«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

SEGURANÇA: O MODELO ATUAL ESTÁ ESGOTADO!

Crime é doença sem diagnóstico


Valéria França

Em curto prazo, País precisa de diagnóstico mais completo sobre a violência para definir políticas efetivas de âmbito nacional


Como diminuir os homicídios? O Brasil é o 7º país do mundo com o maior índice de mortes por 100 mil habitantes – perdendo para El Salvador, Ilhas Virgens, Trinidad Tobago, Venezuela, Colômbia e Guatemala. Também tem a quarta maior população carcerária. Os presídios estão lotados (com excedente de 71,9% de presos). E nunca o país prendeu tanto como no último ano.

Discutir os homicídios é só o começo, o fio de um grande novelo. Em segurança pública tudo está interligado. Os brasileiros estão enroscados nesse emaranhado, pois são obrigados a conviver diariamente nas ruas com a violência. Os especialistas da área, cada vez mais, tratam o tema como se fossem médicos investigativos, que procuram os males para uma grande doença: o crime.
“Vivemos uma pandemia de morte de jovens negros”, diz Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência do Brasil. O assassinato de crianças e jovens, de 1 a 19 anos, cresceu 375,9 % nas últimas três décadas. Waiselfisz compara a cultura da violência a um vírus que contamina o ambiente doméstico, as ruas, e até mesmo às corporações armadas, organizadas para proteger o indivíduo.
Diagnóstico. “É difícil discutir segurança pública sem um envolvimento emocional”, diz Luciana Guimarães, fundadora do Instituto Sou da Paz, ONG que trabalha há 15 anos na redução da violência. “Mas é preciso criar um distanciamento para uma discussão racional. Uma medida importante, base para a solução dos problemas, pode ser tomada a curto prazo.” Luciana se refere a produção de um diagnóstico da criminalidade no País. “Falta informação. Não dá para diagnosticar um doente se você não conhece os sintomas, e o meio ambiente em que ele está exposto. Quando se fala em roubo, por exemplo, é necessário conhecer o grupo de risco, o perfil e como se comporta o ladrão.”
Tecnologia. O Instituto Sou da Paz chegou a fazer uma pesquisa nas delegacias de São Paulo, a partir dos Boletins de Ocorrência, para conhecer mais sobre os roubos na capital. “Achamos que seria um bom começo”, diz Luciana. “Porém, cada delegacia faz o boletim de um jeito. Não há um padrão na informação. E esse seria o primeiro passo para cruzar dados.” A pesquisadora também notou que não há nenhum sistema de busca na polícia civil. A equipe precisou ler documento por documento para colher as informações necessárias. Equipar a polícia com ferramentas de análise, ter profissionais com melhor formação seria o começo da mudança
