Fome volta rondar o Brasil
Você se importa?
Marcelo Menna
Barreto
Dois anos depois da comemoração da saída do Brasil do
Mapa da Fome,
a ONG Ação da Cidadania retoma a campanha “Natal Sem
Fome”,
criada pelo sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho,
há 10 anos
Neste cartaz, vê-se a fotografia de Herbert José de Sousa, o Betinho, criador da Ação da Cidadania contra a Fome |
Segundo
os organizadores, a campanha é um alerta para a população porque avaliam que se a crise do país não for superada, a
perspectiva é de que em curtíssimo prazo o país voltar a integrar o Mapa da
Fome da ONU.
Em 1993, a campanha formou uma
imensa rede de mobilização de alcance nacional para ajudar 32 milhões de brasileiros que, segundo dados do Instituto de
Pesquisa Estatística Aplicada (Ipea) na época, estavam abaixo da linha da
pobreza. A Ação da Cidadania teve
importância decisiva no combate à fome no Brasil. Tanto que, em 2014, os
próprios ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma fizeram questão
de relembrar na saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU, que Betinho teve um papel decisivo.
De 15 de outubro a 20 de
dezembro deste ano, serão coletados alimentos na sede da Ação da Cidadania no Rio de Janeiro
e nos Comitês da Ação da Cidadania pelo Brasil: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito
Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio
Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Roraima, São Paulo,
Sergipe, além do Distrito Federal. Os
endereços podem ser acessados no site do Natal Sem Fome (clique aqui). A meta é recolher 500 mil quilos de
alimentos.
O
jornal Extra Classe ouviu o atual
presidente do Conselho da Ação da Cidadania, Daniel de Souza, filho de Betinho, sobre as preocupações da
entidade, as tentativas da Prefeitura do Rio e do Iphan, sob o comando do
ex-ministro da Cultura Roberto Freire, de querer despejar a ONG para construir
um museu e a nova polêmica do prefeito de São Paulo, João Dória, desta vez em
nome de nutrir as pessoas carentes.
Extra Classe – Depois de 10 anos a Ação da Cidadania volta a fazer novamente a
campanha “Natal Sem Fome”. O primeiro passo, aliás, é impactar as pessoas com
um post no Facebook com a imagem do Betinho e afirmação de que a fome voltou ao
país. Porque esse retrocesso?
Daniel de Souza: Esse retrocesso na verdade
se deve a uma crise que vai entrar no seu segundo, terceiro ano. A gente está
vendo nas ruas; a gente está vendo principalmente através dos comitês da Ação
da Cidadania, que operam em 18 estados, com aquelas pessoas na ponta, que são a
nossa principal referência, que apontam a possibilidade
da gente voltar para o Mapa da Fome da ONU apenas três anos após ter saído.
A gente está usando um dado do Pnad de 2014
(Pesquisa Nacional por Amostra de domicílio do IBGE) que dizia que havia 7,2 milhões de pessoas ainda abaixo da linha da
pobreza e, desde os últimos três anos, a gente não pode dizer que a
situação do país melhorou. Acreditamos que este número agora é maior, mas só
vamos ter esse dado real na nova pesquisa Pnad em 2018.
EC – Teve ainda um fato inusitado, não é?
Daniel de Souza:
Sim! Em agosto deste ano, aqui no Rio de
Janeiro, a Ação da Cidadania teve que fazer uma campanha pontual para arrecadar
comida para os servidores públicos do Estado, que estavam sem receber. Tudo
isso deixa claro que se a gente não
tomar cuidado, vamos voltar para o Mapa da Fome.
O que a gente está querendo, na realidade, com a volta do Natal sem Fome é fazer um alerta. Fazer um aviso para a população, para o governo, para todo mundo de que
a gente pode ter um retrocesso que seria uma derrota e um fracasso muito grande
para o país. A campanha tem fundamentalmente esse objetivo:
1º)
o de alertar,
2º)
de prevenir,
3º)
de avisar de que a gente não pode,
depois de apenas três anos, voltar para o Mapa
da Fome.
EC – Na sua opinião, o que foi mais determinante nesse retrocesso: a crise
econômica ou a crise política?
Daniel de Souza:
Eu acho
que as duas coisas. A gente viu que a
crise política e essa mudança de governo criou uma série de situações e
retrocessos. Hoje mesmo – está em todos os jornais – uma Portaria do Ministério do Trabalho, que
foi assinada agora e que vai dificultar
a fiscalização do trabalho escravo no país. Isso é uma loucura. E isso é
uma loucura entre várias outras coisas. Então, eu acho que tem a crise
econômica e tem a crise política, mas tem
também uma crise muita grande de credibilidade, de representatividade, que,
ao nosso ver, leva a essa polarização
que a gente está vendo. Nesse sentido (contra
essa polarização), decidimos pegar um tema que ninguém poderia ser a favor.
