CARTA AOS BISPOS CATÓLICOS DO BRASIL
Frei Betto
Carlos Alberto Libânio Christo é frade dominicano, jornalista, escritor e assessor de CEBs e movimentos sociais no Brasil e no exterior
Por
que o catolicismo retrocede?
Eminências: O catolicismo era, no Brasil, a confissão religiosa majoritária na década de 1950, abraçada por 93,5% da população (IBGE). No censo de 2010, declararam-se católicos 64,6% da população. Os evangélicos, 30%. Em 2030, segundo prognósticos, os católicos serão de 35 a 40% da população e os evangélicos, de 38 a 40%. Enquanto os católicos declinam 1 ponto percentual ao ano, os evangélicos crescem na mesma proporção.
Por que o catolicismo retrocede? São várias as
razões. A hierarquia católica cometeu dois pecados capitais nos últimos 60
anos:
a) fragilizou o apoio às Comunidades Eclesiais de Base
― o movimento eclesial mais expressivo da história da Igreja no Brasil e de
maior capilaridade nacional.
b) Mas o primeiro pecado foi, após o golpe militar de
1964, levar a Ação Católica à agonia e morte. Onde se encontra, hoje, o
laicato participativo, crítico, apostolicamente ativo entre operários,
universitários e intelectuais? Aliás, nossas universidades católicas
evangelizam? Em muitas delas se formaram notórios políticos corruptos e
legitimadores da opressão social.
De fato, o clero sempre temeu o protagonismo dos
leigos. Devem ser apenas cordeiros cuja lã serve para ser tosquiada pelos
pastores, como declarou o papa Inocêncio III.
Por que, em nossas missas dominicais em paróquias de
classe média, os patrões comparecem, mas seus empregados (cozinheiras,
faxineiras, porteiros de prédios etc.) vão para a Igreja evangélica? Diz-se que
a Igreja Católica fez opção pelos pobres, e os pobres, pelas Igrejas
evangélicas...
Aponto algumas causas da redução de nossa grei. Uma
delas, com frequência denunciada pelo papa Francisco, é o clericalismo.
Vide uma missa dominical. Tudo centrado na figura do sacerdote. Quando
muito, um leigo ou leiga lê um dos textos litúrgicos. Os fiéis ignoram uns aos
outros. No “abraço da paz” saúdam os vizinhos de banco sem sequer perguntar
pelos nomes deles. Na hora da homilia, por vezes suportam a pregação aborrecida
de um celebrante que nunca fez curso de oratória, não tem conteúdo (não lê e
teve formação medíocre em filosofia e teologia), adota um discurso moralista.
Procura se salvar com evocações emotivas porque não sabe como abastecer “as
razões de nossa esperança” [cf. 1Pd 3,15].
Sei que a maioria dos senhores jamais participou de
um culto evangélico. Nosso ecumenismo não ultrapassa os limites de algumas
Igrejas protestantes históricas. O que é uma lástima. Os seminaristas não
são incentivados a abraçar o diálogo inter-religioso e, em geral, têm visão
preconceituosa das outras confissões religiosas. O que sabem de nossas
religiões indígenas? Alguma vez foram a um terreiro de candomblé ou umbanda? Ou
a um centro espírita? A maioria ignora as matrizes da religiosidade
brasileira.
Se os senhores bispos fossem a um culto evangélico
veriam os motivos do crescimento exponencial desse segmento cristão. Há
cultos que duram duas ou três horas sem aborrecer os fiéis, ao contrário de
muitas de nossas missas. Sabem por quê?
1º) Porque os fiéis têm participação ativa. Dão
testemunhos de vida, vídeos atrativos são exibidos, os músicos e cantores
aprimoram seus talentos, há escolas bíblicas.
2º) Os fiéis se conhecem pelo nome, o aniversário de
cada um é comemorado em comunidade, há forte corrente de entreajuda (um
dentista ou médico atende irmãos e irmãs). Ali as pessoas não são anônimas;
ganham autoestima.
3º) Um cuida de arrumar emprego para o outro. Há entre
eles forte vínculo afetivo.
4º) E a pauta de costumes leva-os a conhecer a
prosperidade, pois abandonam os vícios e, assim, aumentam a poupança familiar.
Não me sinto afinado com a teologia da maioria das
Igrejas evangélicas, porque enfatizam mais o Antigo que o Novo Testamento; o diabo mais
que Deus; o Deus da punição mais que o Deus do amor; o pecado mais que a graça.
E muitas Igrejas estão politicamente alinhadas ao conservadorismo, à
naturalização da desigualdade social, à exaltação das riquezas. Incutem nos
fiéis a “servidão voluntária”. Fazem uma leitura equivocada da Bíblia ao
retirar o texto do contexto, como também acontece entre nós, católicos.
Porém,
conseguem criar forte senso de pertença e comunidade, imprimindo sentido
à vida de todos.
Não escrevo aos senhores para suscitar espírito de
competição entre Igrejas. Temos muito a aprender com nossos irmãos evangélicos.
Escrevo porque me inquieta o retrocesso da Igreja Católica:
a) a perda do profetismo
de nossos pastores,
b) o esvaziamento de
nossas paróquias,
c) essa nova geração de
seminaristas e padres apegada à batina, aos símbolos religiosos, às imagens
sacras.
d) Sacerdotes próximos às
classes média e rica, e distante dos excluídos e vulneráveis, apegados ao conforto e à
acumulação de bens.
Escrevo porque sinto que Francisco,
como João Batista, é um papa que clama no deserto...
Será que dentro da Igreja Católica ainda há salvação
para o Evangelho de Jesus?
Deus nos encoraje e ilumine!
Observação: texto editado por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
Fonte: site “Frei Betto” – Artigos – Segunda-feira, 31 de março de 2025 – Internet: clique aqui – Acesso em: 01/04/2025.
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