Mesmo sem a infraestrutura necessária, a turbulenta metrópole de São Paulo é hoje a cidade menos perigosa do país. Mas isso não significa que virou um mar de tranquilidade. O registro de crimes violentos (homicídio doloso, estupro e roubo de veículos) aumentou 35,2% no primeiro trimestre de 2014, em comparação com o mesmo período de 2013, de acordo com a Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo.
"Nunca se prendeu tanto como agora", diz a socióloga Camila Dias, professora da Universidade Federal do ABC. Prender apenas não resolve. "É preciso trabalhar na base: prevenção dos crime, e inclusão dos egressos da cadeia e das famílias as quais pertencem. "Tem preso que sai apenas com a passagem do ônibus. Sem perspectiva, ele vai reincidir. Vai recorrer ao PCC, e o Estado não consegue cortar o ciclo vicioso."
De acordo com os especialistas, o combate a violência no Brasil vai depender da realização de um diagnóstico profundo da realidade brasileira. E isso pode ser feito em curto prazo, se houver investimentos nas polícias. "Não precisamos de heróis, mas de profissionais bem preparados e equipados", diz Luciana. "Também é necessário planejamento. Saber onde se quer chegar. Com recursos para conhecer melhor o crime, o trabalho dos policiais pode orientar legisladores, e até mesmo a prefeitura, em cuidados básicos como iluminação - ferramenta importante na segurança.
NÚMEROS DA VIOLÊNCIA COM JOVENS
PRESOS - 54% é o total de presos, negros e pardos em presídios
HOMICÍDIO - 326,1% foi o crescimento das mortes violentas de jovens entre 1980 e 2011, e o da população, 60%
46,9 mil mortes na faixa etária entre 14 e 25 anos foram registradas em 2011. O País está em 7º lugar no ranking das nações com o maior índice de homicídios de jovens
73,2% dos jovens morreram por meio violento, como arma de fogo
27,7% das mortes de adolescentes foram em acidentes de trânsito
223% foi o crescimento de homicídios na Bahia, o maior do Brasil
3% dos óbitos, da população não jovem, foram homicídios
39,3% das mortes entre jovens foram por assassinato
139,4 é a taxa de homicídio por 100 mil habitantes em Simões Filho, cidade baiana com o maior número de mortes violentas no Brasil
NÚMEROS DO CRIME NO BRASIL
566,8 mil casos de roubo, em que os ladrões levaram carros, atacaram bancos, cargas de caminhões, pedestres e casas
18,1% foi o crescimento do estupro, crime que mais aumentou no ano passado
50,1 mil homicídios, o maior índice registrado na história do Brasil. O número inclui os dolosos (47.103), assaltos seguidos de morte (1.810), e lesão corporal seguida de morte (1.162)
584 mil pessoas estão presas no Brasil, que é o 4º país com a maior população carcerária do mundo. Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (681.600) ocupam as primeiras posições
Fonte: O Estado de S. Paulo - Especial - Fóruns Estadão Brasil 2018 - Segurança Pública - Quarta-feira, 28 de maio de 2014 - Pg. H2 - Internet: clique aqui.

