Como as crianças aprendem
Novas evidências científicas na área
Marcos Rolim
O trabalho faz um apanhado impressionante sobre as mais
novas evidências científicas, especialmente na área da Psicopedagogia, que
estão mudando a maneira de se pensar a educação. Um dos argumentos centrais
vincula-se à realidade das experiências estressantes vividas pelas crianças
pobres
Chamamos
de “Estudos longitudinais” um tipo
de método de pesquisa que observa as variações nas caraterísticas de uma amostra
(de indivíduos, empresas, organizações etc.) por um longo período de tempo –
frequentemente por décadas. Trata-se de
recurso decisivo para, por exemplo, se avaliar com mais segurança os efeitos de
programas ou de políticas públicas. No Brasil, se descontarmos a área da
Saúde, temos raros estudos desse tipo. Como regra, aliás, sequer contamos com avaliações independentes e qualificadas sobre
iniciativas dos gestores públicos, razão pela qual desperdiçamos enormes
quantidades de recursos em programas ineficientes.
Um
estudo longitudinal em andamento nos Estados Unidos tem acompanhado os efeitos
de um programa educacional que ofereceu a crianças de três e quatro anos, de
famílias pobres na cidade de Ypsilanti,
Michigan, os melhores recursos pedagógicos disponíveis na década de 1960. O
experimento, conhecido como Perry
Preschool Project envolveu a oferta
de uma educação de alta qualidade a 64 crianças (grupo de intervenção) que passaram, então, a ser acompanhadas
juntamente com outro grupo, também com 64 de crianças, com as mesmas
características, que seguiram seu curso normal, sem matrícula no projeto
(grupo de controle).
O
que se observou
Nos
primeiros anos de acompanhamento, os resultados indicaram uma grande melhora
cognitiva nas crianças do projeto. Entretanto, por volta do 3º ano do ensino fundamental, as diferenças cognitivas
entre os dois grupos de crianças desapareciam. O desenrolar do estudo
mostrou, entretanto, que, a longo prazo,
os alunos do projeto:
* tiveram 50% menos ocorrências de gravidez na adolescência,
* concluíram 44% mais o ensino médio (high
school),
* alcançaram salários 42% superiores e
* tiveram menos ocorrências policiais, incluindo menos 46% de prisões,
quando
comparados aos alunos que não frequentaram o projeto.
Esses resultados mostraram
que algo de muito importante havia acontecido com as crianças do Perry School. Rigorosa análise revelou
que os alunos do projeto haviam, inesperadamente, desenvolvido capacidades não
cognitivas como curiosidade, autocontrole e relacionamento social. Os professores bem-intencionados que haviam
formulado o projeto imaginaram que as crianças iriam aprender mais do que as
outras os conteúdos básicos em Matemática e Inglês, por exemplo, mas o que ocorreu foi que elas desenvolveram
comportamentos distintos, o que fez toda a diferença em suas vidas.
Livro
conta as descobertas
Esse
e muitos outros casos são discutidos no livro Como as crianças aprendem,
de Paul Tough (Editora: Intrínseca,
272 págs.), que acaba de ser lançado no Brasil. O trabalho faz um apanhado impressionante sobre as mais novas
evidências científicas, especialmente na área da Psicopedagogia, que estão
mudando a maneira de se pensar a educação.
Um
dos argumentos centrais vincula-se à realidade das experiências estressantes vividas pelas crianças pobres:
a)
Carências básicas em seu cotidiano,
b)
negligência,
c)
maus tratos e abuso sexual,
d)
somados à exclusão social e
e)
à violência de traficantes e policiais,
transformam
a vida dessas crianças em um persistente inferno. Uma realidade que impacta profundamente as condições de aprendizagem e
que deve ser ainda mais avassaladora em países como o nosso, que nunca
contaram com a experiência de um Estado de Bem-Estar Social.
Já
se sabe, há muito, que o estresse das crianças as deprime e revolta, mas o que
se descobriu, mais recentemente, é que experiências
estressantes também abalam suas FUNÇÕES EXECUTIVAS, ou seja, as capacidades
mentais elevadas de regulação do cérebro que envolvem, por exemplo, o
autocontrole e a memória operativa.
A
boa notícia
A
boa notícia é que características como a:
* determinação,
* o autocontrole,
* o entusiasmo,
* a inteligência social,
* a gratidão,
* o otimismo e
* a curiosidade,
todas
essenciais para o processo de aprendizagem e para uma vida exitosa, podem ser ensinadas às crianças e aos
adolescentes, o que deve constituir um compromisso central nas escolas.
PAUL TOUGH Autor do livro "Como as crianças aprendem" - divulgando os resultados do projeto |
Tendo
em conta a baixa qualidade da escola pública no Brasil e fenômenos como a
violência e a evasão escolar, entendo que o livro é ainda muito mais relevante.
Ele pode mesmo oferecer aos gestores e
aos estudiosos na área uma nova agenda de investigações e experimentos
capaz de reorientar tudo o que já se tentou em termos de projetos de Educação
com crianças e adolescentes em áreas de fragilidade social.
O
risco é o de que o livro seja ignorado no Brasil por conta da reação típica das
seitas dogmáticas que desprezam a ciência e que se especializaram em erguer
catedrais discursivas onde preservam suas doutrinas e ideologias. Na área da
Educação, especialmente, trata-se de probabilidade considerável se tivermos
presente a inclinação corporativa em
favor das crenças e das desculpas. É o
que deve ser desfeito pelos que estão comprometidos com o futuro das crianças e
adolescentes de nossas periferias.
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