5º Domingo da Quaresma – Ano C – Homilia
Evangelho: João 8,1-11
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
A melhor justiça é o perdão!
Você sabia?
No Evangelho de Lucas, há onze versículos que, por
muito tempo, nenhuma comunidade cristã quis tê-los e lê-los. Nos primeiros
tempos do cristianismo, os evangelhos não estavam reunidos. Cada comunidade
tinha seu próprio evangelho e o transmitia às outras comunidades. Bem, quando o
Evangelho de Lucas chegava a uma comunidade, esses onze versículos eram
removidos.
Esses são os versículos que, mais tarde, encontraram
hospedagem e hospitalidade no Evangelho de João, no capítulo oito, do
primeiro ao décimo primeiro versículo [portanto, o evangelho lido neste
domingo]. Na verdade, se retirássemos esta passagem do Evangelho de João e
a inseríssemos em seu lugar original, no capítulo 21 após o versículo 38 do
Evangelho de Lucas, veríamos que esse era o seu contexto.
Mas como é que nenhuma comunidade quis essa passagem, nem por
um século, e por cinco séculos essa passagem do evangelho não apareceu na
liturgia e até os anos 900, tantos anos se passaram, não foi comentada pelos Padres
de língua grega? Pois bem, temos o precioso testemunho de Santo Agostinho, o qual, no século IV, escreve:
Por medo de conceder a suas esposas
a impunidade de pecar, eles retiram (os membros das comunidades cristãs) de
seus códigos (isto é, do texto do Evangelho) o gesto de indulgência que o
Senhor fez para com a adúltera, como se aquele que disse “de agora em diante
não peques mais”, tivesse dado permissão para pecar.
Assim foram os homens, os maridos, que não quiseram esta
passagem, porque a indulgência de Jesus para com a mulher adúltera parecia pôr
em perigo a sua família, a sua unidade conjugal.
Mas vamos ler esta importante passagem que, repito, ainda que hoje se encontre no Evangelho de João, na realidade é de Lucas, a linguagem é de Lucas.
João 8,1-2:** «Jesus,
entretanto, foi para o Monte das Oliveiras. De madrugada, voltou ao templo, e
todo o povo vinha até ele, que, sentado, os ensinava.»
Esta indicação de tempo é importante: “de madrugada”. Já vimos isso, cada vez que o povo vai ao encontro de Jesus e Jesus tenta libertá-lo, fazer o povo crescer, amadurecer o povo, eis imediatamente a reação das autoridades religiosas. Eles querem subjugar o povo, não torná-lo independente.
João 8,3a: «Então os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher
flagrada em adultério.»
Sabemos que está amanhecendo, então eles provavelmente espionaram essa situação.
João 8,3b-5: «Colocando-a no meio, disseram a Jesus: “Mestre, esta mulher
foi flagrada em adultério. Moisés, na Lei, nos mandou apedrejar tais mulheres.
E tu, que dizes?”»
E esta é a hipocrisia dos religiosos, eles não
querem aprender com Jesus, eles só querem enganá-lo, eles querem
condená-lo. Notemos o desprezo por esta criatura: a mulher!
Pelo fato de a pena exigida ser o apedrejamento, entende-se
que esta mulher está na primeira fase do casamento. O casamento em
Israel ocorria em duas etapas. A primeira, quando a menina tinha doze anos e o
homem tinha dezoito anos, havia a fase chamada de noivado, um ano
depois começava a coabitação e essa segunda fase eram as núpcias.
Se a mulher cometesse adultério na primeira fase, a do noivado, era apedrejada. Se, pelo contrário, o adultério fosse cometido na segunda fase, a sentença era o estrangulamento. O fato de pedirem lapidação [= apedrejamento] para essa adolescente, significa que ela é uma menina entre doze e treze anos!
João 8,6a: «Eles perguntavam isso para pô-lo à prova e ter motivo para
acusá-lo.»
É uma armadilha. Não importa o que Jesus responda, ele dá um
tiro no próprio pé. Porque se ele dissesse: “Bem, obedeçamos à lei divina”,
todas aquelas pessoas que seguiram Jesus porque sentiram uma inspiração
diferente nele, ouviram o eco do amor e da misericórdia de Deus, ficariam
desapontadas e o deixariam. Se, ao contrário, Jesus dissesse: “Não, não
vamos apedrejá-la”, ora, estamos no templo, lá está a polícia, e Jesus
poderia ser preso por transgredir a lei divina, a lei de Moisés.
De fato, o evangelista comenta: “perguntavam isso para pô-lo à prova”. Literalmente, é dito: “tentá-lo”. É o verbo que o evangelista usa para o diabo. Então esses zelosos defensores da tradição e da ortodoxia, na verdade, não são mais nada para o evangelista que ferramentas do diabo! O evangelista é feroz: as autoridades religiosas realizam a ação do diabo. Quem é o diabo? Aquele que tenta, aquele que acusa.
João 8,6b: «Jesus, porém, inclinando-se, começou a escrever com o dedo
no chão.»
Qual pode ser o sentido desse silêncio de Jesus e da ação de
escrever? Provavelmente, é uma referência ao profeta Jeremias, capítulo 17,
versículo 13 onde lemos: “Os que te abandonam ficarão envergonhados, os
que de ti se afastam serão inscritos no pó”. É a denúncia de Jesus: esses
zelosos defensores da ortodoxia, da tradição, essas pessoas muito religiosas, na
verdade abandonaram o Senhor porque abrigam sentimentos de ódio,
abrigam sentimentos de morte.