Ninguém pode ser a favor da fome!
Você pode ser de direita, de esquerda, evangélico, ateu, Flamengo ou Vasco, mas
você não pode ser a favor da fome. Estamos pegando esse tema que é
absolutamente fundamental e estamos levantando de novo essa bandeira para buscar evitar que, depois de três anos, a
gente volte ao Mapa da Fome da ONU.
EC – Por falar em ONU, pela primeira vez dois importantes organismos das
Nações Unidas integram a ação (Unesco e FAO). Isto, com certeza, atesta a
seriedade e o comprometimento da Ação da Cidadania. Mesmo assim, a Prefeitura
do Rio de Janeiro e o Iphan fizeram gestão para desalojá-los do armazém onde se
iniciou todo esse trabalho importante para o Brasil, sobre o pretexto, não
menos importante de se instituir o museu da Diáspora Africana. Isto, cá entre
nós, não é um contrassenso?
Daniel de Souza:
Na
verdade, o que a gente está percebendo é que existe um projeto pessoal da
Secretaria Municipal de Cultura (do Rio de Janeiro) de fazer um museu e é
importante dizer que não é de hoje que a Ação da Cidadania tem um projeto de
fazer um Memorial da Diáspora Africana. Aquele armazém onde a gente está foi
projetado pelo André Rebouças, o primeiro engenheiro negro do Brasil. Quando a
gente entrou naquele espaço, ele estava totalmente destruído e a gente reformou
ele todo, procurado receber o termo de cessão definitiva para fazermos nossos
projetos.
DANIEL DE SOUZA O filho de Betinho deixa-se fotografar ao lado de alimentos arrecadados na campanha NATAL SEM FOME |
EC – Como está a situação?
Daniel de Souza:
O que está
acontecendo nesse momento é que tivemos uma intervenção do Ministério Nacional
da Cultura (Minc), na gestão de Roberto Freire, e da própria Justiça no sentido
de tirar a gente de lá. Agora (com a saída de Freire) estamos conseguindo uma
mediação com a Secretaria Municipal da Cultura através do novo ministro, que é
o Sergio Sá Leitão. A saída que vamos
tentar é a de compartilhar o espaço. Ou seja, buscar uma forma de que a Ação da
Cidadania e o museu consigam conviver. A gente não sabe se vai conseguir,
mas pelo menos isto é melhor do que estava se armando, que era expulsar a gente
de lá depois de 17 anos e toda a obra e investimento feito. Principalmente
depois que o Cais do Valongo, que
fica em frente ao armazém, se tornou patrimônio cultural da humanidade.
EC – Quer dizer que durante 17 anos ninguém, além de vocês, valorizavam o
armazém e, agora, todo mundo o quer?
Daniel de Souza:
Então… A prefeitura não tem dinheiro para nada.
Vai ficar estranho se tiver dinheiro para fazer um museu enquanto os teatros
estão fechando, enquanto o comércio e os próprios trabalhadores do munícipio
não são pagos. Da nossa parte, a gente pretende fazer a maior campanha Natal Sem Fome de todos tempos e buscar
conviver com o museu se ele vier a se viabilizar.
EC – Bom, voltando à questão alimentar. Em São Paulo, a base de apoio do
governo João Dória apresentou e aprovou a lei que estabelece diretrizes para a Política Municipal de Erradicação da Fome e
de Promoção da Função Social dos Alimentos. De forma recorde, o prefeito
apresentou uma solução que chamou de “abençoada”, através da empresa Plataforma Sinergia. Basicamente a ideia
seria se utilizar de restos de comida a vencer, que deveriam ir para descarte
para fazer um produto reprocessado chamado Farinata. O que você me diz disso?
Daniel de Souza:
Olha eu te confesso que eu fiquei um pouco
chocado com essa história do Dória. Apesar de nas últimas duas ou três
semanas estar focado no lançamento da campanha Natal Sem Fome, me parece
mais uma dessas atitudes onde você pensa “se é para pobre, pode ser de má
qualidade”. A velha prática de dizer “olha, o pobre está com fome, etc,
vamos dar o mínimo”. Ou seja, “vamos dar
o que dá pra dar, não o que eles merecem ter”. Bom, isso é mais uma coisa
que a gente tem visto do conjunto do que está acontecendo em São Paulo. Eu acho que, na verdade, é até o que se
espera do próprio Dória, não seria outra coisa. Eu realmente lamento. Acho
que é uma vergonha e, sinceramente, acho que a gente tinha que colocar isso com
mais visibilidade. Já que teve um secretário do Dória que provou e fez uma cara
estranha, talvez até colocar artistas, convocar formadores de opinião e pedir
para eles provarem. De repente, a gente assim pode mostrar de fato o que é
isso.
