«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 31 de outubro de 2017

A MISÉRIA ESTÁ VOLTANDO

22% dos brasileiros vivem abaixo da linha
da pobreza, diz estudo

Joana Cunha e Álvaro Fagundes

Segundo nova métrica, a população brasileira que vive na pobreza
é um quinto do total

Nova métrica que passou a ser usada neste mês pelo Banco Mundial para delimitar a quantidade de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza eleva de 8,9 milhões para 45,5 milhões o número de brasileiros considerados pobres – 1/5 da população.

A instituição decidiu complementar a linha de pobreza tradicional – que traça o corte em consumo diário inferior a US$ 1,90 – com outras duas delimitações mais ajustadas às realidades de cada país.

Uma nova linha passa a ser demarcada em US$ 3,20, representando a mediana das linhas para países de renda média baixa. A outra linha é de US$ 5,50 por dia, que corresponde à mediana das linhas de pobreza dos países de renda média alta, entre os quais se inclui o Brasil.

"Ser pobre no Maláui ou em Madagáscar é diferente de ser pobre no Chile, no Brasil ou na Polônia", diz Francisco Ferreira, economista do Banco Mundial.

No caso de países como o Brasil, o volume de pessoas que vivem abaixo da linha de US$ 1,90 é pequeno, ou seja, esse corte não captura a real pobreza do país.

"Muito pouca gente vive com US$ 1,90 por dia no Brasil, graças a Deus. Mas quem vive com US$ 2,00 ainda é pobre para os padrões brasileiros e para os padrões dos países de renda média alta", diz.

A parcela de pobres no Brasil, que vinha diminuindo ao longo da última década, voltou a subir em 2015, apontam os dados do Banco Mundial.

Sob a linha de US$ 1,90 por dia a fatia da pobreza correspondia a 3,7% em 2014 e subiu para 4,3% no ano seguinte. Quando a régua sobe para US$ 5,50 diários, a parcela de brasileiros abaixo da linha vai a 20,4% em 2014, crescendo para 22,1% em 2015.

A República Democrática do Congo serve como exemplo de país em que a linha de US$ 1,90 é coerente porque abaixo dela sobrevivem 77% da população. Elevar nesse país a linha para US$ 5,50 seria desnecessário do ponto de vista estatístico porque abrangeria quase a totalidade da população.

Segundo Ferreira, a ideia é ter, portanto, linhas para comparações internacionais mais apropriadas aos contextos dos países de diferentes níveis de desenvolvimento.

A escala de US$ 1,90 continua sendo a medida principal, usada pelo banco como marco para a meta de erradicação da pobreza extrema no mundo em 2030.

Os novos parâmetros adicionais foram bem avaliados por economistas.

"Parece positivo considerar linhas de pobreza mais realistas. A de US$ 1,90 subestima a pobreza de países não pobres", diz Celia Kerstenetzky, professora da UFRJ.

Segundo ela, é "louvável" considerar as múltiplas dimensões de bem-estar para medir a pobreza, e não apenas a renda, um conceito alinhado às ideias defendidas por Amartya Sen, indiano laureado com o Nobel de Economia, cujo trabalho é mencionado pelo Banco Mundial na justificativa para a adoção das novas linhas complementares.

Fonte: Folha de S. Paulo – Mercado – Terça-feira, 31 de outubro de 2017 – 02h00 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

Papa faz uma séria advertência

Quem segue o caminho do clericalismo
busca poder ou dinheiro

Domenico Agasso Jr.
Vatican Insider
30-10-2017 
PAPA FRANCISCO
Presidindo a Eucaristia na Capela Santa Marta, no Vaticano


«Um bom pastor tenta se aproximar dos fracos, dos marginalizados.
É capaz de se comover e compadecer-se, além de ajudar.
Por outro lado, quem segue o caminho do clericalismo não está próximo de pessoas reais e quer profundamente, senão apenas, poder ou dinheiro.»

O Papa Francisco afirmou em sua homilia na missa matutina do dia 30 de outubro de 2017, na capela da Casa Santa Marta.

O pontífice, de acordo com a Rádio Vaticana, comentou o episódio evangélico da cura de uma mulher que narrou o Evangelho de Lucas, proposto para ser a liturgia do dia. Francisco explicou que na sinagoga, em um sábado, Jesus conheceu uma mulher que não conseguia ficar com sua postura ereta. "Uma enfermidade da coluna vertebral - disse - que durante anos a deixava assim". Ao mesmo tempo recordou que o evangelista usa cinco verbos para descrever o que Jesus faz: "Ele a viu, chamou-a, falou-lhe, pousou as mãos sobre ela e a curou".

Cinco verbos de PROXIMIDADE - destacou o Papa - porque "um bom pastor está sempre próximo". Na parábola do Bom Pastor, ele está perto daquela ovelha perdida, deixando as demais para ir encontrá-la. Não pode estar longe de seu povo. Em contrapartida o clero, os Doutores da Lei, os fariseus, os saduceus, os ilustres, viviam separados do povo, censurando-os constantemente. Estes não eram bons pastores - esclareceu -, pois estavam fechados em seus próprios grupos e não se interessavam pelo povo. "Talvez fosse importante para eles, quando terminavam o serviço religioso, ver quanto dinheiro havia nas oferendas". Mas não estavam próximos das pessoas.

Por outro lado, Jesus está perto, e sua proximidade vem do que ele sente em seu coração: "Jesus se comoveu", tal como se pôde ler em outra passagem do Evangelho.
"Por isso Jesus sempre esteve lá com as pessoas excluídas por aquele grupinho clerical: haviam pobres, doentes, pecadores, leprosos, e estavam todos lá, porque Jesus tinha essa capacidade de se comover diante da doença, pois era um bom pastor. Um bom pastor se [1ª] aproxima e [2ª] tem capacidade de se comover. E eu diria que a terceira característica de um bom pastor é [3ª] não se envergonhar da carne, tocando a carne ferida, como Jesus fez com esta mulher: 'tocou', 'pousou suas mãos', tocou os leprosos, tocou os pecadores".

