Pastiche de direita

Os extremos se tocam, mesmo

Vera Magalhães
Jornalista

Bolsonarismo imita a “direita alternativa” (= alt right) americana
com dinheiro público e métodos do PT
ctv-f0f-cpac
A Conferência de Ação Política Conservadora ​em São Paulo - uma pobre imitação da "alt-right" americana
Foto: Nelson Almeida/AFP

A foto de Eduardo Bolsonaro abraçado a um mastro com a Bandeira do Brasil, copiando até o semblante “enternecido” de Donald Trump na mesma pose com a bandeira dos Estados Unidos, é o resumo do que é a direita bolsonarista hoje: um pastiche cafona da alt-right norte-americana, sem consistência filosófica e ideológica nenhuma, que se utiliza de dinheiro público do Fundo Partidário e dos métodos do PT para se financiar e se comunicar e envolta em brigas intestinas justamente pela falta de coesão política.

A semana foi tomada por uma crise provocada pelo presidente da República, que decidiu atirar contra seu partido, o PSL, ao tirar uma selfie com um admirador. A partir daí, ameaçou deixar a legenda, os parlamentares que o seguem ficaram que nem barata tonta sem saber para onde iam, mas, por enquanto, fica todo mundo onde está. E por quê?

Porque o PSL enriqueceu na esteira da febre bolsonarista. É ele, por meio da Fundação Índigo, que financia eventos como a versão brazuca da CPAC [sigla inglesa para: Conservative Political Action Conference, em português: Conferência de Ação Política Conservadora], feita sob medida para o filho do presidente e candidato a embaixador posar de especialista em relações internacionais e a plateia saudar Trump a plenos pulmões.
A reunião dos blogueiros, youtubers e responsáveis por sites na internet
era para ser secreta, em São Paulo. Contou, inclusive, com assessor da Presidência

Gente bem paga para dividir o povo e plantar o ódio

Portanto, a “nova direita” brasileira faz o que a velha política sempre fez: se financia com dinheiro público injetado em partidos sem nenhuma identidade programática, por pura conveniência. Também na semana que passou veio à tona em mais detalhes, por meio de reportagem da revista Crusoé, a conexão entre o comando bolsonarista e uma rede de blogueiros, youtubers, sites de propaganda e milicianos digitais, alguns com polpudos salários em cargos públicos e gabinetes, para fritar ministros, tutelar o presidente, assassinar reputações e plantar fake news.

Também nisso a direita bolsonarista bebe dos métodos da alt-right [= alternative right, isto é, direita alternativa, de origem norte-americana] representada por Steve Bannon, que, a despeito de ter sido afastado pelo papai Trump pelo seu potencial tóxico, é idolatrado pela família e pelos assessores do presidente do Brasil.

Mas Bannon não é a única fonte de inspiração: afinal, foi o odiado PT que inaugurou a engenharia de financiar blogs e sites “alternativos” contra o “PIG”, então chamado por Lula e asseclas de Partido da Imprensa Golpista. Os extremos sempre se encontram num ponto: a demonização da imprensa como forma de banir o contraditório e tentar espalhar seu populismo, seja de direita ou de esquerda.

Uma política externa ridícula

E o que o Brasil colhe em termos de política externa com sua casta dirigente fazendo cosplay [= fantasiando-se] do trumpismo para ficar bem na fita com os Estados Unidos? Na semana que passou o saldo foi um mico monumental. A expectativa de que tanta adulação fosse valer um fast track [= via rápida] para a entrada brasileira na OCDE, o clube dos países ricos, sucumbiu diante da realidade pragmática: os Estados Unidos continuarão usando a retórica da boa vizinhança com o Brasil, mas na hora do “vamos ver” vão cuidar dos próprios interesses, sobretudo na pauta econômica e comercial.

A direita bolsonarista ridícula, não conservadora

Bolsonaro e os filhos vivem a ilusão de que sua chegada ao poder representa uma transformação súbita do Brasil – um País desigual social, econômica, cultural e regionalmente – numa pátria de direitistas empunhando a Bíblia e lendo Olavo de Carvalho.

Esse script é tão falso quanto a crença de que essa mixórdia de conceitos representada pela versão tropical da CPAC, o trem-fantasma do PSL e a blogosfera de crachá representam de alguma maneira algo possível de ser chamado de conservadorismo. Conservadores não flertam com aventuras revolucionárias e com conceitos golpistas como o da necessidade de se combater “inimigos”, internos ou externos, a todo tempo.

O bolsonarismo está mais para uma franquia da direita norte-americana, mas uma tão fuleira que, como se vê, nem a matriz respeita.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política/Colunista – Domingo, 13 de outubro de 2019 – Página A12 – Internet: clique aqui.

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