P E R I G O ! ! !
“O perigo real é o retorno do fascismo”
Entrevista com Rob Riemen
Filósofo e diretor do prestigiado Nexus Institute
Laura Emilia
Pacheco e Fernando García Ramírez
Letras
Libres
21-10-2017
O fascismo é o cultivo político de nossos piores
sentimentos irracionais:
o ressentimento, o ódio, a xenofobia, o desejo de poder
e o medo
ROB RIEMEN Nascido em 1962 na Holanda, é um ensaísta, escritor e filósofo |
«No
momento, negamo-nos a ver o retorno do fascismo. Dizem-me que falo dos perigos
do populismo. Não é assim. O populismo é como os mosquitos, um pouco
irritantes. O perigo real é o retorno do
fascismo. O fascismo é o cultivo político de nossos piores sentimentos
irracionais: o ressentimento, o ódio, a xenofobia, o desejo de poder e o medo.
Não deveríamos confundir os dois conceitos. Devemos chamar o fascismo por seu nome».
É
aquilo que afirma Rob Riemen (Países
Baixos, 1962), ensaísta, filósofo e diretor do prestigiado Nexus Institute.
Riemen
esteve recentemente no México para apresentar a obra Para combatir esta era.
Consideraciones urgentes sobre el fascismo y el humanismo (Editora: Taurus,
2017), uma poderosa alegação em favor do
humanismo como antídoto contra o renascimento do fascismo. Concedeu-nos
esta entrevista em uma manhã nublada, como nosso tempo.
Eis a entrevista.
Livro de Rob Riemen, ainda sem edição em português Tradução do título: "Para combater esta era: considerações urgentes sobre o fascismo e o humanismo" |
Em seu primeiro
livro, retoma o ideal democrático de Thomas Mann da “nobreza de espírito”. A
nobreza de espírito, que é individual, pode se opor ao avanço do fascismo, um
movimento da sociedade de massas?
Rob Riemen: Em 1947, enquanto trabalhava em Doutor Fausto, Mann
escreveu sua conferência A filosofia de
Nietzsche à luz de nossa experiência. Nela dizia que nenhuma medida técnica, instituição política, nem ideia de governo
mundial conseguiria avançar para uma nova ordem social sem que antes se
desenvolvesse um clima espiritual alternativo. Para Mann, a única forma de deter os avanços do fascismo era mediante a
nobreza de espírito. Concordo.
O fascismo nasceu no interior
da sociedade. A ignorância da sociedade
de massas é também uma ignorância dos valores espirituais e morais. O
fascismo surge neste contexto. Como afirmo em Para combatir esta era: apesar do progresso científico e
tecnológico e do enorme acesso à informação, a força dominante de nossa
sociedade é a estupidez organizada. Não se detém o fascismo através da
economia, da tecnologia ou da ciência, nem sequer através das instituições –
porque dependem das pessoas que as formam -, mas, sim, com uma mentalidade
distinta. Mann, Camus, Sócrates e muitos outros pensadores advertiram que a “nobreza de espírito” é um dos ideais
mais democráticos que existem. Para cultivá-la não é necessário dinheiro,
ser tecnologicamente habituado ou ter um título universitário. A NOBREZA DE ESPÍRITO é uma mentalidade, é
saber do que se trata a dignidade humana.
“Para combatir esta era” é um chamado às
elites políticas, econômicas, acadêmicas e intelectuais. Elites que, no
entanto, parecem estar atravessando uma crise. Afirma que “geraram o vazio
espiritual no qual o fascismo pode crescer outra vez”.
Rob Riemen: Enfrentamos dois problemas diferentes. O primeiro é o tipo de elites dominantes em nossa
sociedade. As elites políticas, econômicas e midiáticas são as que têm mais
poder e influência. São definidas e validadas pela quantidade, não pela
qualidade. No mundo da cultura, não obstante, o conceito tem um significado
distinto: a elite expressa a qualidade. Pensemos na União Soviética de Stalin:
de um lado, estavam as elites do poder, os dirigentes do partido e, como
contrapeso, uma minúscula elite moral representada por [Boris] Pasternak,
[Osip] Mandelstam, [Anna] Akhmátova e, posteriormente, [Joseph] Brodsky. Uma
das coisas que ocorre em nossa era do capitalismo rampante é que a única elite
que reconhecemos é a do poder, que só expressa quantidade. O fato de as elites intelectuais e artísticas estarem marginalizadas
reflete que os mais altos valores da sociedade atual são os do comércio e da
tecnologia. É indispensável fazer um chamado às elites, incluindo a elite
acadêmica: tem uma posição privilegiada que acarreta uma responsabilidade que
não estão aceitando. Teriam que ser combatentes contra esta era.