Um bom pastor - continuou o Papa - não diz: "Sim, está bem... Sim, sim, estou perto de ti em Espírito". Isto é distância. Mas ele faz "o que Deus Pai fez: aproximar-se, por compaixão, por misericórdia, da carne de seu Filho".

O grande pastor, o Pai, ensinou-nos como um bom pastor faz: humilhou-se, esvaziou-se, viu-se vazio, subjugou-se, assumiu a condição de servidão.

"Mas o que acontece com esses outros - aqueles que seguem o CAMINHO DO CLERICALISMO - a quem se aproximam?". Sempre se aproximam do poder em vigor ou ao dinheiro. E são maus pastores. Eles só pensam em como escalar no poder, serem amigos do poder e negociam tudo ou pensam apenas em seus bolsos. Estes são os hipócritas, capazes de qualquer coisa. A essas pessoas não lhes importa o povo. E quando Jesus lhes dá aquele bonito adjetivo que utiliza frequentemente para eles - "hipócritas" -, eles se ofendem: "Mas não, não, nós seguimos a lei". [A lei sempre foi o escudo, a proteção dos hipócritas!]

Quando o povo de Deus enxerga que os maus pastores são espancados, ficam felizes - recordou Francisco - e isso é um pecado, sim, embora eles tenham sofrido tanto que tentam se "aproveitar" um pouco desta situação. Mas o bom pastor - acrescentou - é Jesus que vê, chama, fala, toca e cura. É o Pai que se faz carne em Seu Filho, por compaixão.

"É uma graça para o povo de Deus ter bons pastores, como Jesus, que não têm vergonha de tocar a carne ferida, que sabem que - não só eles, mas também todos nós - seremos julgados: estive com fome, estive na cadeia, estive doente... Os critérios do protocolo final são os critérios da proximidade, os critérios desta proximidade total, para tocar, para compartilhar a situação do povo de Deus. Não esqueçamos isto: o bom pastor está sempre perto das pessoas, sempre, como Deus nosso Pai se fez próximo de nós, em Jesus Cristo que se fez carne".

Traduzido do italiano por Henrique Denis Lucas. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 31 de outubro de 2017 – Internet: clique aqui.

domingo, 29 de outubro de 2017

P E R I G O ! ! !

“O perigo real é o retorno do fascismo”

Entrevista com Rob Riemen
Filósofo e diretor do prestigiado Nexus Institute

Laura Emilia Pacheco e Fernando García Ramírez
Letras Libres
21-10-2017

O fascismo é o cultivo político de nossos piores sentimentos irracionais:
o ressentimento, o ódio, a xenofobia, o desejo de poder e o medo
ROB RIEMEN
Nascido em 1962 na Holanda, é um ensaísta, escritor e filósofo

«No momento, negamo-nos a ver o retorno do fascismo. Dizem-me que falo dos perigos do populismo. Não é assim. O populismo é como os mosquitos, um pouco irritantes. O perigo real é o retorno do fascismo. O fascismo é o cultivo político de nossos piores sentimentos irracionais: o ressentimento, o ódio, a xenofobia, o desejo de poder e o medo. Não deveríamos confundir os dois conceitos. Devemos chamar o fascismo por seu nome».

É aquilo que afirma Rob Riemen (Países Baixos, 1962), ensaísta, filósofo e diretor do prestigiado Nexus Institute.

Riemen esteve recentemente no México para apresentar a obra Para combatir esta era. Consideraciones urgentes sobre el fascismo y el humanismo (Editora: Taurus, 2017), uma poderosa alegação em favor do humanismo como antídoto contra o renascimento do fascismo. Concedeu-nos esta entrevista em uma manhã nublada, como nosso tempo.

Eis a entrevista.
Livro de Rob Riemen, ainda sem edição em português
Tradução do título: "Para combater esta era: considerações urgentes
sobre o fascismo e o humanismo"

Em seu primeiro livro, retoma o ideal democrático de Thomas Mann da “nobreza de espírito”. A nobreza de espírito, que é individual, pode se opor ao avanço do fascismo, um movimento da sociedade de massas?

Rob Riemen: Em 1947, enquanto trabalhava em Doutor Fausto, Mann escreveu sua conferência A filosofia de Nietzsche à luz de nossa experiência. Nela dizia que nenhuma medida técnica, instituição política, nem ideia de governo mundial conseguiria avançar para uma nova ordem social sem que antes se desenvolvesse um clima espiritual alternativo. Para Mann, a única forma de deter os avanços do fascismo era mediante a nobreza de espírito. Concordo.

O fascismo nasceu no interior da sociedade. A ignorância da sociedade de massas é também uma ignorância dos valores espirituais e morais. O fascismo surge neste contexto. Como afirmo em Para combatir esta era: apesar do progresso científico e tecnológico e do enorme acesso à informação, a força dominante de nossa sociedade é a estupidez organizada. Não se detém o fascismo através da economia, da tecnologia ou da ciência, nem sequer através das instituições – porque dependem das pessoas que as formam -, mas, sim, com uma mentalidade distinta. Mann, Camus, Sócrates e muitos outros pensadores advertiram que a “nobreza de espírito” é um dos ideais mais democráticos que existem. Para cultivá-la não é necessário dinheiro, ser tecnologicamente habituado ou ter um título universitário. A NOBREZA DE ESPÍRITO é uma mentalidade, é saber do que se trata a dignidade humana.
PAUL THOMAS MANN (1875-1955)
foi um escritor, romancista, ensaísta, contista e crítico social do Império Alemão.
Tendo recebido o Nobel de Literatura de 1929,
é considerado um dos maiores romancistas do século XX.

Para combatir esta era” é um chamado às elites políticas, econômicas, acadêmicas e intelectuais. Elites que, no entanto, parecem estar atravessando uma crise. Afirma que “geraram o vazio espiritual no qual o fascismo pode crescer outra vez”.