EC – A impressão que deu é que, na realidade, a proposta do prefeito,
muito mais do que combater a fome ajuda mais a reduzir o custo do descarte das
empresas. Algo parecido com o que foi feito na doação de remédios perto da data
de vencimento pelas indústrias farmacêuticas ao município, que assumiu o custo
de um eventual descarte após ter recebido os medicamentos que não poderiam ser
vendidos. Na Inglaterra há um projeto muito similar, que se chama Pig Ideia, que com objetivos parecidos
de contribuir com a redução do custo do descarte de restos de alimentos faz um
produto como à Farinata, mas para a alimentação de suínos.
Daniel de Souza:
Caraca!
Que loucura. Que loucura. (Pausa). Eu não sei nem o que te dizer. O que a gente
vê e é uma das razões porque a gente voltou a fazer o Natal Sem Fome é ver que aquelas pessoas que estão naquela linha de
ter ou não ter o que comer; naquela situação onde um empurrão os faz cair na
faixa da extrema pobreza são essas pessoas que nesse momento de crise e nessas
iniciativas “brilhantes”, como essa da Prefeitura de São Paulo, são simplesmente
as mais prejudicadas. Se você pegar esse
público aí que está abaixo da linha da pobreza, que não tem o que comer, é
porque todos os outros direitos lhe foram negados. Não tem direito:
* à cultura,
* ao lazer,
* à educação,
* à saúde,
* ao básico do básico.
E
aí, ainda por cima, quando vem alguma coisa que o possa alimentar, em vez de
vir o arroz, o feijão, etc., vem a ração. Aí realmente é o fim da linha!
As decisões polêmicas do
prefeito-empresário de São Paulo
São os “liberais” tratando o
povo como porcos!
1)
Depois das ações na Cracolândia,
2)
de apagar grafites pela cidade que
administra,
3)
o prefeito de São Paulo, João Dória começa a colecionar polêmicas também na área da alimentação.
3.1) Iniciou retirando os produtos
orgânicos da merenda escolar,
3.2) passou pelo constrangimento de saber que alunos eram marcados para evitar que pegassem mais de uma maçã na hora
do lanche
3.3) e agora serviu de garoto propaganda para um projeto que considera
“abençoado”, tocado por uma empresa que se chama Plataforma Sinergia.
Com a imagem de Nossa
Senhora Aparecida em um pote, Dória apresentou a Farinata, um composto alimentar feito de
restos de alimentos que teriam por destino final o descarte, por estar
perto do vencimento de sua validade. A ideia, segundo a Plataforma Sinergia é
poder utilizar o produto – que encontra similaridade em um projeto inglês para
o alimento de porcos – no formato original ou servir de base para pães, bolos,
sopas e shakes.
Polêmica
instalada, em entrevista à CBN, o professor
Carlos Alberto Doria, doutor em sociologia com oito livros publicados com
ênfase na área de alimentação bradou que a
ideia da prefeitura é um absurdo. “A invenção de uma comida genérica,
paletizada, ela ocupa que função? A
função de alimentar um animal!”, declarou indignado. O professor não ficou
sozinho no debate. Chefs de cozinha de renome como Rita Lobo e Paola Carosella
também criticaram a ideia nas redes sociais.
Contestado
ainda por diversos órgãos, como o Conselho
Regional de Nutricionistas de São Paulo que também se manifestou contrário
à distribuição do produto e o Conselho
de Segurança Alimentar da Presidência da República que pediu à Prefeitura
informações técnicas da Farinata, no final desta segunda-feira a Prefeitura
de São Paulo voltou atrás e disse que não há nenhuma parceria firmada e que
ainda não sabe se distribuirá o produto.
Resta
somente saber agora se o prefeito retirou da sua página pessoal o vídeo onde
mostra biscoitos feitos com o composto e afirma que ele seria distribuído pela
Prefeitura já a partir de outubro: “Esse é o alimento para todos. Aqui, você
tem alimentos que estariam sendo jogados no lixo e que são reaproveitados, com
toda a segurança alimentar. São liofilizados e transformados em um alimento
completo: em proteínas, vitaminas e sais minerais. E a partir deste mês de
outubro, começa a sua distribuição gradual, por várias entidades do terceiro
setor. Igrejas, templos, a sociedade civil organizada, além da Prefeitura de
São Paulo, para oferecer às pessoas que têm fome. Em São Paulo inicialmente, e
depois em todo o Brasil”, afirma na mensagem o tucano.
[É bem a visão de que, para o povo se oferece as sobras, o resto!!!]
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