Parte do fenômeno ao qual enfrentamos hoje foi retratado por Hermann Broch no terceiro volume de Os sonâmbulos, onde analisa o declive
dos valores. Para Broch, não é que já
não existam valores, mas, ao contrário, em consequência de já não existir um
valor universal e transcendental, todos os valores se fragmentam e se tornam
pequenos.
À classe política só interessa o poder, à classe
militar só interessa ter mais armas, aos médicos só interessa ter mais
remédios, ao mundo tecnológico só interessa desenvolver mais tecnologia. Já não existe um SENTIDO DE RESPONSABILIDADE GERAL.
E não só isso: esses grupos não falam o mesmo idioma, não se comunicam, não
existe um diálogo entre eles.
Em seu romance O homem sem qualidades, Robert Musil coloca esses grupos –
generais, empresários, intelectuais e aristocratas – em conversa. Para Musil,
eles se reúnem porque estão em busca da “grande ideia”. É uma bela metáfora que
Musil retoma de Os demônios de Dostoievski. Perdemos a “grande ideia”.
Em termos mais acadêmicos, diríamos que perdemos
o grande relato. As consequências sociológicas dessa ausência são imensas.
Na Idade Média, por exemplo, as pessoas faziam parte de uma grande ideia única.
Isso se acabou, por bons motivos, mas agora
temos uma sociedade completamente fragmentada, individualizada, com uma classe governante que perdeu o sentido
comum ou o bom sentido, e não temos um governo que queira velar pelo bem
comum.
Contribuiu para a deflagração da Segunda Guerra
Mundial o fato das elites ficarem em um processo de sonambulismo, adormecidas. Está ocorrendo novamente. Para Hermann Broch, o sonâmbulo se nega a ver a tormenta.
No momento, negamo-nos a ver o retorno do fascismo. Dizem-me que falo dos
perigos do populismo. Não é assim. O populismo é como os mosquitos, um pouco
irritantes. O perigo real é o retorno do fascismo. O fascismo é o cultivo político de nossos piores sentimentos
irracionais: o ressentimento, o ódio, a xenofobia, o desejo de poder e o
medo. Não deveríamos confundir os dois conceitos. Devemos chamar o fascismo por
seu nome.
Frase célebre do filósofo Rob Riemen |
Ao que se deve que
a sociedade negue a assumir que o fascismo está de volta?
Rob Riemen: Ao embaraço de políticos e acadêmicos. Ao menos é o que
acontece no Ocidente. Adverti isto, há alguns anos, quando publiquei nos Países
Baixos O eterno retorno do fascismo,
o primeiro ensaio de Para combatir esta era. Recebi um tsunami de respostas
negativas. Nos jornais, apareciam artigos enfurecidos, assinados por políticos,
que diziam que eu deveria me sentir envergonhado. Os acadêmicos também se
irritaram porque eu disse que na academia se dedicam a escrever notas de
rodapé, ao invés de se envolver politicamente. Não me permitiram dizer que o deputado neerlandês Geert Wilders é um
fascista.
Aceitar o retorno do fascismo representa um problema
para alguns pensadores progressistas, pois significa que nossa sociedade tem
fantasmas que se negam a morrer.
Embora haja exceções, os acadêmicos em geral não sabem nada. O problema
fundamental que está atingindo a academia é a confusão entre a ciência e a
verdade. Sabemos a respeito da brilhante ideia que teve Descartes ao separar a alma do corpo. Foi a partir desta nova ideia
que pudemos fazer descobertas científicas. Mas, tempo depois, em 1725, Giambattista Vico advertiu que, apesar
da grande admiração que tinha por Descartes, não devíamos cometer o erro de pensar que o paradigma científico –
mesmo que adequado para explicar o que ocorre na natureza – nos faria compreender o ser humano e sua
sociedade, porque somos uma espécie espiritual. [Quanta
verdade se encontra nessa afirmação de Vico!]