Rob Riemen: Enfrentamos dois problemas diferentes. O primeiro é o tipo de elites dominantes em nossa sociedade. As elites políticas, econômicas e midiáticas são as que têm mais poder e influência. São definidas e validadas pela quantidade, não pela qualidade. No mundo da cultura, não obstante, o conceito tem um significado distinto: a elite expressa a qualidade. Pensemos na União Soviética de Stalin: de um lado, estavam as elites do poder, os dirigentes do partido e, como contrapeso, uma minúscula elite moral representada por [Boris] Pasternak, [Osip] Mandelstam, [Anna] Akhmátova e, posteriormente, [Joseph] Brodsky. Uma das coisas que ocorre em nossa era do capitalismo rampante é que a única elite que reconhecemos é a do poder, que só expressa quantidade. O fato de as elites intelectuais e artísticas estarem marginalizadas reflete que os mais altos valores da sociedade atual são os do comércio e da tecnologia. É indispensável fazer um chamado às elites, incluindo a elite acadêmica: tem uma posição privilegiada que acarreta uma responsabilidade que não estão aceitando. Teriam que ser combatentes contra esta era.

Parte do fenômeno ao qual enfrentamos hoje foi retratado por Hermann Broch no terceiro volume de Os sonâmbulos, onde analisa o declive dos valores. Para Broch, não é que já não existam valores, mas, ao contrário, em consequência de já não existir um valor universal e transcendental, todos os valores se fragmentam e se tornam pequenos.

À classe política só interessa o poder, à classe militar só interessa ter mais armas, aos médicos só interessa ter mais remédios, ao mundo tecnológico só interessa desenvolver mais tecnologia. Já não existe um SENTIDO DE RESPONSABILIDADE GERAL. E não só isso: esses grupos não falam o mesmo idioma, não se comunicam, não existe um diálogo entre eles.

Em seu romance O homem sem qualidades, Robert Musil coloca esses grupos – generais, empresários, intelectuais e aristocratas – em conversa. Para Musil, eles se reúnem porque estão em busca da “grande ideia”. É uma bela metáfora que Musil retoma de Os demônios de Dostoievski. Perdemos a “grande ideia”. Em termos mais acadêmicos, diríamos que perdemos o grande relato. As consequências sociológicas dessa ausência são imensas. Na Idade Média, por exemplo, as pessoas faziam parte de uma grande ideia única. Isso se acabou, por bons motivos, mas agora temos uma sociedade completamente fragmentada, individualizada, com uma classe governante que perdeu o sentido comum ou o bom sentido, e não temos um governo que queira velar pelo bem comum.

Contribuiu para a deflagração da Segunda Guerra Mundial o fato das elites ficarem em um processo de sonambulismo, adormecidas. Está ocorrendo novamente. Para Hermann Broch, o sonâmbulo se nega a ver a tormenta. No momento, negamo-nos a ver o retorno do fascismo. Dizem-me que falo dos perigos do populismo. Não é assim. O populismo é como os mosquitos, um pouco irritantes. O perigo real é o retorno do fascismo. O fascismo é o cultivo político de nossos piores sentimentos irracionais: o ressentimento, o ódio, a xenofobia, o desejo de poder e o medo. Não deveríamos confundir os dois conceitos. Devemos chamar o fascismo por seu nome.
Frase célebre do filósofo Rob Riemen

Ao que se deve que a sociedade negue a assumir que o fascismo está de volta?

Rob Riemen: Ao embaraço de políticos e acadêmicos. Ao menos é o que acontece no Ocidente. Adverti isto, há alguns anos, quando publiquei nos Países Baixos O eterno retorno do fascismo, o primeiro ensaio de Para combatir esta era. Recebi um tsunami de respostas negativas. Nos jornais, apareciam artigos enfurecidos, assinados por políticos, que diziam que eu deveria me sentir envergonhado. Os acadêmicos também se irritaram porque eu disse que na academia se dedicam a escrever notas de rodapé, ao invés de se envolver politicamente. Não me permitiram dizer que o deputado neerlandês Geert Wilders é um fascista.

Aceitar o retorno do fascismo representa um problema para alguns pensadores progressistas, pois significa que nossa sociedade tem fantasmas que se negam a morrer. Embora haja exceções, os acadêmicos em geral não sabem nada. O problema fundamental que está atingindo a academia é a confusão entre a ciência e a verdade. Sabemos a respeito da brilhante ideia que teve Descartes ao separar a alma do corpo. Foi a partir desta nova ideia que pudemos fazer descobertas científicas. Mas, tempo depois, em 1725, Giambattista Vico advertiu que, apesar da grande admiração que tinha por Descartes, não devíamos cometer o erro de pensar que o paradigma científico – mesmo que adequado para explicar o que ocorre na natureza – nos faria compreender o ser humano e sua sociedade, porque somos uma espécie espiritual. [Quanta verdade se encontra nessa afirmação de Vico!]

Nossos sentimentos e emoções vão além do paradigma científico. Os acadêmicos, no entanto, se negaram a escutar a advertência de Vico, ou a esqueceram. Constantemente, as humanidades têm que provar que são científicas e lhes impõem a necessidade de inventar teorias. Simon Schama explicou que a história é composta por uma série de relatos, mas são poucos os historiadores que contam algo. Tudo são teorias. Isto se aplica também para a psicologia e a sociologia. Existe um mal-entendido no campo das humanidades e com sorte um dia nos darão mais conhecimentos que dados. Ao não compreender, não fazem parte do debate público. Como não há evidência empírica de que enfrentamos o fascismo, negam-se a pensar que está de volta.

Enfrentamos um novo gnosticismo e quem o cultiva é essencialmente a esquerda: “as pessoas” se sentem traídas, “as pessoas” não sabem o que fazer. Em certo sentido, isto é tão antidemocrático como o fascismo. Eis, aqui, onde estamos atolados. O que não temos é um “humanismo cívico”. O que a sociedade perdeu é a NOÇÃO DE HUMANISMO no discurso cívico. Isso é algo que devemos recuperar o quanto antes, porque, caso contrário, nos dirigimos ao desastre.
GIAMBATTISTA VICO (Nápoles, Itália 1668-1744):
foi um filósofo político, retórico, historiador e jurista italiano, reconhecido como
um dos grandes pensadores do período iluminista,
apesar de ter sido, em certa medida, um crítico do projeto iluminista

Mas, não há somente ciências da natureza, também existem a ciência política e a ciência econômica. Ou seja, a quantificação de elementos econômicos e políticos de um ponto de vista científico.

