«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 29 de março de 2016

Onde a Operação «Mãos Limpas» errou

Entrevista com Donatella Della Porta
Socióloga italiana, professora de Ciências Políticas e Sociologia no Instituto Universitário Europeu (European University Institute), Florença, Itália. Conhecida pelos seus estudos nos seguintes campos: Movimentos Sociais, corrupção, violência política e sociologia política.

Pieter Zalis

Estudiosa da operação que devassou a corrupção na Itália, a socióloga Donatella Della Porta diz como a Lava-Jato pode evitar as falhas de sua antecessora
DONATELLA DELLA PORTA
Socióloga italiana

Em 1990, a socióloga italiana Donatella Della Porta, hoje professora na Escola Normal Superior de Florença, começou a estudar a corrupção empresarial no seu país. Não havia nem chegado às primeiras conclusões quando, dois anos depois, a Itália deflagrou a Operação Mãos Limpas, a maior investigação destinada a desvendar a engrenagem de corrupção entre políticos e empresários de um país.

A partir daí, a socióloga entrevistou mais de uma centena de políticos, juízes, especialistas e analisou montanhas de processos. O resultado foi um mapa preciso das brechas que fizeram com que a Mãos Limpas, que teve 5000 invetigados e 1300 condenados, deixasse um legado frágil aos italianos. Nesta entrevista, por telefone, a socióloga analisa os erros cometidos na Mãos Limpas e fala dos cuidados que a [Operação] Lava-Jato deve tomar para evitar destino semelhante.

A Operação Mãos Limpas foi um marco no combate à corrupção, mas, segundo a senhora afirma, não transformou a Itália num país melhor. Onde ela falhou?

Donatella Della Porta: O grande erro foi acreditar que o Poder Judiciário conseguiria mudar sozinho o corrupto sistema italiano. A chamada «revolução dos juízes» não tinha força para isso. Uma transformação significativa necessitava que uma profunda reforma política fosse feita em paralelo às investigações policiais e às decisões judiciais. E isso não aconteceu.

E por que essa reforma política não ocorreu, mesmo com o enfraquecimento dos partidos tradicionais e o surgimento de novos?

Della Porta: É verdade que os dois principais partidos políticos, o Socialista e a Democracia Cristã, sumiram do mapa, o que pôs fim à chamada Primeira República e deu início à Segunda República. Mas isso foi apenas uma mudança de rótulo. A renovação da classe política não significou uma renovação das práticas. Houve apenas reciclagem dos velhos problemas através de novos partidos.

A senhora se refere ao [partido] Forza Italia de Berlusconi?

Della Porta: É preciso lembrar que Silvio Berlusconi se tornou um empresário de sucesso graças, sobretudo, aos contratos públicos que conseguiu por meio de sua relação com Bettino Craxi (ex-líder do Partido Socialista Italiano e primeiro-ministro da Itália de 1983 a 1987). Dessa «nova política», estava, como outros, bastante imbricado com os mecanismos de corrupção que vigoraram na chamada Primeira República. Mas ele era muito poderoso, detinha o controle de veículos de comunicação e massa e havia crescido no meio político. Assim, diante de uma oposição fraca, apresentou-se como um inovador. Todos, naquele período, achavam que os políticos estavam sujos e os empresários, limpos.
BETTINO CRAXI
Ex-Primeiro Ministro italiano, membro do Partido Socialista

É um pouco diferente do Brasil, onde os empresários estão sendo condenados antes dos políticos.

Della Porta: Na Mãos Limpas, houve o que considero ter sido uma falha na estratégia investigativa, além da questão do isolamento do Judiciário. Isso é reconhecido pelos próprios juízes que participaram da investigação. Os investigadores trataram os empresários como vítimas, para que eles colaborassem com a operação e assim se pudesse chegar aos políticos. Mas a corrupção precisa ser vista como um crime de mão dupla, em que há o corruptor e o corrompido. Essa condescendência para com o setor empresarial foi um dos motivos que levaram Berlusconi a conseguir se fortalecer politicamente.

A senhora concorda com os que dizem que a Mãos Limpas foi responsável pela ascensão ao poder de um populista como Berlusconi?

Della Porta: Em parte. Na verdade, Berlusconi é fruto do erro da Mãos Limpas de não ter conseguido avançar na condenação de políticos como ele próprio. Ele já havia sido acusado de corrupção em 1994. Como as acusações não se transformaram em condenações, continuou firme na construção de sua hegemonia política.

O que fez com que as acusações não se transformassem em condenações?

