Um livro bomba!!!
Autor do livro que o Papa chamou de “bomba” descreve
campanha “poderosa” anti-Francisco
Entrevista especial com Nicolas Senèze
Jornalista francês, correspondente da revista «La Croix»,
em Roma (Itália)
Christopher White
«Crux»
28-09-2019
O Papa Francisco
jocosamente referiu-se a um
livro recentemente
lançado,
que conta a
resistência encabeçada por religiosos norte-americanos
ao seu papado, como
uma “bomba”
NICOLAS SENÈZE |
Agora, em entrevista ao Crux,
Nicolas Senèze, autor do livro e correspondente em Roma da revista
católica francesa La Croix, fala sobre o porquê acredita que uma minoria
de católicos americanos tem sido influente nas tentativas de modelar a
narrativa em torno das reformas de Francisco.
Em “Como a América quer mudar o
papa” [em tradução livre], lançado no começo de setembro deste ano, Senèze
analisa os eventos tumultuosos de 2018 depois dos pedidos públicos do ex-núncio
apostólico nos Estados Unidos, Dom Carlo Maria Viganò, para que Francisco
renunciasse com base na forma como lidou com a crise de abusos sexuais
clericais.
Ainda que inicialmente tenha escolhido
o silêncio diante das acusações – dizendo aos jornalistas que fizessem a sua
lição de casa examinando as declarações de Viganò –, em conversa informal com
Senèze ao viajar para a África neste mês de setembro, Francisco disse que
considera “uma honra que os americanos me ataquem”. Na entrevista ao Crux,
Senèze falou que acha que o papa está se permitindo falar sobre o assunto
hoje para resistir à “minoria poderosa” que poderia levar a Igreja a um cisma.
Eis a entrevista.
Tradução do título deste livro: "Como a América quer mudar de Papa". Ainda sem previsão de publicação no Brasil |
Você
acredita que a resistência a Francisco nos Estados Unidos é mais forte do que
em outros países?
Nicolas Senèze: Não tenho
certeza de que a oposição a Francisco é mais forte nos Estados Unidos do que em
outros lugares. O Papa Francisco ainda retém a confiança de uma maioria dos
católicos americanos, mesmo se esta confiança estiver em declínio,
principalmente por causa de uma campanha poderosa para manchar a sua imagem.
A minoria que se opõe a Francisco
no catolicismo americano tem um forte poder: eles têm muito dinheiro e uma
imprensa poderosa, controlam parte do episcopado [dos bispos] e, até a
chegada de Francisco, eram capazes de ditar a conduta no Vaticano.
Como
caracterizaria a situação em seu país, a França?
Senèze: Na França,
também, a influência de uma imprensa católica americana hostil ao papa pode ser
sentida, mas devo reconhecer que ela se limita a setores restritos. O
catolicismo francês é muito diferente, primeiro porque nunca conheceu a
situação de minoria como é nos Estados Unidos. Se hoje os praticantes
católicos são uma minoria na França, uma maioria do povo francês ainda se
define como católico.
O problema de hoje é a questão da
identidade em um contexto onde os próprios franceses se perguntam qual é a
identidade francesa. Para os católicos, isso correspondente com a chegada
de um Papa que, diferentemente de seus antecessores, não está imerso na cultura
francesa. Com Francisco, a França – assim como a Europa – está aprendendo
que não está mais no centro da Igreja, e isso pressupõe certos desafios.
Além disso, existe uma série de
católicos mais culturais do que praticantes, pessoas sensíveis a um
discurso identitário sobre o cristianismo e que podem, pelo contrário, ficar
impressionadas com as palavras exigentes do Papa Francisco, que convida para
ir além de uma identidade católica simples, a um agir
coerente com o Evangelho.
Em
sua opinião, como a crise de abusos sexuais mudou ou contribuiu para a
resistência a Francisco nos Estados Unidos?
