A ameaça Bolsonaro
Ana Clara
Costa
O presidenciável se consolida na vice-liderança das
pesquisas, mas suas ideias extremistas e seu isolamento político são um alerta
para o perigo que oferece
JAIR BOLSONARO No partido do eu sozinho! (Jonne Roriz/VEJA) |
O deputado Jair Bolsonaro quer ser presidente
do Brasil. O deputado Jair Bolsonaro tem chances reais de vir a ser presidente
do Brasil. Há alguns anos, essas duas frases juntas fariam a maior parte dos
brasileiros rir às escâncaras. Hoje, provocam reações diversas, que vão da
celebração ao pavor, mas não incluem mais as antigas gargalhadas. A mais
recente pesquisa do instituto Datafolha
mostra que o deputado se consolidou em
segundo lugar na corrida eleitoral para a Presidência da República, com 17%
das intenções de voto no primeiro turno, atrás apenas do líder de sempre, o expresidente
Lula, com 35%. Os números significam que, se
o petista desistir ou for impedido de concorrer por motivos penais, hipótese
cada vez mais provável, Bolsonaro é hoje o candidato com maior chance de
assumir a liderança. É uma novidade e tanto — e talvez a maior ameaça que o
Brasil já enfrentou no atual ciclo democrático.
Debulhando-se
a pesquisa, constata-se que Bolsonaro
tem um desempenho especialmente favorável entre os jovens, na faixa de 24 a 32
anos, do sexo masculino, com renda acima de cinco salários mínimos, que
residem em cidades com mais de 50 000
habitantes das regiões Sudeste e Nordeste. Isso mostra que o grosso do seu público não viveu sob a ditadura militar e pertence a
um segmento da classe média. Não é o pedaço mais expressivo do eleitorado
brasileiro, mas já reúne entre 20
milhões e 30 milhões de pessoas, dependendo dos nomes que aparecem na
cédula.
Com
esse apoio, Bolsonaro colocou definitivamente a direita radical no jogo eleitoral, num país que, há poucos anos,
tinha vergonha de expor ideais dessa tendência. “Eu sempre fui de direita, mesmo quando isso era crime”,
orgulha-se. Sua ascensão ganhou um impulso monumental justamente de seu maior
inimigo — o PT, que, com a desmoralização provocada pela
revelação de seus intestinos criminosos, conseguiu imprimir um estrago
histórico à esquerda brasileira. Antes de Bolsonaro, o maior sucesso da
direita extremista foi protagonizado por Enéas
Carneiro, um cardiologista folclórico e estridente que se celebrizou pelo
bordão “Meu nome é Enéas” e teve 7% dos votos na eleição de 1994 — e que, não
por acaso, é um dos ídolos de Bolsonaro.
Bolsonaro
já é maior que dois Enéas. É recebido
com fanfarra nos aeroportos por fãs entusiasmados, é solicitado para selfies
até nos corredores do Congresso. Numa noite recente, depois de ser abordado
por uma dezena de deputados em sessão da Câmara, comentou com a reportagem de
VEJA, que o acompanhava: “Ouviu o que me disseram lá dentro? ‘Vou estar contigo
no ano que vem.’ Não tem opção, cara”. Apesar dos rapapés e uivos, Bolsonaro vive em isolamento político.
Não tem ligação sólida com nenhum partido. Em
quase três décadas como deputado, conseguiu aprovar apenas dois projetos e
virou um saltimbanco de siglas. Pertenceu ao PDC, PP, PPR, PPB, PTB, PFL,
PSC e, agora, está prestes a aderir ao PEN, cujo nome está mudando para Patriotas. No PSC, sua legenda
anterior, quem lhe abriu as portas foi o pastor
Everaldo Dias Pereira, aquele que a Odebrecht acusou de cobrar 6 milhões de
reais para dar apoio ao candidato presidencial Aécio Neves, do PSDB. O pastor,
aliás, tornou-se tão íntimo de Bolsonaro que o convenceu a cruzar o Oceano
Atlântico pela primeira vez, no ano passado, para visitar Israel e ser batizado
no Rio Jordão, junto com seus quatro filhos mais velhos.
