«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 26 de maio de 2023

Solenidade de Pentecostes – Ano A – Homilia

 Evangelho: João 20,19-23 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

A Igreja nasce do dom de Amor de Deus

A nova relação que Jesus estabeleceu entre os homens e Deus precisava de uma nova aliança. Por isso, Lucas, nos Atos dos Apóstolos, apresenta o episódio de Pentecostes. Pentecostes era o dia em que a comunidade judaica celebrava o dom da lei. Pois bem, enquanto os judeus celebram o dom da lei, o Espírito Santo cai sobre a comunidade dos discípulos de Jesus. Com Jesus não há mais uma lei externa ao homem a ser observada, mas trata-se de acolher uma dinâmica, uma força interna, que libera energia de amor. Este é o dom do Espírito. 

Os outros evangelistas também têm seu Pentecostes, embora narrado de forma diferente. Por exemplo, João tem um pequeno Pentecostes no momento da morte, quando Jesus entregou seu Espírito, e depois, na passagem que examinamos agora, capítulo 20, versículos 19 a 23. 

João 20,19a: «Ao entardecer daquele dia, o primeiro da semana, os discípulos estavam reunidos, com as portas trancadas por medo dos judeus.»

O mandado de prisão não era apenas para Jesus, não era perigoso apenas Jesus, sua doutrina era perigosa. Por isso, quando Jesus se encontra diante do sumo sacerdote, não lhe pergunta nada sobre ele, mas lhe pergunta duas coisas: sobre os discípulos e a doutrina. Então, por medo de ter o mesmo destino de Jesus, eles se fecharam a portas trancadas. 

João 20,19b: «Jesus entrou e pôs-se no meio deles.»

Esta indicação que o evangelista nos dá é importante: quando Jesus ressuscitado se manifesta aos seus seguidores, ele se coloca no meio. Jesus não se coloca na frente, ou acima, Jesus se coloca no meio. Isso significa que todos ao seu redor, todos têm exatamente a mesma relação com ele, não há ninguém mais, alguém menos, alguém antes e alguém depois. 

João 20,19c: «Disse: “A paz esteja convosco”.»

Essas palavras de Jesus não são um desejo, Jesus não diz: “A paz esteja convosco” [como aparece na tradução da CNBB], mas “Paz a vós”, portanto, se trata de um dom. A paz — sabemos que o termo hebraico é “shalom” — indica tudo o que contribui para a felicidade dos seres humanos. 

João 20,20: «Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos, então, se alegraram por ver o Senhor.»

Mas, então, Jesus mostra a razão deste dom: “Dito isso” – portanto, depois de ter dito “paz” – “mostrou-lhes as mãos e o lado”; as mãos e o lado trazem os sinais da paixão. Foi Jesus quem, no momento da sua captura, disse: “Se é a mim que procurais, deixai estes irem” (Jo 18,8). Ele é o pastor que dá a vida pelas suas ovelhas e isso não num episódio isolado, mas sempre. Jesus, na comunidade, é quem defende os seus.

A essa altura os discípulos, que o evangelista havia descrito com medo dos judeus — lembro que, para “judeus”, neste evangelho, nunca nos referimos ao povo, mas sempre à autoridade, aos líderes religiosos — passam do medo à alegria ao ver o Senhor. 

João 20,21: «Jesus disse, de novo: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, eu também vos envio”.»

Novamente Jesus repete este dom de paz. O termo paz, neste capítulo, será repetido três vezes. Mas, desta vez, este dom da paz é um envio para compartilhá-lo. De fato, Jesus acrescenta: “Como o Pai me enviou”. O Pai enviou Jesus para manifestar visivelmente o seu amor e o que é o amor de Deus? Um amor generoso que se põe ao serviço dos outros, manifestado por Jesus no episódio do lava-pés. “Como o Pai me enviou, eu também vos envio”, a tarefa dos crentes, a tarefa da comunidade cristã não é propor ou, pior ainda, impor doutrinas, mas realizar comunicações de amor: como o Pai enviou o Filho para manifestar o seu amor, a comunidade deve ser testemunha visível de um amor generoso que se põe a serviço

João 20,22: «Dito isso, soprou sobre eles e falou: “Recebei o Espírito Santo.»

Antes o “dito isso” se referia ao dom da paz, justificado pelos sinais de sua paixão. Agora, “dito isso”, este segundo dom da paz é acompanhado de “soprou”. Por que este verbo soprar? O evangelista o retira do livro do Gênesis, do episódio da criação, quando Deus, o Criador, soprou nas narinas do primeiro homem e o fez ser vivente. “Recebei Espírito Santo”, exatamente Espírito Santo, sem o artigo definido “o”. Isso porque, Jesus havia dito que dá o Espírito sem medida. O dom do Espírito é total, depende da pessoa o quanto pode aceitar ou não, mas em todo caso é o dom em plenitude, o dom do Espírito, a força divina, que se chama Santo não só por sua qualidade, mas pela sua atividade, capaz de separar os homens que o acolhem da esfera do mal. 

João 20,23: «A quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados, a quem os retiverdes, lhes serão retidos”.»

Literalmente, apagar, cancelar os pecados. O termo “pecado” usado pelo evangelista não indica culpa da pessoa, mas, nos Evangelhos, esse termo sempre indica o passado injusto do indivíduo. O que Jesus quer dizer para nós com esta expressão? Jesus não está dando poder para alguns, mas uma responsabilidade para toda a comunidade cristã:

... a comunidade cristã deve ser como uma luz que expande o campo de ação do seu amor.

Todos aqueles que vivem na esfera do pecado, da injustiça e veem essa luz, sentem-se atraídos por ela, todos têm seu passado, seja ele qual for completamente apagado. Por outro lado, aqueles que, ao ver a luz brilhar, se escondem ainda mais nas trevas — Jesus havia dito que “todo o que pratica o mal odeia a luz” (Jo 3,20) — permanecem sob o manto do pecado. Assim, o de Jesus não é um mandato para julgar as pessoas, mas para oferecer a cada um uma proposta de plenitude de vida. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 6. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2022. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Quem está cheio do Espírito Santo fala várias línguas. As várias línguas são os vários testemunhos sobre Cristo, como a humildade, a pobreza, a paciência e a obediência; falamo-las, quando mostramos aos outros estas virtudes na nossa vida.»