Menos achismo e mais evidência científica no debate

João Manoel Pinho de Mello*
João Manoel Pinho de Mello
Há duas correntes no debate sobre violência. [1ª] Para os “mano dura”, o crime é uma escolha e a impunidade seu motor. Implícitas estão as suposições de que os bandidos agem racionalmente, além da crença na incapacitação, isto é, um bandido preso é um a menos para delinquir. [2ª] O outro lado diz que o crime é “socialmente construído”, em particular pela pobreza e a desigualdade.
Há também um ceticismo sobre o efeito dissuasivo das penas. Ambos têm razão, e moderação contribui para um debate produtivo. Mas o que falta não é moderação, e sim qualificação. Salvo honrosas exceções, os argumentos não são informados por evidência científica. Exímios comentadores em outros temas confundem a correlação com a causa ao falar de violência. Preso à ideologia, o debate é nefasto à política pública. Afinal, os argumentos não ultrapassam as platitudes de discussão de bar. Exemplo: a queda expressiva dos homicídios em São Paulo. Uma banda acha que foi endurecimento do policiamento e o aumento do encarceramento; outra atribui à melhoria nas condições socioeconômicas. Na falta de evidência, um achismo é tão bom quanto o outro. Por que a indiferença à evidência científica? Em parte faltam dados experimentais.
A queda dos homicídios em SP foi acompanhada de aumento no encarceramento, que já estava subindo desde meados dos anos 1990, quando os homicídios ainda subiam fortemente. Maior encarceramento é manifestação de policiamento mais efetivo, o que aumenta tanto a dissuasão como a incapacitação dos bandidos. Mas encarceramento também é consequência do crime. Há mais prisões onde há mais crime. Pode-se diminuir a dúvida sorteando quais estados aprisionam mais e menos. A aleatorização permite interpretar as diferenças como o efeito causal do encarceramento. Infelizmente, ou não, sortear quase nunca é possível. A falta de experimentação não é desculpa para o vale tudo. A literatura mediu o efeito incapacitação usando técnicas não experimentais que imitam experimentos.
Os pesquisadores Paolo Buonanno e Stephen Raphael, em artigo publicado na American Economic Review, mostram que o perdão coletivo de presos aumentou o crime na Itália, o que sugere que o efeito incapacitação é grande. Em artigo publicado no Journal of Political Economy, os especialistas Rafael Di Tella e Ernesto Schargrodsky mostram, para criminosos e crimes parecidos, que a reincidência é maior entre os que vão para a cadeia do que entre os que recebem penas alternativas, como tornozeleira. O que fazer? Prender mais seletivamente porque cadeia ao mesmo tempo que incapacita é escola do crime? Ou prisão perpétua para todos, para evitar a reincidência causada pela escola do crime? A sociedade deve decidir.
A ciência orienta quanto aos fatos científicos. Incapacitação e reincidência são apenas alguns dos temas de estudos. O que é criminogênico, a droga ou sua proibição? É melhor espalhar o efetivo policial para dirimir o deslocamento do crime, ou concentrá-lo em áreas problemáticas? 
* JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO É DOUTOR PELA UNIVERSIDADE STANFORD E PROFESSOR TITULAR DO INSPER. É COORDENADOR DA AMERICA LATINA CRIME AND POLICY NETWORK DA LATIN AMERICAN AND CARIBBEAN ECONOMIC.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Especial - Fóruns Estadão Brasil 2018 - Segurança Pública - Quarta-feira, 28 de maio de 2014 - Pg. H2 - Internet: clique aqui.

