É o homem, cara, é o homem!!!
Aquecimento global e
desinformação
José Goldemberg*
Questionar
a realidade é obscurantismo, como o foi negar que a
Terra
gira em torno do Sol
JOSÉ GOLDEMBERG |
Informação é um elemento essencial para a nossa
sobrevivência e a tomada de decisões. É por isso que ninguém se lança de um
edifício de dez andares, em lugar de descer as escadas, para ganhar tempo: jamais
houve uma violação das leis da gravidade.
O mesmo acontece com tomadas
de decisão. Se uma pessoa deseja viajar de avião para Nova York, ela se informa
da hora da partida antes de ir ao aeroporto. Caso contrário, corre o risco de perder
o voo.
Acontece muitas vezes que a
informação não é completa. Nesse caso, o que funciona é saber a probabilidade
de ocorrência do evento. Prever quando vai chover é um exemplo. Desde a mais
remota Antiguidade a previsão do tempo foi essencial para saber quando plantar
e quando colher, e erros graves nestas previsões – que eram frequentes –
tiveram sérias consequências.
Nos dias de hoje, com o
avanço da tecnologia, as previsões de tempo melhoraram muito e os
meteorologistas já são capazes de nos dizer qual a probabilidade de chover
amanhã ou no fim de semana, e acertar, na maioria das vezes.
O bom senso comum, que nessas
áreas é aceito por todos, não existe, contudo, no tocante a outro problema de
grande importância, que é o aquecimento do nosso planeta, que está em
curso. A temperatura média já subiu mais de um grau centígrado desde 1800 e
provavelmente vai subir mais dois graus até o fim do século 21.
A probabilidade de que a
principal causa deste aquecimento seja a emissão dos gases resultantes da queima
dos combustíveis fósseis, do desmatamento e de atividades agrícolas é muito
grande e essa avaliação decorre de inúmeros estudos científicos. As
consequências do aquecimento da Terra são muito sérias e já se manifestam, por
exemplo, nos desastres climáticos que se estão tornando cada vez mais
frequentes.
Para enfrentar o problema
a cooperação internacional é essencial,
porque as emissões que causam o aquecimento não respeitam fronteiras. A
temperatura na China (o país maior emissor mundial) está subindo por causa de
suas próprias emissões, mas também das emissões dos Estados Unidos (o segundo
emissor mundial) e vice-versa, bem como das emissões de todos os outros países.
O Brasil é responsável por cerca de 3% das emissões mundiais.
Vários acordos foram tentados
– desde a Conferência do Rio sobre Mudanças Climáticas, em 1992 – para dividir
as responsabilidades entre as nações, como, por exemplo, atribuir aos países
cotas para redução das suas emissões. Todos fracassaram porque impunham cortes
nas emissões aos países industrializados e isentavam os países em desenvolvimento
dessas reduções, o que foi considerado inaceitável para os dois grupos.
O último deles é o Acordo
de Paris, adotado em 2015, em que cada um dos países apresentou
voluntariamente as reduções que desejava soberanamente fazer. Os países
onde o movimento ambientalista é mais atuante apresentaram compromissos mais
ambiciosos. É o caso dos países da Europa e dos Estados Unidos (sob a
presidência de Barack Obama).
O Brasil, no governo
de Dilma Rousseff também apresentou propostas ambiciosas, que foram objeto
de amplo debate promovido pela então ministra do Meio Ambiente, Isabella
Teixeira. Essas propostas foram convertidas em lei pelo Congresso Nacional.
Ninguém forçou o País a adotá-las. [É bom destacar
isso!]
Mais recentemente, o presidente
Donald Trump decidiu mudar a posição do seu país, provavelmente para
“desconstruir” o legado do presidente Obama, e deixar o Acordo de Paris,
que não é mais que a soma dos compromissos voluntários apresentados por cada
país. Para não cumprir os compromissos assumidos basta mudá-los
unilateralmente, não é preciso “deixá-lo” ou “sair dele”, a não ser por
motivos políticos.
É curiosa, portanto, a
retórica inicial de alguns dos colaboradores do presidente Bolsonaro de seguir os passos do presidente Trump, que agora,
ao que parece, está mudando.
Ela nos parece simplesmente fruto de desinformação:
não existe a menor dúvida de que a temperatura média do planeta
está aumentando
e a causa principal é a ação do homem.
Quem nega isso são leigos
que inventam teorias conspiratórias,
setores ligados a interesses contrariados de produtores de carvão e petróleo ou
simplesmente desinformados.
Existem outras causas para
o aquecimento (e até o resfriamento)
da Terra – além das emissões de carbono –, como já aconteceu no passado, como
a variação da atividade solar, a inclinação do eixo da Terra, erupções
vulcânicas, etc. Mas elas foram todas analisadas pelos cientistas: a
ação do homem soma-se a esses eventos naturais e está ocorrendo numa velocidade
sem precedentes na história geológica da Terra. Questionar a realidade do
problema é uma posição obscurantista, como foi a da Igreja Católica no fim da
Idade Média ao negar que a Terra gira em torno do Sol.
Os custos necessários para
evitar o aquecimento global são elevados
– e para muitos governos há tarefas mais urgentes a realizar –, mas esses
custos aumentarão muito se nada for feito agora.
Existem, portanto, razões
econômicas e sociais para não enfrentar de imediato esses problemas, caso da
indústria do carvão nos Estados Unidos ou dos protestos contra a adoção de uma
taxa sobre as emissões de carbono na França.
O Brasil perdeu
protagonismo e prestígio internacional nesta questão ao desistir de sediar a
Conferência do Clima em 2019 porque
ela se realizará no Chile e nossa capacidade de influir nos resultados vai
diminuir com possíveis prejuízos para o nosso próprio país.
Mais ainda perder “status”
internacional com o argumento de que a conferência teria gastos elevados não é
convincente porque o mesmo argumento deveria ter valido para os Jogos Olímpicos
que exigiram a construção de inúmeros estádios a alto custo que estão hoje
praticamente ociosos.
*
JOSÉ GOLDEMBERG, nascido em Santo Ângelo (RS), no dia 27
de maio de 1928, foi professor da USP, físico e político brasileiro, membro da
Academia Brasileira de Ciências. Foi reitor da Universidade de São Paulo (1986
- 1990) e presidente da Sociedade Brasileira de Física de 1975 a 1979. No
governo federal, foi secretário da Ciência e Tecnologia (1990 - 1991), ministro
da Educação (1991 - 1992) e secretário do Meio Ambiente (março a julho de
1992), durante o governo de Fernando Collor de Mello e da realização da
Conferência do Clima do Rio de Janeiro (Rio-92). No estado de São Paulo, foi
secretário do Meio Ambiente de 2002 a 2006. Em agosto de 2015 foi nomeado
presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
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