5º Domingo da Quaresma – Ano C – Homilia
Evangelho: João 8,1-11
Alberto
Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
A melhor justiça é o perdão!
No Evangelho de Lucas, há onze versículos que, por muito tempo, nenhuma comunidade cristã quis tê-los e lê-los. Nos primeiros tempos do cristianismo, os evangelhos não estavam reunidos. Cada comunidade tinha seu próprio evangelho e o transmitia às outras comunidades. Bem, quando o Evangelho de Lucas chegava a uma comunidade, esses onze versículos eram removidos.
Esses
são os versículos que, mais tarde, encontraram hospedagem e hospitalidade no
Evangelho de João, no capítulo oito, do primeiro ao décimo primeiro versículo [portanto,
o evangelho lido neste domingo]. Na verdade, se retirássemos esta passagem
do Evangelho de João e a inseríssemos em seu lugar original, no capítulo 21
após o versículo 38 do Evangelho de Lucas, veríamos que esse era o seu
contexto.
Mas
como é que nenhuma comunidade quis essa passagem, nem por um século, e por
cinco séculos essa passagem do evangelho não apareceu na liturgia e até os anos
900, tantos anos se passaram, não foi comentada pelos Padres de língua grega?
Pois bem, temos o precioso testemunho de Santo Agostinho, o qual, no século IV,
escreve:
Por medo de conceder a suas esposas a impunidade de pecar, eles
retiram (os membros das comunidades cristãs) de seus códigos (isto é, do texto
do Evangelho) o gesto de indulgência que o Senhor fez para com a adúltera, como
se aquele que disse “de agora em diante não peques mais”, tivesse dado
permissão para pecar.
Assim
foram os homens, os maridos, que não quiseram esta passagem, porque a
indulgência de Jesus para com a mulher adúltera parecia pôr em perigo a sua
família, a sua unidade conjugal.
Mas vamos ler esta importante passagem que, repito, ainda que hoje se encontre no Evangelho de João, na realidade é de Lucas, a linguagem é de Lucas.
João 8,1-2:** «Naquele tempo, Jesus foi para o monte das Oliveiras. De madrugada,
voltou de novo ao Templo. Todo o povo se reuniu em volta dele. Sentando-se,
começou a ensiná-los.»
Esta indicação de tempo é importante: “de madrugada”. Já vimos isso, cada vez que o povo vai ao encontro de Jesus e Jesus tenta libertá-lo, fazer o povo crescer, amadurecer o povo, eis imediatamente a reação das autoridades religiosas. Eles querem subjugar o povo, não o tornar independente.
João 8,3a: «Entretanto, os mestres da Lei e os fariseus trouxeram uma
mulher surpreendida em adultério.»
Sabemos que está amanhecendo, então eles provavelmente espionaram essa situação.
João 8,3b-5: «Colocando-a no meio deles, disseram a Jesus: “Mestre, esta mulher
foi surpreendida em flagrante adultério. Moisés na Lei mandou apedrejar tais
mulheres. Que dizes tu?”»
E
esta é a hipocrisia dos religiosos, eles não querem aprender com Jesus, eles só
querem enganá-lo, eles querem condená-lo. Notemos o desprezo por esta criatura:
a mulher!
Pelo
fato de a pena exigida ser o apedrejamento, entende-se que esta mulher está na
primeira fase do casamento. O casamento em Israel ocorria em duas etapas. A
primeira, quando a menina tinha doze anos e o homem tinha dezoito anos, havia a
fase chamada de noivado, um ano depois começava a coabitação e essa
segunda fase eram as núpcias.
Se a mulher cometesse adultério na primeira fase, a do noivado, era apedrejada. Se, pelo contrário, o adultério fosse cometido na segunda fase, a sentença era o estrangulamento. O fato de pedirem lapidação (apedrejamento) para essa adolescente, significa que ela é uma menina entre doze e treze anos!
João 8,6a: «Perguntavam isso para experimentar Jesus e para terem
motivo de o acusar.»
É
uma armadilha. Não importa o que Jesus responda, ele dá um tiro no próprio pé.
Porque se ele dissesse: “Bem, obedeçamos à lei divina”, todas aquelas
pessoas que seguiram Jesus porque sentiram uma inspiração diferente nele,
ouviram o eco do amor e da misericórdia de Deus, ficariam desapontadas e o
deixariam. Se, ao contrário, Jesus dissesse: “Não, não vamos apedrejá-la”,
ora, estamos no templo, lá está a polícia, e Jesus poderia ser preso por
transgredir a lei divina, a lei de Moisés.
De fato, o evangelista comenta: “perguntavam isso para pô-lo à prova”. Literalmente, é dito: “tentá-lo”. É o verbo que o evangelista usa para o diabo. Então esses zelosos defensores da tradição e da ortodoxia, na verdade, não são mais nada para o evangelista que ferramentas do diabo! O evangelista é feroz: as autoridades religiosas realizam a ação do diabo. Quem é o diabo? Aquele que tenta, aquele que acusa.
João 8,6b: «Mas Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no
chão.»
Qual
pode ser o sentido desse silêncio de Jesus e da ação de escrever? Provavelmente,
é uma referência ao profeta Jeremias, capítulo 17, versículo 13 onde lemos: “Os
que te abandonam ficarão envergonhados, os que de ti se afastam serão inscritos
no pó”. É a denúncia de Jesus: esses zelosos defensores da ortodoxia, da
tradição, essas pessoas muito religiosas, na verdade abandonaram o Senhor
porque abrigam sentimentos de ódio, abrigam sentimentos de morte.
