso território para uma base militar dos Estados Unidos no País, como o fez em entrevista ao SBT. Em segundo lugar, o chamado Pacto de Marrakesh não viola a soberania nacional. Aliás, diga-se que a decisão de aderir ao pacto foi um ato soberano do Estado brasileiro, então representado pelo ex-chanceler Aloysio Nunes.

O Pacto de Marrakesh foi aprovado por 160 das 195 nações que fazem parte da ONU. No início de dezembro, o ex-chanceler Aloysio Nunes foi enfático ao defender a adesão do Brasil. “Eu o aprovei porque ele simplesmente contém recomendações de cooperação internacional para combater a migração irregular e conferir tratamento digno aos migrantes, entre os quais cerca de 3 milhões de brasileiros que vivem no exterior”, disse o ex-ministro das Relações Exteriores. É exatamente disso que se trata. O título integral do acordo fala por si só: Pacto Global da ONU para Migração Segura, Ordenada e Regular.
ALOYSIO NUNES
Ministro das Relações Exteriores do Brasil - presente à Conferência de Marrakesh

Ao contrário do que dizem seus críticos, o pacto não propugna a abertura irrestrita de todas as fronteiras das nações signatárias a todo e qualquer imigrante. O documento é taxativo ao afirmar o “direito soberano dos Estados de determinar suas próprias políticas de migração e suas prerrogativas para governar a migração dentro de sua jurisdição, em conformidade com as normas do direito internacional”. Vale dizer, o Pacto de Marrakesh é um conjunto de propostas para que as nações lidem melhor com o aumento do fluxo migratório que tem sido observado em função de crises econômicas, guerras, perseguições étnicas e religiosas, etc.

O impressionante número de nações subscritoras, por sua vez, também é eloquente sinal da oportunidade de um acordo que se presta a lidar com um problema gravíssimo que, sim, é uma questão que deve ser enfrentada como um desafio global, e não um problema restrito a determinados países, como crê o chanceler Ernesto Araújo.

O pacto se coaduna com os princípios da Constituição e, em especial, com a Lei n.° 13.445/2017, a Lei da Migração. Ademais, os princípios e garantias que regem a política migratória brasileira estão de acordo com seus termos.

Ou seja, negar o acordo firmado soberanamente pelo Brasil, para além do embaraço,
é o mesmo que negar o que determina uma lei aprovada pelo Congresso Nacional
e sancionada pelo presidente da República.

Somos uma Nação forjada pelo trabalho incansável de brasileiros e estrangeiros que aqui convivem em harmonia poucas vezes vista em outros países. Aqui prevalece o espírito de tolerância. Não é republicano encabrestar uma história secular de acolhimento e multiculturalismo em função do viés ideológico do governo de turno.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Notas e Informações – Pág. A3 – Segunda-feira, 7 de janeiro de 2019 – Internet: clique aqui; e Quinta-feira, 10 de janeiro de 2019 – Internet: clique aqui.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A necessidade de dessacerdotalizar a Igreja Católica

Vocações na Igreja hoje

Dominação evangélica para o Brasil