Bolsonaro não oferece a seus
eleitores um conjunto concatenado de ideias, não articula uma visão de Estado
nem se alinha com nenhuma escola econômica. “Sou ignorante em economia”, confessa. Mas,
entre suas ideias, observa-se uma tendência conspiratória, comum entre os
militares, segundo a qual os estrangeiros estão sempre tramando para afanar as
riquezas nacionais (veja o quadro abaixo).
Outro sinal do isolamento está em seu entorno. Seus conselheiros mais próximos são os três filhos mais velhos, do
primeiro casamento:
* o deputado estadual Flávio Bolsonaro, a quem o pai chama de Zero Um;
* o vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois; e
* o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, todos do PSC.
Os filhos de Jair Bolsonaro: Carlos, Eduardo e Flávio, em agosto de 2017 (Antonio Milena/VEJA) |
Em
tempos de Lava-Jato, Bolsonaro vende seu isolamento político como um ativo.
“Nenhum partido vai querer se coligar comigo porque sabem que não sou ‘piranha’
para receber certas propostas indecorosas”, diz. Apresentar-se como um solitário lírio no lodo pode parecer positivo,
mas esconde um perigo. “Não ter uma base ampla e organizada não é novidade
em uma eleição. Outros candidatos menos asquerosos disputarão as eleições de
2018 também sem amplas bases. Isso tudo coloca um problema: como conseguirão maioria parlamentar que dê
sustentação às decisões? Todos os isolados teriam de responder a isso”, diz
o sociólogo Demétrio Magnoli, da
Universidade de São Paulo, que, em seguida, toca no ponto fulcral: “Agora, no campo da especulação, um presidente
isolado com o perfil de Bolsonaro pode tentar apelar diretamente ao povo, por
cima das instituições de mediação democráticas, como já vimos acontecer em
outros países. Isso é uma ameaça à democracia porque põe em risco não a
relação direta entre o presidente e o povo, mas sim as mediações entre o poder
e o povo, que são fundamentais em um Estado democrático”.
“Sou ignorante em economia”
Mesmo
assim, Bolsonaro se declara contrário à política de aumento de juros para
combater a inflação e votou contra o pacote fiscal de resgate do Rio
TAXA SELIC
Bolsonaro
critica a política de aumentar juros para conter a inflação — o baluarte do
pensamento liberal. Para ele, o Banco
Central só cortou a Selic no último ano para “beneficiar banqueiros”, que
temiam que os juros altos tornassem a dívida pública impagável, pondo em risco
a rentabilidade de títulos públicos nos quais os bancos investem. “Banqueiro
não quer levar calote”, diz. Bolsonaro afirma que defende a queda da Selic “há
muito tempo”. Mas diz ser criticado por essa convicção porque o mercado
acredita que “é pecado” o governo intervir na política de juros.
PRIVATIZAÇÕES
Sobre as
privatizações anunciadas por Temer, ele se esquiva de dizer se manterá o plano
caso seja eleito. “Tem coisa que dá para privatizar para acabar com o
loteamento político. Mas setor
estratégico não se privatiza. Nos Estados Unidos, é o Exército americano
que cuida das hidrelétricas. Algumas coisas não podem sair da tutela do Estado.
Chamam os militares de estatizantes, mas como fazer Itaipu com dinheiro
privado?” Contudo, Bolsonaro votou a favor de desobrigar a Petrobras de
participar dos leilões do pré-sal e discordou quando o governo Dilma determinou
que a empresa tivesse participação obrigatória de 30% nos consórcios.
AJUSTE FISCAL
Bolsonaro
nunca esteve alinhado à agenda de corte de gastos públicos nos seus sete
mandatos como deputado. Sempre defendeu
corporações do funcionalismo, em especial os militares, sua base eleitoral,
votando a favor de reajustes salariais e de pensões. Neste ano, opôs-se ao
pacote fiscal de resgate do Rio de Janeiro, que previa a venda de estatais
fluminenses e a redução de benefícios de servidores. Mas, numa flagrante contradição, causou revolta
nos próprios eleitores ao votar a favor da proposta que estabelece um teto de
gastos para o governo em 2016, apesar de ter discursado contra a medida.