Rob Riemen: Se a economia fosse uma ciência, por que não conseguiu prever a crise econômica de 2008 ou a enfrentar? A ciência política se reduz só a dados e não contribui em nada. Ao querer se concentrar neste paradigma, a ciência se limita. O argumento de Giambattista Vico é que se queremos compreender o ser humano e entender a sociedade, precisamos de história, poesia, filosofia, música e arte. Isto nos dará um conhecimento absoluto? Não, porque o ser humano transcende o conhecimento absoluto.

Pensa-se que falar de alma e espírito humano é antiquado. Se isso é correto, perdemos o rumo. Qual é a essência do ser humano? Sócrates diz que é a alma. Em suas Disputaciones tusculanas, Marco Tulio Cícero escreveu sua famosa sentença de onde provém nossa noção de cultura: “o cultivo da alma, isso é a filosofia”. E, certamente, junto à filosofia, perdemos a busca da sabedoria, o cultivo da alma. De modo que não deve nos surpreender o tipo de mundo em que vivemos.

Não sou contra a informação e os fatos, mas não necessariamente são conhecimento, nem sabedoria. Os poetas e os artistas dizem que a LINGUAGEM é como um espelho que nos diz se somos autênticos. Ao final de Apologia, Sócrates adverte que, sem a linguagem das musas, sem a linguagem da música, da poesia e da arte, seria impossível nos expressar; seria impossível compreender nossos sentimentos e lidar com nossas frustrações, temores e solidão. Por isso, é importante ter essa linguagem que – como já disse [Marcel] Prousté o que nos permite entender o outro. Nunca seremos capazes de apreciar e articular nossas experiências mais profundas sem a linguagem das musas.

As sociedades que estão dominadas pelo medo são propensas ao contágio do populismo, mas o medo é inevitável em sociedades como as nossas, assediadas pelo terrorismo e a violência do narcotráfico.

Rob Riemen: Não são as sociedades, somos nós mesmos. Nossa psique está invadida pelo temor: somos a única espécie que tem consciência de sua mortalidade. O temor é um sentimento inerente ao ser humano. Mais que de uma educação ou de uma filosofia, Sócrates falava de uma Paideia: de como viver a vida. Um de seus elementos é como lidar com nossos temores. Perdemos os instrumentos que nos permitem fazer isso.

Por que sociedades são tão inseguras?
Por que dependem tanto de psiquiatras?
Por que depositamos nosso sentido de bem-estar e confiança nos bancos, nas companhias de seguros e nos sistemas de pensões?
Em parte, é porque nossa sociedade se tornou muito mais materialista e acreditamos que as seguradoras irão cuidar de nós.

Para que devo cultivar minhas habilidades ou certo caráter se, enquanto minha conta de banco estiver boa, estarei bem? Sócrates pensava que o valor é a habilidade de se conquistar a si mesmo, o valor para cultivar nossa alma, e queria que recebêssemos uma educação que nos tornasse corajosos, conquistar nossos temores, frustrações, inseguranças de modo que tenhamos a coragem para agir.

Imaginemos uma sociedade na qual nos déssemos conta de que a autêntica segurança não deveria vir de nossa conta bancária, mas de nós mesmos. Imaginemos uma sociedade na qual, em verdade, tratássemos de nos educar para sermos corajosos. É a única maneira de se opor ao que está ocorrendo. Isto não significa que não haverá mais tragédias, mas como sociedade seríamos muito mais fortes.

Afirma que o medo leva os povos a buscar um líder que os salve e proteja. Sua advertência de que o fascismo está de volta, não é uma forma de provocar medo nas elites?

Rob Riemen: Ao falar de elites nos referimos à elite do poder. Isso já acontece nos Estados Unidos, onde a classe que compõe os financistas de Wall Street está em ascensão. É exatamente o que ocorreu na Alemanha nazista por falta de cálculo, oportunismo e pensamento estratégico: as elites – não só as elites do poder, mas também muitos acadêmicos e intelectuais – pensavam que Hitler não podia ser tão mau. Enquanto o líder fascista se dedica a seus próprios interesses, parece que não importa para ninguém. Chegado o momento, se as coisas se colocam muito mal em um regime totalitário, não há possibilidade de erguer a voz.

Por que as pessoas precisam tanto da figura de um líder?
Por que a sociedade anseia um herói?
Os heróis atuais são as celebridades. Sabemos que Trump pôde chegar à Casa Branca graças ao fato de que, durante doze anos, apareceu constantemente na televisão. Assim, de forma grande, é a fome de líderes, heróis, gurus e messias.

É por este motivo que procuro fazer uma defesa do humanismo. Se alguém é suficientemente afortunado na vida, encontra um mestre: um homem ou uma mulher que possa o ensinar a desenvolver suas habilidades e talento. A humanidade pode ser dividida entre as pessoas que precisam de um mestre e o procuram e as pessoas que não o procuram, mas estão impressionadas com o líder poderoso ao qual podem se submeter.

Dostoievski disse isso com grande eloquência em O Grande Inquisidor. Nele, apresenta a Jesus Cristo não como um líder poderoso, nem como herói. Apresenta-o como um mestre. Um mestre, além do mais, que não traz boas notícias. A má nova é que Jesus Cristo não está aqui para nos fazer felizes, mas, ao contrário, para NOS TORNAR LIVRES. Precisamos de um mestre quando queremos desenvolver a qualidade de SER LIVRES. Precisamos de um líder ou uma celebridade quando queremos SER FELIZES.
FIÓDOR MIKHAILOVITCH DOSTOIÉVSKI (1821-1881):
foi um escritor, filósofo e jornalista russo. É considerado um dos maiores romancistas e pensadores da história,
bem como um dos maiores "psicólogos" que já existiram

Na França e nos Países Baixos (Holanda e Bélgica), os candidatos com discursos fascistas perderam as eleições. O fascismo foi detido na Europa?