(Santo Antônio de Pádua ou Lisboa: 1195?-1231 — frade franciscano, escritor, grande orador e Doutor da Igreja)

Em Mateus (12,33b) e Lucas (6,44) encontramos uma palavra que teria sido dita por Jesus: “é pelo fruto que se conhece a árvore”. Portanto, para Jesus o fundamental eram as obras, a ação, a prática de vida do ser humano, não as suas intenções, conhecimento, formação e palavras. Isso fica claro, novamente, em uma frase comum a Mateus e Lucas: “Nem todo o que me diz: ‘Senhor! Senhor!’, entrará no Reino dos Céus, mas só aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” (Mt 7,21 > Lc 6,46; cf. Lc 13,25-27; Tg 1,22; 1Jo 2,17). 

No Quarto Evangelho, denominado de Segundo João, o Espírito Santo é fruto da vida, morte e ressurreição de Jesus. O Espírito, portanto, é o prolongamento e a plenificação da obra que Jesus realizou entre nós! Assim sendo, o Espírito Santo tem tudo a ver com prática, ação, realização. Ele é a força divina que atua naqueles que buscam seguir Jesus, em vista de instaurar, neste mundo, o Reino de Deus. Percebe-se melhor isso, quando se analisa as três vindas do Espírito Santo, segundo aquilo que nos narra o livro de Atos dos Apóstolos:

1ª) At 2,1-11: no dia de Pentecostes, enquanto os judeus celebravam o dom, o presente da Lei de Moisés que receberam, o Espírito promove compreensão, entendimento e comunhão entre pessoas de diferentes línguas e nações. Portanto, uma Babel ao contrário (cf. Gn 11,1-9).

2ª) At 4,31: após serem soltos, Pedro e João retornam ao seio da comunidade cristã reunida em oração por eles. No Sinédrio, diante de seus perseguidores, graças ao Espírito, eles anunciaram o Evangelho e agiram com audácia, valentia, franqueza (grego: parresía). Em At 4,31, esse dom da coragem é distribuído a todos da comunidade!

3ª) At 10,44-48: o apóstolo Pedro admite os primeiros pagãos na Igreja. Fica claro, então, que o Espírito Santo está acima de culturas, ritos, religiões, categorias sociais! Nada pode impedir Deus de agir, mediante seu Espírito! A realidade fala mais alto aos missionários de Cristo, aqui, no caso, a Pedro. 

Ora, o que tudo isso nos ensina? Mais do que mencionar, invocar e adorar o Espírito Santo de Deus, precisamos crer, de fato, em seu poder e nos deixar conduzir pela sua presença na Igreja! Afinal, aonde se encontram os FRUTOS DO ESPÍRITO SANTO em nosso meio? Aonde, concretamente, se observa que a nossa comunidade, a nossa paróquia, a nossa diocese, movidas pelo Espírito de Deus, estejam:

a) promovendo a união, compreensão, acolhida e comunhão entre as pessoas?

b) Pregando com audácia, coragem e destemor o Evangelho de Cristo a uma sociedade tão desigual, injusta, egoísta, violenta e consumista como a nossa de hoje? Estamos, enquanto Igreja, promovendo obras que vão na direção contrária dessa sociedade, realizando mais do que assistência social, indo na direção da real promoção da pessoa humana?

c) Proporcionando meios concretos para uma acolhida, inserção e realização pessoal de irmãos e irmãs provenientes de outros países, outras culturas, outras religiões, bem como, que vivem sua sexualidade e sua rotina diversamente daquilo que é o convencional na sociedade? 

Que o Espírito Santo — soprado por Jesus sobre os seus discípulos — penetre também as nossas mentes e corações! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Nós te agradecemos, Pai: todas as vezes que nos reunimos em nome do teu Filho amado, ele está presente entre nós e nos dá o dom do seu Espírito: Espírito que nos consola e nos liberta de toda amargura, Espírito que nos cura das feridas do pecado, Espírito que nos ilumina e nos leva a descobrir toda a verdade. Faz que com os seus dons nos tornemos capazes de consolação, criadores de reconciliação e de paz, testemunhas da verdade do seu Evangelho. Amém.»

(Fonte: Gianfranco Venturi. Domenica di Pentecoste: orazione finale. In: CILIA, Anthony O.Carm [a cura di]. Lectio Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 306)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni –Pentecoste – Anno A – 31 maggio 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 17/05/2023).

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Politização da religião

 Na cova dos leões

 Angela Alonso

Professora de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) 

"DANIEL NA TOCA DOS LEÕES" - tela à óleo do pintor flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640), pintura de 1614/1616 - está exposta na National Gallery of Art (Washington - DC)

Religiosização da política só interessa a um lado, o da direita

O pastor pregava numa igreja Batista: “Neemias agiu. Se nós queremos mudar o sistema, precisamos orar, agir e apoiar medidas contra a corrupção”. 

Era 2015, e Neemias foi do Velho Testamento ao sermão para justificar o avanço religioso sobre a política. Ao murar a cidade sagrada de Jerusalém, servira a dois senhores, o estado terreno (governou a Judeia) e o reino divino. Quem buscou o exemplo foi Deltan Dallagnon, que tinha 35 anos e uma missão. 

Como a missão lava-jatista se cumpriu, é prudente atentar para suas profecias. A mais recente veio em reação ao tuíste digno das narrativas bíblicas, quando o moralizador foi pego de moral curta. Legítima ou espúria, a cassação deu-lhe outro púlpito, o de perseguido. 

Em meio a cartazes de “Perseguição política não é justiça”, discursou no estilo em que fez carreira, com a Bíblia e a Constituição confundidas

A retórica cristã tem sido seu trunfo na trajetória curta entre a obscuridade paranaense e a luminosidade de Brasília. Daí equiparar sua sina às de José [Gn 37] e Daniel [Dn 6]. 

O primeiro, vendido pelos irmãos como escravo, permitiu-lhe sintonizar com o grande mote contemporâneo da direita, o da primazia da liberdade. 