EQUIPE ECONÔMICA
Bolsonaro
diz receber conselhos de um economista do setor financeiro cuja identidade não
revela. Afirma ainda não ter pensado em um nome para assumir a Fazenda, caso
ganhe. Costuma dizer que os generais não eram economistas e fizeram o Brasil
crescer como nunca nos anos 1970. “Sou ignorante em economia, mas foram os
especialistas que levaram o país para o buraco”, declara, deixando de lado o
fato de que foram os especialistas que venceram o ciclo de hiperinflação.
CHINA
Ele faz
críticas à China, país ao qual o Brasil “está entregando o seu solo e subsolo”,
segundo diz. Tem obsessão pela ideia de que o Brasil possui riquezas geológicas
pouco exploradas, como o nióbio e o grafeno, que, um dia, serão tomadas pelos
chineses. “O chinês não tem coração. Não manda seus homens para o Afeganistão
nem para lutar no Iraque. Manda homens de negócios para comprar tudo. A China está garantindo sua segurança
alimentar com as nossas terras, e vamos nos tornar inquilinos dela”, diz.
JAIR BOLSONARO - em destaque na foto - liderando manifestação por melhores salários para as Forças Armadas, em Brasília, em 1984 (Lula Marques/Folhapress) |
O
mesmo isolamento se verifica no ambiente em que Bolsonaro passou a juventude e
parte da idade adulta, as Forças Armadas. Ali, o capitão da reserva faz sucesso entre as baixas patentes, mas é visto
com desconfiança pelo comando, que não apoia sua candidatura presidencial,
tampouco enxerga com bons olhos o empenho do capitão da reserva em personificar
a imagem da corporação. Há dois meses, na cerimônia de entrega do espadim de
Duque de Caxias, na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Bolsonaro ganhou
tratamento de celebridade por parte dos 450 cadetes e seus familiares, mas teve
recepção fria entre quem tinha mais estrelas no peito. Generais fingiam ignorar sua presença. O ministro da Defesa, Raul
Jungmann, sentou-se o mais distante possível dele. Com esse clima de
indiferença, na mesa que Bolsonaro dividiu com a terceira mulher, Michelle, alguém comentou: “As Forças Armadas
estão cheias de comunistas. Só por isso os militares permitiram que o PT
ficasse tanto tempo no poder”.
Na
corporação — na qual Bolsonaro é chamado
de “bunda-suja”, termo usado pelos militares de alta patente para designar
os que não galgaram posições na carreira —, o presidenciável deixou um passado de insubordinação que a alta
hierarquia não esquece. Em 1986, Bolsonaro escreveu um artigo em VEJA
reclamando dos salários e benefícios dos militares. No ano seguinte, uma
reportagem, também de VEJA, revelou que ele
urdira um plano para explodir bombas em locais públicos e chamar a atenção do
Exército para seu pleito de aumento do soldo militar (fato que ele nega até
hoje). Um processo foi aberto para investigar o caso e Bolsonaro foi absolvido
pelo Superior Tribunal Militar, numa decisão que ainda é contestada. Mas as
marcas do episódio ficaram nos arquivos do Exército, onde Bolsonaro é tido como um militar dado a “proselitismos políticos”.
No Congresso Nacional durante a votação do impeachment, em que homenageou o coronel Brilhante Ustra, conhecido torturador na ditadura militar, em abril de 2016 (Cristiano Mariz/VEJA) |
A ilha política em que se
transformou, no mundo civil ou militar, convive bem com suas posições
extremadas.
Em nome delas, Bolsonaro já foi classificado de quase tudo: homofóbico,
racista, xenófobo, misógino, fascista. Ele atribuiu tudo a acusações
distorcidas ou a pura armação promovida por inimigos da esquerda — ou, para
usar sua definição predileta, “os imbecis”. Sua artilharia verbal insultuosa, que mira quase sempre as minorias,
tem lhe rendido dissabores na medida em que sua popularidade cresce. Na
semana passada, ele foi condenado por mais uma ofensa — nesse caso, contra os
quilombolas. Em abril, em palestra no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro,
rememorou uma visita a um quilombo e disse que “afrodescendente mais leve lá
pesava 7 arrobas”. E acrescentou: “Não fazem nada. Eu acho que nem para
procriadores eles servem mais”. A juíza Frana Elizabeth Mendes, da 26ª Vara
Federal do Rio, que o condenou a pagar indenização de 50 000 reais, deu-lhe
um pito público: “Política não é piada,
não é brincadeira”. E acrescentou que um
parlamentar tem “o dever de assumir uma postura mais respeitosa com relação aos
cidadãos”.
