Para onde vai o nosso mundo?
“Vivemos
a primeira revolta planetária da história”
Entrevista com Jeremy Rifkin
Sociólogo norte-americano,
um dos intelectuais mais influentes no mundo
Justo Barranco
La
Vanguardia
25-10-2019
Chegou o momento, disse, de um gigantesco
plano,
como o New Deal de Roosevelt, que permita modernizar a
infraestrutura,
da rede elétrica
aos edifícios e a produção de eletricidade,
para descarbonizar a sociedade e
criar milhões de empregos, por 30 anos
JEREMY RIFKIN |
Jeremy
Rifkin (nascido em Denver, 1945) é um sociólogo que há décadas atua
como futurólogo, como guia para as tendências mundiais. Assessor de governos em
todo o mundo, é o autor de O fim dos empregos, que em 1995
abordava o desemprego pela automação, e de A Terceira Revolução
Industrial e The Empathic Civilization, que trata da
maneira como as novas tecnologias de comunicação convergem com as energias
renováveis para criar uma sociedade na qual qualquer pessoa possa produzir sua
energia, uma sociedade mais horizontal, participativa e empática.
Lá atrás,
já alertava que talvez a mudança climática fosse um grave obstáculo e não
errou. Agora, publica The Green New Deal [= O Novo Acordo
Verde, tradução livre], sobre o qual falou ontem na Fundação Rafael del
Pino, em Madri.
Tradução do título e subtítulo do livro: "O Novo Acordo Verde: Por que a civilização dos combustíveis fósseis entrará em colapso em torno de 2028, e o audaz plano econômico para salvar a vida na Terra" |
Eis a
entrevista.
Vivemos
em um mundo em que as taxas de juros são negativas, há uma grande agitação
social, o clima se torna violento e o populismo cresce. O que acontece?
Jeremy
Rifkin: Após dois séculos de Revolução Industrial baseada em
combustíveis fósseis, estamos vendo o colapso dessa civilização.
Afirma
que até 2028 o regime fóssil desmoronará.
Jeremy
Rifkin: Este ano, o custo da produção elétrica e solar com as mais
recentes tecnologias já caiu abaixo de qualquer outra energia. O Citygroup
disse, há cinco anos, que poderá haver 100 bilhões [de dólares] em ativos
fósseis obsoletos, bolsas de petróleo que não serão extraídos, oleodutos que
não serão usados. Não houve uma bolha como esta. E agora que bilhões de
investimentos em energia fóssil escapam, é hora de um Green New Deal
[= Novo Acordo Verde, em tradução livre] global. Não precisamos de novos
impostos para criar as novas infraestruturas para chegar a zero carbono, apenas
estabelecer bancos verdes em cada país e região alimentados pelo dinheiro
dos fundos de pensões e soberanos, interessados em retornos estáveis a
longo prazo.
Será
a transição para a terceira revolução industrial e disse que gerará uma
sociedade nova.
Jeremy
Rifkin: A primeira revolução industrial foi centralizada. As energias
extrativas eram muito caras e grandes empresas verticalmente integradas tiveram
que ser criadas. Isso levou aos mercados dos Estados-nação. A segunda nos levou
à globalização. Hoje, com integração vertical, temos 500 empresas que
possuem um terço do PIB mundial, com apenas 67 milhões de empregados do
total de 3,5 bilhões. A terceira revolução industrial unirá as tecnologias
de comunicação a milhões de pessoas que produzem sua energia solar ou eólica e
a compartilham através de um sistema elétrico digital. E isso convergirá
com a nova mobilidade, veículos elétricos, autônomos. Mudará a civilização: a
da primeira revolução foi urbana, a da segunda, suburbana, agora são nós, sua
infraestrutura está desenhada em rede.
E o
capitalismo?
Jeremy
Rifkin: Com a revolução digital, o custo marginal de muitos produtos,
o custo de produzir uma unidade a mais, é quase zero, e isso faz pouco sentido
para o capitalismo. Movemo-nos dos mercados às redes. Dos vendedores e
compradores, aos provedores e usuários. Da propriedade ao acesso. E de
transações a fluxos. Surge a economia compartilhada, na qual as
pessoas compartilham notícias, entretenimento, cursos, e esse é um novo sistema
econômico.
Além disso,
deixamos para trás a era do progresso e passamos à da resiliência frente a
uma natureza mais violenta. Tudo muda e precisamos entender as
implicações para estes jovens nativos digitais manifestando nas ruas de 130
países. É a primeira revolta planetária da história. A primeira vez que
uma geração se vê como uma única espécie e se simpatiza com o outro, se vê como
uma família em perigo. Uma imensa transição. Agora, devem entender como
arregaçar as mangas, voltar para suas comunidades e repensar a educação, a
economia...
Edição espanhola da nova obra de Jeremy Rifkin A edição brasileira, ainda, não tem previsão de publicação |
Também,
explica, passamos da globalização para a glocalização.
Jeremy
Rifkin: Com a globalização, metade da humanidade está muito melhor
que nossos ancestrais, mas às custas do uso de um planeta e meio, e só temos
um. Agora, caminhamos para a glocalização com uma infraestrutura
mais ágil que faz com cada região seja relativamente autossuficiente, mas
que deve se conectar para compartilhar a energia, o comércio, a mobilidade. Cada
região do mundo está se glocalizando, não apenas a Escócia e a Catalunha,
porque a tecnologia é muito barata. Mesmo assim, os Estados-nação têm função: a
regulamentação, os padrões que permitam a conexão. É um sistema em rede. Se
você se isola, perde. Somos interdependentes na família global.
O
que acontecerá com o trabalho?
Jeremy
Rifkin: A infraestrutura da terceira revolução industrial não será
construída por robôs, nem pela inteligência artificial. Não cavam trincheiras
para cabos de banda larga, nem tornarão os edifícios eficientes, nem transformarão
a rede elétrica. São necessárias milhões de pessoas. Paralelamente, é preciso
preparar as pessoas para o que virá depois: um mundo governado por algoritmos
criando bens e serviços. Mas, os algoritmos se baseiam no passado e
dificilmente enfrentarão as mudanças climáticas. É necessário um
entendimento pragmático, olhar o efeito e ver como se adaptar continuamente.
Nisso está a resiliência. Haverá trabalhos para construir resiliência e
enfrentar os problemas climáticos, de saúde pública, a seca, o calor, porque o
clima mudará. Já existem milhões de pessoas morrendo e migrando.
Acabaremos
em distopia?
Jeremy
Rifkin: As grandes transições de infraestrutura na história ampliam a
consciência empática. Hoje, os jovens são globais porque a infraestrutura
permite. Isso sim, não sei qual será sua resistência, têm menos
concentração e estão acostumados à gratificação instantânea e a nova era da
resiliência é o oposto. É necessária:
* uma maneira
sistêmica de entender o mundo e suas complexidades e ser resiliente,
* viver com
contradições,
* ser
corajoso e
* fazer
coisas hoje e entender como afetarão o futuro.
Isso
precisa de uma transformação. Temos que repensar a educação. Espero que
os jovens sejam capazes de manter o protesto, trazer mais pessoas, retornar
às suas comunidades e mudar as coisas. Podemos conseguir a mudança de
infraestruturas, há bilhões de dinheiro esperando, mas devemos ter isso todos
os dias como objetivo. É um novo começo, não pode haver outras prioridades,
nem pedir aos jovens que sejam realistas quando enfrentamos
a extinção.
Traduzido
do espanhol pelo Cepat. Acesse a versão original desta entrevista,
clicando aqui.
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