A ELITE DO ATRASO
Livro escancara o pacto dos donos do poder
para perpetuar uma sociedade cruel forjada
na escravidão
Entrevista
com Jessé Souza
Flavia Bemfica
O sociólogo e cientista político Jessé Souza fala sobre
seu livro a trajetória da elite nacional ao longo da história, no qual
investiga as origens escravocratas das relações sociais e da corrupção no país
JESSÉ SOUZA |
Nada mais falso que atribuir
as mazelas e desigualdades do Brasil a uma herança cultural portuguesa, como
gostam de repetir certos intelectuais brasileiros: “uma intelectualidade que
diz besteiras como a de que viemos dos portugueses, que trata de uma herança
ibérica maldita, de corruptos, e de uma autoestima de vira-lata, uma loucura
repetida na sociedade nas escolas e na mídia”, dispara o sociólogo e cientista
político Jessé Souza, que recém-lançou o livro A elite do atraso – da escravidão
à Lava Jato. A obra discute a importância
da escravidão na formação da sociedade brasileira e na perpetuação do ódio e da
indiferença que permeiam as relações sociais e forma uma espécie de
trilogia com os anteriores A ralé brasileira (Editora UFMG, 2009)
e A
tolice da inteligência brasileira (Casa da Palavra, 2015). Nesta
entrevista, o ex-presidente do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) discute os conceitos abordados no seu
novo livro, analisa a conjuntura política, o golpe, e compara a realidade
brasileira com a de outros países. Para Souza, as elites brasileiras passaram a perna na classe média com um discurso
anticorrupção para poder se apropriar das riquezas do país: “nossa elite montou uma relação de
convencimento com a classe média para saquear a riqueza de todas as classes ao
máximo”.
Extra Classe – Qual
a relação do contexto atual com as origens da sociedade brasileira que o senhor
aborda no seu mais recente livro A Elite
do Atraso: da Escravidão a Lava Jato?
Jessé Souza: Tento discutir a conjuntura
atual, mas lançando uma luz histórica, uma genealogia. Isto é extremamente
importante porque a imagem do Brasil que temos hoje, que nos é repassada nas
escolas, em livros, jornais e outros meios, é uma imagem falsa. Ela afirma que
viemos de Portugal e que, por conta disto, somos patrimonialistas, temos uma
tendência à desonestidade e a corrupção. É aquela concepção de vira-lata do
brasileiro, moldada por intelectuais brasileiros, o que é algo impressionante.
Que outros moldem essa imagem, porque a partir dela poderão, por exemplo,
receber a Petrobras a preço de banana, é até compreensível, embora lamentável.
Agora, que nossos intelectuais montem
uma imagem que nos limita e humilha, isso é inadmissível.
EC –
Da parte de quem pensa o país é sempre colocada a relação entre o
patrimonialismo e o clientelismo existentes e a “herança portuguesa”, sua
influência sobre como nos desenvolvemos como nação. É um equívoco?
Jessé Souza: Exatamente. Não havia
escravidão em Portugal. Nós somos filhos
de instituições. Basta o leitor pensar na concepção da família. A família
muda os filhos, características de pai e mãe. Você observa comportamentos,
questões como o andar… Mas não é só isso. Existe a visão de mundo. Somos moldados por instituições: a família,
depois a escola e assim por diante. E a instituição mais importante que
temos no Brasil é a escravidão.
Então como fica esta história do ‘viemos de Portugal’ para explicar
determinadas questões se não havia escravidão lá? Essa é uma explicação fajuta,
marota, sem pé nem cabeça, e na qual acreditamos. É uma explicação relacionada
a algo extremamente importante, porque determina
que nosso mal é a corrupção e que ela está na política e no Estado. E,
assim, garante invisibilidade para a
real corrupção, que nos dias de hoje é a montada pelo mercado, pelos oligopólios
e atravessadores. Isto faz com que a
base real do poder fique invisível.
EC –
Qual é essa base real do poder?
Jessé Souza: Faço uma reconstrução
histórica, repondo a questão da verdadeira
elite, que faz o assalto real à população brasileira, e que está no mercado. Porque, no fundo, se fizermos
uma analogia entre esta corrupção que está tão na moda hoje em dia e o
narcotráfico, os políticos desempenham o
papel dos “aviõezinhos”. Eles não
são os chefes, eles ficam é com as sobras. Quem realmente assalta a
população são os oligopólios que impõem preços e os atravessadores financeiros
que impõem a taxa de juros mais alta do mundo, embutida em tudo o que
compramos. O nosso dinheiro, o de todas
as classes, vai para essa pequena elite financeira. A construção real é
esta.