Della Porta: O juiz Piercamillo Davigo disse certa vez que «a repressão de criminosos tem o efeito provocado pela ação de um predador: melhora as habilidades da presa». O cenário pós-Mãos Limpas estimulou os corruptos a se sofisticarem e evoluírem em sua habilidade de corromper o sistema. As propinas deixaram de ser divididas por meio de partidos, por exemplo, para ser distribuídas de forma muito mais individualizada, de empresários para políticos. Esse fator, aliado à não implementação de uma série de medidas necessárias, fez com que «nós pegássemos apenas as presas mais lentas e deixássemos livres as que correm mais rápido», para citar mais uma vez o juiz Davigo.

Que medidas necessárias e não implementadas foram essas?

Della Porta: Todas as mudanças discutidas depois da deflagração da Operação Mãos Limpas naufragaram. Após o auge da crise, o Parlamento italiano criou, em 1996, uma comissão para propor mudanças constitucionais que permitiriam importantes avanços nas investigações sobre a corrupção. Em dois anos de trabalho, surgiram propostas como:
* tirar a imunidade de parlamentares, que não podiam ser investigados sem autorização do Parlamento,
* disponibilizar mais verbas para investigações,
* realizar uma ampla reforma eleitoral e
* também na administração pública.
Mas essas iniciativas nunca passaram da fase do debate. Nenhuma delas havia sido aprovada em 2001, quando o partido de centro-esquerda perdeu o poder. Com a ascensão de Berlusconi, a situação se inverteu. O que ocorreu foi exatamente o contrário: o avanço das iniciativas para bloquear a luta contra a corrupção. A classe política se uniu para dizer que as investigações eram uma forma de intromissão do Judiciário na política. Assim, foram aprovadas medidas para reduzir a autonomia do Judiciário. 

No Brasil, também existe o risco de que, depois de uma eventual mudança de governo, partidos ou pessoas investigadas cheguem ao poder. Como fazer para que as investigações não venham a ser interrompidas?

Della Porta: É importante que o Judiciário mantenha sua independência em relação ao poder político e que a opinião pública se mobilize caso o grupo político que porventura venha a assumir o governo tente passar leis com o intuito de enfraquecer a atuação dos investigadores. Mas isso não significa que o Judiciário deva desprezar o apoio político ao seu trabalho. A experiência italiana mostra que um Judiciário isolado, sem nenhum suporte do poder político, não consegue fazer tudo o que é preciso.

Em 1992, a Mãos Limpas tinha um grande apoio da opinião pública. Por que isso mudou?

Della Porta: Essa é uma lição que tem de ser aprendida. A atenção da opinião pública é normalmente curta. Para mantê-la, em casos assim, deve haver a percepção da esperança. As pessoas precisam acreditar que algo pode mudar. Caso contrário, tendem a se distanciar do assunto e a se tornar mais cínicas.

No Brasil, apesar de todas as evidências de corrupção, muitos ainda estão dispostos a ir às ruas para defender o atual governo. Sabemos que não foi assim na Itália.

Della Porta: Sim, nesse aspecto os contextos brasileiro e italiano são diferentes. No caso italiano, os principais alvos da Mãos Limpas não tinham um legado que poderia ser defendido. Vendo a situação brasileira hoje, parece evidente que muitos ainda têm na memória as recentes reformas sociais realizadas pelos governos petistas e pretendem defendê-las. Os democrata-cristãos [na Itália] não tinham nada parecido para mostrar à população italiana.

Quando a senhora diz que a Mãos Limpas não melhorou o país, não está sendo pessimista?

Della Porta: Um levantamento feito em 2005 pela Transparência Internacional mostrou que 50% dos italianos acreditavam que a corrupção tinha aumentado nos três anos anteriores; e outros 38%, que continuava igual. Ou seja, quase 90% da população não via nenhum avanço no país. Essa percepção era corroborada pela realidade, ao menos de acordo com dados de 2003. Segundo as estatísticas do governo italiano, os casos registrados de crime e de pessoas envolvidas em corrupção praticamente triplicaram naquele ano, comparados aos de 1992.

Por que a senhora se interessou em estudar a corrupção empresarial e o que mais a surpreendeu nesses anos todos de pesquisa?

Della Porta: Meu interesse sempre foi sociológico. Queria entender a dinâmica do crime, e, nesse sentido, as entrevistas que fiz foram bem interessantes. Muitos dos meus entrevistados estavam diretamente envolvidos em corrupção, mas queriam falar porque se sentiam traídos. Viam-se como as únicas vítimas de um sistema que, consideravam, tinham ajudado a derrubar. Por meio dessas conversas, aprendi, por exemplo, que a praticada corrupção não é fácil.