Rob Riemen: Nos Países Baixos não detivemos o fascismo. Geert Wilders é líder do atual segundo partido mais importante e principal opositor do partido no governo. Isto significa que no debate parlamentar ele é o primeiro a falar. Pode dizer o que quiser, sem nenhum tipo de responsabilidade. Por outro lado, o vencedor da eleição, Mark Rutte, publicou uma carta aberta em todos os jornais holandeses intitulada Ser normal. Aí diz que, como holandeses, damos as boas-vindas a todos sempre e quando se comportarem de uma maneira “normal”, como o restante dos cidadãos neerlandeses. Vá! Ser normal significa que você deve ser igual ao outro. Não posso pensar em um argumento mais racista e xenófobo. Pouco depois, o líder do partido Apelo Democrata-Cristão disse que todos em meu país devem saber o hino nacional de cor e que cada vez que seja escutado, devemos ficar em pé e colocar a mão sobre o coração. Querem criar instrumentos para nos fazer todos “normais”.

Na França, por outro lado, Macron teve muita sorte. É jovem e tem pouca experiência. Em geral, a votação parlamentar é de 70 a 80%. Ele só obteve 48%. Caminha em um terreno sensível e está em uma posição muito mais complicada que a de Obama quando venceu a presidência em 2008, e já vimos o que ocorreu após os oito anos de seu governo. De modo que não nos enganemos pensando que, de repente, sem tomar nenhuma iniciativa real, detivemos o fascismo. A União Europeia se encontra em um momento muito delicado. É tão disfuncional que, na Hungria, não pode enfrentar a Viktor Orbán, um fascista absoluto. Também sabemos o que aconteceu no Reino Unido e na Polônia. As forças que querem destruir a Europa são inegáveis.

Qual é a pertinência de “Para combatir esta era”?

Rob Riemen: Sem Trump o livro não teria aparecido em espanhol, nem em outros idiomas. No caso de Trump, não acredito que haja um processo de destituição. Se chegasse a ocorrer, não esqueçamos o que disseram Levi, Mann e Camus, após a destruição da Alemanha de Hitler e o desmoronamento do fascismo na Itália: não cometamos o erro de pensar que o fascismo desapareceu com a guerra. Após a guerra, Camus publicou A Peste para deixar assentado esta mensagem. Podem passar dez ou cinquenta anos, mas o fascismo reaparecerá. Está acontecendo, agora, com Trump (Estados Unidos) e Erdogan (Turquia). Mas, mesmo se eles se forem, o fascismo permanecerá.

Em 1929, José Ortega y Gasset nos advertiu, em “A rebelião das massas”, sobre a ascensão do fascismo. As sociedades livres lutaram contra as nações fascistas pela liberdade. Os líderes que enfrentaram o fascismo – Estados Unidos e o Reino Unido –, hoje, possuem um governo populista. Que caminho tomar?

Rob Riemen: Os Estados Unidos não têm um governo fascista, mas, sim, um presidente que é. Este é um exemplo de que a liberdade e a democracia não podem se dar por assentadas. Talvez devamos dar um salto muito mais extenso e entender que o modelo de Estado-nação é relativamente novo em nossa história, que como modelo tem dificuldades, e que isso abre o espaço para o surgimento do nacionalismo. A partir deste cenário, pode crescer o fascismo. Não há fascismo ou racismo sem nacionalismo.

No final dos anos 1930, Thomas Mann, Hermann Broch e alguns intelectuais estadunidenses como Robert Maynard Hutchins – que então era o reitor da Universidade de Chicago – se reuniram a pedido de Elisabeth Mann Borgese e seu esposo, o escritor Giuseppe Borgese, um dos poucos intelectuais italianos que se negou a fazer o juramento de lealdade a Mussolini e se exilou nos Estados Unidos. Em 1938, Borgese pensou que a guerra era inevitável e que deviam vencê-la. Pensava que, após a guerra, os políticos estariam muito agoniados, sendo assim, os intelectuais tinham que sair da torre de marfim e escrever algum tipo de material a partir do qual poderiam se estabelecer novos princípios.

O grupo se reuniu algumas vezes em Atlanta, em 1939, pouco antes da guerra. Em março de 1940, publicaram The city of man. A declaration on world democracy, onde se perguntavam: o que precisamos fazer após a Guerra? Eles mesmos responderam: um governo mundial, um parlamento mundial, direitos humanos universais. A partir deste pequeno livro nasceu a ONU (Organização das Nações Unidas).

Cabe a nós, intelectuais – gente privilegiada que podemos viver cuidando de ideias e do significado das palavras –, unir-nos, explicar o que ocorre e como avançar. Estamos atolados entre dois paradigmas que não nos permitem avançar:
1º) Nossa conversa girou em torno do paradigma do retorno do fascismo.
2º) Contudo, há outro paradigma com o qual estamos lidando: a sociedade capitalista-científica-tecnológica que se rege pelo tipo de ideologia que vem do Vale do Silício. Uma ideologia que se baseia na falsa noção de que com a tecnologia e a neurociência podemos resolver tudo.

Como dizia Obama com frequência: Fix it first. Isso tampouco nos permitirá avançar. Isto abebera o fato de que não há ideias. Tive um debate acalorado com um professor que dizia que para se ter uma Europa unida era necessário retornar à Idade Média, sob a forma da cristandade. A saída não está em um retorno ao passado.

Celan, Brodsky, Pasternak e muitos outros exerceram a arte da tradução. Por que Thomas Mann escreveu José e seus irmãos? Começou a escrever sua tetralogia quando se deu conta de que existia um homem chamado Adolf Hitler. Mann, que vivia em Munique, escutou a retórica de Hitler, compreendeu sua ideologia e percebeu que queria criar uma nova religião laica. Sendo assim, começou a escrever seu livro. Tomou a Bíblia e se propôs voltar a contar – a traduzir – a história de José e seus irmãos.

Paul Celan – depois que os nazistas o cercaram junto com sua família em um gueto, enviaram seus pais para um campo de extermínio, onde assassinariam sua mãe e morreria seu pai, e o mandaram para um campo de trabalhos forçados, de onde foi finalmente libertado – teve que traduzir.