Senèze: É difícil
não ver como a crise de abusos sexuais mudou profundamente o catolicismo
americano. Ela mudou a forma como os clérigos são percebidos e questionou o
modo como administravam a Igreja, permitiu a emergência dos leigos. O
problema é que os leigos que assumiram o poder em algumas dioceses
americanas apenas perpetuaram o modelo clerical e impuseram uma visão muito moralista de Igreja.
Em uma abordagem puramente moral ao
abuso sexual, estes católicos americanos achavam-se muito bem com a “tolerância
zero” defendida por Bento XVI. Mas Francisco entendeu que a tolerância zero,
embora indispensável, não bastava: não basta punir os abusadores quando cometem
um crime. A Igreja precisa agir para evitar abusos
e erradicar as suas causas. É a luta que Francisco lidera contra a
cultura do abuso e contra o sistema de acobertamento que permite continuar.
A luta de Francisco contra o clericalismo questiona fundamentalmente toda a visão
de Igreja defendida por estes leigos. Entre eles, as coisas só poderiam
terminar mal, especialmente porque Francisco também os fere com sua denúncia
dos excessos do capitalismo, sua condenação da pena de morte ou por
dialogar com Cuba e a China.
Alguns
críticos o acusam de não ter vindo aos Estados Unidos entrevistar, em primeira
mão, lideranças católicas locais. Qual a sua resposta a eles?
Senèze: Eu não quis
fazer nem uma investigação sociológica nem um relatório sobre o catolicismo
americano. O livro focaliza como os católicos americanos opositores ao Papa
Francisco tentaram forçá-lo a renunciar e como trabalham atualmente para
preparar o próximo conclave, na tentativa de ter um Papa favorável às suas
opiniões.
A minha cena do crime é, portanto,
Roma e adoto um ponto de vista principalmente romano. Esta
visão externa me ajuda a dar um passo atrás e olhar para o catolicismo
americano, para identificar mais facilmente algumas de suas fraquezas que não
necessariamente vemos quando estamos imersos nele. Isso me permite também
sair de uma narrativa imposta pela imprensa que, na maior parte, se opõe a Francisco.
DOM CARLO MARIA VIGANÒ bispo italiano, ex-núncio apostólico nos Estados Unidos, que acusou falsamente Papa Francisco de ter sido omisso na questão de punição aos abusadores de menores por parte do clero |
Depois
da carta de Viganò, o Papa Francisco inicialmente permaneceu em silêncio em
face das críticas. Como vimos recentemente, incluindo no comentário feito sobre
o seu livro, o Papa está começando a falar sobre a resistência a ele. Por que
acha que agora ele está disposto a falar?
Senèze: Há um ano,
dificilmente Francisco falaria. Ele teria caído na armadilha preparada por
Viganò. Ele é o Papa, e não poderia polemizar sem humilhar um ex-colaborador.
Mas, ao permanecer silente, ele
também abriu a porta para o trabalho dos jornalistas. Enquanto trabalhava
no livro, fiquei muito impressionado pela qualidade do trabalho de meus colegas
americanos – incluindo os do Crux! – em dissecar as afirmações de
Viganò e mostrar, finalmente, como as suas alegações eram bastante frágeis.
A maneira de agir do Papa Francisco
é profundamente jesuíta, está profundamente enraizado na espiritualidade
inaciana, o que é normal para um homem modelado durante muitos anos pelos Exercícios
Espirituais. Ao deixar os jornalistas fazerem o próprio trabalho,
Francisco possibilitou que desmascarassem as forças que estavam atuando contra
ele e contra a Igreja.
Creio que quando ele fala hoje –
por exemplo, quando os jornalistas lhe perguntam sobre o cisma (ele repetiu a
palavra que apareceu na pergunta formulada) –, é também para provocar a
maioria silenciosa que o apoia e para ajudar a emancipá-la de sua minoria
poderosa e dar-lhes voz.
Traduzido
do inglês por Isaque Gomes Correa.
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