[Parece que as pessoas que apoiam Bolsonaro se
esquecem disso também!]
As intervenções
provocadoras, destinadas mais a ofender opositores do que a clarear ideias, são
uma marca de Bolsonaro. Na votação do impeachment de
Dilma Rousseff, ele fez questão de dedicar seu voto a Carlos Alberto Brilhante
Ustra, o famoso “doutor Tibiriçá” dos porões da tortura do regime militar.
Embora Ustra esteja entre seus mentores intelectuais, Bolsonaro, ao
mencioná-lo, queria apenas ofender os adversários políticos, sobretudo a
própria presidente Dilma, que sofreu o suplício da tortura durante a ditadura.
Dilma construiu todos os motivos para ser apeada do Palácio do Planalto, mas
ter sido torturada não é um deles.
JAIR BOLSONARO com a terceira esposa, Michelle, em agosto de 2017 (Antonio Milena/VEJA) |
O discurso agressivo de
Bolsonaro encaixa-se no clima politicamente polarizado do Brasil atual e faz
sucesso entre uma camada de eleitores, mas talvez só ajude a radicalizar ainda
mais o ambiente político. Diz Maurício Santoro, cientista político da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro: “Assim como ocorre com Trump e Marine Le Pen, muitas das
declarações de Bolsonaro extrapolam a legalidade e são explicitamente racistas,
discriminatórias ou de incitação ao crime. Só em 2017 ele já foi condenado duas
vezes por incentivar o estupro e por agressões verbais contra negros. Agora, o que aconteceria se ele estivesse numa
posição forte no Poder Executivo, como a Presidência da República? Ele
provavelmente não hesitaria em promover discursos de ódio contra adversários
ideológicos, o que pode ter consequências nefastas num país que já é muito
violento”. A hostilidade ao diálogo
não é novidade para Bolsonaro. Ele tem
por hábito fugir de situações que não domina para evitar ser confrontado.
Só viaja a locais onde é convidado por grupos de seguidores que defendem suas
ideias. Os convites costumam partir de deputados estaduais e federais e de empresários
locais.
OS MENTORES INTELECTUAIS
Entre os
ídolos declarados de Bolsonaro estão expoentes da ditadura e ativistas de
extrema direita que acreditam que o Brasil está prestes a ser tomado por
comunistas
O GENERAL:
Ex-chefe
do Serviço Nacional de Informações (SNI) e ex-comandante militar do Planalto, o
general Newton Cruz foi réu na ação penal do atentado do Riocentro. Para
Bolsonaro, o militar é uma “inspiração” (Luiz Antonio/Agência o Globo)
General Newton Cruz |
O TORTURADOR:
O coronel
Carlos Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi, foi responsabilizado por torturas
cometidas durante a ditadura. Bolsonaro o considera “herói” (Dida
Sampaio/Estadão Conteúdo)
Coronel Carlos Brilhante Ustra |
O PATRIOTA:
Morto em
2007, Enéas Carneiro especializou-se em discursos de teor nacionalista.
Bolsonaro quer o ex-deputado no Livro dos Heróis da Pátria (Rosane
Marinho/Folhapress)
Enéas Carneiro |
O PROFESSOR:
Radicado
nos Estados Unidos, o filósofo Olavo de Carvalho é o guru dos
ultraconservadores e diz que não houve ditadura no Brasil. É consultor informal
de Bolsonaro para assuntos externos (//Reprodução)
Professor Olavo de Carvalho |
Entretanto,
há um ambiente — o digital — em que
Bolsonaro reina soberano. Tem 5,5
milhões de seguidores nas redes sociais, muito mais do que o ex-presidente
Lula, por exemplo, que tem 3,2 milhões. Na companhia permanente de um celular, ele mesmo fica praticamente todo o tempo
on-line. Quem comanda seu núcleo virtual é o filho Flávio, o Zero Um. Ele criou um repertório de vídeos, memes e
gritos de guerra de fácil assimilação e viés radical (com pequenas
variações, são as seguintes as frases preferidas dos seguidores do deputado:
“Bandido bom é bandido morto”, “Comunista tem que morrer, gay e feminazis também”,
“Não gostou? Vai pra Cuba”). Recentemente, fez
sucesso nas redes o tuíte em que o “Mito”, como o deputado é chamado por
apoiadores, elogia o vídeo do general Hamilton Mourão, que defendeu uma
intervenção militar no Brasil. “Ele (refere-se a Mourão) falou como um
brasileiro qualquer que está indignado com esse estado de putrefação da
política brasileira”, disse. Urros e vivas espoucaram no Facebook.