O grande relato que esperamos, o tipo de história que precisamos ter para que renasça o humanismo laico ou religioso será, justamente, um que volte a CONTAR HISTÓRIAS; será uma TRADUÇÃO, como o Renascimento foi uma tradução. Goethe disse que a verdade já existe, a única coisa que precisamos fazer é repeti-la e traduzi-la.

Daí minha rejeição aos acadêmicos. Não estão fazendo seu trabalho. Por outro lado, a cada dia admiro mais Andrei Tarkovsky, porque com seus filmes conseguiu traduzir valores fundamentais em histórias. A noção de sacrifício, que pertence ao mundo da religião, ele a traduziu em um relato claro. Todos os meus heróis são tradutores. Empreenderam a tarefa de transmitir ou traduzir valores, as coisas que na verdade importam, para nos dar uma visão do mundo que protegesse a noção do que é uma civilização democrática. Se não somos capazes de fazer isto, estamos perdidos.
DONALD TRUMP (Presidente norte-americano)
Segundo Rob Riemen, pessoalmente ele é fascista, mas seu governo não!

Qual a sua opinião da reação que Trump gerou dentro dos Estados Unidos?

Rob Riemen: Não podemos aceitar o que ocorre. Trump não venceu no voto popular. Muita gente compreende o que ocorre. Hillary disse que agora faz parte da “resistência”, algo que me causa certo mal-estar, pois do lado do mundo do qual venho as pessoas que pertenciam à resistência arriscaram sua vida para lutar contra os nazistas. Neste momento, não há um só estadunidense cuja vida corra perigo, de modo que seria melhor dizer que se é parte da oposição. Recortemos este fato: aquilo que é possível nos Estados Unidos resulta impossível na Rússia. Este tipo de oposição faria com que, na Rússia ou na China, você fosse executado de imediato. Ainda há certa liberdade na Hungria, embora a cada dia se torna mais difícil pertencer à oposição. Se Trump consegue aumentar sua base de seguidores, segue propagando notícias falsas e continua com sua política para com os meios de comunicação, para que as pessoas prefiram abrir seu Facebook ao invés de ler o Washington Post, estaremos em uma situação vulnerável. No pior dos casos, será reeleito por um segundo período. Não é impossível.

Seu livro é uma defesa dos valores espirituais absolutos. Não é uma aspiração muito elevada neste momento de emergência?

Rob Riemen: É uma aspiração elevada procurar o amor de sua vida? É uma aspiração muito elevada necessitar da amizade? É uma aspiração muito elevada sentir a necessidade de perseguir nossas paixões, de fazer algo que tenha algum significado? As coisas das quais falo não são moralistas, abstratas ou poéticas, são as coisas que estão no centro do ser humano. É uma aspiração muito elevada confiar em seus amigos e não se sentir traído? Estas são as coisas das quais falo. Tudo se tornou difícil e complicado porque o ser humano não só aspira, como também sente medo e frustração. Na realidade, falo de coisas muito básicas.

Traduzido do espanhol pelo Cepat.


Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sábado, 28 de outubro de 2017 – Internet: clique aqui.

sábado, 28 de outubro de 2017

30º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

Evangelho: Mateus 22,34-40

Naquele tempo:
34 Os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus. Então eles se reuniram em grupo,
35 e um deles perguntou a Jesus, para experimentá-lo:
36 «Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?».
37 Jesus respondeu: «“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!”
38 Esse é o maior e o primeiro mandamento.
39 O segundo é semelhante a esse: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”.
40 Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos.»

JOSÉ ANTONIO PAGOLA*

FICAR COM O ESSENCIAL

Não era fácil para os contemporâneos de Jesus ter uma visão clara do que constituía o núcleo de sua religião. As pessoas simples se sentiam perdidas. Os escribas falavam de seiscentos e treze mandamentos na Lei. Como orientar-se em uma rede tão complicada de preceitos e proibições? Em algum momento, a questão chegou até Jesus: O que é mais importante e decisivo? Qual é o mandamento principal que pode dar sentido aos demais?

Jesus não pensou duas vezes e respondeu recordando umas palavras que todos os judeus do sexo masculino repetiam diariamente no princípio e no final do dia: «Escuta Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo teu coração, com toda tua alma, com todo o teu ser» (Dt 6,4). O próprio Jesus havia pronunciado, naquela manhã, estas palavras. Elas lhe ajudavam a viver centrado em Deus. Este era o primeiro mandamento para ele.

Em seguida acrescentou algo que ninguém lhe havia perguntado: «O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo». Nada é mais importante do que estes dois mandamentos. Para Jesus são inseparáveis. Não se pode amar a Deus e desinteressar-se do vizinho.

Muitas perguntas surgem para nós:
* O que é amar a Deus?
* Como se pode amar a alguém que não se pode compreender nem ver?

Ao falar do amor a Deus, os judeus não pensavam nos sentimentos que podem nascer em nosso coração. A fé em Deus não consiste em um «estado de ânimo». Amar a Deus é simplesmente centrar a vida nele, viver tudo a partir de sua vontade.

Por isso, Jesus acrescenta o segundo mandamento. Não é possível amar a Deus e viver esquecido de pessoas que sofrem e a quem Deus tanto ama. Não há um «espaço sagrado» no qual possamos «entender-nos» a sós com Deus, de costas aos demais. Um amor a Deus que se esquece de seus filhos e filhas é uma grande mentira.

A religião cristã resulta hoje, para muitos, não pouco complicada e difícil de entender. Provavelmente, necessitamos na Igreja de um processo de concentração no essencial para nos desprendermos de acréscimos secundários e ficarmos com o mais importante: amar a Deus com todas minhas forças e amar os demais como amo a mim mesmo.

SENTIR-SE BEM?

Não é difícil observar entre nós os traços mais característicos do individualismo moderno. Para muitos, o ideal da vida é «sentir-se bem». Todo o resto vem depois. A primeira coisa é melhorar a qualidade de vida, evitar o que nos possa incomodar, e assegurar, não importa como, nosso pequeno bem-estar material, psicológico e afetivo.

