«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A sociedade do cansaço e do abatimento social

Leonardo Boff
Filósofo, teólogo e escritor

«Um dito da revolução de 1968 dizia: “metrô, trabalho, cama”.
Agora se diz: “metrô, trabalho, túmulo”.
Quer dizer: doenças letais, perda do sentido de vida.»
CAPA DO LIVRO MENCIONADO NO ARTIGO

Há uma discussão pelo mundo afora sobre a “sociedade do cansaço”. Seu formulador principal é um coreano que ensina filosofia em Berlim, Byung-Chul Han, cujo livro com o mesmo título acaba de ser lançado no Brasil (Editora Vozes, 2015). O pensamento nem sempre é claro e, por vezes discutível, como quando se afirma que “cansaço fundamental” é dotado de uma capacidade especial de “inspirar e fazer surgir o espírito” (cf. Byung-Chul Han, p. 73). Independentemente das teorizações, vivemos numa sociedade do cansaço. No Brasil além do cansaço sofremos um desânimo e um abatimento atroz.

Consideremos, em primeiro lugar, a sociedade do cansaço. Efetivamente, a aceleração do processo histórico e a multiplicação de sons, de mensagens, o exagero de estímulos e comunicações, especialmente pelo marketing comercial, pelos celulares com todos os seus aplicativos, a superinformação que nos chega pelas mídias sociais, nos produzem, dizem estes autores, doenças neuronais: causam depressão, dificuldade de atenção e uma síndrome de hiperatividade.

Efetivamente, chegamos ao fim do dia estressados e desvitalizados. Nem dormimos direito, desmaiamos.

Acresce ainda o ritmo do produtivismo neoliberal que se está impondo aos trabalhadores no mundo inteiro. Especialmente o estilo norte-americano que cobra de todos o maior desempenho possível. Isso é regra geral também entre nós. Tal cobrança desequilibra emocionalmente as pessoas, gerando irritabilidade e ansiedade permanente. O número de suicídios é assustador. Ressuscitou-se, como já referi nesta coluna, o dito da revolução de 68 do século passado, agora radicalizado. Então se dizia: “metrô, trabalho, cama”. Agora se diz: “metrô, trabalho, túmulo”. Quer dizer: doenças letais, perda do sentido de vida e verdadeiros infartos psíquicos.

Detenhamo-nos no Brasil. Entre nós, nos últimos meses, grassa um desalento generalizado. A campanha eleitoral turbinada com grande virulência verbal, acusações, mentiras e o fato de a vitória do PT não ter sido aceita, suscitou ânimos de vindita por parte das oposições. Bandeiras sagradas do PT foram traídas pela corrupção em altíssimo grau, gerando decepção profunda. Tal fato fez perder costumes civilizados. A linguagem se canibalizou. Saiu do armário o preconceito contra os nordestinos e a desqualificação da população negra. Somos cordiais também no sentido negativo dado por Sergio Buarque de Holanda: podemos agir a partir do coração cheio de raiva, de ódio e de preconceitos. Tal situação se agravou com a ameaça de impeachment da Presidenta Dilma, por razões discutíveis.

Descobrimos um fato, não uma teoria, de que entre nós vigora uma verdadeira luta de classes. Os interesses das classes abastadas são antagônicos aos das classes empobrecidas. Aquelas, historicamente hegemônicas, temem a inclusão dos pobres e a ascensão de outros setores da sociedade que vieram ocupar o lugar, antes reservado apenas para elas. Importa reconhecer que somos um dos países mais desiguais do mundo, vale dizer, onde mais campeiam injustiças sociais, violência banalizada e assassinatos sem conta que equivalem em número à guerra do Iraque. Temos ainda centenas de trabalhadores vivendo sob condição equivalente à escravidão.

Grande parte destes malfeitores se professam cristãos: cristãos martirizando outros cristãos, o que faz do cristianismo não uma fé mas apenas uma crença cultural, uma irrisão e uma verdadeira blasfêmia.

Como sair deste inferno humano? A nossa democracia é apenas de voto, não representa o povo, mas os interesses dos que financiaram as campanhas, por isso é de fachada ou, no máximo, de baixíssima intensidade. De cima não se há de esperar nada, pois entre nós se consolidou um capitalismo selvagem e globalmente articulado, o que aborta qualquer correlação de forças entre as classes.

Vejo uma saída possível, a partir de outro lugar social, daqueles que vêm debaixo, da sociedade organizada e dos movimentos sociais que possuem outro ethos [ética] e outro sonho de Brasil e de mundo. Mas eles precisam estudar, se organizar, pressionar as classes dominantes e o Estado patrimonialista, se preparar para eventualmente propor uma alternativa de sociedade ainda não ensaiada, mas que possui raízes naqueles que no passado lutaram por um outro Brasil e com projeto próprio. A partir daí:
  • formular outro pacto social via uma constituição ecológico-social,
  • fruto de uma constituinte exclusiva,
  • uma reforma política radical,
  • uma reforma agrária e urbana consistentes e
  • a implantação de um novo design de educação e de serviços de saúde.

Um povo doente e ignorante nunca fundará uma nova e possível biocivilização nos trópicos.
LEONARDO BOFF
Teólogo, filósofo e escritor brasileiro - autor deste artigo

Tal sonho pode nos tirar do cansaço e do desamparo social e nos devolver o ânimo necessário para enfrentar os entraves dos conservadores e suscitar a esperança bem fundada de que nada está totalmente perdido, mas que temos uma tarefa histórica a cumprir para nós, para nossos descendentes e para a própria humanidade. Utopia? Sim. Como dizia Oscar Wilde:se no nosso mapa não constar a utopia, nem olhemos para ele porque nos está escondendo o principal”. Do caos presente deverá sair algo bom e esperançador, pois esta é a lição que o processo cosmogênico nos deu no passado e nos está dando no presente. Em vez da cultura do cansaço e do abatimento teremos uma cultura da esperança e da alegria.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 7 de janeiro de 2016 – Internet: clique aqui.

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