A violência migrou da capital para o interior

Entrevista com Julio Jacobo Waiselfisz*
Bárbara Bretanha

Só uma política nacional, baseada em novas diretrizes, 

pode conter o que ele considera uma "epidemia"

Julio Jacobo Waiselfisz - sociólogo

 - Quais são os principais problemas do combate à violência no Brasil?
Waiselfisz: Em primeiro lugar, há um problema histórico de crescimento da violência no País. O sistema de informação da mortalidade do Ministério da Saúde mostra um crescimento íngreme durante mais de duas décadas, desde a virada do século aproximadamente. E os índices de violência homicida cresceram 5% ao ano. O Ministério da Justiça implantou, no ano 2000, o primeiro plano nacional de enfrentamento da violência e foi criado o fundo de segurança pública, que angaria recursos para estados mais violentos - que na época eram São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e suas grandes regiões metropolitanas. Em 2003 foi criado o Estatuto do Desarmamento para retirar armas de circulação e esses dois fatos conjugados com recursos dos estados começaram a baixar a violência nas regiões metropolitanas.
- A mudança de quadro teve consequências?
Waiselfisz: Se em algumas regiões os índices começam a cair por causa dos investimentos, essa violência se translada para outros estados ou para o interior – locais em que a estrutura de combate à violência era muito arcaica e a polícia mal equipada, porque esses municípios não eram violentos. Há um processo migratório. Maranhão, Goiás, Paraná, principalmente Alagoas, que antes eram relativamente tranquilos, passam a estourar o mapa da violência. O grande problema é que adotamos políticas concentradas nas capitais, mas a violência já não está nas capitais. Ela se espalhou pelo País.
- Em seu estudo, o senhor aponta para o crescente aumento de morte de jovens. Chega até a comparar os números de óbitos com o de guerras civis. Não é exagero dizer que vivemos uma espécie de epidemia?
Waiselfisz: Não é exagero. Os especialistas na área dizem que índice epidêmico é quando ultrapassa 10 homicídios por 100 mil habitantes. O número de homicídio entre os jovens é maior.
- Tem como conter a epidemia?
Waiselfisz: A epidemia se espalha a menos que se adotem medidas sanitárias. No Brasil, na virada do século, ainda havia alguns estados, como Rio Grande do Norte e Maranhão, que tinham de seis a nove homicídios por 100 mil habitantes, abaixo do patamar epidêmico. Em 2011, já não tínhamos nenhum estado abaixo do nível. Em Santa Catarina, o menor, o índice estava em 12,6. A taxa de violência que se concentrava nas grandes capitais e grandes municípios até 2003, polos de violência até então, caiu aproximadamente 15% até 2010, mas ela continuou aumentando no interior.
- O foco da violência agora é a cidade pequena?
Waiselfisz: A violência cresce nos municípios com até 5 mil habitantes. A epidemia existe e se espalhou em nível nacional, e continua a se espalhar.
- Essas mortes têm conexão com o tráfico de drogas?
Waiselfisz: Eu acho que há uma parcela da violência que está relacionada ao tráfico, mas não é o que mais explica o fenômeno. Uma pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público analisou inquéritos de homicídios de 16 unidades federativas para verificar se as causas são fúteis, banais, como ciúme e desavenças, por exemplo, ou se tem a ver com o crime organizado. A pesquisa comprovou que só no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro o crime por impulso é minoria. Nas outras unidades, 14% ou mais dos inquéritos são provocados por motivos fúteis ou por impulso. Uma outra pesquisa mostra que, se por um lado a droga pode estimular maior agressividade, não explica a maior parte de nosso homicídios.
O homicídio é a principal causa de mortes não naturais e violentas entre os jovens
- O que isso quer dizer? Trata-se da cultura da violência?
Waiselfisz: Há uma cultura da violência, sim, que pensa que o conflito se resolve matando, não negociando uma solução. A civilização avança justamente na capacidade de encontrar soluções. Mas ela não avança na guerra.
- Quais medidas poderiam solucionar ou melhorar esse problema?