Na primeira carta de João se diz muito bem: “Quem não ama permanece na morte” (1Jo 3,14b).
João 8,7: «Como persistissem em interrogá-lo, Jesus ergueu-se e disse:
“Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”.»
Não se trata, como às vezes vemos em imagens ou filmes, de pessoas pegando uma pedra e jogando-a. A primeira pedra era a que atiravam as testemunhas de acusação, era uma pedra que devia pesar cerca de 50 kg, e era atirada sobre a mulher que tinha sido baixada a uma cova e, na prática, era essa a pedra que a matava. Então Jesus diz: “Aquele que está sem pecado execute a sentença de morte”.
João 8,8-9a: «E tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão. E
eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais
velhos...»
O termo usado pelo evangelista não quer indicar tanto “os velhos, os idosos”, mas o termo grego é “presbítero”, que são os membros do Sinédrio, aqueles que julgam. O Sinédrio era o mais alto corpo jurídico de Israel, composto pelos sumos sacerdotes, escribas e presbíteros. São eles que julgam, são eles que vão embora.
João 8,9b: «... e Jesus ficou sozinho, com a mulher que estava lá, no
meio do povo.»
O final é repleto de grande ternura!
João 8,10-11: «Então Jesus se levantou e disse: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” Ela respondeu: “Ninguém, Senhor”. Então Jesus lhe disse: “Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais”.»
Jesus
dirige-se a esta mulher com grande respeito. Jesus é o único em quem não há
pecado, o único que poderia condená-la, atirar a primeira pedra e censurá-la,
mas Jesus não a repreende.
Jesus não perdoa a mulher, porque a mulher já foi perdoada por Deus, mas ele lhe dá forças para voltar à vida. Jesus não lança sobre esta mulher a pedra que a esmaga, mas oferece-lhe a sua palavra que a ajudará a continuar a viver.
* Traduzido e editado do italiano por Pe.
Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão PessoalPe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“Não julgue e você
nunca estará errado.”
(Jean-Jacques Rousseau: 1712-1778 – filósofo,
teórico político e escritor suíço)
Parece haver um verdadeiro prazer, uma verdadeira satisfação em encontrar motivos para julgar e condenar as pessoas! Muitos se satisfazem em poder identificar nos demais, aquilo que é abundante no interior de si mesmo, ou seja, os defeitos, os males, as imperfeições! Essa é a lógica perversa da religião, quando ela se configura como sendo a comunidade dos puros, dos santos, dos piedosos versus os impuros, os pecadores e os malvados!
Acontece que deveríamos nos pôr a seguinte pergunta: Por que nos consideramos justos? A humanidade não está dividida em “justos” e “pecadores”. A humanidade é uma comunidade de pecadores, por isso precisa do perdão para sobreviver.
Nesse sentido, tem razão o filósofo alemão Friedrich Nietzsche: “o julgamento e condenação moral são a vingança preferida das pessoas espiritualmente limitadas sobre as que são menos que elas mesmas”. Enquanto Deus, na pessoa de seu messias, Jesus Cristo, se apraz em perdoar, salvar, recuperar a vida, muitos de nós, seres humanos, parecemos nutrir um prazer sádico em descobrir os erros e pecados alheios e torná-los públicos, denunciá-los, como se fôssemos melhores do que aqueles que julgamos!
Não é por nada que a fofoca, o preconceito, o prejulgamento, a discriminação estão presentes em todas as nossas comunidades que se autodenominam de “cristãs”! Afastando-as de Cristo e aproximando-as dos escribas e fariseus dos tempos de Jesus.
Vale a pena acompanhar as constatações
realizadas pelo teólogo jesuíta espanhol José Enrique Galarreta (1937-2014):
«Assim,
Jesus revela Deus. Deus não é aquele que busca justiça mediante a punição. Deus
é aquele que quer salvar do pecado. E nós, homens, ou somos assim ou vamos
contra Deus. Salvar o pecador, libertar do pecado é a obsessão de Jesus. E é
por isso que ele se indigna contra os “justos”, porque em primeiro lugar eles
não são, mas são tão cegos que não sabem que são pecadores; e em segundo lugar
porque, se o são, é porque receberam de Deus muito mais do que os outros, para
que possam economizar mais.»
A nossa esperança é esta que José Antonio Pagola expressou muito bem:
“Frente à incompreensão, as acusações e condenações fáceis das pessoas, o ser humano sempre poderá confiar na misericórdia e no amor insondável de Deus. Aonde termina a compreensão dos homens, segue firme a compreensão infinita de Deus.”
Oração após a meditação do Santo Evangelho
«Nem eu te condeno. Jesus
nos diz, sem rodeios, que Deus não condena. Quem ousa condenar não fala em nome
de Deus. Enquanto isso não estiver claro para mim, não darei um passo na vida
espiritual. Se alguém te ajuda a descobrir teus defeitos, está te ajudando a encontrar
o caminho de tua plenitude. Se alguém te convence de que és um miserável, está
te levando para um beco sem saída. Deus não é um ser que ama. Deus é amor e só
amor. Quando atribuímos qualidades a Deus, nós o ridicularizamos. Se eu
descobrir esse amor nas profundezas de mim, todo o meu ser ficará encharcado,
transformado em amor.»
(Fray Marcos – Fonte: aqui)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – V Domenica di Quaresima – 7 aprile 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 12/03/2025).
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