«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 1 de outubro de 2017

«Tem ouvidos, mas não ouvem; olhos, mas não veem!»

Ultraconservadores acusam Papa Francisco de propagar
em seus escritos sete posturas heréticas sobre o matrimônio, a moral e a recepção dos sacramentos

Cameron Doody
Religión Digital
29-09-2017 
PIETRO PAROLIN
Cardeal Secretário de Estado da Santa Sé

“É importante o diálogo, inclusive dentro da Igreja”. Com estas palavras, o cardeal Secretário de Estado da Santa Sé, Pietro Parolin, reivindicou sensatez no debate sobre a exortação apostólica Amoris Laetitia, que neste final de semana chegou a um ponto culminante, após a publicação da chamada “correção filial” ao Papa Francisco [leia o seu texto, clicando aqui].

Nesta quinta-feira [dia 28 de setembro], o “número dois” do Vaticano se tornou a primeira figura da hierarquia a se referir a esta “correção filial” [em latim: Correctio Filialis] assinada por meia centena de teólogos e acadêmicos. Através de uma carta, estes ultraconservadores acusaram o Pontífice de propagar em seu escrito e em seus “atos” palavras e omissões” subsequentes, sete posturas heréticas sobre o matrimônio, a moral e a recepção dos sacramentos.

Falando em Roma, tendo como pano de fundo uma conferência sobre a perseguição que sofrem os cristãos iraquianos, o cardeal Parolin afirmou que aqueles que não estiverem de acordo com o Papa são livres para se expressar, “mas nesses assuntos se deve ponderar e encontrar formas de nos entender mutuamente”.

Embora nenhum dos assinantes da “correção filial” seja cardeal e nenhum seja bispo, a não ser o líder do grupo tradicionalista da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, ou lefebvrianos, Bernard Fellay, a publicação de tal escrito desatou, neste final de semana, uma onda de manchetes que pressagiam um “cisma” potencial na Igreja.
BERNARD FELLAY
Bispo cismático da Fraternidade Sacerdotal São Pio X - conhecidos como "lefebvrianos"

A “correção filial” também reavivou o debate sobre as dubia [trad.: dúvidas] dos quatro cardeais acerca da Amoris Laetitia, apresentadas ao Papa no ano passado, ainda que os responsáveis da nova “correção filial” decidiram, nesta ocasião, que seja “uma iniciativa independente”, não impulsionada – ao menos diretamente – pelo cardeal Raymond Burke, “líder da oposição” a Francisco na Cúria.

Por sua parte, e em declarações ao jornal Avvenire, o teólogo e secretário especial do Sínodo da Família, Bruno Forte, se referiu ao documento “anti-Bergoglio” como “uma operação contra o Papa e contra a Igreja”.

Na opinião de Forte, a Amoris Laetitia “responde a uma pergunta pastoral – se os divorciados em segunda união podem comungar – perfeitamente legítima e evangélica, baseada na caridade”. Por isso, considera tanto as dubia como a “correção” um “ataque grave e instrumentalizado”.

Além disso, o prelado aponta que se trata da “expressão de um grupo absolutamente minoritário que não captou a mensagem de fundo da Amoris Laetitia”. E que fecham a porta ao “espírito do Concílio Vaticano II que Francisco está encarnando”.

E ainda que o cardeal Parolin convide ao diálogo sobre a abertura aos sacramentos que a Amoris Laetitia propõe aos católicos divorciados e em segunda união, cabe recordar que, nesta mesma quinta-feira, La Civiltà Cattolica publicou as mais extensas reflexões do Papa Francisco sobre o debate, das quais se teve constância até a data.
PAPA FRANCISCO

“Escuto muitos comentários – respeitáveis porque os dizem filhos de Deus, mas equivocados – sobre a Exortação apostólica pós-sinodal”, admitiu o Papa a um grupo de jesuítas, com quem se reuniu durante sua recente visita à Colômbia. Mas, “para compreender Amoris Laetitia é necessário lê-la do início ao fim. Começar com o primeiro capítulo, continuar pelo segundo... e assim seguindo... e refletir”, continuou.

