OBSTÁCULOS AO SÍNODO SOBRE A FAMÍLIA
Editorial
National Catholic
Reporter
30-07-2014
«O Instrumentum
Laboris de 50 páginas, ou
“Documento de Trabalho”, que foi lançado no dia 26 de junho e vai orientar
a discussão durante o SÍNODO DOS BISPOS SOBRE A FAMÍLIA em outubro tinha um tom seco e impessoal, quase sem vida,
e confundiu-nos aqui no National Catholic
Reporter», escreve o editor da publicação americana na introdução ao
editorial publicado abaixo.
Para ter acesso à íntegra desse documento,
clique aqui.
Segundo
o editor, "a partir da experiência pessoal e de colegas, leitores e
amigos, temos experimentado o casamento e a vida familiar como doadores de vida
e de alegria. Casamento e vida em família não existem sem seus desafios e
lutas; oferece amplas lições de humildade e perdão, mas até isso, no melhor dos
tempos, pode ser estimulante. Se os
escritores do Instrumentum Laboris,
que supostamente agora é para ser estudado nas dioceses de todo o mundo,
tivessem começado através da experiência fundamental de pessoas que viveram
casamentos e que criaram famílias, perguntamo-nos, quão diferente teria sido
este documento?
Então
pedimos a dois colaboradores da National Catholic
Report para responder a esta pergunta: Se
o Sínodo dos Bispos perguntasse minha visão sobre o casamento, o que eu diria?
Na segunda-feira, publicamos a resposta de Mike
Leach. Na terça-feira, a de Melissa
Musick Nussbaum.
Eis o editorial.
Os
líderes da Igreja, olhando a paisagem contemporânea, concluíram que o casamento
está sob ataque de uma forma sem precedentes, e eles estão determinados a
corrigir isso neste momento.
Essa
avaliação e desejo são aparentes nas 50 páginas do Instrumentum Laboris, ou “Documento
de trabalho”, para o Sínodo dos Bispos sobre "Os Desafios Pastorais da
Família no Contexto da Evangelização", agendado para outubro deste
ano no Vaticano. O instinto pode ser compreensível, até mesmo louvável, mas o
caminho para cumpri-lo é cheio de obstáculos complexos. Os bispos, infelizmente, parecem não saber dos obstáculos mais
ameaçadores, muitos deles inerentes à própria cultura na qual eles trabalham.
Desde
que o Papa Paulo VI estabeleceu o
formato em 1965, o SÍNODO DOS BISPOS reuniu-se 13 vezes em sessões ordinárias,
duas vezes, em sessão extraordinária, e também realizou 10 reuniões
"especiais" com foco em questões em áreas específicas do globo.
Os encontros têm produzido pouco fora do
esperado. Eles têm sido benignos nos melhores casos e regressivos no
pior dos casos. A maior parte deles ocorreu durante o papado de João Paulo II, que parece ter tido
pouca preocupação que seus documentos finais resumissem o conteúdo das reuniões
suportando qualquer semelhança com o que havia sido realmente dito. Eles eram,
no final, seus sínodos e iriam concluir o que ele queria que concluíssem,
ignorando as perguntas que ele queria que a Igreja ignorasse.
Somos
levados a esperar maior autenticidade de um sínodo inspirado no Papa Francisco, simplesmente pelo fato
de que ele parece muito mais tolerante
com perguntas e diálogo reais do que o seu antecessor.
Por
conseguinte, o Instrumentum Laboris
para a próxima sessão extraordinária (outra sessão ordinária para lidar com o
mesmo assunto será realizada em outubro de 2015) traz algumas observações
notáveis e perguntas sobre temas como lei
natural e católicos divorciados e
recasados.
É
imperativo, no entanto, entender primeiro a cultura na qual a mentalidade deste
sínodo está enraizada. Tão diversas como as questões e personalidades
envolvidas nas reuniões de bispos de todo o mundo, uma linha comum une todos
esses encontros. Eles foram, sem exceção, organizados, vividos e interpretados
para todo o mundo por uma pequena representação da humanidade, por celibatários
exclusivamente masculinos cujas carreiras têm sido, em grande parte, dedicadas
à manutenção do status quo de uma
fraternidade muito exclusiva.
A disparidade entre aqueles que estarão
fazendo as falas e decisões e quem vai ser o objeto falado - o Instrumentum está preocupado
principalmente com homens e mulheres casados, bem como pessoas homossexuais - é, neste caso, particularmente gritante.
Não
para se desfazer tão facilmente da matéria, mas imagine um sínodo sobre o
estado clerical em que homens ordenados fossem apenas tangencialmente
consultados, e em que fossem essencialmente impedidos de qualquer participação
direta na formação da conversa ou na própria conversa.
O
problema é bastante evidente na primeira página de introdução do Instrumentum, que explica que, durante a
primeira fase em 2014, “os Padres sinodais irão examinar cuidadosamente e
analisar as informações, depoimentos e recomendações recebidas das Igrejas
particulares, a fim de responder aos novos desafios da família”. Na segunda
fase em 2015, o trabalho continuará por uma representação de "uma grande
parte do episcopado."
Todos
esses homens vão considerar as respostas de um questionário apresentado por
"Sínodos das Igrejas Orientais Católicas... conferências episcopais, os
departamentos da Cúria Romana e da União dos Superiores Gerais."