O segundo lhe deu a camisa do crente, salvo da pena injusta pelo poder da fé. Trata-se de Daniel, acusado de traição ao rei por orar a Deus. O soberano pôs a divindade concorrente à prova, trancando o infiel numa cova com leões. O salvamento foi por graça divina. 

Já os acusadores provaram a inclemência terrena, devorados pelos felinos. Uma mensagem de revanche: Dallagnol está na cova, mas quando sair, condenará os inimigos ao suplício

À diferença de Daniel, vai comboiado à vingança. O protesto contra sua cassação ajuntou do:

* 03 [Deputado Federal Eduardo Nantes Bolsonaro, PL-SP] à

* deputada de tiara de florzinha [Julia Pedroso Zanatta, PL-SC], a que votou contra a equiparação salarial entre os gêneros e insinuou usar metralhadora contra Lula. 

Deltan Dallagnol no centro, ao microfone, ao seu lado direito, usando uma tiara de florzinha, a deputada Julia Zanatta e, atrás de Dallagnol, à sua direita, com o rosto meio escondido, o deputado federal Eduardo Bolsonaro

O ato de desagravo exibiu uma arca da aliança, que o pastor chamou de “a direita unida contra a arbitrariedade”. Nela cabem muitos pecadores. 

A cruzada moral é para salvar um mundo corrompido desde a expulsão do Paraíso. 

Exemplos religiosos e ações políticas se embaralham, enraizando a moralidade pública em uma moral privada particular, de tipo religioso. Avoca o monopólio da honra e da correção à sua igreja política, já os adversários seriam todos corrompidos

Os últimos anos mostraram o poder político desta retórica moralizadora, que opõe impolutos e conspurcados. Suscitou nada menos que paixão nacional. Por isso o “tombo”, palavra do caído, serviu para regar o terreno laico da política partidária com os valores de uma seita. 

Dallagnol, como [o profeta] Daniel, vive uma provação, mas promete voltar fortalecido, graças à fé em Deus e nas “344 mil vozes caladas”, as dos eleitores que o sufragaram. Não na Constituição

A língua religiosa da oposição acabou na boca do governo, que devia ser laico. O ministro da Justiça [Flávio Dino] se saiu com o evangelho de Mateus:Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!” 

Ao adotar a linguagem do inimigo, aceita-se o debate político nos seus termos. E se cai na armadilha de falar mais de moral que dos problemas do país. 

A religiosização (com perdão do neologismo) da política só interessa a um lado. A direita se move desenvolta nesse léxico. E, ao fundamentar seus atos em citações sagradas, prossegue a política nos termos de seu velho Messias [Jair Messias Bolsonaro, o ex-presidente da República]. 

Fonte: Folha de S. Paulo – Política / colunas e blogs – Segunda-feira, 22 de maio de 2023 – Pág. A8 – Internet: clique aqui (Acesso em: 22/05/2023).

Só isso não basta!

 Nove em dez brasileiros dizem acreditar em Deus, mostra pesquisa

 Mônica Bergamo

Jornalista e colunista de jornal 

Crer em Deus não é suficiente! O desafio é viver segundo a vontade dele, segundo a fé n’Ele

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos aponta que aproximadamente nove em cada dez brasileiros (89%) dizem acreditar em Deus ou em um poder superior. O levantamento foi feito em 26 países, com 19.731 entrevistados, sendo mil no Brasil, entre os dias 20 de janeiro e 3 de fevereiro deste ano. A margem de erro é de 3,5 pontos percentuais. 

O Brasil aparece no topo do ranking no quesito ao lado da África do Sul (89%) e da Colômbia (86%). Os países em que menos pessoas afirmaram acreditar em Deus foram o Japão (19%), a Coreia do Sul (33%) e a Holanda (40%). A média global é de 61%

Chamado “Global Religion2023”, o estudo foi feito por meio da plataforma online Global Advisor da Ipsos e, na Índia, por meio da IndiaBus. 

Os brasileiros também lideram o ranking mundial dos que creem na existência de um paraíso: 79% dos entrevistados no Brasil expressaram essa convicção — mesmo índice do Peru. 

Na outra ponta, 66% dos brasileiros disseram acreditar que há um inferno, índice que colocou o país em segundo lugar na categoria, atrás da Turquia (76%). Bélgica (16%), Suécia (21%) e Espanha (22%) são os que aparecem entre os que menos creem no inferno. 

A grande maioria dos brasileiros entrevistados (90%) também afirma que acreditar em Deus ou em forças superiores possibilita a superação de crises, como doenças, conflitos e desastres

Na pesquisa, 76% dos brasileiros dizem que seguem algum tipo de religião. Dentro deste universo, a maior parte se denominou cristão (70%)

Fonte: Folha de S. Paulo – Ilustrada / colunas e blogs – Segunda-feira, 22 de maio de 2023 – Pág. C2 – Internet: clique aqui (Acesso em: 22/05/2023).

A nova forma de censura

 A censura líquida

 Luiz Felipe Pondé

Doutor em Filosofia pela USP, escritor e ensaísta 

Desenho de: Ricardo Cammarota - Folha de S. Paulo 22/05/2023 - Pág. C6

Estado de Direito e mercado são parceiros no caráter líquido da nova forma de reprimir o pensamento público

Tomo emprestado do sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017) o termo “líquido” para descrever como funciona a censura hoje e nas próximas décadas deste século 21 nas democracias. Uma das características da censura líquida é ser, justamente, “democrática”, isto é, operar dentro do Estado de Direito e suas instituições. Aliás, o Estado de Direito e mercado são parceiros diretos no caráter líquido da nova forma de censura no século 21. 

Para Bauman, “líquido” significa que em nossa época, a sociedade e suas instituições “escorrem pelos dedos”. Tudo se espalha sem forma clara. Tudo é impermanente. Sua entrevista publicada em livro com o título “Vigilância Líquida” traz o sentido do conceito ainda mais próximo para o uso que faço dele aqui aplicando-o a censura. 