Para conseguir isso, cada um deve organizar a vida ao seu gosto. Não se deve pensar nos problemas dos outros. Cada um deve se ocupar de sua vida. Não é bom meter-se na vida dos outros. Cada um já tem muita ocupação em levar adiante a própria vida.

Este individualismo moderno está mudando a vida dos crentes do Ocidente. Pouco a pouco, vai se difundindo uma «moral sem mandamentos». Tudo é bom se não me prejudica. O importante é ser inteligente e atuar com habilidade. Naturalmente, deve-se respeitar os outros e não prejudicar ninguém. Isso é tudo.

Está mudando, também, a maneira de viver a fé. Cada um sabe «o que é melhor para si». O importante é que a religião ajude-nos a sentir-nos bem. Pode-se ser um «cristão simpático» e sem problemas. O que é necessário é «gerir» o religioso de maneira inteligente.

O resultado é uma classe média instalada no bem-estar, composta por indivíduos respeitáveis que se comportam corretamente em todos os níveis da vida, porém que vivem fechados em si mesmos, separados de sua própria alma e afastados de Deus e de seus semelhantes.

Há uma maneira muito simples de saber o que sobra de «cristão» neste individualismo moderno e é ver se ainda nos preocupamos com os que sofrem. Jesus precisou com toda clareza o essencial: «amarás o Senhor teu Deus com todo teu coração» e «amarás o próximo como a ti mesmo».

Ser cristão não é sentir-se bem nem mal,
mas sentir os que vivem mal,
pensar nos que sofrem e
reagir diante de sua impotência sem nos refugiarmos em nosso próprio bem-estar.

Não devemos assumir que somos cristãos, pois pode não ser verdade. Não basta perguntar-nos se cremos em Deus ou o amamos. Temos de perguntar-nos se amamos como irmãos a quem sofre.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

* JOSÉ ANTONIO PAGOLA é sacerdote espanhol. Mestre em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma (1962), Mestre em Sagrada Escritura pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (1965), Diplomado em Ciências Bíblicas pela École Biblique de Jerusalém (1966). Professor no Seminário de San Sebastián e na Faculade de Teologia do norte da Espanha (sede de Vitoria). Desempenhou o encargo de reitor do Seminário diocesano de San Sebastián e, sobretudo, o de Vigário Geral da diocese San Sebastián (Espanha). É autor de vários ensaios e artigos, especialmente o famoso livro: Jesus. Aproximação Histórica (publicado no Brasil por Editora Vozes, 2010). No Brasil, Pagola tem os seguintes livros já publicados: O Caminho Aberto por Jesus. Mateus (Editora Vozes, 2009); O Caminho Aberto por Jesus. Lucas (Ed. Vozes, 2012); O Caminho Aberto por Jesus. Marcos (Editora Vozes, 2013); O Caminho Aberto por Jesus. João (Ed. Vozes, 2013); Salmos Para Rezar ao Longo da Vida (Ed. Vozes, 2013); Jesus e o Dinheiro. Uma Leitura Profética da Crise (Ed. Vozes, 2014); Grupos de Jesus (Ed. Vozes, 2016); Voltar a Jesus. Para a Renovação das Paróquias e Comunidades (Ed. Vozes, 2016); É bom crer em Jesus (Ed. Vozes, 2016).

Fonte: Sopelako San Pedro Apostol Parrokia – Sopelana – Bizkaia (Espanha) – J. A. Pagola – Ciclo A (Homilías) – Internet: clique aqui.

Bispos: não perder a esperança!

“Apesar de tudo, é preciso vencer a tentação
do desânimo”, afirma CNBB

IHU-Notícias

Bispos católicos emitem nota sobre o momento político e
social atual do país

«É grave tirar a esperança de um povo.
Urge ficar atentos, pois, situações como esta abrem espaço para salvadores da pátria, radicalismos e fundamentalismos que aumentam a crise e o sofrimento,
especialmente dos mais pobres, além de ameaçar a democracia no País.»

É o que afirma a nota da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), divulgada na quinta-feira, dia 26 de outubro, em Brasília, abordando a grave realidade político-social vivida pelo país, que afeta tanto a população quanto as instituições brasileiras.
PRESIDÊNCIA DA CNBB:
Ao centro, Dom Sergio da Rocha (Presidente - Cardeal-Arcebispo de Brasília - DF),
à esquerda, Dom Leonardo Ulrich Steiner (Secretário - bispo-auxiliar de Brasília - DF),
à direita, Dom Murilo Krieger (Vice-presidente - arcebispo de Salvador - BA)

«A apatia, o desencanto e o desinteresse pela política - constata a nota - que vemos crescer dia a dia no meio da população brasileira, inclusive nos movimentos sociais, têm sua raiz mais profunda em práticas políticas que comprometem a busca do bem comum, privilegiando interesses particulares».

Eis a nota.

Aprendei a fazer o bem, buscai o que é correto, defendei o direito do oprimido” (Is 1,17).

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, através de seu Conselho Permanente, reunido em Brasília de 24 a 26 de outubro de 2017, manifesta, mais uma vez, sua apreensão e indignação com a grave realidade político-social vivida pelo País, afetando tanto a população quanto as instituições brasileiras.

Repudiamos a falta de ética, que há décadas, se instalou e continua instalada em instituições públicas, empresas, grupos sociais e na atuação de inúmeros políticos que, traindo a missão para a qual foram eleitos, jogam a atividade política no descrédito. A barganha na liberação de emendas parlamentares pelo Governo é uma afronta aos brasileiros. A retirada de indispensáveis recursos da saúde, da educação, dos programas sociais consolidados, do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), do Programa de Cisternas no Nordeste, aprofunda o drama da pobreza de milhões de pessoas. O divórcio entre o mundo político e a sociedade brasileira é grave.