O que isso quer dizer?

Della Porta: Não é simplesmente um processo em que alguém dá um envelope de dinheiro ao outro e pronto. A realidade é complexa, inclui mesmo uma linguagem especial. Isso porque as pessoas que se envolvem com esse tipo de crime não querem se considerar criminosas. São indivíduos que fazem parte de uma elite, econômica ou política, e que, por isso, têm uma necessidade de «legitimar» a prática da corrupção. Isso começa pelos nomes que dão às coisas. Não dizem propina, mas «doação». As pessoas que eles compram não são indivíduos corrompidos, mas seus «amigos». Muitos chegam a dizer que é preciso honestidade para praticar corrupção – da mesma forma que membros da máfia disseram aos juízes que uma das razões por que o sistema político explodiu era que os políticos foram «desonestos». O que eles queriam dizer com «desonestos» é que os políticos não mantiveram a palavra.

Se pudesse dar um conselho ao juiz Sergio Moro com base na experiência da Operação Mãos Limpas, qual seria?

Della Porta: Moro não pode deixar que se crie uma imagem de que é um juiz partidário. Aqui, apesar de todos os partidos italianos terem sido investigados, um dos problemas foi que os juízes, no fim, não conseguiram se livrar da pecha de que eram comunistas atacando setores tradicionais da política. Berlusconi, através de seus veículos de comunicação, foi muito eficiente em manipular a opinião pública nesse sentido. É importante que todos os partidos brasileiros sejam investigados, se houver indícios de corrupção contra eles, e que Moro passe com transparência essa mensagem à população. Vendo do exterior, penso que é exatamente por esse caminho que as investigações da Lava-Jato correm.

Fonte: Revista VEJA – Edição 2471 – Ano 49 – Nº 13 – 30 de março de 2016 – Págs. 13, 16-17. Edição impressa.

«QUEM ACABOU COM A OPERAÇÃO MÃOS LIMPAS
FOI O CIDADÃO COMUM»

Entrevista com: Gherardo Colombo
Ex-magistrado italiano da Operação Mãos Limpas

Marcelo Godoy

Responsável pela investigação que inspirou a Lava a Jato, ex-magistrado da corte suprema italiana diz que a Justiça sozinha é incapaz de derrotar a corrupção
GHERARDO COLOMBO
Ex-magistrado italiano que atuou na grande Operação "Mãos Limpas" de combate à corrupção

Uma vida dedicada à luta contra a corrupção. Magistrado desde 1974, Gherardo Colombo chegou, enfim, em 2005 à Corte de Cassação, a suprema corte italiana. O antigo procurador e juiz de instrução trazia no currículo o trabalho em alguns dos maiores escândalos de corrupção da Europa, da loja maçônica P2 – que inspirou parte da trama de O Poderoso Chefão 3 – à Operação Mãos Limpas e aos casos que envolviam o grupo do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

Em 2007, Colombo renunciou à magistratura porque entendeu que não era possível combater a corrupção por meio da Justiça. Hoje, dirige uma editora e faz palestras, nas quais ensina a obediência às leis. Nessa semana, estará em São Paulo, no Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), para um debate sobre a Mãos Limpas, que serviu de modelo para a Lava Jato, e suas lições para o Brasil. A seguir, trechos da entrevista.

A investigação em 1981 sobre a P2 foi uma ancestral de Mãos Limpas?

Gherardo Colombo: Eu creio que sim. Quando descobrimos as cartas sobre a P2, achamos uma série de envelopes lacrados que continham informações sobre crimes que tinham relação também com quantias recebidas ilegalmente por personagens políticos.

Há mais de 20 anos a Mãos Limpas pôs de cabeça para baixo a política italiana. Qual é, para o senhor, a herança dela para os italianos?

Gherardo Colombo: A herança desse caso está no fato que pudemos constatar que, por meio de uma investigação judiciária, não se pode enfrentar a corrupção, quando ela é tão difusa como na Itália. Eu creio que hoje a corrupção não seja menos espalhada do que então. Investigamos por seis, sete anos. Fizemos processos até 2005 e, porém, a corrupção não diminuiu.

Como fica a cidadania quando as coisas terminam assim?