Livro publicado, no Brasil, em 1ª edição, no ano de 2014 pela Zahar (RJ)

Ali Bauman diz que o big brother de George Orwell (1903-1950) se revelou como um sistema líquido de vigilância em que todos vigiam todos o tempo todo, sem um centro institucional claro, ou seja, o big brother é a internet e as redes sociais. Nós mesmos facilitamos essa vigilância em busca de rapidez na aquisição de produtos, serviços e segurança nesses processos. 

Há uma outra imagem na filosofia que é muito útil para descrever essa censura líquida, imagem essa que já fora utilizada pelo filósofo Blaise Pascal (1623-1662) para se referir ao universo infinito, indiferente e escuro de Newton. Vou aplicar essa imagem ao modo de como já funciona a nova censura líquida neste século. 

A censura líquida é como “um círculo cuja circunferência está em toda parte, o centro em parte alguma”. A interdição ou a punição parece brotar de todo lugar e ao mesmo tempo de lugar nenhum que possa ser delimitado. 

Qualquer um ou qualquer instituição poderá denunciar qualquer frase, texto, vídeo, que julgar inadequado. O poder judiciário poderá acatar a denúncia na direta proporção de que seu agente concorde com a denúncia, e você, cidadão comum, sem poder institucional algum, dependerá do que pensa, absoluto, o juiz que decidirá se você ainda terá vida profissional, econômica, pública ou mesmo familiar. E você ainda pagará pela sua condenação, como era na inquisição. 

Mas, a censura líquida não só opera a partir do Estado, ainda que este, na sua versão contemporânea, tenda a ser cada vez mais repressivo, graças as tecnologias digitais ao alcance do poder judiciário. O mercado e as empresas também têm um papel essencial no mecanismo repressivo do pensamento público hoje

Cancelamentos implicam suspensão de patrocínio e demissões. Ainda que a maioria das pessoas não perceba, esse processo é típico da censura líquida. Patrocinadores e empregadores tem todo o direito de suspender o vínculo com alguém que possa carregar negativamente suas marcas. 

Assim sendo, o branding – a princípio uma atividade puramente do marketing e da publicidade – passa a ser um dos braços mais poderosos da censura no século 21. [Branding = ou brand management refere-se à gestão da marca de uma empresa, tais como seu nome, as imagens ou ideias a ela associadas, incluindo slogans, símbolos, logotipos e outros elementos de identidade visual que a representam ou aos seus produtos e serviços. Branding também pode referir-se ao próprio trabalho ou ao conjunto de práticas e técnicas de construção e consolidação de uma marca no mercado. – Fonte: Widipédia]. 

Uma marca da censura líquida é que ela pode destruir a sua vida sem prender você ou necessariamente “proibir” você diretamente de falar ou escrever, mas sim de pensar. A pura ameaça já tem o efeito do censor. Aquilo que nos regimes totalitários ocorria numa escala menor, mais lenta e localizável facilmente, no século 21 acontece em escala geométrica, tecnológica, acelerada cada vez mais, e difusa. Pode vir de qualquer lado, a qualquer momento. Vivemos na era do “assédio jurídico”

LUIZ FELIPE PONDÉ - autor deste artigo

Assim sendo, a democracia contemporânea liberal de mercado pode operar completamente dentro do Estado de Direito, da lei e da liberdade de empreendimento, sem necessidade de um “estado de exceção”, e ainda assim marchar em direção a processos autoritários já em curso de instalação. 

Apesar de que exista hoje uma competição acirrada entre o Estado e as plataformas pela soberania – o Projeto de Lei das fake News deve ser visto nesse nível mais profundo –, indicando um real desafio a ideia do estado moderno como soberano, no que tange a censura, Estado e mercado podem ser aliados perigosos a acuar o pensamento público.

Como escapar? Fácil: seja irrelevante em tudo e para sempre.

Fonte: Folha de S. Paulo – Ilustrada / colunas e blogs – Segunda-feira, 22 de maio de 2023 – Pág. C6 – Internet: clique aqui (Acesso em: 22/05/2023).

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Solenidade da Ascensão do Senhor – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 28,16-20 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Eis a nossa missão: mergulhar os seres humanos na realidade profunda de Deus

Encontramos o episódio da ascensão de Jesus apenas no Evangelho de Lucas (24,50-53), e depois na adição final ao Evangelho de Marcos (16,19), mas não nos demais evangelistas, nem em Mateus nem em João. Mas a mensagem do evangelista, no caso, Lucas, é idêntica à dos outros: a ascensão de Jesus não é uma separação, mas uma proximidade, não é um distanciamento, mas uma presença ainda mais intensa, porque Jesus está na plenitude da condição divina. O final do Evangelho de Mateus é constituído de cinco versículos, nos quais o evangelista encerra, resume todo o seu evangelho, vejamos. 

Mateus 28,16a: «Os onze discípulos partiram para a Galileia... »

Os discípulos não são mais doze, e o número, neste evangelho, não é reconstituído. Os doze significavam o novo Israel, os onze significam que o novo Israel não é reconstituído, portanto a mensagem de Jesus é universal, é para toda a humanidade. “Partiram para a Galileia”, eles vão para lá porque três vezes houve um convite para encontrar Jesus na Galileia (Mt 26,32; 28,7.10). Jesus, ressuscitado neste evangelho, nunca aparecerá em Jerusalém. 

Mateus 28,16b: «... à montanha que Jesus lhes havia indicado.»

O evangelista escreve “para a montanha”, temos o artigo definido, indicando, portanto, uma montanha específica. Prossegue: “que Jesus lhes havia indicado”, mas Jesus não indicou nenhuma montanha neste Evangelho. Por que os discípulos vão para “a” montanha? O significado não é topográfico, mas teológico: a montanha, neste Evangelho, é a montanha das bem-aventuranças, onde Jesus proclamou a sua mensagem, bem-aventuranças que são oito, e o número oito é a figura da ressurreição no cristianismo primitivo, porque Jesus ressuscitou no primeiro dia após a semana. Assim, os discípulos vão claramente para “a” montanha: o evangelista quer dizer que a experiência de Jesus ressuscitado não é um privilégio concedido há dois mil anos a algumas pessoas, mas uma possibilidade para todos os crentes de todos os tempos, basta situar-se “no” monte das bem-aventuranças, isto é, acolher a sua mensagem, formulada e sintetizada nas bem-aventuranças

Mateus 28,17: «Quando o viram, prostraram-se, mas alguns duvidaram.»