Nossos sentimentos e emoções vão além do paradigma
científico. Os acadêmicos, no
entanto, se negaram a escutar a advertência de Vico, ou a esqueceram.
Constantemente, as humanidades têm que provar que são científicas e lhes impõem
a necessidade de inventar teorias. Simon
Schama explicou que a história é
composta por uma série de relatos, mas são poucos os historiadores que
contam algo. Tudo são teorias. Isto se aplica também para a psicologia e a
sociologia. Existe um mal-entendido no campo das humanidades e com sorte um dia
nos darão mais conhecimentos que dados. Ao não compreender, não fazem parte do
debate público. Como não há evidência
empírica de que enfrentamos o fascismo, negam-se a pensar que está de volta.
Enfrentamos um novo
gnosticismo e quem o cultiva é essencialmente a esquerda: “as pessoas” se
sentem traídas, “as pessoas” não sabem o que fazer. Em certo sentido, isto é
tão antidemocrático como o fascismo. Eis, aqui, onde estamos atolados. O que não temos é um “humanismo cívico”. O
que a sociedade perdeu é a NOÇÃO DE HUMANISMO no discurso cívico. Isso é
algo que devemos recuperar o quanto antes, porque, caso contrário, nos
dirigimos ao desastre.
Mas, não há somente
ciências da natureza, também existem a ciência política e a ciência econômica.
Ou seja, a quantificação de elementos econômicos e políticos de um ponto de
vista científico.
Rob Riemen: Se a
economia fosse uma ciência, por que não conseguiu prever a crise econômica de
2008 ou a enfrentar? A ciência
política se reduz só a dados e não contribui em nada. Ao querer se concentrar
neste paradigma, a ciência se limita. O
argumento de Giambattista Vico é que se queremos compreender o ser humano e
entender a sociedade, precisamos de história, poesia, filosofia, música e arte.
Isto nos dará um conhecimento absoluto? Não, porque o ser humano transcende o conhecimento absoluto.
Pensa-se que falar de alma e
espírito humano é antiquado. Se isso é correto, perdemos o rumo. Qual é a essência do ser humano?
Sócrates diz que é a alma. Em suas Disputaciones
tusculanas, Marco Tulio Cícero
escreveu sua famosa sentença de onde provém nossa noção de cultura: “o cultivo da alma, isso é a filosofia”.
E, certamente, junto à filosofia,
perdemos a busca da sabedoria, o cultivo da alma. De modo que não deve nos
surpreender o tipo de mundo em que vivemos.
Não sou contra a informação e
os fatos, mas não necessariamente são conhecimento, nem sabedoria. Os poetas e os artistas dizem que a LINGUAGEM
é como um espelho que nos diz se somos autênticos. Ao final de Apologia, Sócrates adverte que, sem a
linguagem das musas, sem a linguagem da música, da poesia e da arte, seria
impossível nos expressar; seria impossível compreender nossos sentimentos e
lidar com nossas frustrações, temores e solidão. Por isso, é importante ter essa linguagem que – como já disse [Marcel] Proust – é o que nos permite entender o outro. Nunca seremos capazes de
apreciar e articular nossas experiências mais profundas sem a linguagem das
musas.
As sociedades que
estão dominadas pelo medo são propensas ao contágio do populismo, mas o medo é
inevitável em sociedades como as nossas, assediadas pelo terrorismo e a
violência do narcotráfico.
Rob Riemen: Não são as sociedades, somos nós mesmos. Nossa psique está invadida pelo temor: somos a única espécie que tem consciência
de sua mortalidade. O temor é um sentimento inerente ao ser humano. Mais
que de uma educação ou de uma filosofia, Sócrates falava de uma Paideia: de como viver a vida. Um de seus elementos é como lidar com
nossos temores. Perdemos os instrumentos que nos permitem fazer isso.
Por que sociedades são tão inseguras?
Por que dependem tanto de psiquiatras?
Por que depositamos nosso sentido de bem-estar e confiança nos bancos,
nas companhias de seguros e nos sistemas de pensões?
Em parte, é porque nossa
sociedade se tornou muito mais materialista e acreditamos que as
seguradoras irão cuidar de nós.