O general Mourão, que defendeu uma intervenção militar, é apenas “um brasileiro indignado com esse estado de putrefação da política brasileira”, escreveu o deputado (FS 2015/Divulgação) |
Atento
à importância das redes sociais, Bolsonaro
é zeloso com sua imagem digital. Na Câmara, ele percorre a passos largos e
rápidos a distância de 400 metros que separa o Salão Verde de seu gabinete, no
Anexo III (a “favela da Câmara”, diz ele). O gabinete de seu filho Eduardo,
onde costuma receber visitas, é decorado com distintivos da Polícia Federal e da
NRA, a poderosa associação que faz o lobby pró-armas nos Estados Unidos. No
percurso, um entusiasta o parou para pedir que gravasse em vídeo palavras de
apoio a uma campanha de sua cidade pela renovação das armas da Polícia Civil.
Outro quis uma selfie para mostrar à mulher, “fã” do deputado, segundo disse.
Minutos depois, jovens da Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(Unila) abordaram o parlamentar. Queriam seu apoio para “desmistificar a ideia
de que a universidade é bolivariana”. Esses, o deputado nem parou para ouvir.
“Imagine se assino alguma coisa desse lugar. Depois sou esculhambado.”
Nascido em Glicério, no
interior de São Paulo, Bolsonaro criou-se em Eldorado, no Vale do Ribeira, um
lugarejo de 20 000 habitantes. Ali, o grosso dos moradores atribui o
atraso da cidade à demarcação de reservas ambientais, que impediriam a
exploração agrícola.
De família modesta (seu pai
fabricava próteses dentárias, a mãe é dona de casa), ele frequentava a escola pública, era goleiro do time de futebol local
e aturava a gozação dos colegas por causa do jeito desengonçado com que
apanhava a bola. Seus passatempos eram caçar passarinhos com espingarda de
chumbo, pescar no Rio Ribeira, ouvir no rádio o programa de Tonico e Tinoco,
assistir aos filmes de Mazzaropi e — desde cedo, garante quem conviveu com ele
— falar mal de comunistas. Segundo o professor
Olavo Amado Ribeiro, hoje com 85 anos, de quem Bolsonaro foi aluno de
português e educação moral e cívica, ele
já era na adolescência um dos mais ácidos críticos de João Goulart, presidente
derrubado no golpe de 1964. Mas o jovem Bolsonaro não era uma voz dissonante
na cidade. “Eldorado não tinha esquerdistas”, diz o professor.
O episódio que mais moldou a
forma de Bolsonaro, porém, deu-se com a chegada à região da trupe de Carlos
Lamarca, o líder da VPR, organização guerrilheira de extrema esquerda. Em 8 de maio de 1970, um
enfrentamento com soldados locais terminou com troca de tiros na praça de
Eldorado. Bolsonaro, então com 15 anos, estava na escola no momento dos
ataques. Ele lembra que os professores, amedrontados pelos tiros, esvaziaram as
salas de aula e mandaram as crianças atravessar a praça rastejando para se
proteger das balas. Seis soldados e uma moradora foram feridos, mas ninguém
morreu. O episódio marcou para sempre a
cidade e fez com que o Exército direcionasse tropas para o Vale do Ribeira.
Os soldados que se confrontaram com Lamarca e a VPR, vistos como heróis,
passaram a receber visitas constantes do jovem Bolsonaro, a quem estimularam a
entrar na carreira militar.
Na
década de 70, coube ao seu pai, Percy
Bolsonaro, trazer a política para dentro da família. Ele foi candidato a
prefeito em Eldorado pelo MDB, que fazia oposição ao regime militar, mas não se
elegeu. Gostava de “uma cervejinha” e não era “muito rígido” com os filhos.