O verbo “ver” usado pelo evangelista não indica a visão física, mas uma profunda experiência interior, “prostraram-se”, então reconhecem em Jesus uma condição divina, e então, estranhamente, o evangelista diz “mas alguns duvidaram”, mas do que eles duvidam? Não que Jesus tenha ressuscitado, eles o veem, não que ele esteja na condição divina, eles se prostram; então por que eles duvidam? O evangelista usou este verbo “duvidar” apenas uma vez, no episódio conhecido, quando Jesus caminha sobre as águas (cf. Mt 14,22-33), o que indica a condição divina, e Pedro, o discípulo, também quis caminhar sobre as águas, ou seja, também ele quis a condição divina. Jesus diz que ele pode ir, mas ao ver a dificuldade, Pedro começa a se afogar e pede ajuda.

Ele acreditava que o status divino seria concedido como um presente do alto e não sabia por quais dificuldades passava.

Pois bem, Jesus repreendeu Pedro daquela vez com as palavras: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31b). Então aqui está essa dúvida sobre a qual o evangelista escreve! O que é? Eles viram Jesus na condição divina, mas agora sabem pelo que Jesus passou: a morte mais infame, mais desprezada para um judeu, a maldição da cruz. Então, de quem eles duvidam? Duvidam de si mesmos, pois são convidados a alcançar a condição divina, mas não sabem se conseguirão enfrentar as perseguições e, até mesmo, a morte. É por isso que eles duvidam. 

Mateus 28,18: «Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra.»

Enquanto as mulheres se aproximaram de Jesus ― como nos mostrou Mateus neste capítulo 28, nos versículos 1 a 10 ―, aqui é Jesus quem deve se aproximar dos discípulos. As palavras de Jesus, tais como o evangelista escreve, se referem ao profeta Daniel, onde o Filho do Homem recebeu todo o poder no céu e na terra (cf. Dn 7,14). No entanto, Jesus não usa esse poder para ser servido, mas, como ele dirá: “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir” (Mt 20,28), portanto é um poder para servir. 

Mateus 28,19-20a: «Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-os a observar tudo o que vos mandei.»

E aí vem a ordem imperativa: “Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos”, o termo povos indica as nações pagãs, “batizando-os”, o verbo batizar significa imergir, embeber, “em nome”, o nome indica a realidade profunda de um ser, “do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, ou seja, mergulhai-os na realidade profunda de Deus, fazei-os experimentar quem é Deus. “Ensinai-os”, e é a única vez que Jesus autoriza seus discípulos a ensinar, “a observar tudo o que vos mandei”, a única vez que o verbo mandar aparece, neste Evangelho, é justamente em referência às bem-aventuranças.

Então, qual é o significado desta ordem de Jesus? Jesus tinha convidado os seus discípulos a segui-lo para serem pescadores de homens: pescar homens significa tirá-los da água, que pode dar-lhes a morte, portanto, sair da condição mortal, para dar-lhes a vida.

Pois bem, Jesus indica agora como e onde: como vos tornareis pescadores de homens? Imergindo-os no Espírito do Senhor, na realidade mais profunda do amor divino, e onde? Onde o espaço é toda a humanidade.

Mateus 28,20b: «Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos”.»

E, depois, a garantia final de Jesus: “eis que estou convosco”, este é o tema, o fio condutor (leitmotiv) de todo o evangelho. No primeiro capítulo, versículo 23, o evangelista havia indicado Jesus como “Deus conosco”; mais ou menos na metade do seu Evangelho, Jesus disse que estava com seus discípulos: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali eu estarei” (Mt 18,20); e, agora, conclui as palavras de Jesus com a certeza da sua presença: “estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos”. Não há fim do mundo, é um fim dos tempos, como diz o evangelista, que não indica um prazo, mas a qualidade de uma presença, daí as últimas palavras de Jesus: “eis que estou entre vós para sempre”.

E o evangelista, que abriu o seu evangelho referindo-se ao livro do Gênesis — começa o Evangelho escrevendo: “livro da origem (= gênesis)” (Mt 1,1) —, fecha-o com uma referência ao último livro da Bíblia Hebraica, o Segundo Livro das Crônicas, onde há o convite de Ciro, rei da Pérsia, que diz ao povo judeu: “O Senhor, Deus do Céu, me deu todos os reinos da terra e me encarregou de lhe construir uma Casa em Jerusalém, em Judá. Quem de vós pertence a todo o seu povo, que o Senhor, seu Deus, esteja com ele. E suba!” (36,23). É o convite de Ciro aos judeus para que deixem seu reino e voltem para Israel, e construam um templo para o Senhor. Jesus convida também os seus discípulos a ir, a deixar a instituição religiosa, mas não a construir um templo, porque...

... a comunidade dos discípulos será o novo templo onde se manifesta o amor e a misericórdia do Senhor.

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 6. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2022.


Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Cristãos à apenas vinte séculos da Ascensão. O que vocês fizeram com a esperança cristã?»

(Pierre Teilhard de Chardin: 1881-1955 — padre francês jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo)

A festa da Ascensão do Senhor é algo que ultrapassa aquela visão ingênua e falsa de que Jesus deslocou-se da Terra, portanto, daquilo que era humano, para o celestial, ou seja, para aquilo que é divino. A elevação ao céu — tal como está em Atos 1,9-11, primeira leitura da liturgia deste domingo — é interpretada como uma partida deste mundo, como se Jesus tivesse se retirado de nossa presença! Porém, o Evangelho de Mateus opera uma mudança significativa nesse tipo de visão. E isso, em duas maneiras:

1ª) Da “elevação ao divino” à “universalização do cristão”, como observa José María Castillo. Afinal, o Jesus de Mateus assume, plenamente a identidade do Filho do Homem, tal como em Daniel 7,14:

«Foi-lhe dado o poder, a honra e o reino; e todos os povos, tribos e línguas o serviram. Seu poder é um poder eterno, que não lhe será tirado, e seu reino jamais será destruído!»