Waiselfisz: Há formas de enfrentar. No Brasil esses problemas costumam ser tomados como um fenômeno natural, algo inevitável como um tsunami. Há muitos programas internacionais de enfrentamento exitosos. No Brasil, isso também acontece. São Paulo, por exemplo, que era o quarto estado mais violento em 2010, com pouco mais de 40 homicídios por cem mil habitantes, é hoje um dos estados menos violentos, com 2 a 3 homicídios, e os números continuam caindo.
- O que o estado fez?
Waiselfisz: São Paulo tomou medidas adequadas. Tiveram bom investimento, capacitaram melhor as forças de segurança, deram aval tecnológico, construíram cárceres para que as delegacias sejam para enfrentar a violência e não “hotéis-prisão”. Também apareceram organizações, como o Instituto Sou da Paz e o Instituto São Paulo Contra a Violência, que começaram a investir em segurança pública na região metropolitana. Enfim, uma série de confluências fez as taxas elevadas caírem drasticamente, até mesmo em Diadema, que contava com o índice mais alto, de 40 homicídios por 100 mil habitantes. Ou seja, tem formas de enfrentar a violência, com investimentos, com a participação da sociedade civil. Aqui, quando se quer resolver o problema se compra mais viaturas – muitos problemas são de polícia, mas outros não são, e precisam ser enfrentados também.
- Dizem que no Brasil a polícia nunca prendeu tanto como nos dias de hoje. Como o senhor vê essa afirmação?
Waiselfisz: É verdade. O Brasil tem uma das maiores populações carcerárias do mundo. Temos hoje aproximadamente 500 mil presos e a tendência é aumentar. O Brasil bota na cadeia quem não deveria, e quem deveria ser preso fica livre. Uma outra pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público levantou que 139 mil inquéritos por homicídio, que aconteceram antes de 2007, ainda estavam sem solução e que as delegacias tem muito mais capacidade de resolução. E isso é só uma parte do processo. Nosso índice de resolução comparado com outras partes do mundo é extremamente baixo. Com esse nível de impunidade fica difícil combater a violência. Apenas de 3% a 4% dos culpados vão para a cadeia.
- Precisamos de novas diretrizes na segurança pública?
Waiselfisz: Não é problema de diretriz. Falta uma política nacional de enfrentamento da violência. Existem acordos pontuais entre estados, mas não há política nacional, principalmente contra a violência letal. Se não há política, não dá para estabelecer diretrizes.
- O senhor trabalha no Mapa da Violência há mais de uma década. Quais foram as principais descobertas e quais as maiores mudanças observadas?
Waiselfisz: Além da migração, há outras mudanças significativas. A primeira é a crescente vitimização de jovens e jovens negros. Se em 2002, ano que já temos dados fidedignos de raça e cor, havia aproximadamente uma diferença de 60% a 70% a mais de mortes no conjunto da população negra que na de brancos, em 2012 a diferença subiu para 150%. Morrem duas vezes e meia mais negros e o índice sobe para 250% na população de jovens. E a tendência é continuar crescendo. Proporcionalmente, cada vez se mata mais jovens. Cerca de 50% dos homicídios são de jovens que, por sua vez, constituem 25% da população, o dobro do que seria esperado.
- Quais são as metas que o senhor gostaria de apresentar às autoridades para 2018?
Waiselfisz: Uma série de reformas, que tem a ver com o processo de Justiça e suas articulações: do código processual, das polícias – temos polícias enfrentadas, com nomes e estruturas diferentes –, da morosidade do nosso aparelho de Justiça. Já existem alguns projetos, mas que ainda não foram realizados. Queria ver essa reforma concretizada no próximo mandato. É a única forma que o País pode encarar a violência com probabilidade de êxito.
* Júlio Jacobo Waiselfisz é sociólogo argentino de 73 anos, graduado pela Universidade de Buenos Aires, com pós-graduação em Planejamento Educacional. Tem mais de 20 livros sobre violência e juventude.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Especial - Fóruns Estadão Brasil 2018 - Segurança Pública - Quarta-feira, 28 de maio de 2014 - Pg. H5 - Internet: clique aqui.