Para que devo cultivar minhas habilidades ou certo
caráter se, enquanto minha conta de banco estiver boa, estarei bem? Sócrates pensava que o valor é a habilidade de se conquistar a si mesmo, o valor para
cultivar nossa alma, e queria que recebêssemos uma educação que nos tornasse
corajosos, conquistar nossos temores, frustrações, inseguranças de modo que
tenhamos a coragem para agir.
Imaginemos uma sociedade na qual nos déssemos conta de
que a autêntica segurança não deveria vir de nossa conta bancária, mas de nós
mesmos. Imaginemos uma sociedade na
qual, em verdade, tratássemos de nos educar para sermos corajosos. É a única
maneira de se opor ao que está ocorrendo. Isto não significa que não haverá
mais tragédias, mas como sociedade seríamos muito mais fortes.
Afirma que o medo
leva os povos a buscar um líder que os salve e proteja. Sua advertência de que
o fascismo está de volta, não é uma forma de provocar medo nas elites?
Rob Riemen: Ao falar de elites nos referimos à elite do poder.
Isso já acontece nos Estados Unidos, onde a classe que compõe os financistas de
Wall Street está em ascensão. É exatamente o que ocorreu na Alemanha nazista
por falta de cálculo, oportunismo e pensamento estratégico: as elites – não só as elites do poder, mas
também muitos acadêmicos e intelectuais – pensavam que Hitler não podia ser tão
mau. Enquanto o líder fascista se dedica a seus próprios interesses, parece
que não importa para ninguém. Chegado o momento, se as coisas se colocam muito
mal em um regime totalitário, não há possibilidade de erguer a voz.
Por que as pessoas precisam tanto da figura de um líder?
Por que a sociedade anseia um herói?
Os heróis atuais são as celebridades. Sabemos que Trump
pôde chegar à Casa Branca graças ao fato de que, durante doze anos, apareceu
constantemente na televisão. Assim, de forma grande, é a fome de líderes, heróis, gurus e messias.
É por este motivo que procuro
fazer uma defesa do humanismo. Se
alguém é suficientemente afortunado na vida, encontra um mestre: um homem ou
uma mulher que possa o ensinar a desenvolver suas habilidades e talento. A
humanidade pode ser dividida entre as pessoas
que precisam de um mestre e o procuram e as pessoas que não o procuram, mas estão impressionadas com o líder
poderoso ao qual podem se submeter.
Dostoievski
disse isso com grande eloquência em O
Grande Inquisidor. Nele, apresenta a Jesus Cristo não como um líder
poderoso, nem como herói. Apresenta-o como um mestre. Um mestre, além do mais,
que não traz boas notícias. A má nova é
que Jesus Cristo não está aqui para nos fazer felizes, mas, ao contrário, para NOS
TORNAR LIVRES. Precisamos de um mestre
quando queremos desenvolver a qualidade de SER LIVRES. Precisamos de um líder ou uma celebridade
quando queremos SER FELIZES.
Na França e nos
Países Baixos (Holanda e Bélgica), os candidatos com discursos fascistas
perderam as eleições. O fascismo foi detido na Europa?
Rob Riemen: Nos Países Baixos não detivemos o fascismo. Geert Wilders é líder do atual segundo
partido mais importante e principal opositor do partido no governo. Isto
significa que no debate parlamentar ele é o primeiro a falar. Pode dizer o que
quiser, sem nenhum tipo de responsabilidade. Por outro lado, o vencedor da
eleição, Mark Rutte, publicou uma
carta aberta em todos os jornais holandeses intitulada Ser normal. Aí diz que, como holandeses, damos as boas-vindas a
todos sempre e quando se comportarem de uma maneira “normal”, como o restante
dos cidadãos neerlandeses. Vá! Ser normal
significa que você deve ser igual ao outro. Não posso pensar em um argumento
mais racista e xenófobo. Pouco depois, o líder do partido Apelo Democrata-Cristão disse que todos
em meu país devem saber o hino nacional de cor e que cada vez que seja
escutado, devemos ficar em pé e colocar a mão sobre o coração. Querem criar
instrumentos para nos fazer todos “normais”.