"Negras cozinheiras, vendedoras de angu" - Período escravocrata brasileiro Desenho de: Jean Baptiste Debret |
EC – O senhor defende a alteração dos que são apontados como fatores
originários da formação do país? A base sobre a qual o país se estabeleceu como
tal é a escravidão, é isso?
Jessé Souza: Sim, exatamente. A
transmissão cultural ela não se dá biologicamente. O leigo tem essa figura:
“Ah, eu sou filho de italianos, então eu sou italiano.” Ora, isso depende. No
caso de uma sociedade na qual a
escravidão tem papel determinante, uma parte desta sociedade considera que os
escravos não são gente, não os considera humanos, não se identifica com o
sofrimento de pessoas que já define como sendo de outra espécie, subgente, como
algo a ser explorado a preço vil. É o que fundamenta uma sociedade de senhores e escravos. Como nunca vimos a escravidão
como nossa fonte, nossa semente, nossa real questão, falamos dela, mas não
fazemos a crítica aprofundada. Como consideramos que “viemos de Portugal”, não
refletimos efetivamente sobre esta questão. E o passado sobre o qual não há
reflexão está condenado a se repetir. De outras formas, mas se repete. No
Brasil, a forma como mais se repetiu foi a do ódio aos pobres. Não há da parte da classe média uma identificação.
Existe aí uma certa burrice porque, quando você qualifica os mais pobres, eles
consomem mais, eles produzem mais. Tivemos um exemplo de que isso funciona no
passado recente, de uma expansão do mercado que não havia sido feita antes. Mas
aí vem a necessidade de distinção, de
humilhar, de parte da sociedade precisar se sentir superior. Somos um
Estado no qual existem políticas formais deste ódio aos pobres. A matança dos
pobres, as chacinas, verdadeiros absurdos, uma parte expressiva da classe média
aplaude. O que isso mostra? Um ódio
típico de regimes escravocratas. O que procurei fazer foi recuperar isso e
mostrar como é importante até hoje.
EC – Qual a relação entre esta origem escravocrata e a indignação contra a
corrupção e os escândalos da política?
Jessé Souza: Vamos pensar no que houve
no ano passado, que foi feito um golpe
por conta de uma indignação contra a corrupção. Isto hoje não entra mais na
cabeça de ninguém. Porque a corrupção
está se mostrando em outros partidos, em outros lugares, muito maior do que
aconteceu em 2016, e ninguém está se indignando com coisa nenhuma. Não vejo ninguém bater panela e vestir
camisa amarela. Então, é só a corrupção ligada a um partido. O tema da
corrupção foi um mero pretexto. O que
estava indignando os setores de classe média? As reformas, por sinal muito lights, que o PT estava fazendo. Elas
estavam relacionadas à diminuição da distância entre as classes. E os pobres estavam, principalmente,
começando a entrar na universidade. A universidade é a base do privilégio
da classe média: o acesso exclusivo às fontes de conhecimento prestigioso, que
resultará na formação de juízes, professores universitários, economistas,
advogados. Os pobres estavam entrando neste caminho. As pessoas se incomodarem com a diminuição desta distância é algo
escravocrata entre nós.
EC – Este comportamento, este ódio que o senhor atribui à classe média, ele
não perpassa todas as classes? Não é um comportamento disseminado também entre
pobres e ricos?
Jessé Souza: A segunda parte do livro
trata disso. Procuro analisar o que chamo do pacto antipopular do Brasil. Este pacto se forma no começo do
século 20, após a abolição. Trato do que chamei de ralé. Por que ralé? Porque é
uma parte da população abandonada pela sociedade e explorada pela classe média
como mão de obra barata para tração animal. Um exemplo? Uma cozinheira que
fica sete horas em pé em frente a um fogão. São pessoas que não foram à escola,
não tiveram acesso ao conhecimento escolar que vai dar ensejo ao mercado
competitivo. Isto é o que a classe trabalhadora possui em oposição a esses
excluídos entre nós. Essa ralé de novos
escravos é constituída e mantida sob o ódio, como se fosse culpa dela, como se
algum ser humano escolhesse ser pobre e humilhado. E esse é o único tipo de
ideia que os pobres recebem. Eles não
são instigados a ter opinião própria, não são estimulados a pensar
autonomamente. Foi construído entre nós um mecanismo no qual os ricos não
possuem só os meios de produção material, mas também os meios de produção
simbólica: a informação e o conhecimento. Os pobres possuem um conhecimento
superficial, que esconde diversas coisas, e que se transformou em uma grande
indústria.
