Escandaloso ! ! !
Falta de pudor
Editorial
Acredite,
se puder:
Quem
ganha um salário superior a R$ 30 mil por mês,
tem
direito a carro oficial com motorista e ainda
recebe
gratificações financeiras pagas sob os mais variados pretextos
é
pobre, podendo assim reivindicar o acesso gratuito aos tribunais,
sem
pagar as custas processuais?
Plenário do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - Brasília - DF |
Por mais absurda que seja,
essa indagação foi objeto de uma longa discussão na última reunião de 2018 da 1.ª
Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), durante o julgamento de um
pedido de justiça gratuita formulado por um desembargador do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). E o mais espantoso foi
que, por muito pouco, a Corte não respondeu a essa pergunta de modo afirmativo,
acolhendo a pretensão do magistrado, cujo advogado – José Paulo Sepúlveda
Pertence, ex-procurador-geral da República e ex-ministro do Supremo Tribunal
Federal – integra um dos mais prestigiosos e caros escritórios de Brasília. O
caso tem causado perplexidade nos meios forenses.
Desembargador Sérgio Xavier de Souza Rocha |
O caso começou quando o desembargador
Sérgio Xavier de Souza Rocha abriu processo contra a União, pedindo
indenização por ter sido nomeado tardiamente para o cargo de juiz do Distrito
Federal. Como a indenização pedida era de R$ 2.510.000,00 e a lei obriga o
depósito prévio de 5% do valor da causa, para que possa tramitar, o magistrado
teria de depositar R$ 125.901 em juízo. Para não efetuar esse depósito, o
desembargador alegou que:
* sustenta uma companheira e
* é pai de cinco filhos de mães distintas, três deles
em idade escolar, o que consumiria substancialmente seus ganhos.
* Também disse que, por sustentar três antigas
esposas, foi obrigado a contrair um empréstimo de R$ 700 mil na Caixa
Econômica Federal, o que o obriga a pagar R$ 6.500 mensais para amortizá-lo. E
ainda afirmou que, por ser cidadão, tem direito à proteção e às garantias que a
Constituição e o Código de Processo Civil oferecem aos mais necessitados.
Ou seja, o ilustre magistrado acha que suas vicissitudes conjugais
devem ser repartidas com cada um dos contribuintes brasileiros.
Pela diferença de apenas
um voto, o pedido de gratuidade do desembargador Souza Rocha foi rejeitado pela
1.ª Seção do STJ. Os cinco ministros
que votaram contra alegaram sensatamente que, pela documentação constante dos
autos, não identificaram “a hipossuficiência econômica do magistrado, a
ponto de comprometer o sustento próprio e de sua família”. Também afirmaram
que o conceito de gratuidade, para efeito de dispensa de pagamento de custas
processuais, não pode ter “extensão indiscriminada”. Houve ainda quem dissesse,
lembrando antigos julgamentos dos tribunais superiores, que a concessão da
gratuidade a quem ganha muito bem e gasta excessivamente, por causa da escolha
do padrão e do estilo de vida, seria a consagração judicial do “princípio da
irresponsabilidade”.
OG FERNANDES Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) |
O mais ilustrativo,
contudo, foram os argumentos dos quatro ministros que votaram a favor da
concessão da gratuidade a um colega de toga. Em seus votos, eles revelaram não apenas o corporativismo arraigado
da magistratura, como também evidenciaram o irrealismo que caracteriza parte
significativa da corporação. Um desses ministros, Og Fernandes,
afirmou que existe na sociedade um falso entendimento de que a realidade
salarial do Poder Judiciário seria um “mar de rosas”. A verdade, segundo ele, é
que os juízes acabam tendo muitos problemas de ordem financeira pois têm der
arcar com as obrigações inerentes ao “status de magistrado”. Na mesma
linha corporativa e irrealista, o ministro Napoleão Nunes Maia, depois
de sugerir um balanço para saber o quanto o desembargador do TJDFT ganha e o
quanto gasta, disse que o requisito para a concessão da gratuidade não é a
“miserabilidade”, mas a impossibilidade material de pagar as custas do
processo.
Ainda que tenha prevalecido o
bom senso na decisão da 1.ª Seção do STJ, este caso mostra como certos
setores da magistratura não têm pudor nas suas pretensões financeiras, à
custa de quem paga impostos com o suor de seu trabalho.
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