Gherardo Colombo: Para mim, a cidadania, os cidadãos comuns tiveram uma parte importante na decretação do fim da Mãos Limpas porque, no início, eram todos entusiastas na Itália das investigações, pois elas nos levavam a descobrir a corrupção de pessoas que estavam lá em cima. Mas, conforme elas prosseguiram, chegamos à corrupção dos cidadãos comuns: o fiscal da prefeitura que fazia compras de graça, que não fiscalizava a balança do vendedor de frios, que continuava a vender apresuntado como se fosse presunto...

Começaram a pensar que os senhores eram Savonarolas (Girolamo Savonarola, frade dominicano que governou Florença, na Itália, no século 15 e dizia que a moral dos cidadãos devia ser regenerada)?

Gherardo Colombo: Sim, pensaram isso: «Mas esses magistrados, o que querem fazer? Querem saber o que nós estamos fazendo?».

Para lutar contra a corrupção, é preciso também uma mudança nas pessoas?

Gherardo Colombo: Da educação, da cultura, seguramente. Eu estou convencido disso. Eu me demiti da magistratura por isso. 
SILVIO BERLUSCONI
Após vencer as eleições e se tornar Primeiro Ministro da Itália, trabalhou e fez aprovar leis que
dificultaram as investigações contra a corrupção e protegeram os políticos

No Brasil, dizem que a eleição de Berlusconi é um produto da Mãos Limpas. O que o senhor pensa disso?

Gherardo Colombo: Não penso assim. As modificações políticas que se verificaram na Itália são consequência em grande parte da queda do muro de Berlim.

Berlusconi, dizem, firmou-se no poder deslegitimando a magistratura. Houve na Itália uma estratégia consciente da classe política, do establishment, para acabar com a Mãos Limpas?

Gherardo Colombo: Sim. Isso pode ser. É preciso considerar que tudo isso começou após 1994, isto é, quando a Mãos Limpas havia começado a espraiar-se. O problema é que medidas relacionadas à prescrição dos crimes (diminuição do tempo de prescrição), à falsificação de balanço de empresas (que deixou de ser crime) e outras foram aceitas pelos cidadãos. Exceto no caso do decreto Biondi (conhecido como «salva ladrão», ele acabava com a prisão preventiva nos casos de corrupção, mas acabou rejeitado pelo Parlamento), os cidadãos progressivamente se desinteressaram dessas coisas, pois começamos a incomodar também as pessoas comuns.

Para deslegitimar a Mãos Limpas, dizia-se que os juízes eram «togas vermelhas». É possível ser magistrado em um país tão dividido politicamente, como a Itália? Como conservar a independência?

Gherardo Colombo: É muito importante ser absolutamente imparcial. Tratar todos os casos do mesmo modo, que é o que fizemos. Estávamos atentos e investigávamos cada notícia de crime que chegava. Sou muito tranquilo a respeito disso. Muitos nos acusaram de ser parciais, de favorecer algum expoente de uma força política em relação a outros ou de não investigar em um certo campo. Quando me perguntam sobre isso, eu respondo: se há alguém que conhece notícias de crime que não investigamos, diga-nos quais são. E ninguém jamais disse nada, salvo para falar de crimes já prescritos.

E o que deve fazer um magistrado quando se começa a discutir se ele, por acaso, não abusou do poder?

Gherardo Colombo: Continuamos a trabalhar tendo como ponto de referência a nossa Constituição e a nossa independência. Quer dizer que nós não nos deixamos influenciar por nada.

Antonio Di Pietro (magistrado que atuou com Colombo na Operação Mãos Limpas) disse ao [jornal] O Estado de S. Paulo que há um paralelo entre Mãos Limpas e as investigações em curso no Brasil sobre a Petrobrás. O senhor crê que é possível comparar esses dois casos?

Gherardo Colombo: Eu conheço muito pouco a situação brasileira para poder responder a essa pergunta.

Di Pietro entrou na política – é líder do partido Italia Dei Valori. O que isso significou para a magistratura?

Gherardo Colombo: Quando ele entrou na política já se havia demitido da magistratura.
ANTONIO DI PIETRO
Foi um dos magistrados envolvidos na investigação e processos judiciais da Operação "Mãos Limpas".
Após deixar a magistratura, fundou um partido e tornou-se deputado.

Qual o papel dos empresários na corrupção? Pode-se usar o conceito de corrupção por indução para explicar o papel dos empresários?

Gherardo Colombo: Geralmente não eram vítimas de extorsão. Algum deve ter sido, mas o que acontecia era outra coisa: os empresários, por meio da corrupção, obtinham recursos públicos que, sem isso, não teriam. A corrupção trazia vantagem, seja para o funcionário ou para o político, que recebia o dinheiro, seja para o empresário, que pagava. O custo da propina era sustentado pelos cidadãos, que pagavam impostos, porque os empresários incluíam isso no preço dos contratos com o governo.