A apatia, o desencanto e o desinteresse pela política, que vemos crescer dia a dia no meio da população brasileira, inclusive nos movimentos sociais, têm sua raiz mais profunda em práticas políticas que comprometem a busca do bem comum, privilegiando interesses particulares. Tais práticas ferem a política e a esperança dos cidadãos que parecem não mais acreditar na força transformadora e renovadora do voto. É grave tirar a esperança de um povo. Urge ficar atentos, pois, situações como esta abrem espaço para salvadores da pátria, radicalismos e fundamentalismos que aumentam a crise e o sofrimento, especialmente dos mais pobres, além de ameaçar a democracia no País.

Apesar de tudo, é preciso vencer a tentação do desânimo. Só uma reação do povo, consciente e organizado, no exercício de sua cidadania, é capaz de purificar a política, banindo de seu meio aqueles que seguem o caminho da corrupção e do desprezo pelo bem comum. Incentivamos a população a ser protagonista das mudanças de que o Brasil precisa, manifestando-se, de forma pacífica, sempre que seus direitos e conquistas forem ameaçados.

Chamados a “esperar contra toda esperança” (Rm 4,18) e certos de que Deus não nos abandona, contamos com a atuação dos políticos que honram seu mandato, buscando o bem comum.

Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, anime e encoraje seus filhos e filhas no compromisso de construir um País justo, solidário e fraterno.

Brasília, 26 de outubro de 2017

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 27 de outubro de 2017 – Internet: clique aqui.

Povo sem esperança!

Estudo aponta para o Brasil como a pior
democracia da América Latina

Clóvis Rossi

O descontentamento, que é geral na região, é, portanto, com o
funcionamento do modelo, não com ele propriamente dito 
Congresso Nacional - Brasília (DF)

A democracia brasileira é a que tem o pior funcionamento entre os 18 países pesquisados para a edição 2017 do "Latinobarómetro", uma ONG chilena que faz, desde 1995, uma consistente avaliação dos humores dos latino-americanos.

Os dados, divulgados nesta sexta-feira (27 de outubro), são de impressionante contundência em relação ao Brasil, a ponto de apenas 13% dos brasileiros consultados se declararem satisfeitos com o funcionamento da democracia, último posto no ranking. Atrás até dos 22% de satisfação na Venezuela, que a maior parte dos governos e da mídia ocidental classifica como ditadura.

O relatório deixa claro que a insatisfação não é com a democracia como modelo de organização política. No Brasil, por exemplo, 62% consideram a democracia como o melhor sistema de governo, porcentagem que, no conjunto da América Latina, sobe para 70%.

O apoio à democracia, aliás, vem subindo sistematicamente, desde o piso mais baixo encontrado (30% em 2001, penúltimo ano do governo Fernando Henrique Cardoso). Agora é de 43%, 11 pontos acima de 2016.

O descontentamento, que é geral na região, é, portanto, com o funcionamento do modelo, não com ele propriamente dito.

BEM DE TODOS

No Brasil, os números são alarmantes. Quando a pergunta é se o governo age para o bem de todos, apenas 3% dos brasileiros concordam, de novo no último lugar da tabela. Na média da América Latina, 21% dizem que sim.

Corolário inevitável: 97% dos brasileiros acham que se governa só para "grupos poderosos", porcentagem bem superior aos 75% da média latino-americana.

Entende-se, por essa resposta, que apenas 1% dos brasileiros considera que o país vive em uma "democracia plena". De novo, é o último lugar no ranking.

Natural também que, quando se pede uma nota de 0 (não é democrático) a 10 (totalmente democrático), a do Brasil foi de 4,4 (a da América Latina, de 5,5).

Quando, em vez da democracia, se mede o apoio ao governo, o resultado é idêntico ao de todas as demais pesquisas: só 6% apoiam o governo Michel Temer, um sexto da média latino-americana de 36%, bem abaixo da primeira colocada, a Nicarágua (67%) e abaixo até da Venezuela em grave crise (32%).
Brasil em último lugar na satisfação com a democracia

APOIO AO GOVERNO

Nesse quesito, a queda no apoio ao governo começou em 2013, o ano das grandes mobilizações populares : de 2012 para 2013, o apoio ao governo (então de Dilma Rousseff) caiu 11 pontos, para 56%. Depois foi caindo para 29%, 22%, até chegar aos 6% de 2017.

A pesquisa também ajuda a entender por que Luiz Inácio Lula da Silva lidera a corrida eleitoral para 2018: o pico de prestígio do governo foi exatamente em 2010 (86%), seu último ano na Presidência, o que lhe permitiu eleger Dilma.

Se não confia no governo atual, o brasileiro tampouco confia nos seus conterrâneos: só 7% dizem ter confiança na maioria dos demais brasileiros, de novo o último lugar na tabela, a metade do resultado médio da América Latina, e longe dos 23% do Chile, primeiro colocado nesse quesito.

Das instituições, a mais confiável para os brasileiros é a IGREJA: 69% confiam nela. Para as demais, as porcentagens são as seguintes:
* Forças Armadas (50%);
* polícia (34%);
* Justiça Eleitoral (25%);
* Judiciário (27%);
* governo, como instituição, não personalizada (8%, último lugar no ranking);
* Parlamento (11%, penúltimo lugar, superando apenas o Paraguai, com 10%);
* partidos políticos (7%, também no último lugar).

PARTIDOS POLÍTICOS

Os resultados para partidos políticos, Executivo e Parlamento explicam bem porque a satisfação com a democracia é tão baixa.

Ajuda também a entender a classificação o fato de que a corrupção é considerada o maior problema do país para 31% dos brasileiros, a mais alta porcentagem entre os 18 países, três vezes superior à média latino-americana de 10%.

Mais ainda: 80% dos brasileiros acham que o governo atua "mal" ou "muito mal" no combate à corrupção, muito mais do que a média da região (53%).

No território da economia, os dados do Brasil são contraditórios: 68% dizem que o seu salário alcança bem para os gastos, primeiro lugar entre os 18 países da pesquisa. Mas apenas 5% acham que a situação econômica atual é "boa" ou "muito boa", no último lugar da tabela, junto com os venezuelanos.

Fonte: Folha de S. Paulo – Poder – Sexta-feira, 27 de outubro de 2017 – 16h45 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.