“Uma segunda coisa”, prosseguiu Francisco neste encontro em Cartagena das Índias. “Alguns sustentam que a moral que está na base da Amoris Laetitia não é uma moral católica ou, ao menos, que não é uma moral segura. Diante disto, quero reafirmar com clareza que a moral da Amoris Laetitia é tomista, a do grande Tomás. Podem falar disto com um grande teólogo, entre os melhores de hoje e entre os mais maduros, o cardeal Schönborn”.

“Quero dizer isto”, afirmou o Pontífice, “para que ajudem as pessoas que acreditam que a moral é pura casuística. Ajudem elas a perceber que o grande Tomás tem uma riqueza muito grande, capaz de também hoje nos inspirar. Mas, de joelhos, sempre de joelhos...”.

Traduzido pelo Cepat.

Sobre a Amoris laetitia,
sete manipulações contra o Papa

Entrevista com Giuseppe Lorizio
Teólogo italiano, professor de Teologia Fundamental na Universidade Lateranense (Roma), membro do Comitê Nacional para os estudos superiores em Teologia e de Ciências Religiosas da Conferência Episcopal Italiana (CEI)

Luciano Moia
Jornal «Avvenire»
25-09-2017

Um documento assinado por 62 estudiosos afirma que na Exortação
pós-sinodal Amoris laetitia haveria posições heréticas.
Mas tais frases no documento não existem
GIUSEPPE LORIZIO
Teólogo italiano

Sete considerações para acusar o Papa de heresia. Sete considerações tiradas de Amoris laetitia para afirmar que sobre o matrimônio, a vida moral e o recebimento dos sacramentos, Francisco fez uma revisão da doutrina afastando-se da tradição e do magistério. Pena que as sete alegadas "posições heréticas" não representem de forma alguma o que o Papa escreveu na Exortação pós-sinodal mesmo que no documento sejam colocadas entre aspas.

Podem parecer citações, mas não o são [veja no artigo seguinte]. Trata-se, aliás, de uma síntese normativa capenga que representa exatamente o oposto daquilo que Francisco – e com ele dois Sínodos dos Bispos – diz explicitamente que quer evitar, ou seja, uma lista de permissões e proibições. O texto divulgado na noite do último dia 24 de setembro, é na verdade um tipo de explicitação legalista das considerações pastorais expressas em Amoris laetitia.

Os 62 signatários da chamada "correção filial" "concernente à propagação de heresias" (este é o título do documento) começam por uma premissa que ignora a realidade, tem a pretensão de inverter a perspectiva escolhida por um percurso sinodal que envolveu toda a Igreja e, sobretudo, atribuem ao Papa o que ele nunca disse em tais termos.

O documento, divulgado na noite entre sábado e domingo, simultaneamente, nos Estados Unidos e na Europa, foi publicado na Itália por alguns sites tradicionalistas que há vários meses, justamente com base em Amoris laetitia, atacam o pontificado de Francisco.
[...]
Entre os 62 signatários do documento aparecem, entre outros, o banqueiro Ettore Gotti Tedeschi, o superior geral dos lefebvrianos Bernard Fellay, o professor Antonio Livi e outros especialistas menos conhecidos. Pelo que afirmado no longo e confuso texto, o Papa teria "causado escândalo para a Igreja em matéria de fé e moral, através da publicação de Amoris laetitia e mediante outros atos" com os quais teria encorajado uma leitura herética da Exortação pós-sinodal.