Alguns investigados diziam que eram acusados com base na lógica e não de acordo com as provas. O senhor acredita que um líder político não pode não saber do que se passa no seu partido ou em seu governo?

Gherardo Colombo: Creio que há uma ideia pouco precisa sobre como o Ministério Público trabalha. Não é que um procurador acorda de manhã: «Ah, talvez, aquele ali corrompeu alguém. Vamos apurar». Não é assim. É necessário a notícia de um crime. Jamais aconteceu de nós processarmos alguém dizendo: «Ele não podia não saber». Existiam fatos. Quando alguém era processado, havia provas. Elas consistiam em movimentação de dinheiro, em testemunhos. Essas críticas eram feitas por quem não lia suficientemente os processos.

Que fim levaram as pessoas que apoiavam a Mãos Limpas e gritavam: Milano ladrona, Di Pietro non perdona? Votaram no Berlusconi?

Gherardo Colombo: Não sei. É preciso perguntar a elas. Existe ainda hoje quem se escandaliza por causa de propinas, mas, para mim, parece que o comportamento da opinião pública hoje é muito diferente em relação a 30 anos atrás. Continuam a dizer: «Esses políticos, são todos corruptos etc». Mas a partir disso não surge um comportamento coerente. Talvez haja uma consequência: o abstencionismo nas eleições, porque na Itália o voto não é obrigatório.

Como se deve tratar as interceptações telefônicas? Pode-se divulgá-las se há interesse público, ainda que envolvam cargos altos da República?

Gherardo Colombo: Na Itália, nesse caso, há imunidade para quem está no Parlamento. O Ministério Público pode tornar público atos secretos só se são necessários à investigação. Basta um parecer. Pelo que me lembro, esse é um poder que nunca usamos. De resto, pode ser divulgado tudo o que chega ao conhecimento do investigado.

O senhor se demitiu da magistratura. Agora como luta contra corrupção?

Gherardo Colombo: Eu me demiti da magistratura em 2007, embora pudesse continuar a ser magistrado por mais 14 anos. Decidi isso porque, para mim, é impossível marginalizar o desrespeito à lei se não se muda a cultura. Sou agora um editor – penso que, por meio dos livros, é possível fazer isso. E, sobretudo, vou muito às escolas falar com os estudantes. Tento comunicar a eles a importância das regras, quando elas vêm da Constituição, que, na Itália, parte da constatação de há igual dignidade de todas as pessoas. Isso quer dizer expulsar a discriminação. Vejo cerca de 50 mil estudantes por ano. Eles reagem bem e são muito disponíveis para essa discussão.

E isso lhe dá esperança no futuro?

Gherardo Colombo: Se não a tivesse, não o faria.
PLENÁRIO DO PARLAMENTO ITALIANO

PARA LEMBRAR

250 milhões de dólares
é o total de propinas que teriam sido pagas a representantes de cinco partidos políticos da Itália só no escândalo Enimont, que deu origem às primeiras ações da Operação Mãos Limpas, em 1992.

2.500
é o toral de condenados nos processos judiciais relacionados à Operação Mãos Limpas na Itália.

40%
dos processos contra deputados e senadores foram anulados porque o Parlamento negou a licença para processar os acusados.

Partidos políticos acabaram
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a Itália era governada pela Democracia Cristã (DC) sozinha ou em coligação com até quatro outros partidos – o Liberal Italiano (PLI), o Republicano Italiano (PRI), o Social Democrata Italiano (PSDI) e o Socialista Italiano (PSI).
Fora do governo, havia a esquerda, com o Partido Comunista Italiano (PCI) e a Democracia Proletária (DP), e a direita, com o Movimento Social Italiano (MSI).
Foi esse sistema partidário, com o financiamento de campanhas e distribuição de obras públicas a empresários por meio de propinas, que foi alvo da Operação Mãos Limpas. Em dois anos, tudo ruiu – os partidos da situação foram dissolvidos. O PCI deixou a foice e o martelo e virou Partido Democratico della Sinistra (PDS) e o MSI, Aleanza Nazionale (AN).
Pouco antes das eleições de 1994, Silvio Berlusconi fundou seu partido, o Forza Italia. E venceu o pleito.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Domingo, 27 de março de 2016 – Pág. A9 – Internet: clique aqui.

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