EC – Não é confortável atribuir a responsabilidade exclusivamente às elites?
Jessé Souza: Nossa elite é tão
saqueadora, abusiva e rapineira como a elite de uma sociedade escravocrata. Ela
não é uma elite chinesa, que planeja o país a longo prazo. A elite chinesa aumentou a renda média da sociedade como um todo. Este
não é o plano da nossa elite. O plano da nossa elite é estabelecer como vai
saquear a riqueza de todas as classes ao máximo a cada ano. É uma elite do saque. Não é como a
japonesa, a francesa ou a alemã. Porque as elites, em todo o lugar, ficam, é
claro, com a parte melhor do bolo. Mas elas têm planos de longo prazo, até
porque esses planos são importantes para que elas se mantenham comendo a melhor
parte do bolo. A nossa não. A nossa quer
o saque imediato. O pensamento é: “como posso explorar ao máximo agora com
juros da dívida pública? Como posso ter juros extorsivos, mais altos, que
elevam os preços de tudo o que se compra?”. É uma passagem do dinheiro de tudo o que todos produzimos para o bolso
de uma meia dúzia.
E essa
elite montou uma relação de convencimento com a classe média.
Para os
pobres a gente passa o pau, manda a polícia.
A classe
média a gente convence.
E assim
se moldou uma intelectualidade que diz besteiras como a de que viemos dos
portugueses, que trata de uma herança ibérica maldita, de corruptos, e de uma
autoestima de vira-lata…
É
uma loucura repetida por grandes intelectuais: Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo
Faoro, Fernando Henrique Cardoso,
Roberto DaMatta. Esse pessoal todo
desenvolveu essa linguagem e ela não fica só nos livros. Ela é repetida na
sociedade, nas escolas e, principalmente, na mídia.
EC – Mas, atualmente, não existem muito mais mecanismos que possam barrar
esta espécie de retroalimentação de um sistema?
Jessé Souza: Vou dar o exemplo da mídia.
A mídia não cria ideias. Ela amplifica ideias que são de intelectuais. Isto no
Brasil foi montado por uma elite que criou universidades como a USP, que tem
jornais que sacralizam essas ideias. Não é uma elite que produz apenas bens
materiais. Ela produz bens simbólicos, como informação e conhecimento. Isso é repassado
em canais de rádio, televisão e outros meios para a população, pela mesma
elite. Então, o que é passado para a
população como um todo é essa leitura interessada em definir que a corrupção é
dos políticos e do Estado, e que o mercado é um santo, que pode ser definido
com um conceito de paradisíaco, um lugar no qual só existe gente boa. E as
pessoas acreditam nisso. A sociedade não
é contraposta a ideias divergentes. O ser humano aprende e tem opinião
autônoma quando é contraposto a opiniões distintas e, a partir da contraposição
delas, monta sua própria opinião. Então, eu pergunto: você já viu um programa
na Rede Globo que apresente opiniões distintas? Eu nunca vi. Existem concessões
públicas que deveriam ser uma esfera de discussão, mas que, na prática, exercem
o papel de aprisionamento dos espíritos.
EC – O senhor trata também da ascensão da “nova classe média” nos governos
petistas e aponta equívocos no processo. Essa ascensão acirrou ainda mais os
ânimos de todas as partes?
Jessé Souza: Isso piorou. Porque foi um
marketing pouco inteligente da parte do governo. E falo este termo usando um
eufemismo, para ser gentil. O que houve:
* foram criados mecanismos
extremamente importantes do aumento do poder de compra,
* com 70% de aumento real do
salário mínimo,
* 10 milhões de empregos
formais,
* acesso à educação,
* aumento de alunos negros
em salas de aulas.