Foi completamente ignorado o fato de que Amoris laetitia acolhe em 87% as duas Relatio Synodi 2014-2015 [relatórios finais do Sínodo] e que, portanto, o que o texto propõe não é o fruto de uma invenção do Papa, mas de um processo sinodal, que envolveu mais de trezentos bispos, cardeais e teólogos. Mas não só: os temas abordados no longo debate sinodal surgiram a partir de duas consultas mundiais. E, nesse contexto, as dioceses dos cinco continentes tiveram a oportunidade de expressar opiniões, expectativas e esperanças.

Se os 62 signatários do documento e quem, por trás deles, orquestraram essa questionável manobra, tivessem tido a oportunidade de ler as milhares e milhares de respostas recebidas na Secretaria do Sínodo, teriam finalmente percebido que o sentimento generalizado do povo de Deus e daquela parte, principalmente, que tem o cuidado de responder a um questionário eclesial está bem longe de certa rigidez doutrinária e pede à Igreja um olhar renovado de acolhimento, de compreensão e de ternura. Justamente o processo que o longo caminho sinodal 2014-2015 procurou implementar. E que agora a extraordinária recepção do documento em todas as parte do mundo demonstra sem temor de desmentida.

Em vez disso, o que tratam de inventar os 62 signatários das acusações de "heresia", que parece mais uma flagrante manipulação contra Francisco?

Eles compõem um texto no qual, além das sete acusações – fruto como já afirmado de sua livre interpretação – listam uma série de passagens de Amoris laetitia que serviria para "propagar as posições heréticas" e, depois, uma infinidade de outras citações do magistério passado e recente, do Evangelho para concluir com o Modernismo e Lutero. Porque, inclusive sobre estes dois pontos, Francisco teria desviado.

Mas de onde nasce um texto que mostra uma radical incapacidade de se distanciar de uma visão da Igreja toda normas e julgamentos? Como é possível que existam teólogos católicos ou, de qualquer forma, estudiosos incapazes de compreender que "a misericórdia é a plenitude da justiça e a manifestação mais luminosa da verdade de Deus"? (Amoris laetitia, n° 311).

Monsenhor Giuseppe Lorizio, professor de Teologia Fundamental na Universidade Lateranense, membro do Comitê Nacional para os estudos superiores em Teologia e de Ciências Religiosas da CEI, não mediu palavras: "Há um problema de honestidade intelectual e de incompetência teológica. A honestidade intelectual pediria que não se colocassem entre aspas, usando-as como proposições de acusação, frases que o Papa nunca disse nem escreveu. E, por nunca tê-las dito ou escrito, no documento não aparece evidentemente qualquer citação a propósito de tais "acusações". Trata-se, portanto, de considerações extraídas de uma livre e questionável interpretação da mensagem do Papa e de Amoris laetitia".
SÍNODO DOS BISPOS SOBRE A FAMÍLIA
Papa Francisco assumindo seu lugar à mesa de coordenação

Eis a entrevista.

Em suma, um problema metodológico que torna pouco credível todo o resto. Mas, quanto aos conteúdos?
Giuseppe Lorizio: Muitas perplexidades. Já na primeira das suas afirmações haveria muito a dizer. A propósito da justificação mostra-se uma visão automática e estática da Graça, que ao contrário é um fato dinâmico, que sempre devemos invocar e que, de qualquer forma, não provém do nosso mérito, mas de um dom de Deus. Nesse sentido, essa dinâmica da graça comporta que até mesmo a pessoa que se confessou, recebeu o perdão e, portanto, está em um estado de graça, não é perfeita. E se não é perfeita, precisa de conversão. Esse é o caminho por onde os sacramentos nos ajudam e nos sustentam.

Como avaliar a observação sobre a Eucaristia para os divorciados que voltaram a casar?
Giuseppe Lorizio: A Eucaristia não pode ser concebida como o pão daqueles que já são perfeitos. Mas é o panis viatorum, ou seja, daqueles que estão no caminho. Se todos nós devêssemos atender a plenitude da união com Deus para ter acesso à Eucaristia, ninguém podia acessá-la. Tanto é, que alguns instantes antes de recebê-la todos, do celebrante ao último dos fiéis, dizem: "Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada". Este “não ser digno”, significa que a Eucaristia é também oferecida à nossa fragilidade. Além disso, se a graça é a amizade com Deus, Deus nos oferece a sua amizade por meio dos sacramentos. Mas não esqueçamos que as relíquias do pecado permanecem ainda na pessoa que celebrou o sacramento da reconciliação.