Na França, por outro lado, Macron teve muita sorte. É jovem e tem
pouca experiência. Em geral, a votação parlamentar é de 70 a 80%. Ele só obteve
48%. Caminha em um terreno sensível e está em uma posição muito mais complicada
que a de Obama quando venceu a presidência em 2008, e já vimos o que ocorreu
após os oito anos de seu governo. De
modo que não nos enganemos pensando que, de repente, sem tomar nenhuma
iniciativa real, detivemos o fascismo. A União Europeia se encontra em um
momento muito delicado. É tão disfuncional que, na Hungria, não pode enfrentar a
Viktor Orbán, um fascista absoluto.
Também sabemos o que aconteceu no Reino Unido e na Polônia. As forças que querem destruir a Europa são
inegáveis.
Qual é a
pertinência de “Para combatir esta era”?
Rob Riemen: Sem Trump o livro não teria aparecido em espanhol, nem
em outros idiomas. No caso de Trump, não acredito que haja um processo de
destituição. Se chegasse a ocorrer, não esqueçamos o que disseram Levi, Mann e
Camus, após a destruição da Alemanha de Hitler e o desmoronamento do fascismo
na Itália: não cometamos o erro de
pensar que o fascismo desapareceu com a guerra. Após a guerra, Camus publicou A Peste para deixar assentado esta mensagem. Podem passar dez ou
cinquenta anos, mas o fascismo reaparecerá. Está acontecendo, agora, com Trump (Estados Unidos) e Erdogan (Turquia). Mas, mesmo se eles
se forem, o fascismo permanecerá.
Em 1929, José
Ortega y Gasset nos advertiu, em “A
rebelião das massas”, sobre a ascensão do fascismo. As sociedades livres
lutaram contra as nações fascistas pela liberdade. Os líderes que enfrentaram o
fascismo – Estados Unidos e o Reino Unido –, hoje, possuem um governo
populista. Que caminho tomar?
Rob Riemen: Os Estados Unidos não têm um governo fascista, mas,
sim, um presidente que é. Este é um exemplo de que a liberdade e a democracia não podem se dar por assentadas. Talvez
devamos dar um salto muito mais extenso e entender que o modelo de Estado-nação é relativamente novo em nossa história, que
como modelo tem dificuldades, e que isso abre o espaço para o surgimento do
nacionalismo. A partir deste cenário, pode crescer o fascismo. Não há fascismo ou racismo sem nacionalismo.
No final dos anos 1930, Thomas Mann, Hermann Broch e alguns intelectuais estadunidenses como Robert Maynard Hutchins – que então era
o reitor da Universidade de Chicago – se reuniram a pedido de Elisabeth Mann Borgese e seu esposo, o
escritor Giuseppe Borgese, um dos
poucos intelectuais italianos que se negou a fazer o juramento de lealdade a
Mussolini e se exilou nos Estados Unidos. Em
1938, Borgese pensou que a guerra era inevitável e que deviam vencê-la.
Pensava que, após a guerra, os políticos estariam muito agoniados, sendo assim,
os intelectuais tinham que sair da torre de marfim e escrever algum tipo de
material a partir do qual poderiam se estabelecer novos princípios.
O grupo se reuniu algumas vezes
em Atlanta, em 1939, pouco antes da guerra. Em março de 1940, publicaram The city of man. A declaration on world democracy, onde se perguntavam: o que precisamos fazer após a Guerra?
Eles mesmos responderam: um governo
mundial, um parlamento mundial, direitos humanos universais. A partir deste
pequeno livro nasceu a ONU (Organização das Nações Unidas).
Cabe a nós, intelectuais –
gente privilegiada que podemos viver cuidando de ideias e do significado das
palavras –, unir-nos, explicar o que ocorre e como avançar. Estamos atolados entre dois paradigmas que
não nos permitem avançar:
1º) Nossa conversa girou em torno do paradigma do retorno do fascismo.
2º) Contudo, há
outro paradigma com o qual estamos lidando: a sociedade capitalista-científica-tecnológica que se rege pelo tipo de
ideologia que vem do Vale do Silício. Uma ideologia que se baseia na falsa noção de que com a
tecnologia e a neurociência podemos resolver tudo.