Se a aliança de Deus com Moisés, no monte Sinai, revelava Israel como sendo uma “propriedade entre todos os povos” (Ex 19,5) — portanto, um povo privilegiado —, agora, no monte das bem-aventuranças, “todos os povos” devem se tornar discípulos de Cristo (Mt 28,19). Não há mais privilegiados (cf. Mt 8,11; 21,41; 22,8-10; 24,14.30-31; 25,32; 26,13).

2ª) A garantia de que Jesus/Deus está com os seus até o fim dos tempos (Mt 28,20), ele é o Deus conosco e não o Deus-nas-nuvens, o Deus-altíssimo! 

A Ascensão, então, marca o início da missão dos seguidores de Jesus. A comunidade formada por Jesus deverá ser, eminentemente, missionária! O imperativo “ide” (Mt 28,19) deixa isso muito claro! E essa missão possui uma pauta, um roteiro claro (inspiro-me, em parte aqui, em Jaldemir Vitório):

a) Os discípulos são enviados pelo Ressuscitado! Portanto, o poder e a autoridade deles depende, diretamente, de Jesus, pois, apenas e tão somente a ele foi “dada toda a autoridade no céu e na terra” (Mt 28,18 — cf. Mt 6,10; Jo 17,2; Fl 2,10; Ap 12,10). Portanto, o centro da missão, o conteúdo da missão, o sentido da missão é, sempre, Jesus Cristo! Tudo aquilo que o discípulo fala, faz e vive deve apontar na direção do Cristo, não de si mesmo!

b) A missão é “fazer discípulos e discípulas”. Isso, somente, pode se dar apresentando Jesus, o único e verdadeiro Mestre (cf. Mt 23,8), e a sua proposta de Reino de Deus, o qual é o projeto de vida centrado na vontade do Pai. Portanto, deve-se evitar todo o risco de idolatria, que seria apresentar algo diferente disso às pessoas, somente para conquistá-las, mas sem convertê-las, de fato!

c) O batismo em nome da Trindade. Somente mergulhando as pessoas na intimidade de Deus e de seu mistério, pode-se esperar delas uma adesão de corpo e alma ao projeto de Reino proposto por Jesus! O batismo deveria ser para as pessoas dispostas a orientar suas vidas pela pessoa de Jesus. Diferentemente daquilo que acontece há vários séculos de cristianismo, em que o batismo tornou-se um mero rito cultural, como é o caso de registrar uma criança no cartório, não trazendo consequências práticas e profundas para a sua vida. 

A Ascensão torna-se, então, uma fonte de esperança e inspiração para nós, cristãos e cristãs, pois, como bem afirma José Antonio Pagola:

«Quando parece que a vida se fecha ou se extingue, Deus permanece. O mistério último da realidade é um mistério de Amor salvador. Deus é uma Porta aberta à vida eterna. Ninguém a pode fechar».


 Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor Jesus! Aqui estamos prontos para partir a fim de anunciar, mais uma vez, o teu Evangelho ao mundo, no qual a tua arcana providência nos colocou para viver! Senhor, roga ao Pai, como prometeste, para que por ti nos envie o Espírito de consolação, que torne o nosso testemunho aberto, bom e eficaz. Fica conosco, Senhor, para que todos sejamos um em ti e aptos, pelo teu poder, a transmitir ao mundo a tua paz e a tua salvação. Amém.»

(Fonte: Papa Paulo VI. In: CILIA, Anthony O.Carm [a cura di]. Lectio Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 268)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni –Ascensione del Signore – Anno A – 24 maggio 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 17/05/2023).

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Só os outros são corruptos!

 Agora pode-se chamar a ex-primeira-dama de MiCash

 Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de televisão 

Charge de: Leandro Assis & Triscila Oliveira - Folha de S. Paulo: 17/05/2023 - Pg. A2

Para não ser controlada pelo marido, teve que usar uma laranja

A certeza da impunidade produz episódios que, se estivessem num roteiro de filme, seriam considerados estapafúrdios. Só isso explica a declaração dada por Michelle Bolsonaro, segundo o advogado da família, Fabio Wajngarten, sobre usar o cartão de crédito em nome de uma amiga nos últimos dez anos:meu marido sempre foi muito pão-duro”. 

Coitada. Para não ter os gastos controlados pelo companheiro, Michelle teve que usar uma laranja e agora entra para as estatísticas. Uma em cada cinco mulheres fazem compras escondidas do parceiro, segundo levantamento da fintech Onze. Por outro lado, o site Gleeden, especializado em relações não monogâmicas, mostra que 59% dos maridos ocultam parte de suas finanças da esposa

Tem até nome esse hábito de omitir como são gastos os recursos que teoricamente são do casal: infidelidade financeira. Uma situação difícil quando se tem um marido que anda com um escorpião no bolso, caso de Bolsonaro, segundo Michelle. Poderia ser pior. 

Imagine ter as contas pagas por um sujeito suspeito de corrupção:

* que usa auxílio moradia para comer gente,

* embolsa parte dos salários dos funcionários e

* que pode ter se beneficiado dos contratos feitos por uma empresa com o governo federal para pagar os boletos da mulher.

Pois é. Muito pior. 

E, convenhamos, chamar Bolsonaro de pão-duro? Um pouco exagerada, para não dizer mal-agradecida. Não é de hoje que jorra dinheiro na conta da ex-primeira-dama. Nunca soubemos por que Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, depositou R$ 89 mil em sua conta, entre 2011 e 2016. Em cheques, importante dizer. 

Talvez agora Michelle se livre da alcunha conquistada no começo do governo do marido quando a lambança dos cheques veio a público. Micheque é coisa do passado, talvez já possa ser chamada de MiCash. Para que Pix, se dá para pagar as contas em dinheiro vivo? 