O que é afirmado no documento sobre a reconciliação, parece fruto de uma visão pré-conciliar, concorda?
Giuseppe Lorizio: Só que pior ainda; em um ponto significativo do capítulo 12 do Decreto sobre a reconciliação do Concílio de Trento – e, portanto, estamos em plena tradição – afirma-se que ninguém pode ter a certeza absoluta de ser agraciado ou predestinado, o que significa que ninguém pode considerar-se em uma situação de "certeza" no que diz respeito à graça. O Papa, com Amoris laetitia, engaja-se nessa tradição. Quem diz o contrário, como transparece no documento, evidencia um problema de imperícia teológica.

E a parte final sobre o Modernismo e Lutero?
Giuseppe Lorizio: Não é possível liquidar de forma tão trivial enormes questões históricas. Hoje as pesquisas nos ofereceram uma compreensão mais profunda da teologia de Lutero, e temos muitos mais documentos para enquadrar a questão do Modernismo, de forma que ventilar esses fantasmas neste momento significa estar fora da história e ignorar o fruto das pesquisas mais recentes.

No entanto, com base em tais conhecimentos instáveis, atribuem-se ao Papa posições heréticas.
Giuseppe Lorizio: Estamos no paradoxo. O certificado de heresia não é dado pelos teólogos e estudiosos. Eventualmente, quem o dá é o magistério. Aqui estamos diante de um confronto improvável, o "magistério" desses supostos doutores sobrepõe-se ao magistério eclesial. Um teólogo ou um grupo de teólogos pode expressar um parecer, não acusar de heresia. A Exortação pós-sinodal tem uma qualificação de magistério ordinário e, portanto, deve ser acolhida como tal, não é a posição de uma escola teológica. É a expressão de um percurso de Igreja. Como pode ser ignorado? Como é possível ignorar que a intenção da Exortação é primordialmente pastoral.

Oferece uma visão do amor como fundamento do casamento que vai além de uma análise normativa. E dizendo que é pastoral, não estamos dizendo que se trata de um nível inferior em relação à teologia. Estamos dizendo exatamente o contrário, porque a pastoral compreende e inclui a teologia. E não o oposto. Caso contrário, o cristianismo seria uma espécie de intelectualismo, justamente o que o Papa afirma que quer evitar.

Traduzido do italiano por Luisa Rabolini.

Essa “correção” gera “dúvidas”

Sandro Magister
Settimo Cielo
29-09-2017

Comentário de um filósofo do direito, questionando aquilo
que os autores escreveram

Francesco Arzillo é magistrado administrativo em Roma e estudioso de filosofia e direito. Seu comentário a correctio dirigida ao Papa Francisco, por sete heresias das quais este teria se tornado propagador, soa como o início deste diálogo sobre a interpretação da Amoris Laetitia que o secretário de Estado, o cardeal Pietro Parolin, definiu, ontem, como “importante também dentro da Igreja”.

Abaixo, segue o artigo de Francesco Arzillo.

Algumas perguntas antes de falar de heresia

1. A publicação de uma “correctio” formal dirigida ao Papa suscita diversas interrogações
É possível corrigir os corretores? A tradição especulativa medieval nos diz que sim. Basta pensar no famoso Correctorium fratris Thomae de William de la Mare, por sua vez respondido por vários Correctoria corruptorii, obra de diversos autores.

Diante de um ato tão grave e singular, que supera com audácia o fosso que separa o dubium do julgamento em uma matéria tão delicada, é possível se limitar, agora, a algumas perguntas relacionadas às sete propostas consideradas como “falsas e heréticas” e as supostas correspondências que emergem da leitura de todo o texto.