Agora,
era preciso construir uma narrativa para
essas ações. Era preciso dizer a essas pessoas: “olha, conseguimos isso
agora, e mais adiante teremos a batalha da educação, a batalha de construir uma
matriz econômica para que as pessoas possam ter um emprego melhor”. Não houve
nada disso, ou seja, não se construiu
uma narrativa. Deixaram a narrativa
para a Rede Globo. Ou então para as igrejas pentecostais. Não tenho nada
contra elas. Mas elas possuem seus próprios interesses, que não são
necessariamente os interesses de uma inclusão política como a que estava sendo
realizada. As pessoas precisam de uma narrativa. Os seres humanos precisam de uma interpretação sobre o que estão
fazendo. E então, depois, houve quem se surpreendesse com o fato de o povo
não sair às ruas (para defender o governo da ex-presidente Dilma Rousseff).
Ora, você não explicou ao povo a sua defesa! Foi um erro.
EC – Dizer que milhões de pessoas haviam chegado à classe média também foi
um erro?
Jessé Souza: Sim, foi um erro. A classe média é a classe do privilégio.
Por quê? Porque no capitalismo os capitais principais têm a ver com o capital econômico, que é o mais fácil de
ser compreendido, mas também estão relacionados ao capital do conhecimento. No
capitalismo o conhecimento é tão importante quanto o dinheiro. Porque não
há nenhuma função no mercado ou no Estado que se possa exercer sem
conhecimento. O acordado entre a classe
média e a elite pressupõe que a elite fique com o capital econômico e a classe
média fique com os bons empregos, a supervisão, o controle e a legitimação do
sistema: advogados, economistas, juízes e etc., como vemos cada dia mais.
Isto está relacionado ao acesso ao conhecimento e o prestígio. A classe média é uma classe privilegiada
porque tem um acesso privilegiado a um tipo de capital que não é econômico, é
cultural, mas que é extremamente importante porque depois permitirá o
acesso aos empregos com salários importantes, reconhecimento e prestígio. Por
conta disso, a classe média se apega a
esses privilégios e os repassa a seus filhos. Ou seja, é um esquema de reprodução da dominação.
Também não houve uma narrativa explicitando esta luta, informando os passos das
melhorias e dizendo que isso demanda tempo. Foi um trabalho muito malfeito.
EC – Uma das maiores críticas aos governos petistas é de que só dividiram
renda da classe média para baixo, atribuíram quase que exclusivamente à classe
média a responsabilidade pelas desigualdades sociais do país e deixaram
intocados privilégios e concentração de renda das elites, o que só teria feito
aumentar o chamado “ódio de classe”. O senhor discorda?
Jessé Souza: Não se tocou nas elites por
uma razão muito óbvia hoje. Porque, se fosse assim, o presidente Lula não
conseguiria sequer assumir a presidência. Essa
elite econômica:
* os grandes bancos,
* os grandes atravessadores financeiros,
* os grandes oligopólios [empresas que dominam as várias fatias do mercado:
alimentação, veículos, transportes, bebidas, produtos de higiene e limpeza
etc.], esse pessoal tem o controle, esse
pessoal manda em tudo. Nas grandes cadeias de TV podem difamar, podem
mandar alguém para o céu ou para o inferno. Podem comprar o Parlamento. Mas o
que faltou não foi um acordo inicial. Foi, com o tempo passando, não se ter pensado modos de criação de
anteparos para que o povo também tivesse uma educação política melhor.
Teria sido muito importante uma
televisão pública. Não uma TV estatal. Uma TV pública, onde pessoas com
suas posições pudessem expor seu pensamento. Não o que a Globo e a Bandeirantes
fazem. Elas colocam cinco ou seis pessoas com a mesma opinião, criam um circo,
uma palhaçada de pessoas passando a bola uma para a outra.
EC – A sociedade brasileira é dissimulada? Ela se diz cumpridora das regras
e defende a igualdade, mas se norteia pelo princípio de burlar a regra quando
ninguém está olhando, ou de mudar a regra conforme o mais conveniente? O senhor
diria que a homogeneização não é um objetivo de fato da sociedade brasileira?
Jessé Souza: Exatamente. E essa é a
nossa falha. Não é a condição da política. Os problemas históricos não vêm de
heranças culturais. Eles vêm de alguns processos de aprendizado que algumas
sociedades passam e outras não. Estive muito tempo na Alemanha, um país com uma
grande mancha histórica, o nazismo. Em decorrência disto, o que aconteceu lá? A
sociedade moderna alemã foi moldada contra o nazismo. Isto é estudado em todas
as escolas, saem documentários em todos os lugares. A questão não foi jogada
para debaixo do tapete. Vamos comparar: a
nossa escravidão, a condenação de classes inteiras a uma vida sem direitos e
sem dignidade, ao invés de serem amplamente debatidas, quase não são tocadas.
