Até quando?
Fausto Macedo
Repórter
Especial
Brumadinho, Mariana e
tantas outras infelicidades são
uma rotina no nosso
País.
A elas nos habituamos
e nos embrutecemos
BRUMADINHO - MG Moradores se reuniram na entrada da cidade em uma vigília na noite de terça-feira Foto: Wilton Jr/Estadão |
Caro leitor,
Na sexta, 25, com a lama ainda escorrendo sobre Brumadinho, o
ex-procurador-geral Rodrigo Janot
postou no Twitter sua indignação. «Até
quando?»
Até por
todo o sempre, prezado Janot, arrisco-me a uma previsão.
Ora, o mesmo assombro e o mesmo inconformismo que tiram o
sono do combativo e corajoso ex-procurador-geral já nos haviam arrebatado
quando Mariana viveu a sua tragédia,
que é de todos nós, afinal, ou quando o Palace
II do Sérgio Naya desmanchou assim do nada, no Rio, em 1998, o Bateau Mouche naufragou no Réveillon de
1988, o voo TAM 3054 que espatifou
em Congonhas em 2007... para ficar em capítulos mais recentes, todos marcados pela impunidade ou,
quando muito, uma e outra liçãozinha de
araque.
Brumadinho, Mariana e tantas outras infelicidades são uma
rotina no nosso País. A elas nos habituamos e nos embrutecemos.
O que dizer
da desgraceira nossa de cada dia? Metrópoles mergulhadas no caos.
Tudo é confuso, tudo é no improviso, na gambiarra.
O poder
público? Ora, o poder público continua aquele velho carimbador de
papel, ente burlesco, só criativo e desvelado quando mira o seu, o meu, o nosso
bolso, via impostos, multas, taxações e afins. Ah, como ele é arguto nessas
horas, caro Janot!
* Quantos pais
de família executados à bala nas esquinas, à luz do dia?
* Quantos acidentes
de proporções absurdas nas rodovias esburacadas e sem luz deixam rastros de mortos e feridos?
* Quantos pontilhões
e vias desabam da noite para o dia e infernizam a vida do contribuinte
desarmado?
* Quantos eletrocutados
na via pública porque deram o azar de tocar no fio solto que algum inconsequente deixou ali chicoteando o nada?
Qual o tamanho do prejuízo de tantas calamidades que poderiam
ter sido evitadas não fossem a omissão e
a leniência?
Quem são os
responsáveis? Que punição receberam?
«Que mais precisa acontecer?», prostra-se o juiz Jayme de
Oliveira, ante Brumadinho.
Cerca de 100 indígenas que habitam a aldeia de Naô Xohã estão preocupados com a contaminação do rio Paraopeba pelos rejeitos da barragem da Vale Foto: Funai/Divulgação/via EFE |
A lama
seria «mero» crime ambiental? No entendimento da advogada Janaína Paschoal, com seus
dois milhões de votos para mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo, há
uma outra definição. Em sua conta no Twitter, ela diz que «há um equívoco na
abordagem».
«Será que
ainda não perceberam que não se trata de crime ambiental? Estamos diante de homicídios!»
Nesta terça, 29, a Polícia prendeu cinco suspeitos pelo mar
de lama de Brumadinho. Prisões temporárias. E daí?
Ouvi do José Nêumanne,
um desses jornalistas que não se dobram, ponderação muito oportuna. Ele disse
que o Brasil não tem tragédias naturais,
mas o brasileiro cuida naturalmente de produzi-las. Tem razão, meu amigo.
Sim, há instituições neste país que nos dão algum alento.
Poderia citar aqui a do Janot, o Ministério
Público, que, dentro dos seus limites e atribuições, como órgão
persecutório, tenta acuar malfeitores do colarinho-branco, políticos,
empresários. Faz bem o que está ao seu alcance. Não basta.
Testemunhamos outras corporações empenhadas na busca por um
Brasil menos avacalhado. A Polícia
Federal, a Controladoria... Não basta.
A Justiça, ao seu ritmo e modo, vai tocando. Vive mergulhada
na sua rotina de processos, que são milhões, e no emaranhado de leis que travam sanções imediatas.
Imagem feita por drone durante enterro registra várias covas abertas à espera de mais vítimas do desastre Foto: Antonio Lacerda/EFE |
O problema
do Brasil é cultural:
* A bandalheira entranhada.
* Viceja a propina.
* A fiscalização que alivia.
* O gestor mandrião [= preguiçoso,
indolente].
Imaginemos um bolo monumental sabor
Brasil. Selecione os ingredientes que lhe dão consistência. Claro, não
podem faltar:
* negligência,
* imprudência e
* imperícia, que formam a base sólida.
* Adicione
pitadas generosas de corrupção,
* desfaçatez,
* dolo.
* A cereja,
claro, é a «vantagem indevida»,
assim denominada.
O resultado já é do conhecimento de todos.
Não à toa,
o Brasil ocupa o 105º lugar no ranking da Transparência Internacional – caiu
nove posições no Índice de Percepção da
Corrupção (IPC) e está empatado com Argélia, Armênia, Costa do Marfim,
Egito, El Salvador, Peru, Timor Leste e Zâmbia, informa o repórter Igor Moraes.
Até quando, caro Janot?
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