Fonte: Folha de S. Paulo – Opinião/colunas e blogs – Quarta-feira, 17 de maio de 2023 – Pág. A2 – Internet: clique aqui (Acesso em: 17/05/2023).

sexta-feira, 12 de maio de 2023

6º Domingo da Páscoa – Ano A – Homilia

 Evangelho: João 14,15-21 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Cada indivíduo e comunidade que conhece a Jesus é o verdadeiro santuário de onde ele manifesta o seu amor

Prosseguimos, neste domingo, o Evangelho do domingo passado. Jesus, ainda, está realizando o primeiro de seus discursos de despedida, no interior do grande bloco dos capítulos 13 a 17, o seu adeus aos seus seguidores. Sigamos ouvindo e refletindo sobre as palavras que o quarto evangelista nos traz. 

João 14,15: «Se me amais, guardareis os meus mandamentos.»

Pela primeira vez no Evangelho, Jesus pede amor para si mesmo; um amor por si mesmo que depois se manifesta no amor pelos outros. Jesus tornou os discípulos capazes de amar lavando-lhes os pés, e agora pede amor. Na realidade, Jesus deixou um único mandamento:este é o meu mandamento”, um mandamento novo, no sentido de melhor, que se sobrepõe a todos os outros. Jesus enfatiza que os mandamentos são dele, não são os mandamentos de Moisés. Existe apenas um mandamento: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34). A tradução prática deste único mandamento, nas muitas situações em que há necessidade de demonstrar este amor, isto para Jesus tem valor de mandamentos. 

João 14,16: «E eu pedirei ao Pai, e ele vos dará um outro Paráclito, para que permaneça sempre convosco:...»

Aqui há um termo grego, intraduzível em nossa língua. Algumas traduções da Bíblia traduzem esse termo como “consolador”, mas não expressa o significado profundo da palavra, então, agora, prefere-se colocar a transliteração deste termo:Paráclito”. O que é o “Paráclito”? Em grego, o Paráclito é aquele que é chamado em socorro, em defesa, portanto pode ser traduzido como: defensor, protetor, socorrista. Eis que, talvez, socorrista seja o mais adequado, mas nenhuma dessas palavras esgota o termo grego. E é pela primeira vez que aparece este termo, exclusivo do Evangelho de João. Paráclito não é o nome do Espírito, mas sua função, que é aquela de socorrer.

E aqui Jesus dá uma indicação importante e preciosa: “para que permaneça sempre convosco”. O Espírito do Senhor, esse Espírito que socorre a comunidade e o indivíduo, não vem em socorro nos momentos de necessidade, quando invocado, mas a sua presença é para sempre na comunidade. O amor de Deus não atende às necessidades do indivíduo e da comunidade, mas as precede. Então isso dá muita serenidade à comunidade, que se encontrará diante de uma tempestade, como a que Jesus sofrerá: oposição e perseguição: “Tenham serenidade, tenham fé porque o Espírito está sempre com vocês”. 

João 14,17: «... o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não o vê, nem o conhece. Vós o conheceis, porque ele permanece junto de vós e está em vós.»

E Jesus o chama de “o Espírito da Verdade”; esse Espírito torna conhecida a verdade sobre Deus e quem é Deus? Deus é amor, que se põe generosamente ao serviço dos outros, é amor que está sempre a favor dos homens, este é o Espírito da verdade, diz “que o mundo não é capaz de receber”. O mundo, aqui em João, não significa o que foi criado, mas o sistema injusto, em particular a instituição religiosa. Por que o mundo não pode receber o Espírito da Verdade? Porque o Espírito da verdade é o amor do Pai, que está sempre a favor dos homens. O mundo, mesmo a instituição religiosa, pensa apenas em sua própria conveniência. O bem e o mal estão sujeitos aos seus próprios interesses, e por isso não pode recebê-lo, “porque não o vê, nem o conhece”. Esta falta de conhecimento será a acusação que, ao longo do Evangelho de João, Jesus dirigirá precisamente aos líderes religiosos: no meio de vós está quem que vós não conheceis” (Jo 1,26).

Mas Jesus garante aos seus seguidores: “Vós o conheceis, porque ele permanece”. Aqui, Jesus insiste novamente: assim como o Espírito desceu sobre ele e nele permaneceu, o mesmo se dará com a sua comunidade, o Espírito permanece nela, como ele diz, “junto de vós e está em vós”. 

João 14,18: «Não vos deixarei órfãos, venho a vós.»

Em seguida, Jesus oferece uma garantia à comunidade:Não vos deixarei órfãos”. O órfão, naquela cultura, é a pessoa sem proteção, sem quem cuide dela. Jesus garante: não, isso não vai acontecer, porque “venho a vós”. A morte de Jesus não será uma ausência, mas uma presença, não um distanciamento, mas uma proximidade ainda mais forte. 

João 14,19: «Ainda um pouco de tempo e o mundo não mais me verá; vós, porém, me vereis, porque eu vivo, e vós vivereis.»

Então esse sistema injusto (o mundo), com a morte de Jesus, não o verá mais — “vós, porém, me vereis”; claro que aqui Jesus não está falando da visão física, mas da percepção interior profunda, que pertence à fé. “Porque eu vivo, e vós vivereis”, os termos gregos usados ​​por este evangelista têm o significado de vida para sempre. O que isso significa? Existe uma vida biológica que, para crescer, deve ser alimentada, mas existe outra vida, que é a interior, aquela que permanece para sempre, que, para crescer, deve alimentar.

Assim, quem orienta a própria vida doando-a como alimento aos demais, a põe em sintonia com aquele que é o VIVENTE por excelência: Jesus Cristo.

João 14,20: «Naquele dia, conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós.»

Naquele dia” — é o dia da morte de Jesus e do dom do Espírito. Jesus anuncia o que desenvolverá nos próximos capítulos, essa fusão plena de Deus e Jesus, do indivíduo e da comunidade. O que o evangelista quer dizer? Algo de extraordinariamente belo: na comunidade dos crentes, Deus assume o seu rosto humano e os homens o seu rosto divino. Há, portanto, uma fusão entre Deus e os homens, é um Deus que pede para ser acolhido na vida dos indivíduos, para que se fundam com ele, expandir a sua capacidade de amar e...

... fazer de cada indivíduo e de cada comunidade o único verdadeiro santuário do qual irradia, manifesta, seu amor, sua misericórdia e sua compaixão.

João 14,21a: «Quem acolhe os meus mandamentos e os observa, esse é quem me ama.»