2. Comecemos com duas questões de método

2.1. Em primeiro lugar, as propostas individualizadas como heréticas já parecem constituir o fruto de uma hermenêutica das declarações e dos documentos papais, além das – cumulativamente – ações e omissões atribuídas ao mesmo. Trata-se, por assim dizer, de propostas “de segundo grau”.

A primeira pergunta é, por conseguinte, dupla:

* Por que não se reproduziram, na parte central do texto formulada em latim, direta e exclusivamente, as propostas originais dos textos papais?

* No caso de que as propostas façam referência também aos comportamentos ativos e omissos do Papa, proporcionou-se uma demonstração suficiente sobre a congruência das mesmas em relação a tais comportamentos?

2.2. A segunda pergunta é:

* A qualificação como heresia é considerada, aqui, em seu sentido próprio, concernente às doutrinas que requerem o assentimento da fé teologal (doutrinas de fide credenda), segundo o can. 750, parágrafo 1 do Código de Direito Canônico?

* Ou os redatores pretendem atribuir a qualificação de “heresia” também às afirmações que contrastam só com as doutrinas de fide tenenda, segundo o can. 750, parágrafo 2 do Código, entre as quais, de acordo com a nota doutrinal ilustrativa da Congregação para a Doutrina da Fé anexa ao Motu proprio de 1998 Ad tuendam fidem, é preciso incluir também não poucas verdades de ordem moral? E, em caso positivo, como se justificaria esta qualificação, que não parece estar de acordo com as indicações da própria nota?

3. Procedamos, agora, com as seguintes perguntas ao pé da página, presentes nas setes propostas definidas “falsas e heréticas”

1) “Uma pessoa justificada não tem a força, com a graça de Deus, para seguir as exigências objetivas da lei divina, como se qualquer um dos mandamentos de Deus fosse impossível para os justificados; ou como significando que a graça de Deus, quando produz a justificação do indivíduo, não produz invariavelmente, e de sua própria natureza, a conversão de todo o pecado grave, ou não é suficiente para a conversão de todo pecado grave”.

Em que ponto de seu ensinamento o Papa fala de impossibilidade de observar os mandamentos por parte de quem está justificado?

Com isto, faz-se referência a uma impossibilidade absoluta ou a uma dificuldade concreta mais ou menos grave, ainda que seja temporal?

As duas hipóteses são equiparáveis em relação à doutrina exposta no capítulo 11 do decreto sobre a justificação do Concílio de Trento?

2) “Os católicos que obtiveram o divórcio civil do cônjuge com o qual estão validamente casados e contraíram um matrimônio civil com alguma outra pessoa, durante a vida de seu cônjuge, e que vivem more uxorio com sua parceira(o) civil, e que escolhem permanecer neste estado com pleno conhecimento da natureza de seu ato e com pleno consentimento da vontade do ato, não estão necessariamente em um estado de pecado mortal, e podem receber a graça santificante e crescer na caridade”.

3) “Um crente católico pode ter pleno conhecimento de uma lei divina e optar por violá-la voluntariamente em uma matéria grave, mas não estar em um estado de pecado mortal como resultado deste ato”.

Considerando que no n° 305 da Amoris Laetitia se diz que “por causa dos condicionamentos ou fatores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio de uma situação objetiva de pecado – mas subjetivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver na graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja”, em que sentido esta passagem refletiria as afirmações presentes nas propostas “heréticas” 2 e 3, ao passo que parece, ao contrário, contradizê-las certamente, com referência ao requisito da culpabilidade subjetiva?

Além disso, em que outra passagem de seus documentos ou discursos o Papa afirmou que tais cristãos, em presença da plena consciência da natureza de sua ação e com plena posse da vontade, não estariam em pecado mortal?