Algumas de suas características contrastavam com as de Bolsonaro desde cedo. “O Jair sempre foi mais radical e
conservador que o pai”, diz o professor Ribeiro. Tanto que, em algumas
ocasiões, seu Percy julgava que o filho se excedia no “anticomunismo”. Soltava
um “o Jair é doido, é um exagerado”. A
família, contudo, sempre se entusiasmou com a entrada do filho nas Forças Armadas.
A prova disso é que, quando Bolsonaro decidiu abandonar o Exército para se
dedicar à política, o pai foi até o Rio de Janeiro para demovê-lo da ideia.
Fracassou. Agora, o filho está em segundo lugar nas pesquisas — e passou a
levar a sério suas chances de chegar lá.
JAIR BOLSONARO Em seu casamento com a primeira mulher, Rogéria, em 1978 (//Reprodução) |
Tanto
que, neste 7 de outubro, Bolsonaro embarca para sua primeira visita como
político aos Estados Unidos. Seu cicerone será o filósofo ultraconservador Olavo de Carvalho, que mora lá e convidou
o candidato para um road show no
país. “Vamos conversar com investidores,
membros do Partido Republicano e do governo de Donald Trump”, revela o
deputado. Será a segunda viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos. A primeira foi
nos anos 2000, quando levou os filhos a Orlando. O político afirma que não
gosta muito de viajar. Prefere passar o tempo livre no condomínio em que mora —
com 100 casas de frente para o mar, na Barra da Tijuca. Ultimamente, anda
cismado com segurança. Conta que, outro dia, viu um assalto em que o ladrão
disparou um tiro para cima. Pensou que o episódio poderia ser “um alerta” para
ele. Bolsonaro suspeita da existência de
um “sistema” interessado em eliminá-lo “pelo fato de ser um outsider”. “O
patinho horroroso está ficando bonito. Por isso querem me tirar. Mas vão ter de
tirar na mão grande”, desafia, supondo que, mesmo que saia vitorioso, não
estará imune a investidas para apeá-lo do cargo. “O sistema não me quer ali.
Não quer que eu escolha ministros do Supremo”, diz.
Como todo populista,
Bolsonaro tem uma solução simples para cada problema complexo. Contra a violência, propõe
“dar armas ao cidadão de bem”. Ele também quer o fim do regime de progressão de
pena e, para abrigar o número crescente de condenados, sugere “construir
presídios agrícolas, para o preso produzir alguma coisa e trabalhar, e não ser
um fardo para o Estado”. Em suas
entrevistas, ele aceita discorrer apenas sobre temas que “domina”, como a
exploração de metais por estrangeiros. Vencer o desemprego e fomentar o
crescimento econômico, para Bolsonaro, é uma equação que se resolve com
“segurança pública”. “Que empresário
estrangeiro vai investir no Brasil se não podemos nem andar na rua?”,
questiona. Contudo, se o empresário for chinês, ele não quer. “Os chineses
estão se apropriando de nosso subsolo e, em breve, de nosso solo”, reclama.
“Vamos virar inquilinos da China”, profetiza. Para o deputado, a exploração
chinesa do nióbio (metal usado como liga na produção de aços especiais), em
Goiás, é “um crime de lesapátria”. Numa
mistura de nacionalismo e nostalgia, ele apregoa que as riquezas minerais
deveriam ser liberadas para extração pelos brasileiros. “O que seria do
Brasil sem os bandeirantes que exploraram os diamantes? Teríamos um terço do
território atual se não fossem eles. É
preciso parar de tratar o garimpeiro como bandido no Brasil.”
Entre
os especialistas ouvidos por VEJA, nenhum se arrisca a apostar que o deputado
saia vitorioso de um pleito presidencial. Mas o fato de um grande grupo de
brasileiros se engajar na campanha precoce de um candidato como ele causa preocupação.
“Bolsonaro é contra todo o ideário que
edifica uma democracia sólida, o que inclui a defesa dos direitos humanos e o
combate à desigualdade”, diz Ricardo Sennes, da consultoria política
Prospectiva. “Ele opta sistematicamente
por partidos cada vez menores e cria um cenário que remete ao do ex-presidente
Fernando Collor quando se filiou ao PRN. Essa falta de coalizão resultaria
numa dificuldade de governar tamanha que um impeachment
poderia se tornar inevitável.” Caminhando
sozinho, um candidato pode até vencer a eleição, mas governar sozinho ninguém
governa.
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