Aqui, o evangelista, na verdade, escreve: “quem tem os meus mandamentos”: os mandamentos de Jesus não são imposições ou normas exteriores ao ser humano, mas uma energia vital interior que, ao se manifestarem (os mandamentos), liberam todas as suas forças. Assim, “quem tem os meus mandamentos” — e novamente Jesus enfatiza que eles são dele, não os mandamentos de Moisés — “e os observa, esse é quem me ama”.

É um amor — a observância de um mandamento — que não diminui o ser humano, mas o capacita.

João 14,21b: «Ora, quem me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele.»

Nesta dinâmica de amor recebido e amor comunicado, consente-se ao Pai de transmitir um amor cada vez maior e Jesus manifesta-se ao crente, à comunidade, de modo que o crente, a comunidade, se torna o profeta capaz de manifestar com sua vida, com o seu pensamento, a própria presença do Senhor. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 6. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2022. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Você é o que você faz, não o que você diz que vai fazer.»

(Carl Gustav Jung: 1875-1961 — psiquiatra e psicoterapeuta suíço, fundador da psicologia analítica)

Um dos maiores desafios para alguém que deseja ser discípulo(a), ou seja, seguidor(a) de Cristo é deixar de pensar e planejar tudo, em sua vida, a partir da perspectiva individual e passar a interessar-se e vislumbrar o conjunto da comunidade daqueles que têm a mesma fé e confiança em Jesus. Vivemos em uma sociedade em que o EU, o INDIVÍDUO e suas vontades, ideias e anseios parecem ser o principal critério a ser levado em conta para tudo, inclusive, na Igreja. 

A verdade é que o cristianismo transformou-se, de uns tempos para cá, em uma religião do tipo “delivery” (= de encomenda)! Muitas igrejas, pastores, presbíteros, religiosos buscam atender à expectativa e necessidades imediatas de sua “clientela”, pois isso é garantia de adesão, “casa cheia”, recursos financeiros etc.! Muitos falsos pastores e profetas estão oferecendo ao povo aquilo que ele quer, aquilo que ele gosta! Não há uma verdadeira, real e eficaz preocupação em evangelizar, de verdade, o nosso povo! Como constatou o quarto evangelista a respeito dos líderes religiosos de seu tempo, mas que se aplica, perfeitamente, aos líderes dos dias atuais: “Preferiram a glória dos homens à glória de Deus” (Jo 12,43).

O Evangelho não está no centro e na razão de ser do atual cristianismo!

Afinal, dar ouvidos ao Evangelho, buscar praticá-lo, levá-lo a sério, enfim, organizar as nossas igrejas à luz dele é algo muito incômodo, muito impopular e que não traz o retorno imediato e o sucesso que muitos buscam! Não por acaso, o início e final do Evangelho deste domingo insiste na importância de “guardar/observar os meus mandamentos” (Jo 14,15), e “acolher e observar os meus mandamentos” (Jo 14,21)! 

Isso fica claríssimo no Evangelho deste domingo! Afinal, para que Jesus se preocuparia em pedir ao Pai um Paráclito, um socorrista, um defensor, um tipo de advogado para os seus seguidores se o destino para o qual ele os estava enviando não fosse problemático, conflituoso e perigoso? Somente necessita de socorrista quem está em perigo, correndo risco de morte, risco de que algo grave lhe aconteça! E o maior perigo ao Evangelho provém de duas frontes:

a) do próprio sistema religioso, como foi no caso de Jesus, cuja maior oposição veio da elite religiosa que dominava a sociedade israelense naquela época e se incomodou com a revelação de um Deus que contrariava a pregação deles, minando o domínio que exerciam sobre as pessoas, bem como, com a liberdade manifestada por Jesus diante das leis, tradições e costumes religiosos. O próprio Jesus constata: “procurais matar-me, porque minha palavra não encontra espaço em vós” (Jo 8,37 — cf. as várias tentativas de prender e matar Jesus: Jo 2,12-22; 5,16-18; 7,1.7.13.19.25.30.32.44; 8,20.37.40.59; 10,31.39; 11,47-53.57; 18,3.12.31; 19,6-7).

b) Do sistema político e econômico dominante. Afinal, Pilatos somente cede aos rogos das autoridades judaicas, especialmente dos sumos sacerdotes, para que condenasse Jesus à morte, quando estes lhe deixam claro duas coisas: “Se soltas este homem, não és amigo de César. Todo aquele que se faz rei, declara-se contra César” (Jo 19,12b); “Não temos rei, senão César” (Jo 19,15c). Fica evidente que o poder religioso se entrega nas mãos do poder político para poder perpetuar-se e obter suas vantagens, no caso, extirpar a ameaça representada pelo Messias-Jesus! Ao poder imperial (político-econômico) não interessava um clima de agitação e conflito social, por isso, nada como manter a aliança com quem “segura” o povo, com quem o “domestica” para que não se revolte contra quem o domina! 

Concluindo, o Espírito da Verdade, prometido por Jesus neste Evangelho, é para que os seus seguidores não se sintam órfãos nem esqueçam de viver a VERDADE que é Jesus com suas ações e palavras! Traduzindo isso de modo mais compreensível, podemos afirmar, juntamente com o biblista espanhol José Antonio Pagola:

«Este “Espírito da Verdade” nos convida a viver na verdade de Jesus em meio a uma sociedade onde, com frequência, à mentira se dá o nome de estratégia; à exploração, de negócio; à irresponsabilidade, de tolerância; à injustiça, de ordem estabelecida; à arbitrariedade, de liberdade; à falta de respeito, de sinceridade...».

 Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Vinde, Espírito Santo! Enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles o fogo do Vosso amor. Enviai o Vosso Espírito, e tudo será criado. E renovareis a face da Terra. Deus, que instruístes os corações dos Vossos fiéis com a luz do Espírito Santo, fazei que apreciemos retamente todas as coisas segundo o mesmo Espírito e gozemos sempre da Sua consolação. Por Cristo, Senhor Nosso. Amém»

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni –VI Domenica di Pasqua – Anno A – 17 maggio 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 09/05/2023).