4) “Uma pessoa, enquanto obedece uma proibição divina, pode pecar contra Deus por meio deste mesmo ato de obediência”.

De onde saiu esta proposta, formulada nestes termos?

5) “A consciência pode julgar verdadeira e corretamente que os atos sexuais entre pessoas que contraíram um matrimônio civil entre si, ainda que um, ou ambos, esteja sacramentalmente casado com outra pessoa, às vezes, podem ser moralmente corretos ou reivindicados ou, inclusive, mandados por Deus”.

Como se relaciona esta proposta com a da Amoris Laetitia, n° 303, na qual se lê: “Mas esta consciência pode reconhecer não só que uma situação não responde objetivamente à proposta geral do Evangelho, mas reconhecer também, com sinceridade e honestidade, aquilo que, por agora, é a resposta generosa que se pode oferecer a Deus e descobrir com certa segurança moral que esta é a doação que o próprio Deus está a pedir no meio da complexidade concreta dos limites, embora não seja ainda plenamente o ideal objetivo”?.

Trata-se de uma diversidade só linguística ou de tipo expressivo, ou também de uma diversidade no conteúdo?

6) “Os princípios morais e as verdades morais contidas na revelação divina e na lei natural não incluem proibições que condenam absolutamente certos tipos de atos, porque são sempre gravemente ilícitos por causa de seu objeto”.

A afirmação da Amoris Laetitia n° 304, segundo a qual “é verdade que as normas gerais apresentam um bem que nunca se deve ignorar nem descuidar, mas, na sua formulação, não podem abarcar absolutamente todas as situações particulares”, verdadeiramente, contradiz sob qualquer aspecto a doutrina do intrinsece malum?

Isto ocorre ali onde se tem em conta, ao avaliar as situações particulares, os perfis pertinentes à culpabilidade subjetiva, que enquanto tais não se fixam no objeto das ações?

7) “Nosso Senhor Jesus Cristo quer que a Igreja abandone sua antiquíssima disciplina de negar a Eucaristia aos divorciados e novamente casados, e de negar a absolvição aos divorciados e novamente casados que não expressem nenhuma contrição, nem o firme propósito de reparar seu atual estado de vida”.

A intenção, aqui, é dizer que o abandono da disciplina (entendida como disciplina canônica) subsiste também onde se recorra à clássica probata praxis in foro interno, reconsiderada à luz das indicações da Amoris Laetitia, no que concerne à absolvição na confissão?

No que concerne à Eucaristia, qual é a relação, segundo a “mens” dos redatores da correctio, aos fins que aqui interessam, entre a noção de “pecado mortal” e a noção de “pecado grave manifesto” do artigo 915 do Código de Direito Canônico, tal como é interpretada pela Declaração sobre a admissibilidade à Sagrada Comunhão dos divorciados em segunda união do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, publicada no ano 2000?

4. As perguntas que se sugerem aqui não esgotam o tema

Espera-se que provoquem subsequentes reflexões nos autores da correctio e naqueles que desejam compartilhar sua proposta, sem nem sequer imaginar a enorme complexidade das questões em jogo, quando se utiliza a palavra “heresia”, sobretudo quando se aplica aos textos do magistério.

De qualquer modo, é preciso animar o fiel católico que presta a necessária “anuência religiosa do entendimento e da vontade” (can. 752) ao magistério ordinário papal, em cujo âmbito entra também Amoris Laetitia, para que se mantenha em uma disposição de espírito positiva.

Para o restante, a questão da interpretação e a aplicação deste texto terá futuros desenvolvimentos e contribuições por parte de pastores, teólogos e fiéis.

Como também não se deve excluir a possibilidade de posteriores – talvez desejáveis – intervenções da sede petrina, em um futuro mais ou menos próximo.

Traduzido pelo Cepat.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sábado, 30 de setembro de 2017 – Internet: clique aqui; aqui; e Quinta-feira, 28 de setembro de 2017 – Internet: clique aqui.

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