Famílias reais são finalmente mencionadas
como entre outros - dioceses, paróquias, movimentos, grupos e
associações eclesiais - permitidos a
enviar as respostas classificadas como "observações". Por alguma
razão, a palavra está em itálico no texto.
O ponto
é fácil de atingir. Todo este exercício poderia ter um pouco mais de
credibilidade se as famílias reais - esposas, maridos, mães, pais, pessoas que
criaram crianças, seus próprios filhos biológicos, bem como filhos adotivos -
tivessem alguma entrada mais direta. Este
projeto está necessitado da experiência de outras pessoas além de homens
celibatários e mulheres que se entregaram a um modo de vida muito diferente
daquele da maioria das famílias no mundo moderno.
* * *
O
segundo grande obstáculo é o ponto de vista fundamental do Sínodo de que o
casamento, ao contrário do estado clerical, está em situação problemática
especial e de que precisa de atenção especial da Igreja, a fim de descobrir
como combater todos os "ismos" que estão a agredi-lo. A verdade
significativa reside na crítica àqueles que veem o casamento e a família
extremamente desafiada por costumes contemporâneos do consumismo, de ganância,
de individualismo, de secularismo, de hedonismo e de relativismo.
No entanto, é justo perguntar o quanto
maior é o número de famílias que estão com problemas hoje do que estavam,
digamos, durante o século passado, quando o dobro do mundo
estava em chamas e sujeito a manifestações quase inimagináveis de ódio,
derramamento de sangue e desrespeito por outros seres humanos, e durante as
décadas em que o mundo esteve à beira da aniquilação nuclear.
Por
fim, o quão eficaz pode ser um sínodo em
sua análise sobre o casamento e a família, quando, novamente, os homens
celibatários da instituição insistem em regras sobre anticoncepção que grande
parte da comunidade tem sistematicamente rejeitado por mais de 50 anos?
Uma
seção do documento abunda em crescente retórica da Igreja sobre o casamento, comparando-o
ao amor trinitário de Deus e ao relacionamento de Cristo com sua Igreja. O
casamento é chamado de "o grande mistério" e uma fundamental
"comunidade de amor".
Mas
quando se fala de sexo, a mais profunda expressão humana de suportar o amor
entre duas pessoas, os seres humanos são reduzidos ao nível de babuínos, seu
único propósito legítimo para praticar sexo é a produção de seres humanos mais
pequenos. O amor e a procriação são
reduzidos à necessidade biológica. E se isso não é a intenção principal de cada
ato sexual, então o casamento é fundamentalmente falho nos olhos da Igreja.
O Documento
de Trabalho para o sínodo afirma que a razão pela qual o ensino da Igreja é
rejeitado deriva de catequese ruim. Muitas pessoas casadas diriam ao sínodo que é por causa da pior
teologia e antropologia. Os homens que fazem as regras realmente não
entendem a profunda alegria e implicações infinitas do amor conjugal em um
relacionamento comprometido e duradouro. Eles não entendem, de nenhuma forma
contínua ou experiencial, a "comunidade de amor" fundamental. Trata-se muito mais do que produzir
descendentes. Paternidade responsável envolve muito mais do que fazer com que
cada dimensão da expressão sexual deva resultar em uma criança.
Nem o
documento se endereça, de forma alguma, sobre o significado que o casamento
poderia ter para aqueles incapazes de conceber, ou aqueles que se casam além de
seus anos férteis. E ousamos mencionar a realidade que mantém pressão sobre nós
com uma lógica que parece ser aceita por mais e mais segmentos da comunidade -
os homossexuais estão em um relacionamento amoroso comprometido?
Talvez
a dinâmica de consequências não intencionais que acompanhou as reuniões do
Concílio Vaticano II, há 50 anos, será praticada nessas reuniões, e se realize
uma discussão muito mais profunda e criativa dessas questões do que parece
possível inicialmente.
Como
sugerido acima, alguns sinais encorajadores pipocam através do longo Instrumentum, e dois são particularmente
relevantes aqui. O primeiro é o termo “lei
natural” em mais de duas páginas e meia gastas com o fato de que o conceito
"acaba por ser, em diferentes contextos culturais, altamente problemático,
se não completamente incompreensível."
Pode-se
acrescentar que é incompreensível,
não só devido à variedade de contextos culturais, mas também porque, em um nível mais básico, é uma
forma ultrapassada de abordar muitas dessas questões.
O
documento preparatório também promete um debate robusto e atrasado sobre as
pessoas em "casamentos
canonicamente irregulares" e como abordá-los com uma maior ênfase na
"misericórdia, clemência e indulgência para com novas uniões."
Finalmente,
há a esperança de que os encontros se
expandirão em alguns dos termos do documento que mencionam a necessidade da
Igreja de olhar para si mesma, especialmente os escândalos e os clérigos que
vivem luxuosamente. A discussão vai valer a pena se levar, como deveria, a um
exame aprofundado dessa cultura. Na verdade, poderia se argumentar que essa
discussão e exame é muito mais urgente do que um outro conjunto de documentos
que tentam arranjar católicos casados para seguir todas as regras.
Traduzido
do inglês por Caio Fernando Flores
Coelho [com algumas correções de: Telmo
José A. de Figueiredo].
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