Discussões pedem nova abordagem para a violência

Para especialistas, também é preciso unificar (e qualificar) o trabalho das polícias civil e militar

José Vicente da Silva Filho

Com uma lista de palestrantes internacionais, jornalistas especializados, representantes de organizações não governamentais e institutos e consultorias ligadas ao assunto, a segunda rodada da série Fóruns Estadão 2018 trouxe uma discussão que afeta a vida de todos os brasileiros, a segurança pública. Foram três debates, realizados na sede do Insper, instituto de ensino e centro e geração de informação, localizado na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo, na sexta-feira passada. Os palestrantes trocaram experiências sobre a eficiência da repressão ao narcotráfico, a chamada guerra às drogas, as estratégias de policiamento e a desejada unificação das polícias civil e militar no País e a força das penas e prisões em dissuadir criminosos.
“Nosso objetivo nessa série de eventos é tentar discutir um pouco mais as evidências, o que a experiência internacional pode nos ajudar, o que as pesquisas acadêmicas mostram sobre as políticas de combate às drogas. São temas difíceis e importantes”, afirmou Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper, na abertura do debate. “O que desejamos é que no final a gente consiga chegar a algumas respostas, algo que se possa levar a nossas instituições e estados para que uma mudança de fato possa começar a tornar a segurança pública e penal mais eficiente”, disse o representante do Estado, o jornalista Marcelo Godoy, com 20 anos de experiência na cobertura de assuntos ligados à criminalidade. Entre as principais conclusões, está a necessidade de uma nova abordagem para a questão das drogas.
Polícia
Estratégias de policiamento e unificação das polícias foi o tema do coronel José Vicente da Silva Filho, ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança no governo de Fernando Henrique Cardoso, e Claudio Beato, sociólogo e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, atualmente coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública (Crisp). Eles falaram sobre os novos papéis da polícia – com a moderação do jornalista Bruno Paes Manso.
Claudio Beato
“Por que a democracia foi incapaz de reduzir os níveis de violência”, perguntou Manso ao provocar os debatedores na apresentação do tema de discussão. A Constituição de 1988 manteve a separação entre polícia civil e polícia militar – um resquício dos anos de ditadura. “A divisão de tarefas entre quem prende e quem investiga estimula a violência”, afirmou Paes Manso. Para os debatedores, a manutenção da divisão entre as polícias atende mais a interesses corporativos do que efetivamente às necessidades da população.
“Nossa polícia tem um acidente histórico, a divisão, que se consolidou como algo natural”, disse o coronel José Vicente da Silva Filho. “E isso não é natural.” O coronel afirmou em sua palestra que o custo da violência chega a 5,09% do PIB. E que se não houvesse razões humanitárias e sociais, a economia já seria uma ótima justificativa para uma ação responsável e unificada a favor da segurança pública. “Gastamos mal, disse Silva. “A ideia da unificação das polícias é que o custo pode ser menor e o resultado bem mais eficiente.” Hoje, a polícia civil de São Paulo esclarece 2% dos casos que investiga, de acordo com os especialistas da área. “E essa porcentagem é sorte, não método”, disse Silva.
“A unificação das polícias na Constituinte de 1988 foi um arranjo para preservar interesses”, afirmou o sociólogo Claudio Beato. “São duas instituições poderosas, com baixo grau de prestação de contas e existe uma certa cultura de segredo. O resultado é a letargia institucional dessa área.”
O coronel e o sociólogo concordaram que na estrutura atual há pouca troca de informações, o que é um empecilho à modernização das ações policiais. Faltam aos investigadores acesso e treinamento a ações que envolvam inteligência. Hoje, a maioria esmagadora das prisões no Brasil são realizadas em flagrante, não fruto de investigação.
Bruno Paes Manso
Outra preocupação dos debatedores foi com as atividades paralelas dos policiais, como os bicos remunerados e o trabalho em segurança privada, por exemplo, além do desvio de funções, como o envolvimento de policiais em milícias. “A segurança privada é a que mais cresce no País”, disse o coronel Silva. "E só atende parte da população.” “A milícia é o estágio mais avançado do crime organizado no Brasil”, disse Beato. “São o que temos de mais parecido com uma máfia.”
José Vicente da Silva Filho (Ex- secretário nacional de Segurança):
"Desde 2003, 1 milhão de brasileiros tiveram morte violenta."
“Hoje se mata 30 vezes mais jovens no Brasil que no Peru e oito vezes mais que na Argentina. Ser jovem no Brasil é estar em risco de morte.”
“Toda sociedade tem a polícia que merece. É preciso lutar por ela.”
“A boa polícia não tem sobrenome, nem adjetivo. Ela não tem de ser civil ou militar”.
Claudio Beato (sociólogo):
"Segurança pública é inevitável. O que se pode pensar é qual o papel dela.”
“Existe divisão entre as instituições, centros de pesquisa e as polícias.”
“Nunca entendi a razão de o policial trabalhar em turnos, como se o crime funcionasse em turnos.”
“Imagine uma política de saúde divorciada de conhecimento – tem como tratar um câncer sem saber o que ele é e como atua no organismo? É esse o problema da segurança pública no Brasil.”

Bruno Paes Manso (jornalista):

"O policial militar sabe que o ciclo completo da atividade policial não vai ser cumprido e por vezes o julgamento e condenação são feitos com as próprias mãos.”
“A divisão de tarefas entre as polícias estimula a violência.”
“Entre 70% e 80% das prisões no Brasil são em flagrante, e a fé pública do policial é levada em consideração, muitas vezes mais até que as evidências concretas.”

Fonte: O Estado de S. Paulo - Especial - Fóruns Estadão Brasil 2018 - Segurança Pública - Quarta-feira, 28 de maio de 2014 - Pg. H5 - Internet: clique aqui.

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