Como dizia Obama com frequência: Fix it first. Isso tampouco nos
permitirá avançar. Isto abebera o fato
de que não há ideias. Tive um debate acalorado com um professor que dizia
que para se ter uma Europa unida era necessário retornar à Idade Média, sob a
forma da cristandade. A saída não está
em um retorno ao passado.
Celan, Brodsky, Pasternak e muitos outros exerceram a arte da tradução. Por que Thomas Mann escreveu José e seus irmãos? Começou a escrever
sua tetralogia quando se deu conta de que existia um homem chamado Adolf
Hitler. Mann, que vivia em Munique,
escutou a retórica de Hitler, compreendeu sua ideologia e percebeu que queria criar uma nova religião laica. Sendo assim,
começou a escrever seu livro. Tomou a Bíblia e se propôs voltar a contar – a
traduzir – a história de José e seus irmãos.
Paul Celan –
depois que os nazistas o cercaram junto com sua família em um gueto, enviaram
seus pais para um campo de extermínio, onde assassinariam sua mãe e morreria
seu pai, e o mandaram para um campo de trabalhos forçados, de onde foi finalmente
libertado – teve que traduzir.
O grande relato que esperamos, o tipo de
história que precisamos ter para que renasça o humanismo laico ou religioso
será, justamente, um que volte a CONTAR HISTÓRIAS; será uma TRADUÇÃO, como o Renascimento foi uma
tradução. Goethe disse que a verdade já existe, a única coisa que
precisamos fazer é repeti-la e traduzi-la.
Daí minha rejeição aos
acadêmicos. Não estão fazendo seu trabalho. Por outro lado, a cada dia admiro
mais Andrei Tarkovsky, porque com
seus filmes conseguiu traduzir valores fundamentais em histórias. A noção de sacrifício, que pertence ao mundo
da religião, ele a traduziu em um relato claro. Todos os meus heróis são tradutores. Empreenderam a tarefa de transmitir ou traduzir valores,
as coisas que na verdade importam, para nos dar uma visão do mundo que
protegesse a noção do que é uma civilização democrática. Se não somos capazes de fazer isto, estamos perdidos.
DONALD TRUMP (Presidente norte-americano) Segundo Rob Riemen, pessoalmente ele é fascista, mas seu governo não! |
Qual a sua opinião
da reação que Trump gerou dentro dos Estados Unidos?
Rob Riemen: Não podemos aceitar o que ocorre. Trump não venceu no voto popular. Muita gente compreende o que
ocorre. Hillary disse que agora faz
parte da “resistência”, algo que me causa certo mal-estar, pois do lado do
mundo do qual venho as pessoas que pertenciam à resistência arriscaram sua vida
para lutar contra os nazistas. Neste momento, não há um só estadunidense cuja vida
corra perigo, de modo que seria melhor dizer que se é parte da oposição.
Recortemos este fato: aquilo que é possível nos Estados Unidos resulta
impossível na Rússia. Este tipo de oposição faria com que, na Rússia ou na
China, você fosse executado de imediato. Ainda há certa liberdade na Hungria,
embora a cada dia se torna mais difícil pertencer à oposição. Se Trump consegue aumentar sua base de
seguidores, segue propagando notícias falsas e continua com sua política para
com os meios de comunicação, para que as pessoas prefiram abrir seu Facebook ao
invés de ler o Washington Post, estaremos em uma situação vulnerável. No
pior dos casos, será reeleito por um segundo período. Não é impossível.
Seu livro é uma
defesa dos valores espirituais absolutos. Não é uma aspiração muito elevada
neste momento de emergência?
Rob Riemen: É uma aspiração elevada procurar o amor de sua vida? É
uma aspiração muito elevada necessitar da amizade? É uma aspiração muito
elevada sentir a necessidade de perseguir nossas paixões, de fazer algo que
tenha algum significado? As coisas das
quais falo não são moralistas, abstratas ou poéticas, são as coisas que estão
no centro do ser humano. É uma aspiração muito elevada confiar em seus
amigos e não se sentir traído? Estas são as coisas das quais falo. Tudo se tornou difícil e complicado porque
o ser humano não só aspira, como também sente medo e frustração. Na
realidade, falo de coisas muito básicas.
Traduzido
do espanhol pelo Cepat.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sábado, 28 de outubro de 2017 – Internet: clique
aqui.
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