Ocorre o contrário, o tema é romantizado
em novelas e tal. Ora, deixamos de chamar favelas de favelas e passamos a
chamar de comunidades. Não enfrentamos
as questões efetivas. Isso faz com que se
criem sempre mecanismos superficiais, que não mudam a situação em definitivo.
De novo, há uma vinculação com a captura da esfera pública pelo dinheiro. O dinheiro invade as esferas e impõe visões
de mundo relacionadas a sua própria reprodução. É uma realidade muito
distinta da realidade europeia, mas que se assemelha bastante aos Estados
Unidos. Os Estados Unidos são um
país muito rico, mas que possuem uma desigualdade e uma violência muito
semelhantes às nossas.
DONALD TRUMP (Presidente dos Estados Unidos) & JAIR BOLSONARO (candidato a Presidente do Brasil em 2018): de fato, já temos o Trump brasileiro, até os gestos são semelhantes!!! |
EC – O senhor considera a desigualdade dos Estados Unidos semelhante à
brasileira?
Jessé Souza: Nos Estados Unidos você
admite que existem pessoas que tem, que devem ter, uma vida muito pior do que a
sua, como os negros, os latinos, os mais pobres. Os Estados
Unidos aceitam isso. É algo que ocorre também por conta de um passado
escravocrata. Longe de ser o melhor país da terra, como os liberais
brasileiros pensam, os Estados Unidos
são um país muito complicado, e que vem mostrando isso atualmente. O que
acontece lá agora em termos de desindustrialização, de captura do capital
financeiro da sociedade inteira, o tipo de reação. Aqui já temos o nosso Donald Trump, a linguagem do ódio, a linguagem
não refletida. Estados Unidos e Brasil são muito semelhantes neste aspecto.
O que não há são os aspectos da socialdemocracia europeia, onde é claro que
existem pessoas que ganham mais e pessoas que ganham menos, mas há uma
homogeneização de direitos à saúde e à educação muito mais generalizada do que
em países como Estados Unidos e Brasil. Além disso, ninguém faz uma corrupção sistêmica e mais profissional do que os
americanos. Nessa última crise enganaram seus clientes, maquiaram balanços
de empresas do país inteiro. Ora, se isso não é corrupção, então… E feito de
uma forma profissional porque os
americanos, via de regra, legalizam a corrupção.
EC – A partir de toda essa genealogia que o senhor recupera, é possível
vislumbrar uma sociedade mais igualitária?
Jessé Souza: Pode parecer surpreendente,
mas estou um pouco otimista. O grau de
mentira chegou a tal ponto que não há ninguém tolo o bastante para acreditar.
Com exceção da parte fascista da classe
média, que é assim de berço, não vai mudar, e agora pode inclusive dizer o
que quer de modo aberto. É um pessoal
que não vai aprender nunca porque este é o discurso que legitima sua vida e seu
ódio. Agora, que o golpe foi um esquema montado, uma mentira para a qual
contribuíram as corporações jurídico-policiais, e no qual também entraram os
grandes canais de comunicação, isso é flagrante. Esse pessoal está condenado a
repetir a mentira. O que não percebem,
eu entendo, é que o mundo não é só imposição de interesses econômicos. Não
sabem que esses interesses precisam ser legitimados e que essa legitimação hoje
é impossível. Como o Lula é condenado sem provas, enquanto permanecem
soltas pessoas que efetivamente cometeram crimes documentados e mostrados em
todas as redes? É uma injustiça que qualquer pessoa percebe. Ouço isso nas
esquinas, nas ruas, na padaria… A operação Lava Jato foi o emissário desta
mentira. Agora há o refluxo dela, e espero que consigamos tirar as lições disso
e refazer as coisas de um modo melhor. Esse
tipo de coisa não pode acontecer em um país democrático. Então, acho que
vamos aprender. Sou otimista e acredito que as eleições de 2018 serão muito
diferentes das eleições municipais de 2016, que foram manipuladas pela mídia e
pela Lava Jato.
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para assistir
a um vídeo onde o autor de
“A
Elite do Atraso” é entrevistado e
comenta
o seu livro:
L I V R O
Título: A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato
Autor: Jessé Souza
Editora: LeYa (RJ)
Publicação: 5 de outubro de 2017
Páginas: 240
Preço de capa: R$ 44,90
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