Na primeira carta de João se diz muito bem: “Quem não ama permanece na morte” (1Jo 3,14b).
João 8,7: «Como insistissem em perguntar, Jesus ergueu-se e disse: “Quem
dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra!”;»
Não se trata, como às vezes vemos em imagens ou filmes, de pessoas pegando uma pedra e jogando-a. A primeira pedra era a que atiravam as testemunhas de acusação, era uma pedra que devia pesar cerca de 50 kg, e era atirada sobre a mulher que tinha sido baixada a uma cova e, na prática, era essa a pedra que a matava. Então Jesus diz: “Aquele que está sem pecado execute a sentença de morte”.
João
8,8-9a: «e, inclinando-se de
novo, continuou a escrever no chão. Ao ouvirem isso, foram saindo um por um, a
começar pelos mais velhos.»
O termo usado pelo evangelista não quer indicar tanto “os velhos, os idosos”, mas o termo grego é “presbítero”, que são os membros do Sinédrio, aqueles que julgam. O Sinédrio era o mais alto corpo jurídico de Israel, composto pelos sumos sacerdotes, escribas e presbíteros. São eles que julgam, são eles que vão embora.
João
8,9b: «Jesus ficou sozinho
com a mulher, que continuava no meio, em pé.»
O final é repleto de grande ternura!
João
8,10-11: «Erguendo-se, Jesus
lhe disse: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” Ela respondeu:
“Ninguém, Senhor!” Jesus, então, lhe disse: “Eu também não te condeno. Vai, e
de agora em diante não peques mais.”»
Jesus dirige-se a esta mulher com grande respeito.
Jesus é o único em quem não há pecado, o único que poderia condená-la, atirar a
primeira pedra e censurá-la, mas Jesus não a repreende.
Jesus não perdoa a mulher, porque a mulher já foi perdoada por Deus, mas ele lhe dá forças para voltar à vida. Jesus não lança sobre esta mulher a pedra que a esmaga, mas oferece-lhe a sua palavra que a ajudará a continuar a viver.
*
Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 4. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2020.
Reflexão PessoalPe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“Não
julgue e você nunca estará errado.” (Jean-Jacques Rousseau: 1712-1778
– filósofo, teórico político e escritor suíço)
Parece haver um verdadeiro prazer, uma verdadeira satisfação em encontrar motivos para julgar e condenar as pessoas! Muitos se satisfazem em poder identificar nos demais, aquilo que é abundante no interior de si mesmo, ou seja, os defeitos, os males, as imperfeições! Essa é a lógica perversa da religião, quando ela se configura como sendo a comunidade dos puros, dos santos, dos piedosos versus os impuros, os pecadores e os malvados!
Acontece que deveríamos nos pôr a seguinte pergunta: Por que nos consideramos justos? A humanidade não está dividida em “justos” e “pecadores”. A humanidade é uma comunidade de pecadores, por isso precisa do perdão para sobreviver.
Nesse sentido, tem razão o filósofo alemão Friedrich Nietzsche: “o julgamento e condenação moral são a vingança preferida das pessoas espiritualmente limitadas sobre as que são menos que elas mesmas”. Enquanto Deus, na pessoa de seu messias, Jesus Cristo, se apraz em perdoar, salvar, recuperar a vida, muitos de nós, seres humanos, parecemos nutrir um prazer sádico em descobrir os erros e pecados alheios e torná-los públicos, denunciá-los, como se fôssemos melhores do que aqueles que julgamos!
Não é por nada que a fofoca, o preconceito, o prejulgamento, a discriminação estão presentes em todas as nossas comunidades que se autodenominam de “cristãs”! Afastando-as de Cristo e aproximando-as dos escribas e fariseus dos tempos de Jesus.
Vale a pena acompanhar as constatações
realizadas pelo teólogo jesuíta espanhol José Enrique
Galarreta (1937-2014):
«Assim, Jesus revela Deus. Deus
não é aquele que busca justiça mediante a punição. Deus é aquele que quer
salvar do pecado. E nós, homens, ou somos assim ou vamos contra Deus. Salvar
o pecador, libertar do pecado é a obsessão de Jesus. E é por isso que ele
se indigna contra os “justos”, porque em primeiro lugar eles não são,
mas são tão cegos que não sabem que são pecadores; e em segundo lugar porque,
se o são, é porque receberam de Deus muito mais do que os outros, para que
possam economizar mais.»
A nossa esperança é esta que José Antonio Pagola expressou muito bem:
“Frente à incompreensão, as acusações e
condenações fáceis das pessoas, o ser humano sempre poderá confiar na
misericórdia e no amor insondável de Deus. Aonde termina a compreensão dos
homens, segue firme a compreensão infinita de Deus.”
Oração após a meditação do Santo Evangelho
«Nem
eu te condeno.
Jesus
nos diz, sem rodeios, que Deus não condena.
Quem
ousa condenar não fala em nome de Deus.
Enquanto
isso não estiver claro para mim, não darei um passo na vida espiritual.
Se
alguém te ajuda a descobrir teus defeitos,
está te ajudando a encontrar o caminho de tua plenitude.
Se
alguém te convence de que és um miserável,
está
te levando para um beco sem saída.
Deus
não é um ser que ama. DEUS É AMOR e só amor.
Quando
atribuímos qualidades a Deus, nós o ridicularizamos.
Se eu
descobrir esse AMOR nas profundezas de mim,
todo o
meu ser ficará encharcado, transformado em amor.»
(Fray Marcos –
Fonte: Fé Adulta)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – V Domenica di Quaresima – 7 aprile 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 31/03/2022).
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